Luz & Esperança - Reviravoltas Amorosas

Capítulo II -Mãos Entrelaçadas


Takeru e Hikari costumavam andar com as mãos entrelaçadas.

Isso indicava que eram namorados, mas, não, não eram - para a infelicidade de ambos, ainda que mal desconfiassem. Simplesmente, andavam de mãos entrelaçadas. Não se recordavam de como ou quando esse hábito surgira, mas, surgiu, e eles já estavam acostumados com a presença tão confortável, cálida e segura um do outro. Para evitar rumores de que eram um casal, porém, limitavam-se a sorrisos e abraços rápidos na escola.

–Então, você precisa olhar uns horários na secretaria? - Hikari ouviu Takeru murmurar ao seu lado, enquanto se dirigiam para aquela ala da Escola de Odaíba, no prédio do ensino médio.

–É. Do clube de fotografia... - Quase não pôde ouvi-lo por causa da barulheira dos estudantes agitados de várias turmas em volta deles, naquela manhã de sexta-feira. Não ousou olhá-lo nos olhos desde que ele chegara à sua casa para acompanhá-la até a escola, como geralmente fazia. Nervosa, ficava lembrando-se do quase beijo dos dois no dia anterior.

Ele assentiu, desinteressado. Hikari não podia deixar de notar que Takeru estava meio estranho com ela, mais distante e pensativo. Estaria ele lembrando-se também daquele pequeno acidente? Será que havia gostado do quase beijo e desejava mais? Ou era esse o motivo de sua chateação?

Hikari conteve um suspiro de frustração.

“Takeru não pode estar chateado apenas por aquilo. Não. Foi tão pequeno, minúsculo, tão insignificante, apenas um mero acidente um - mas, ah, eu pude jurar que meu coração acelerou! E me senti tão diferente... Por que não consigo esquecer algo tão bobo? Eu estou confundindo as coisas! Somos amigos! Ele apenas me vê assim. É isso. Ele não queria me beijar. E, realmente, eu não queria ter quase o beijado.... Eu acho. Será que ele achou estranho e está bravo comigo?”

Era isso, Hikari concluiu tristemente. Ela havia estragado algo na relação dos dois.

Eles, ambos com suas mochilas e uniformes verdes do colégio, chegaram à secretaria. Alguns alunos checavam o quadro de avisos, outros conversavam baixinho, mas estava praticamente vazia. Hikari, sendo observada atentamente pelos olhos azuis de Takeru, inclinou-se na direção do quadro de cortiça, lendo-o. Takeru simplesmente não conseguia parar de olhá-la.

Ela estava tão linda... Os cabelos castanhos haviam crescido tanto...

E ele jamais poderia...

–Hika.

A morena assustou-se; ele nunca a chamava assim na escola.

–Sim? - Ergueu seu rosto para mirá-lo.

Takeru estendeu os braços e, sem cerimônia, pôs suas mãos firmemente nos ombros delicados de Hikari, num gesto de conforto e carinho, virando-a para si. Apertou-os de forma suave, e a preocupação era indisfarçável:

–Está tudo bem com você, Hikari?

–S-sim. - Ela pareceu surpresa. - Por que não estaria?

“Ele está muito perto. Oh. Perto. Demais.”

–Você está diferente. Mal olhou para mim hoje, quase não falou comigo, e está toda ansiosa e nervosa. Você parece quase perturbada. - Preocupou-se: - Eu fiz algo que te chateou? Se sim, me desculpa.

–Não, não é nada disso - Ela sorriu, afetada. Pensou por um breve momento e decidiu lhe contar parte da verdade: - Achei que... você estivesse bravo comigo.

Para seu espanto, Takeru riu, perplexo: - Eu nunca fico bravo com você, Hika! - Ela deixou escapar um suspiro de alívio, relaxando. Quase sorriu para si mesma; como era exagerada!

“Mas, afinal, não é disto que tratam os sentimentos? Coisas bobas mas infinitamente importantes, exageros explicáveis, uma admiração cega e sem restrições?

O loiro parecia curioso: - O que te fez pensar isso?

Antes que Hikari pudesse inventar algo qualquer, sofreu um brusco impacto nas costas.

–Ah! - A morena tomou um susto. Haviam esbarrado nela, e teria quase caído se não fosse Takeru, segurando-a com cuidado, porém com firmeza. Encontrou-se vermelha de vergonha, e virou-se para quem tinha colidido com ela, quem Takeru observava com a testa franzida.

Era um garoto, de olhos verdes, alto e moreno, cabelos lisos, talvez um ano mais velho, forte, com uma blusa branca, jaqueta preta e calças jeans. Ele sorriu de forma culpada e disse: - Puxa, me desculpa! Eu estava andando distraído, e não a vi, vou tentar tomar mais cuidado. Machuquei você?

–N-não, eu estou bem. - “Meu Deus! Ele é muito bonito!” Pensou, soltando-se com gentileza de Takeru e endireitando-se da quase queda.

“Mas não tão bonito quanto o Takeru...”

–Você estava olhando os novos horários do clube de fotografia? - Ele perguntou, olhando por cima do ombro dela, que estava de costas para o quadro. Ela assentiu, tímida, e o loiro abriu a boca para dizer algo, mas o cara falou novamente, com uma voz mansa: - Que coincidência. Eu sou apaixonado por fotos. Eu vou frequentar esse clube; na verdade, sou seu novo tutor.

