Nico viu o Acampamento Meio Sangue, Hazel, Bianca, Hades, Leo. O viu de novo na oficina quando criança, depois chorando enquanto ela queimava, o viu enquanto uma mulher velha o colocava dentro do forno e depois numa das suas casas temporárias, onde outra mulher gritava para ele sair dali por que era um perigo para os seus filhos biológicos. Leo, magrelo e pequeno que não podia ter mais que treze anos, aguentou isso, esperou até que ela se acalmasse para ir embora.

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Nico acordou com uma sensação incomoda que não conhecia Leo. Não conhecia ninguém. Não conhecia o mundo ao redor de si.

— Graças aos deuses! - Reyna o abraçou. Hedge colocou algo horrível em seu nariz.

Então Nico ficou mortificado ao notar sua situação: Seminu, prestes a ser plantado na terra. Reyna e Hedge explicaram para ele que havia ficado em coma por três dias, e que estava desaparecendo. Nico ia morrer se não fosse por Hedge e sua tentativa de plantá-lo.

Nunca mais, Nico se lembrou, dê chance para ser plantado. Mas ele tinha mais problemas no momento para se preocupar. Contou dos seus sonhos, menos a parte de Leo, por que realmente não era relevante. Ele dormira por três fuckin dias. Mais um segundo e Nico ia surtar mais do que já havia surtado.

Falando nisso, Nico estava se esforçando para não pensar no que havia feito. Sabia mais do que ninguém que era instável, não fora a primeira vez que acontecera, mas agora Nico estava com medo de si mesmo.

Não sabia o por que, mas sentia que não havia acabado de machucar pessoas por ali. Não sabia mais do que era capaz. Até mesmo gelo ele invocara. Nunca chegou nesse nível antes.

Sua intenção foi boa, e afinal aquele Bryce não merecia viver. Ainda assim… Não era desculpa. Não, Nico estava cansado de desculpas para o que fazia. Se surpreendeu por não se irritar com Reyna e Hedge. Mas eles estavam certos. Fora sinistro, fora perigoso, fora um monstro.

— Por que vocês me trouxeram de volta? Sabiam que eu não podia ajudá-los. Podiam ter encontrado outro jeito de seguir com a estátua. Por quê desperdiçar esses dias?

— Não íamos abandonar você! - Hedge se ofendeu. Reyna balançou a cabeça.

— Nico, eu pensei muito sobre isso. Eu confio em você.

Eu confio em você. Piper também havia dito isso. Nico começou a entrar em pânico, emoções colidindo dentro de si. Queria se esconder, queria desaparecer.

— Como podem confiar em mim? Vocês dois sentiram minha raiva, tudo de negativo em mim…

— Todo mundo tem um lado ruim, garoto. - Hedge o interrompeu. - Até um fofo como eu.

Reyna não parecia saber parar de sorrir com Hedge por perto.

— Nico, eu contei o meu maior segredo, e você me apoiou. Como eu podia deixar você agora, sabendo que é mais que escuridão e dor? Você é nosso amigo.

Nico queria ter forças para parar de chorar, mas estava tendo uma crise existencial terrível ali. Havia uma confusão entre felicidade, angústia e agitação dentro de si que não o deixava em paz.

Jason comentou de você.

Você é um bom irmão, e um bom amigo quando se deixa ser.

Normal, Nico! Você é normal!

Eu estou sempre aqui para conversar com você.

Eu não sei por que, mas quero ser seu amigo. É um sentimento inocente, Nico. Então não precisa ficar na defensiva. Eu gosto dos seus comentários sarcásticos, da sua inteligência e… De você em geral.

Aquilo era de mais. Reyna segurou sua mão e não disse mais nada, e por algum milagre Hedge entendeu o momento e também ficou quieto. Nico não ia conseguir lidar mais com a conversa.

Era isso. Nico havia finalmente explodido. Tudo que estava sentindo desde que aquela missão começara finalmente veio à tona e ele não sabia como controlar. Na verdade não sabia se devia. Estava terrivelmente perdido. Queria ajuda, céus, queria mais ajuda do que nunca na sua vida. Estava perdendo algo que não sabia o que era e alguém com certeza ia saber dizer.

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Da forma mais imprudente possível, Nico decidiu que iria ligar para Leo.

xx

— Nico? - Reyna se aproximou dele. Nico estava sentado longe do grupo, mais desconfortável do que em todas as situações da sua vida. Reyna sentou do seu lado, mas com uma distância razoável. - Toma. Eu peguei isso pra você.

