Mais que o Acaso.

Escolhas do acaso.


FELICITY

Me lembro como se fosse hoje, como foi todo o trajeto ao cemitério no dia do enterro de Barry. Prendi Bart sonolento a cadeirinha, no banco de trás do carro do Ray, entre Wally e eu. A cada segundo, me dava conta de como tudo aquilo era real, como não existia uma forma de voltar no tempo, e ouvir mais uma vez a risada dele, sua voz rouca e linda, aninhar meus pés frios entre os dele em uma noite fria, ou ver o olhar discreto de desejo, sempre que comprava um vestido novo.

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Ninguém conseguia falar, o choro travando a garganta, embargando a voz de tal forma que doía fisicamente. Andar era como estar atolada em um monte de lama e precisar de todo esforço e força de vontade para não afundar. Me sentia chapada, não a parte boa em ficar chapada, mas aquela em que tudo passa a funcionar no automático. Tenho vergonha de assumir, mas passei dois dias sem conseguir olhar para Wally, e dar de cara com o rosto de Barry, os trejeitos e acima de tudo a dor em seus olhos tão inocentes.

Eu não tive um pai, bom, tive um pai, mas não me lembro dele. Digamos que quando um cara abandona a esposa e filha de oito anos, não consegue ser o melhor exemplo do mundo. Mas Barry era maravilhoso, odeio admitir, as vezes melhor do que eu. Ele só tinha problemas em levantar durante a noite, por que depois de cair na cama, nada acordava Barry Allen. O que ele compensava com maestria durante o dia, ajudando-os em qualquer tarefa que precisassem, dando banho, trocando fraudas, por vezes pensava que ele possuía super velocidade. O que explica como foi difícil para meu filho mais velho se encontrar mais uma vez, depois que ele partiu.

—O que está lendo? –pergunto, vendo Wally estirado no tapete da sala, totalmente concentrado em o que parece muito uma revista cientifica.

Sinceramente, eu as vezes me pergunto como as mães que não deram à luz a super gênios passam seus dias. Wally parece culpado quando se dá conta da minha presença, e se levanta em um salto, escondendo a revista nas costas.

—Nada! –responde alarmado, péssimo mentiroso, igualzinho aos pais.

—Wallace Rudolph Allen! –digo lentamente andando em sua direção, a cada passo que dava, ele reagia dando um para trás.

—É sobre o artigo do meu pai. –murmura olhando para os próprios pés, e me entrega a revista sem levantar os olhos. Folheio rapidamente, percebendo a dedicatória de Barry a Cisco na capa, como se fosse alguém muito famoso. Sorrio com o sarcasmo conhecido em cada uma de suas palavras.

“Para meu parceiro e amigo, assim que enriquecer perderei o número do seu telefone, mas foi bom enquanto durou! B.”

—Como conseguiu isso? –pergunto semicerrando os olhos.

—O Sr. Queen me deu. –fala baixinho, sabendo que estava encrencado.

—Você viu o Oliver? –minha voz sobe uma oitava.

—Eu estava levando o lixo para fora, na semana passada, e ele só queria deixar isso no correio. –justifica com a voz tremula. –Foi o meu preço para te entregar no jogo do assassino. –então me lembro de Oliver comparando minha família a máfia Italiana, faz sentido agora.

—Por que não me contou? –devolvo a ele a revista e o vejo se sentar no chão, então seguro minha saia e me sento a seu lado.

—Por que você está brava com ele, e eu deveria te proteger. –me surpreendo com o seu tom sério. –Deveria estar bravo com ele também. Desculpe.

—Wally! –chamo e ele me olha de lado, os olhos verdes cintilando de culpa. –Oliver... –tento formular algo em minha mente que fizesse sentido, mas acontece que nem mesmo eu sei o que penso. –Ele é humano. –falo por fim. –Humanos erram, todos nós erramos.

-Ele me disse que não era por causa das árvores. –começa a dizer em tom de desabafo. –Que o papai não estava voltando por que queria vende-las comigo, era pelo trabalho. –permaneço estagnada ao lado dele, sem conseguir responder. –Não foi por que brigou com ele. –a cabeça de Wally se apoia em meu braço, ele falava como se aquilo fosse um peso retirado de seus ombros, e queria retirar também dos meus.

