Malú

Capítulo 25


Aline sente o sol arder em seu rosto, tem certeza que tinha fechado as cortinas antes de dormir, então abre um dos olhos e encontra Malúsorrindo. Ela sabe que tem um pedido escondido por entre aquele sorriso mostrando todos os dentes.

— O que éMalú? Que eu saiba hoje você não tem aula- resmunga Aline coçando os olhos. Ela pega o tablet e lê a mensagem - Eu sei que hoje é o dia de voltar ao grupo da psicóloga, mas dá para sossegar o facho, pois ainda são onze horas?

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Malú respira fundo enquanto observa Aline se vira para continuar a dormir. Por mais que não quisesse, sua ansiedade a está matando. Pega o seu travesseiro e sorri maliciosamente e então desfere um golpe com ele na cabeça de sua tia que acorda assustada.

— Malú!- grita Aline levantando. Ela estreita os olhos enquanto Malú ri sem que nenhum riso saia. A tia pega então o seu travesseiro e o amassa nas mãos enquanto ameaça - Corra, mas corra muito, mocinha...

Malú salta da cama e corre do quarto, quase tropeçando nas escadas. Apesar de não olhar para trás, sente que sua tia não está tão longe dela. Passa pela Adelaide que está com as roupas novas de cama e corre em direção à sala de jantar, onde pára abruptamente. Aline quase atropela Malú parando ao lado da sobrinha.

A mesa está repleta de comida, mas a melhor parte é não ter as terríveis irmãs as esperando. A parte ruim é que Maria Luísa, a matriarca, as observa na ponta da mesa com cara de poucos amigos. Malú sabe o motivo: não desceram para o café, estão atrasadas para o almoço e ainda não estão vestidas adequadamente.

— Boa tarde – cumprimenta Maria colocando o guardanapo sobre a mesa. Ela acena em direção a uma das empregadas que rapidamente tira seu prato.

— Bom dia – retruca Aline abraçando Malú enquanto encara a Senhora Almeida.

— Sentem-se antes que a comida esfrie. Não queremos que aconteça o mesmo que no café. – ordena Maria, séria. Assim que as duas sentam , ela se levanta , caminha em direção Aline e toca em seu ombro dizendo — Espero que isso nunca mais se repita.

— Como quiser senhora. – responde Aline, intimidada com o olhar de Maria.

— Não é por que o Thiago está ausente cumprindo sua função de chefe da família que aqui se tornou a casa da Mãe Joana. – comenta Maria, irritada. —Estou indo resolver alguns assuntos... Mas, não se preocupem, o Reginaldo ficará a disposição de vocês. Espero as duas para o jantar. Até logo.

As duas observam Maria caminhar até a saída e então se olham, riem e então comem o delicioso e mais tranquilo café da manhã/ almoço que já tiveram.

***

Malú desce do carro ao lado de Aline, evita ao máximo demonstrar, mas está nervosa em ver Benjamin novamente. Tenta se convencer que é um nervosismo por ele ter sido um mala, mas o fato é que de alguma forma, ele mexe com ela.

— Pronta? - pergunta Aline abrindo a porta do consultório. Malú sorri para ela indicando que sim — Lá vamos nós.

— Olá, meninas - diz Ariadne que esperava na recepção —Fico feliz em saber que a Malú decidiu vir à sessão.

—Na verdade ela veio para o grupo - confessa Aline torcendo os lábios.

— Ah, é mesmo? - pergunta Ariadne, surpresa — Bom, vamos ver se sua insistência convence o Benjamin.

As três caminham em direção a sala onde ocorrem as reuniões do grupo. Assim que a porta se abre,Malú prende a respiração. Ariadne começa a caminhar em direção a Benjamin, mas Malú a ultrapassa, quase correndo. Ela toca no ombro de Benjamin que se vira admirado com a garota.

"Oi" diz Malú em libras” Eu vim aqui pedir para participar do grupo".