Nico piscou uma centena de vezes, achando que aquilo era uma miragem. Uma piada de péssimo gosto do seu subconsciente. Ele não estava na condição mais saudável no momento, não duvidava de nada. Porém, Reyna ainda estava ali, esperando uma reação. Não podia ser ilusão.

— Onde conseguiu essa jaqueta? - Nico finalmente a pegou, segurando-a com cuidado. Não era a sua jaqueta de aviador preferida, porém era de couro e vinho, o bastante para lembrar da outra. Seria idiota Nico admitir que sentia-se mais aliviado por ter uma jaqueta, como se uma parte dele estivesse voltando para casa? E que ele ficou mais seguro só pelo pensamento? Não era muito, mas o sentimento estava presente e forte dentro dele.

— Enquanto você se recuperava. Sabe, Nico, eu odiava a sua antiga.

— Sério?

— Como eu não poderia? Ela ficava muito grande em você. Com sorte, essa vai ficar do tamanho certo.

Nico colocou-a para ver se era verdade. Bem, ele parecia um estranho motoqueiro com a blusa azul que comprara com Hedge e a jaqueta. Nico olhou para o quão ridículo ficou a combinação, até que Reyna finalmente não conseguiu segurar a risada. Ele notou que foi a primeira vez que ela riu, tipo, rir. E não uma risadinha que ela tinha que controlar logo. Talvez fosse a primeira vez que Reyna relaxava a esse ponto.

— Ficou boa em você. - ela deu um 'joinha sarcástico. Nico grunhiu.

— Obrigada. Eu fico feliz que a minha situação te diverte.

Reyna balançou a cabeça.

— Não é a situação, com certeza. Afinal você não é o único que matou pessoas por conta de uma missão mortal.

Nico ficou sem palavras por um instante. Ele sabia muito bem o que ela quis dizer com aquele comentário "sútil".

— Você já...?

— É o preço que se paga quando quer virar pretora. - Reyna respirou fundo, olhando para a floresta à frente deles. - Suas missões vão ficando mais e mais difíceis, até que elas se tornam seus pesadelos à noite. É assim que você se prepara.

Aquilo era horrível. Todos viam Reyna como alguém cheia de compostura, rígida, uma líder nata. Mas ninguém parava para pensar em como ela havia chegado até ali. Quantos sacrifícios, quantas dores, físicas ou emocionais, ela teve que enfrentar para chegar ao ponto que fingir que não eram nada de mais era fácil. Então Nico foi acertado por outra confirmação: Se ninguém pensava sobre, então Reyna se sentia solitária? Reyna podia parecer que não precisava de ninguém, porém...

— Por que você virou pretora, afinal?

Reyna deu um riso debochado.

— Eu tenho certeza que para você, um grego, isso vai soar estranho, mas... Eu não virei. Eu nasci como pretora. Você viu em San Juan, meus ancestrais são todos líderes, movedores de montanhas, figuras lendárias. Minha irmã se tornou a Rainha das Amazonas, bem, eu virei a Pretora dos Semideuses Romanos. Era o meu rumo desde o início.

— Você não acredita cem por cento nisso. - Nico arqueou as sobrancelhas. - Por que se acreditasse, por que arriscar perder seu posto pelos gregos? Por que jogar tudo pro alto desse jeito?

— É ai que você se engana: É por ser uma pretora que eu estou aqui. Eu não estou aqui pelo Jason, deuses me livrem. - Reyna revirou os olhos. Nico sorriu. - Ou pelo Percy ou Annabeth. Eu estou aqui por conta de Hazel e Frank, romanos de verdade que conseguiram ver o lado certo da guerra, e como pretora eu não podia fazer mais nada além de segui-los. Minha irmã uma vez me disse que uma líder de verdade arrisca tudo pelo seu grupo, mesmo quando eles não confiam mais nela.

— Não liga se todos eles te odiarem, quando eles nem sabem os seus motivos?

— Você se acostuma, alguma hora. Eu não posso mudar a mente de todos, só não posso deixar a minha mente ficar influenciada.

Nico estava refletindo muito ali. Era incrível como era fácil falar com Reyna. Seu tom era casual, mas não o forçado de "eu estou dando o meu máximo para você ter espaço para conversar comigo". Era simples e verdadeiro, e simplesmente funcionava. Nico queria saber mais dela. E se, no processo, ela quisesse saber mais dele...

Bem, o que mais ela tinha para ver? Reyna já o conhecia demais. E mesmo assim ela estava ali. Mais próxima, mais aberta, mais amorosa. Era viciante e perigoso. Nico já havia notado que ele não tinha barreiras muito boas contra irmãs mais velhas (sua vida parecia cheia delas).