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Sei que não é verdade, eu gritei com Barry naquela noite, disse como ele precisaria começar a cumprir horário e não se atrasar mais em nada que tivesse relação com nossos filhos. Foi um mês duro para ele, com o fracasso do acelerado, a forma que seu projeto brilhante foi tão brutalmente desvalorizado. Mas Bart estava se recuperando de uma amigdalite infernal, Wally não parava de falar na minha cabeça desse bendito trabalho para os escoteiros, e havia tido um dia péssimo no trabalho. E quando ele começou a falar sobre ter conhecido pessoas legais no aeroporto, meu sangue ferveu, descontei minhas frustrações em Barry, como já havia feito tantas vezes, como ele já fez comigo inúmeras outras. Essa é a parte nada charmosa, que ninguém gosta de comentar do casamento.

—Oliver está certo, meu amor. –digo o abraçando. –Seu pai precisava trabalhar.

Era a segunda mentira de Oliver, mas essa não foi uma mentira ruim. Falei por milhares de vezes que não era culpa de Wally, conversei de todas as formas que pude. Pedi ao Joe, Ray e Eddie para fazer a mesma coisa, e nada. Não importa o quanto disséssemos ele ainda se culpava. Mas bastou uma única conversa com Oliver, e pronto. Isso me fez sentir uma enorme onda de afeição por ele.

OLIVER

—Como estão as coisas? –pergunto a Diggle que me esperava em frente ao elevador.

—Nada bem. –me entrega um copo de café, para estar fazendo isso, já indica um presságio apocalítico. –Sua mãe quer vê-lo na sala dela.

—John, pode digitar isso para mim? –entrego a ele uma folha de papel A4, e ele tenta ser discreto ao perceber do que se trata enquanto caminhamos em direção a minha sala.

—Tem certeza, Oliver? –pergunta quando estamos a sós, me olhando com seriedade.

—Preciso sair disso, de tudo isso, antes que não tenha mais volta. –ele assente, com um tipo de aprovação muda, me dou conta de que essa é sempre sua reação quando julga minhas atitudes maduras o suficiente para serem levadas a sério.

Não foi uma bela conversa, na verdade não posso chamar de conversa. Pedi demissão, antes de dar a chance a minha própria mãe de me demitir, o que a deixou de certa forma surpresa, e no meu caso, é como me livrar de grilhões que me prendem a anos. Estou ansioso para a próxima ação de graças, que irá equivaler a próxima vez quer precisarei vê-la.

John me ajudou a limpar minha mesa, Walter e Tommy se despediram de forma calorosa, dizendo que sentiriam minha falta nas reuniões. Bom, sei que foram sinceros, mas não sentiria falta nenhuma daquelas reuniões chatas e intermináveis. Pedi a Walter o favor de manter John, talvez promove-lo ao meu antigo cargo, o cara merece. Thea me esperava na porta da QC, em seu carro, estava radiante, cheia de planos.

—Vamos abrir um negócio! –afirmou.

—Vamos? –pergunto sorrindo ao ver os prédios da cidade passando rapidamente por nós.

—Sim. –confirma enérgica. –Uma boate nos Glades. –olho assustado ao constatar que ela estava falando muito sério, apesar do sorriso imenso em seu rosto. –É uma propriedade antiga do nosso pai, uma fábrica desativada. Estava conferindo nossas posses, acontece que ela está apenas no nosso nome.

—Nada da nossa mãe decidindo por nós? –começo a me animar com a ideia, Thea nega balançando a cabeça.

—Bom, teremos que investir na reforma, deixar o lugar mais moderno, contratar mão de obra, mas estou com um bom pressentimento Ollie!

—Speed, isso me parece maravilhoso! –concluo a vendo radiante.

—Só tem o seu problema com bebida. –ela fala baixinho, enquanto subimos a escadaria do meu prédio.

—Você vai estar por perto, para me manter na linha. –a empurro de leve com meus ombros, por minha mão estar ocupada com a caixa enorme de papelão com minhas coisas pessoais da QC. –Poderia vir morar aqui... –minha voz se perde ao ver uma garota loura usando um vestido azul, sentada nos degraus de frente para a porta do loft, que fez meu coração disparar feito o de um adolescente.

Thea abre um largo sorriso e se adianta para dar um abraço em Felicity que retribui com o mesmo entusiasmo. Então me olha sem jeito, como se não soubesse como reagir. Minha irmã destranca a porta e faz o caminho contrário, dizendo que iria buscar as coisas dela, que não teria mais como retirar a oferta. Dou risada, me sentindo leve pela primeira vez em dias, e convido Felicity a entrar.

—Oi. –sussurro, só então me dando conta de que ela estava realmente ali, a minha frente.