"Olá, onde aprendeu a falar em Libras? Cansou de usar seu tablet luxuoso ou ficou com medo de eu roubá-lo?" - pergunta Benjamin. Malú fica paralisada, não entende nada do que ele diz “Entendi... só aprendeu essa frase não é? Tão previsível..." conclui Benjamin em Libras que com muito esforço ,Malú entende.

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“Ensine-me.” pede Malú escrevendo em seu tablet. “Eu prometo fazer tudo o que você pedir, só preciso de uma chance".

“Por que você quer tanto entrar em um grupo como o nosso, de gente pobre e excluída? Você é rica... Aposto que isso é só mais um de seus momentos para o tal Reality" escreve Benjamin, irritado.

“Eu nunca fui rica... você não sabe da minha história. E quer saber? Se prefere me ofender a me ajudar, pode ficar com o seu grupo idiota que eu me viro sozinha" escreve Malú, irritada.

“Apareça amanhã às quinze horas e veremos se é sagaz como tentou me mostrar agora" escreve Benjamin que entrega o tablet e continua falando com o pessoal do grupo, ignorando o olhar surpreso de Malú.

Ela caminha de volta para a tia e Ariadne tentando disfarçar a alegria que está sentindo por finalmente ser aceita no grupo de Libras.

— E então? – pergunta Aline, curiosa.

“Amanhã, às 15 horas." Escreve Malú, sorrindo.

— Que ótimo - diz Ariadne olhando para seu relógio de pulso. Ela sorri para Malú que ergue a sobrancelha sem entender nada– Isso significa que hoje nós temos sessão. Vamos, Malú? Acho que nós temos muito que conversar.

***

— Então, Maria Luísa, como se sente com relação aos últimos acontecimentos? – pergunta Ariadne encarando a jovem.

“Existindo" escreve Malú respirando fundo.

— Malú, você pode fazer melhor que isso – alega a psicóloga.

“O que quer saber?"

— Tudo, como se sente, o que pensa, do que tem medo, receio... O que te alegra. Tudo o que você sentir que deve me contar.

Malú encara a tela de seu tablet enquanto organiza mentalmente cada uma de suas informações. Então ela começa a escrever, cuidadosamente, tudo o que estava guardando somente para si. Depois de alguns minutos, a jovem entrega o tablet para a psicóloga e então olha para a janela tentando segurar o choro.

“Existindo é a única palavra que chega perto de descrever o que sinto no momento. Eu estou existindo, mas eu não sinto que estou vivendo minha vida. Todos os dias, por alguns segundos, sinto que tudo isso é só um sonho e levantarei da minha cama, no quarto minúsculo que divido com a tia Aline. Irei até a cozinha e encontrarei minha mãe fazendo pão esquentado de ontem com uma fatia de mussarela. Tia Aline acabando de chegar do Hotel bufando e cheirando a cigarro e bebidas... E o tio Ícaro lendo seu jornal, ou então me esperando com um livro. Irei sentar a mesa, conversaremos sobre os caras bêbados do Bar, ou alguma notícia do jornal. Rimos de alguma besteira do tio... Minha mãe irá me avisar que estou atrasada para aula. Sairei correndo pra pegar minhas coisas e então ela irá me parar em sua frente, fará o sinal da cruz em minha testa, boca e coração...” Que Deus lhe guarde, te leve e traga você de volta pra mim, minha menininha" Seriam essas palavras. Eu responderia de volta... Porque na minha vida eu ainda falo: Amém, mãe. E irei pra escola. Minhas amigas estarão lá... O carinha que eu gosto sentará na minha frente e eu prometerei mais uma vez que irei falar com ele.