E nem latinos muito parecidos com você, se quer saber. Nico pensou meio amargo.

— E foi assim que você esqueceu o Jason, não foi?

Reyna estava realmente incomodada com o assunto. Ela soltou um "Tsk", como se tentasse lutar contra o fato que teria que falar sobre isso.

— Sabe aquelas coisinhas pequenas do passado, que você olha e não consegue não se arrepender delas? - Nico assentiu, mas só pensou em como todas as coisas do seu passado não eram pequenas e ele se arrependia por todas. - Esse é Jason pra mim hoje. Eu fui tão estúpida. Eu realmente achei que ele estava comigo, que iríamos funcionar, quando todo tempo ele pensava em formas de sair do Acampamento Júpiter e destruir coisas por ai. Como um verdadeiro grego. Sem ofensa.

— Nenhuma.

— Quer dizer, olha pro cara: Ele ganha uma namorada falsa, que é incrível, eu admito isso. Mas ai quando ele nota que ela é falsa, e ela nota que nada realmente aconteceu, eles se apaixonam de novo e nem questionam nada. - Reyna começou a gesticular com os braços de uma forma que gritava: "Que diabos de pessoa age desse jeito?". - Como eu pensei em me apaixonar por alguém assim?!

— Você já o superou, então? - Nico sorriu.

— Totalmente superado. Enterrado no fundo do baú. - Nico riu. - Eu nem mesmo gostava dele de verdade. Da pessoa dele. Eu só sentia que não podia ficar sozinha, e o Jason era o mais próximo e o mais agradável. Mas advinha? Não funcionou no final.

— Eu gostei de Percy Jackson. - Nico soltou de repente. Reyna parou de rir e o encarou, surpresa e séria. Nico mordeu o lábio. Belo timing. Estragou tudo. Por que Nico teve que abrir a boca grande? Desde quando ele não sabia se controlar e esconder? Ele era mestre nisso desde os doze anos. Nico estava transbordando e ele realmente precisava arranjar um jeito de se recuperar.

— Nossa. - Reyna piscou várias vezes. - Nós somos bem mais parecidos do que eu achei.

Então eles começaram a gargalhar. Que merda era aquela? Até o mesmo gosto em homens eles tinham? Nico sentiu a barriga doer, mas foi a primeira dor boa em horas. Ele nem sabia que era capaz daquilo tudo: Uma conversa boa seguida de risadas. Sempre pareceu algo que ele não merecia, algo muito distante dele. Nico nunca achou que ia aproveitar.

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Mas então ele notou que também dependia da companhia e não só dele. E Reyna era ótima companhia, especialmente com quem lhe dava espaço.

— Espera, o Valdez sabe? Você não está com Valdez para esquecer--

— Não, Reyna, eu não estou usando-o. - Nico revirou os olhos. - Eu disse que gostei, não que eu gosto. Percy é uma das coisinhas que, eu não me arrependo de verdade por que não foi minha culpa, mas tá no passado.

— Eu fico feliz que pense assim. De verdade. - Nico desviou os olhos, um pouco constrangido pela honestidade nos olhos dela. - Você é mais forte do que pensa. Vai lidar com tudo do seu jeito e eu tenho certeza que vai dar certo.

— Eu não sou um pretor ou um romano, ou um descendente de Belona. Então eu não sei. Eu sou só um idiota filho de Hades. O que eu posso fazer de bom? - Nico suspirou. - O que eu devo fazer de bom?

— Comece sendo honesto. - Reyna tinha um tom explícito de: "Vai por mim". - Comece se perguntando o que você quer fazer de bom, então analise se vai conseguir fazer. E se não tiver a oportunidade, pelo menos tente chegar o mais próximo disso.

— No momento eu só quero mandar um sinal de fumaça.

— Ok, para quem?

— Para o Leo. - Nico engoliu um cubo de gelo. - Eu preciso conversar com ele. Eu preciso sentir que... Que... Eu não sei. Eu estou me sentindo o pior monstro agora, e o Leo sempre alivia isso.

— Tudo bem, Nico. - Reyna deu um sorriso solidário. - Só não fique a mercê desse sentimento, ok? Você é muito especial para se perder.

Nico queria acreditar. Na parte de ser especial. Ele só sentia-se deslocado e estranho. Perigoso. Mas sabia muito bem que causara aquilo sozinho, e o único a se fazer no momento era lidar. Entretanto, teria que decidir se lidaria do jeito certo, que era cem vezes mais difícil, ou do jeito errado, onde estava acostumado e confortável.

A missão era mais longa do que ele imaginou.