Malú

Capítulo 18


Vera se espreguiça enquanto caminha em direção a cozinha do apartamento,repassa sua agenda de compromissos mentalmente para não esquecer nenhum evento do qual Thiago participaria. Abre a porta da geladeira, respirando fundo ao ver todas as prateleiras vazias.

— Ele ainda não me ligou – comenta Graziela fazendo Vera praticamente dar um pulo de susto.

Vera se vira em direção a sua irmã e a imagem que encontra não é das melhores: Graziela está sentada, com olheiras profundas indicando uma noite mal dormida, confirmada pelos cabelos bagunçados, roupa da noite anterior e dois maços de cigarros vazios, com os tocos no cinzeiro, o último cigarro ainda está no meio de seus dedos pela metade e na outra mão seu celular. Aquela cena surpreende Vera, pois há muitos anos Grazi havia parado de fumar e se tornado mais saudável.

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— Bom dia querida irmã – cumprimenta Vera encarando a irmã, enojada.

— Ele não me ligou Vera. Eu passei a noite toda aguardando uma ligação dele e nada – comenta Graziela transtornada ignorando a irmã.

—Você já tentou ligar para ele? – pergunta Vera arqueando a sobrancelha.

—Não, eu não irei fazer isso- recusa Grazi balançando a cabeça —Eu tenho meu orgulho...

—Eu espero que o seu orgulho encha a nossa geladeira – interrompe Vera, irritada — Que está completamente vazia. Então, se o seu orgulho não é capaz de sustentar a nossa casa e bancar nossa vida, acho melhor ligar para ele.

—Vera, eu não irei fazer isso, ele tem que vir atrás de mim – alega Grazi fumando o cigarro — Então eu irei esperar ele me ligar e tudo ficará bem.

— Graziela, eu tentarei ser mais clara o possível sobre o que estou lhe dizendo – começa Vera sentando de frente para a irmã — Nós estamos duras, lisas, sem nenhum tostão no bolso... Falidas. Nosso pai torrou toda a nossa herança antes de morrer com farras, bebidas, jogo e mulheres.

—Vera, eu sei o que o papai fez conosco...

—Não, você não sabe. Nós estamos vivendo de aparência, vendemos a casa para bancar o pouco de luxo que nos resta, vivemos nesse apartamento minúsculo, sem empregados, pois não temos dinheiro para mantê-los. E agora, nossa geladeira está oficialmente vazia, indicando que teremos de ir até a casa dos de Almeida mais uma vez fazer nossas refeições, pois o meu salário não consegue manter a nós duas. Então, minha querida irmã, você é a chave para voltarmos a ter a nossa vida. Ligue pra ele. – finaliza apontando para o celular de Graziela.

Graziela aperta a discagem rápida e em pouco tempo escuta a mensagem da caixa postal de Thiago.

—Caixa postal – informa Grazi desligando o telefone.

—Hoje pela manhã ele irá ao escritório. Ligue para lá – ordena Vera, impaciente.

Graziela disca relutante para o escritório de advocacia, em poucos minutos escuta a voz da secretária de Thiago do outro lado da linha:

— Escritório de advocacia Almeida & Associados, com quem eu falo por gentileza?

—Bom dia, gostaria de falar com Thiago de Almeida é a noiva dele.

—Desculpe, mas o senhor Thiago não virá ao escritório hoje – responde a secretária.

— Tudo bem, irei entrar em contato na residência, obrigada – agradece Grazi.

—A senhora provavelmente não encontrará o senhor Thiago em sua residência. – alega a secretária surpreendendo Graziela.

— Como assim? Aguarde um momento, por favor– pede Graziela encarando a irmã — A secretária dele disse que Thiago não irá para o escritório e provavelmente não estará em casa, Vera.

— Impossível – exclama Vera se levantando e indo em direção ao seu quarto. Em poucos minutos ela retorna com seu tablet nas mãos analisando a agenda de compromissos do noivo de sua irmã — Segundo a minha agenda, agora pela manhã ele estaria no escritório e a tarde teríamos alguns eventos da campanha. Dê o telefone, me deixe falar com essa lambisgóia. – ordena Vera tomando praticamente o celular das mãos de Graziela. — Alô, bom dia meu bem, aqui é a Vera, relações públicas de Thiago, poderia me informar onde ele se encontra no momento, pois segundo a nossa agenda, seu chefe deveria estar ai trabalhando...

—O Senhor Thiago está viajando – responde a secretária — Foi resolver assuntos particulares.