—Me desculpe, ter vindo sem avisar. –todas as palavras certas, pareciam erradas saindo dos lábios dela, que costumam ser atrapalhados e impulsivos.

—Está tudo bem. Precisou esperar muito? –pergunto deixando a caixa sobre a mesa.

—Quarenta e três minutos. –solta rapidamente, agora sim é a Felicity. –Não que estivesse contando...

—Claro. –murmuro um tanto abobado.

—Eu só queria te dizer obrigada. –semicerro os olhos, sem reação. –Por ter dito ao Wally que não foi culpa dele.

—Por que não foi. –falo sem hesitar.

—Eu sei. –ela sorri, pouco, como se estivesse tentando não fazer. –Não foi sua culpa também. –me pega de surpresa, mas seus olhos azuis estavam presos aos meus me impedindo de romper a ligação. –Nem minha. –suspira com pesar, e vejo o brilho das lágrimas que se acumulavam. –Não foi culpa de ninguém.

—Eu sinto muito. –sussurro. –Sinto por ter mentido, sinto por ter...

—Está tudo bem. –mais uma vez, o sorriso rápido. –Por que você trouxe aquela caixa? –aponta em direção à mesa, como se não pudesse mais conter a curiosidade.

—Pedi demissão.

—Sinto muito... –parece culpada, o que me faz esboçar um pequeno sorriso.

—Foi dois minutos antes de Moira Queen me despedir. –conto e ela solta um “Ah!”, como se dessa forma fizesse mais sentido. –Na verdade, Thea e eu vamos abrir uma boate nos Glades.

—Isso é...

—Preocupante? –sugiro ao perceber que ela estava procurando a palavra adequada, parece aliviada quando faço isso por ela.

—Talvez.

—Vou ficar bem. –falo como uma promessa, mas Felicity permanece parada, sem saber onde colocar as mãos, com os olhos cheios de lágrimas, a voz sussurrada, assim como eu.

—Na última vez em que falei com Barry, ele me disse que conheceu pessoas muito legais no aeroporto. Muito legais. –conta, aquilo me alegra de uma forma que não esperava.

—Vou precisar de uma consultoria de TI. –falo a primeira coisa que me vem à mente. –Para a boate. –explico vendo a confusão em seu rosto.

—Está tentando me arrumar mais um emprego? –semicerra os olhos.

—Dessa vez não quero te ajudar, só ter uma desculpa para te ver todos os dias. –respondo com sinceridade, o que alivia a tensão em seu rosto. -Nós podemos recomeçar?

—Posso não ser a pessoa certa. –diz como uma criança machucada.

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—Não conheço ninguém melhor.

—Tenho muita bagagem. –brinca com tristeza.

—Essa é a melhor parte de você. –sorrio para ela, oferecendo minha mão, apavorado com a possibilidade dela rejeitar. –Consegue me perdoar?

—Eu já perdoei, a pergunta é se você pode fazer isso. –fico parado, sem resposta para aquilo. –Quer dar uma volta? –pergunta aceitando a minha mão estendida.

—Parece bom. –respondo a seguindo.

FELICITY

Paramos em um café na esquina do prédio dele. Oliver afastou a cadeira para mim, e nos sentamos em uma mesa na calçada com um belo arranjo de flores do campo no centro. Ele estava sem jeito, pisando em ovos, temendo dizer a coisa errada e me afastar. Vendo seus olhos azuis, naquele rosto absurdamente bonito me peguei pensando que foi nessa pessoa que me transformei, a pessoa que afasta as outras a primeira possibilidade de ser ferida. E nunca gostei dessa pessoa.

—Nós precisamos conversar. –digo baixinho e ele solta o ar pela boca.

—É, acredito que precisamos.

—Eu te trouxe uma coisa. –pego uma foto que imprimi depois da minha conversa com Wally, que guardei em minha carteira. Oliver olha para a fotografia em suas mãos, com os olhos brilhando. –Assisti ao seu depoimento, e você disse que é um cara sozinho, sem fotos na carteira. –sorrio com tristeza. –Não acredito que você já tenha sido sozinho alguma vez na vida. E essa é a prova.

Na foto ele e Thea sorriam, na verdade gargalhavam. Tiramos enquanto eles posavam para as fotos no jogo do assassino. A cumplicidade nos olhos deles era linda, é o que vejo nos olhos de Wally e Bart, quando aprontam juntos.