Depois desses segundos... Estou de volta à Mansão. Desço e tudo é diferente... Só me restou a Tia Aline e ainda assim ela não é mais a mesma, mas ela se esforça. Porém, minha mãe não está lá... Ícaro não está lendo seu jornal... Não tem pão esquentado com mussarela, posso pedir, mas não é do mesmo jeito. Lá está meu pai, minha avó e minha futura madrasta com sua irmã. Uma sessão de ofensas para acompanhar meu café da manhã. Então vou para a escola exatamente no horário com o motorista ou tia Aline. Até com a minha Tia não recebo a benção, mesmo assim tento ficar bem e entro na escola. Uma escola a qual ninguém fala comigo e minhas amigas andam ocupadas demais...

E eu não falo... Eu tento todos os dias, luto por isso todos os dias... E a cada dia que se vai, minhas chances diminuem... As vezes duvido se realmente estou viva. Esse é o meu medo... Da Malú que eu era ter morrido... E estar apenas existindo, igual a uma bela lembrança.

Porque estou apenas existindo... Mesmo sabendo que existir não é o suficiente."

Ariadne segura o tablet em suas mãos por um longo tempo, então devolve a Malú que enxuga suas lágrimas, rapidamente.

— Eu sinto muito por tudo o que aconteceu com você. – diz a psicóloga – Mas hoje, eu vi essa Malú que você pensa que morreu. Ela está aí dentro de você, apenas adormecida esperando encontrar um motivo para seguir em frente.

“Mas eu não tenho nenhum motivo para seguir em frente. Você acha que eu já não pensei em dar um fim nessa minha dor? Eu penso todos os dias. Mas eu não posso..."

— O que passa em sua cabeça quando esse tipo de ideia vem a sua mente?

“Se eu tentar isso, não estarei matando só a mim, como minha tia... Eu sei disso, mas as vezes a dor é tão insuportável e não pode falar... Não poder gritar é... uma tortura sem fim."

— Malú, você pode gritar. Mas você precisa realmente querer isso... Só você pode fazer esse grito acontecer. Quanto mais você guardar para si, mais você irá se distanciar do seu grito de liberdade desse silêncio que tomou conta de você.

“Parece loucura... Mas eu consigo falar... Quando vejo minha mãe" revela Malú.

— Você tem visto sua mãe? Onde? Quando?

“Eu vejo minha mãe em todo lugar quando a chamo, mas já tem um tempo que não tenho falado com ela. Mas é por que muita coisa aconteceu então... Ando meio ocupada".

— Já tentou falar com seu pai?

“O Thiago está viajando".

— Antes?

“A gente viajou juntos, ele me contou umas coisas sobre a história dele com a minha mãe. Mas... Eu não estou pronta para criar um laço com ele. Não ainda"

— Você ainda o culpa?

“A verdade é que eu já não sei de mais nada. Não sei mais o que é verdade, ou o que é mentira. Quem é o vilão, ou o mocinho. Eu só quero minha vida de volta."

— Malú, mas essa é a sua vida. Eu sei que não é da forma que escolheu... Mas essa é a sua vida e só você pode fazer valer a pena.

"Como? Como eu posso fazer valer a pena?"

— Pegue os momentos bons do seu dia e guarde com você. São poucos, minúsculos e quase imperceptíveis, mas eles ainda estão por aí. Brinque de caça ao tesouro com eles e verá que ainda há muita coisa boa, alegre e única acontecendo... E você está perdendo tudo isso tentando resgatar o passado. Então, a partir de hoje eu quero que faça essa caça ao tesouro e procure os momentos felizes, as coisas boas do seu dia e guarde com você, tudo bem?

“Está bem"

— Uau – solta Ariadne olhando para o relógio da sala – Ultrapassamos o tempo da sessão... Olha só, algo raro.

“É mesmo" escreve Malú com um leve sorriso.

— E aí temos o primeiro tesouro escondido: seu sorriso. Guarde-o.

“Pode deixar" Malú fecha o tablet e o guarda dentro da bolsa.

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Antes de sair da sala, dá mais um sorriso para a psicóloga que ergue as mãos,as fecha no ar e então as posicionam em seu coração: Ela também está guardando um tesouro.