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—Querida, vou repetir novamente, sou relações públicas do Thiago, então essa história de assuntos particulares não existe para mim. Que assunto ele foi resolver?

—Senhora, me desculpe, mas não estou autorizada a responder. – responde a secretária.

— Tudo bem, lembrarei muito bem dessa recusa. Pode ao menos me dizer qual o itinerário? – pergunta Vera, irritada.

— Tudo o que posso informar é que o senhor Thiago deve estar no momento em Belo Horizonte. – responde a secretária — Posso ajudá-las em mais alguma coisa?

Vera desliga o celular, nervosa enquanto Graziela a encara, ansiosa.

— O seu querido noivo viajou para Belo Horizonte – revela Vera mordendo o lábio inferior, irritada.

— Eu não acredito que ele fez isso novamente!- solta Graziela, desesperada levantando da mesa — E agora, o que ele foi fazer lá dessa vez?

— Minha querida irmã, você precisa me dizer exatamente o que falou com ele ontem. - pede Vera Lúcia, séria levantando também. Ela cruza os braços — Ele não pode ter ido para lá sem nenhum motivo.

— Você sabe exatamente o que foi falado ontem - responde Graziela — Bom, agora só nos resta esperar ele voltar, novamente.

—Nada disso, não vamos ficar esperando ele voltar. Precisamos encontrar uma forma de descobrir o que ele foi fazer novamente naquela cidade.

— Talvez a Maria saiba de alguma coisa, assim podemos ter alguma pista.

— Ótima ideia e de quebra conseguimos um café da manhã decente - concorda Vera, pensativa —Será que a Malú sabe de algo?

— Pouco provável aquela ali vive isolada de tudo e todo. É bem capaz de ele voltar e ela nem ter percebido sua ausência - responde Grazi —Vamos, temos de descobrir o que o Thiago está tramando dessa vez.

***

Maria Luísa ajeitava as Tulipas de seu jardim com a ajuda de Adelaide, até escutar o carro de Vera entrar em sua propriedade atraindo atenção das duas senhoras. Do carro, saem Vera Lúcia e Graziela com cara de poucos amigos, elas caminham em direção a matriarca que limpa as mãos em seu avental e então tira seu enorme chapéu de palha, aguardando as irmãs se aproximarem, o que não demora muito.

—Bom dia, Maria – cumprimenta Graziela encostando seu rosto no de sua sogra.

— Bom dia, Graziela – responde Maria inclinando a cabeça em direção à Vera — Bom dia, Vera.

—Bom dia, Maria – responde Vera com leve impaciência.

— O que as trazem em minha casa? – pergunta a matriarca sem rodeios.

— Que bom que perguntou – responde Graziela, aliviada — Nós viemos falar com a senhora a respeito de Thiago. – ela se vira em direção Ariadne que está parada ao lado de Maria prestando atenção — a sós, se for possível.

— Adelaide, por gentileza, traga para nós,suco,água... – começa a pedir a matriarca.

—Café preto – interrompe Vera — E se possível alguns aperitivos, pois com a notícia que recebemos, nem tivemos tempo de apreciar o nosso café da manhã no conforto de nosso lar.

—Adelaide, prepare a mesa do lanche para nós aqui fora, sim? – pede Maria recebendo um leve aceno de cabeça de sua empregada. Maria se vira em direção ao seu coreto sendo acompanhada pelas irmãs. Ela senta na cadeira de madeira branca junto com as outras duas e enquanto olha para seu jardim, pergunta — Qual o motivo que as trazem aqui?

—A senhora deve estar ciente que Thiago viajou para Belo Horizonte – conta Graziela observando a expressão de Maria que continua a mesma — Nós queremos saber o que o levou a voltar para aquele lugar?

— Você não sabe? – questiona Maria recebendo um olhar surpreso de Graziela — Interessante, pois ele me disse que essa viagem foi ideia sua.

—Minha? Eu jamais pedi para que Thiago voltasse aquele lugar – reage Graziela,nervosa, recebendo um aperto de leve em seu braço de sua irmã.

— O que foi que ele disse a senhora? – pergunta Vera encarando a matriarca.

—A mim? Assim como vocês, eu não sei nada a respeito do que ele pretende nessa viagem. – responde Maria respirando fundo. Então ela encara sua nora — Eu não sei o que disse a ele a ponto de fazer com que meu filho levasse sua filha de volta a Belo Horizonte.

— Ele levou Malú embora? – pergunta as irmãs juntas, chocadas com a revelação.

—Até que se prove o contrário, sim – responde Maria, séria — Só espero que saibam o que estão fazendo, pois não foi do meu agrado essa decisão.