—Não acredito que um dia eu entenda o que é ter um irmão, o mais perto disso que tenho é Sara, ela é divertida, mandona, mas não quebrou minhas bonecas na infância ou me encobriu quando arrumei o primeiro namorado e queria sair escondida. –disparo a falar. –Não que precisasse disso de toda a forma, com a mãe que tenho. –estremeço de leve, e Oliver dá risada.

—Obrigado. –responde com sinceridade e um sorriso de lado. –Eu adorei o presente. –me diz colocando a foto na carteira. –Sabe o John?

—Sim, o seu guarda costas que finge ser seu assistente!

—Foi Walter quem o contratou.

—Seu padrasto? –questiono surpresa.

—Sim. Ele cuidou de mim em silencio. –parecia falar com ele mesmo. –O cara entrou na minha vida a vinte anos atrás, eu o odiei, e ainda assim ele foi meu pai. –sorrio para ele, tocando sua mão sobre a mesa.

—Viu, você nunca esteve sozinho. –olhamos para as nossas mãos juntas, aquilo era bom, muito bom. Mas percebo que estava à minutos de ficar atrasada. –Odeio quintas-feiras. –murmuro começando a me levantar.

—Onde você vai? –Oliver se levanta em um salto.

—Quinta-feira. –dou de ombros. –Preciso buscar meus pestinhas.

—Posso... Eu posso ir com você? –pergunta inseguro. –Gostaria de vê-los.

—Claro. –sorrio e caminhamos de mãos dadas até o meu carro.

Chegamos na escolinha de Bart e ele dispara a correr assim que vê o Oliver ao meu lado, pulando no colo dele. Vejo a emoção no rosto de Oliver quando Bart se aperta contra o corpo dele, como aqueles bichinhos de grudar no lápis.

—Como você está, amigão?

—Tem mais algum segredo, Sr. Queen? –devolve a pergunta com o rostinho pensativo e Oliver sorri.

—Não amigão, não tenho mais segredo.

—Então podemos ficar com ele, mamãe? –se vira em minha direção, e não consigo segurar o riso.

—Ele não é um cachorro, Bart! –tento repreender, mas a gargalhada em minha voz me atrapalha de forma considerável.

Os dois conversam animados a caminho da escola de Wally. E dessa vez precisei segurar para não chorar ao ver a surpresa no rosto de Wally, o carinho nos olhos de Oliver, e o sorriso lento que se abriu no rosto do meu filho mais velho. Ainda assim ele caminhou calmamente até nós, e Oliver o ofereceu o punho no que havia se tornado o cumprimento deles, não houveram abraços, Wally não é como Bart, mas a admiração nos olhos dos dois me fez ganhar o dia.

—O que nós vamos fazer agora? –pergunto a eles.

—Rei Leão! –Bart grita levantando os braços no ar.

—Não enche, nós vemos isso o tempo todo! –Wally reclama e eu reviro os olhos.

—Nós podemos ir para minha casa. –Oliver sugere. –Comprei um videogame novo, e Thea está sentindo falta dos garotos.

—O que vocês acham? –pergunto aos dois que sorriem felizes.

As coisas parecem estar no lugar, enquanto dirigimos para a casa de Oliver. Mais certas ainda quando eles entram correndo pela porta, e encontram Thea em volta a uma imensidão de caixas e Oliver olha para tudo aquilo parecendo querer morrer, ou matá-la.

—É impossível ter feito tudo isso em duas horas. –ele sussurra chocado, enquanto ela abraçava os garotos. –A quanto tempo está empacotando as suas coisas?

—Ollie, você me chamou para morar com você, eu vim. É só que importa. –responde fazendo pouco caso, e não consigo deixar de dar risada com o pavor no rosto de Oliver. –Quem quer sorvete? –pronto, os garotos já estavam aos pés dela.

—Vocês moram juntos, supera isso! –exclamo, e Oliver se vira em minha direção, com os olhos intensos.

—Vou beijar você. –avisa me fazendo estremecer, em seguida me puxa contra seu corpo, e me beija de fato. Envolvo meus braços ao redor de seu pescoço, deslizo minhas mãos por sua barba rala, nuca e seus ombros, sentindo meu coração quase explodir em meu peito.

—O Sr. Queen tá beijando a mamãe! –escutamos Bart gritar, e nos afastamos dando risada ao ver Wally e Thea correndo em direção à sala, com uma concha de sorvete em mãos, pingando pelo chão todo.

—É... Isso pode funcionar para mim. –ele sorri segurando minha mão. –Eles merecem o show. –diz me puxando para seus braços, me inclina de forma dramática para me beijar mais uma vez e meu coração palpita como uma adolescente.

É... pode funcionar para mim...