— Saiba que eu jamais pedi para que o Thiago levasse a Malú embora... – rebate Graziela colocando a mão sobre o peito, ofendida.

— Graziela, assim como você, também passei pela situação do meu marido ter um filho fora do casamento, então sei exatamente o que sente pela Malú. Dito isso, espero que pare de fingir estar ofendida, pois você venceuMalú não é mais uma pedra em seu caminho. – dispara Maria observando a expressão paralisada de sua nora. A matriarca se levanta e inclina a cabeça para as duas — Agora se me dão licença, tenho outros afazeres, mas não se preocupem, Adelaide irá trazer o café de vocês. Se quiserem, podem ficar conosco até Thiago regressar, ao que tudo indica a viagem será breve e ele estará de volta ainda hoje.

A senhora Almeida caminha para fora do coreto deixando as irmãs chocadas com suas palavras. Em poucos minutos Adelaide surge trazendo o café das duas que ainda se mantém em silêncio até a saída da empregada. Graziela então esboça um sorriso em direção da irmã que não entende o motivo.

— Conseguimos – solta Graziela, animada sacudindo os braços — A Malú foi embora, finalmente.

—Conseguimosnão, você conseguiu – corrigeVera, séria, demonstrando não estar muito animada com a situação. Ela pega um dos pães e morde, mastigando devagar, aumentando a tensão de Graziela que a encara curiosa. Vera então engole o pedaço — Eu estou achando tudo isso fácil demais, se fosse você, não contaria vitória antes do tempo, esperava ele voltar para saber o que está tramando.

—Quem se importa se foi fácil ou não? – questiona Graziela, animada — O importante é que Malú se foi e as nossas vidas voltarão a ser como eram. Você mexendo na campanha, eu me casando com Thiago e ele sempre sendo fiel a mim, só a mim.

— Graziela, menos, bem menos. – pede Vera, irônica, comendo mais um pão.

—Você não entende, ele me escuta. Ele segue as coisas que eu falo... Finalmente eu tenho voz nesse relacionamento. Quando ele voltar, falaremos sobre o reality show, quero que participe mais desse projeto. Estou pensando em apressar a data do casamento, talvez para antes das eleições...

—Graziela, pare – ordena Vera, séria — Já chega.

—Por quê? Está com inveja por eu ter conseguido me livrar da Malú antes de você? De eu ter mais influência nele que você? – provoca Graziela.

—Graziela,acorda meu bem. Se o Thiago quisesse se livrar da filha, teria apenas a colocado no avião e não ter ido com ela. Para mim, essa história está estranha.

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— Eu venci, eu venci – balbucia Graziela ignorando completamente sua irmã.

***

Aline conta os poucos minutos que ainda faltam para aterrissagem. Não pelo fato de estar viajando com Thiago , mas sim por ter medo de andar de avião. Durante o retorno, a única coisa que Malú consegue pensar é se realmente Thiago está disposto a mudar. Ela não quer criar nenhuma expectativa em torno dele, não quer perder o chão de novo. Então decidiu consigo mesma que vai ser igual a São Tomé: Ver para crer.

— Chegamos - avisa Thiago apontando em direção a janela do avião. Malú estica o pescoço tentando enxergar Curitiba de cima.

Assim que o avião pousa, Aline praticamente corre para fora dele, assustando Thiago. Malú e seu pai são recepcionados pelo frio local, a menina se encolhe perto de Thiago que fica feliz com o gesto e cheio de esperança de que um dia ela o aceite como seu pai. Os três entram no carro dirigido por Jaime, o motorista da família.

O trajeto até a casa foi em de um silêncio perturbador, Aline bufando de um lado, Thiago ignorando do outro e Malú sem ter para onde fugir. Aline e Thiago nem se quer olhavam um para o outro, como se não existissem. Ela tenta disfarçar, mas está admirada com a imensidão da mansão. Aquela admiração a faz ter mais raiva de tudo aquilo ter sido negado para Anna. Jaime estaciona o carro e ajuda a descer as malas junto com Thiago.

Assim que o candidato abre a porta é recepcionado por sua noiva e a cunhada, ambas com o olhar de preocupação. Até que elas olham para Malú e Aline que entram atrás de Thiago. A tia de Malú olha para o topo da escada, encontrando os olhos gélidos e curiosos da matriarca em sua direção que volta a caminhar desaparecendo.

— Bem vindos... Novamente – fala Grazi, irônica, chamando a atenção de todos.

— Ora, ora, até que enfim você apareceu, já estávamos preocupadas com seu paradeiro. – comenta Vera.

— Oi,Grazi. Olá, Vera. Não esperava a presença de vocês aqui - comenta Thiago, surpreso se aproximando da noiva.

— Pois é eu também não sabia que você iria mais uma vez a Belo Horizonte - retruca Graziela, irritada, lhe dando um beijo intenso. Ela limpa o batom vermelho manchado na boca de Thiago — Mas fazer o quê, se o nosso relacionamento é baseado em segredos.

— Tudo bem, Grazi – concorda Thiago tocando na mão da noiva — Eu segui seu conselho.

— Meu conselho? - pergunta Graziela esticando seu pescoço enquanto observa Aline de baixo para cima — Desculpa, mas de qual conselho está falando?

—Ontem, você disse que seria mais fácil cuidar da Malú se eu tivesse ajuda- recorda Thiago. Ele aponta para Aline que acena em direção a Graziela - Aline é a melhor amiga da Anna, ou pelo menos era... E cuidou da Malúaté... Hoje.

— Quer dizer então que essa aí veio para cuidar de uma adolescente? Que trabalho mais fácil. - provoca Vera.

— Garanto que é mais difícil que o seu... O que é que você faz mesmo? - pergunta Aline, cínica.

—Sou relações públicas do Thiago - responde Vera, irritada.

— E não sabia onde estava o seu patrão? Nossa... Inacreditável como seu trabalho é tão simples e nem o consegue fazer direito - provoca Aline,sarcástica. Ela se aproxima de Vera e sorri — Vou ajudar você: Ele me contratou também para ser a escrava sexual dele, então será que você pode cuidar para que esse segredo não corra pela imprensa? Se não conseguir, tudo bem. Eu tenho uma amiga que trabalha de recepcionista que consegue guardar isso melhor que você.

— Ora... Sua... Sua... Sua... — gagueja Vera tentando encontrar algo a altura.

— Desculpe-me, mas eu irei subir, pois até você formular uma frase é capaz de Malú já ter se casado. Vamos,Malú — ela caminha ao lado do jovem até a escada sem olhar para nenhuma delas.

— Inacreditável!- exclama Vera, encarando Thiago que segura o riso — Como ela...?

— Acho melhor você ir fazer o seu serviço, Vera- sugere Thiago.

— Vá, minha irmã. Eu preciso falar com meu noivo, a sós. – pedeGrazi, séria.

Sem dizer nada Vera sai, indo em direção ao escritório da casa. Graziela respira fundo e sorri para Thiago dizendo:

— De tudo o que eu falei para você... A única coisa que você conseguiu captar foi que precisava de ajuda?

—Sim... Algum problema? – pergunta Thiago, surpreso com a reação negativa de sua noiva.

— Sim, tem problema sim. Achei que você fosse esperto para entender que está na hora de você retomar a sua vida e deixar a Malú voltar para a cidade dela, de vez.

— Você está falando sério? - pergunta Thiago encarando sua noiva.

—Sim... Não me entenda errado, Thiago. Mas desde que ela chegou você tem deixado sua vida de lado. E a sua vida está uma verdadeira bagunça! Perdeu mais da metade do eleitorado, sem contar os preparativos do casamento, o escritório da sua família está às traças e... Tem muito mais. Isso é só a ponta do iceberg. - explica Graziela.

— Está dizendo que a chegada da Malú tem prejudicado a minha vida? - questiona Thiago passando a mão no rosto sem acreditar no que Grazi está falando para ele.

—Sim, eu acho - confirma Graziela — Eu gosto muito da Malú, mas não acho que seja o melhor momento para vocês tentarem essa relação "pai e filha". Espere tudo se resolver nos próximos meses e aí podemos cogitar essa união e nos transformarmos em uma família.

— Sério?- pergunta Thiago de braços cruzados.

— Amor, seja racional. Analise a situação e verá que no momento a Malú não se encaixa em nossos planos. - argumenta Graziela sorrindo.

—Então eu irei analisar tudo de forma racional - afirma Thiago, pensativo — Realmente a minha vida está uma verdadeira bagunça. E não estou dando conta do recado... Por óbvio devo cortar o elo mais fraco, para assim conseguir organizar minha vida. Neste caso, o elo mais fraco...

—Sim deve cortar o elo mais fraco - confirma Graziela se aproximando do noivo. Ela toca nos braços de Thiago, sorrindo — É a Malú.

— É o nosso casamento - conclui Thiago ao mesmo tempo em que Grazi, sério. Ele afasta as mãos de Grazi — Estou cancelando o nosso casamento, Graziela.