–É mesmo?! - Hikari piscou, admirada. Ela não pôde evitar: amava fotografia com todo o seu coração, e ter mais alguém que não só compartilhava isso, mas também a ajudaria, deixou-a muito contente. Mordeu o lábio, recuperando sua compostura: - M-muito prazer, sou Hikari Yagami, do primeiro ano do ensino médio.

–Hikari é um lindo nome.

–A-ah, muito obrigada.

No que ele completou: - Um lindo nome para uma garota ainda mais linda. - Avaliou, constrangendo-a. A morena deu uma risadinha, mas parou quando ouviu Takeru, à sua esquerda, trincar os dentes com força. Pelo canto dos olhos, viu que os punhos dele estavam cerrados. - Meu nome é Kurai Tsukane, e é ótimo lhe conhecer. Sou do segundo ano, e serei seu tutor do clube de fotografia pelo resto do semestre.

–O resto do semestre? - Ecoou ela, gentilmente. - Vamos passar um bom tempo juntos.

Kurai piscou e deu-lhe um sorriso astuto: - Sorte minha.

Sentiu suas bochechas arderem.

– Kurai. - Takeru interrompeu-os tão bruscamente que os dois quase pularam de susto. Hikai surpreendeu-se; o garoto tão tranquilo estava, agora, bem irritado. O tom foi ríspido, mas educado: - Desculpe-me, não tenho tempo de me apresentar agora; na verdade, Hikari também não pode ficar mais aqui, pois temos aula em cinco minutos e ela não gosta de chegar atrasada.

–Aposto que sim, você me parece uma boa aluna, Hikari. - Kurai, ainda que suavemente, fez questão de ignorar o loiro. - Vejo você por aí, até logo!

E, com isso, Kurai elegantemente fez seu caminho para fora da secretaria, sumindo tão rapidamente quando havia aparecido.

–Até logo... – Hikari sussurrou, com uma estranha sensação no estômago.

–Vamos para a aula. - Takeru chamou-a. Hikari deixou escapar um arfado de surpresa: ele parecia tão calmo agora! Conduziu-a por sua mão, coisa que quase nunca fazia em território escolar, com um sorriso doce e conversando como se não houvesse se irritado por nada.

“Meninos são inexplicáveis.”

***

–Olha! - Os sussurros femininos ao longo de um dos corredores da Escola de Odaíba infestado de meninas dando risadinhas e cutucando umas as outras alegremente estava deixando-o realmente constrangido: - Ken Ichijouji está entrando na sala dele!

Ken suspirou. Não era como se ele não estivesse acostumado com isso.

Pelo fato de ele ser o vice-capitão do time de futebol do primeiro ano do ensino médio, somado à sua genialidade inquestionável, sua gentileza, bondade e educação exemplares, além do fator aparência, as meninas costumavam agir daquela forma. Não apenas com ele, mas, também com Takeru - capitão do time de basquete -, e - por incrível que parecesse com o Daisuke, o capitão do time de futebol. O moreno amava a atenção delas e a popularidade, mas o loiro, assim como ele, era mais reservado.

“Oh, oooh, Kenzinho e Tajeru têm um fã- clube.” Ele quase podia ouvir a voz zombeteira de Daisuke cantarolando ao seu ouvido como de costume, daquela forma debochada dele, rindo. “Mas vocês ignoram estas garotas malucas! Não consigo entender, principalmente o Tameru....”

Ken suspeitava que Takeru se preocupava com o ciúmes que isso poderia causar em Hikari.

Sorriu para si com o pensamento, causando uma onda de suspiros quase inaudível. De repente, avistou Iori perto de um bebedouro, conversando animadamente com uma garota morena de cabelos lisos curtos e olhos castanhos, que aparentava ser da idade dele. Eles pareciam estar se divertindo muito - e viu que as mãos estavam entrelaçadas.

Assim que ela foi embora, Ken foi até o amigo e questionou timidamente:

–Bom dia, Iori. Ela é sua amiga?

–B-bom dia. - Iori piscou, com as bochechas tingidas de vermelho e os olhos verdes arregalados de susto, como se houvesse sido apanhado cometendo um delito- Ah, nada! Digo, não é ninguém. Hmmm. E eu preciso ir. Agora. Com licença!

Ken arqueou as sobrancelhas quando ele correu e deu de ombros. Ouviu uma exclamação irritada e se virou. Surpreendeu-se ao se deparar com Miyako empurrando aquelas garotas bruscamente, atropelando-as com um olhar assassino, tentando chegar até ele no lugar repleto de adolescentes.

–Sai da frente, menina! - Era difícil ignorar aquele rosnado. Miyako simplesmente sentia vontade de matá-las, todas, todas! Eram bem pegajosas. “Essas meninas que ficam sempre atrás do Ken! Que falta do que fazer, eu hein!”– Não vê que eu estou tentando falar com o meu amigo Ken? MEU! Ouviu bem, hein, hein? Sai fora!

–B-bom dia! Tudo bem, Miyako? - Perguntou suavemente quando ela ficou na sua frente.

–Sim, arrã. - Sorriu um tanto nervosa, ajeitando uma madeixa arroxeada atrás da orelha. - Novidades para me contar?

–Não, nenhuma... Mas, hmm, acho que o Iori está nos escondendo algo...

Miyako riu: - Ele estava com aquela garota de novo, né? - Balançou a cabeça, divertida. - Deixe que, quando ele quiser, vai nos contar exatamente essa história... Ou vamos arrancar dele, queira ele ou não! - Ken deu um leve sorriso. Mas, então, recordou-se:

– Ei, você ainda vai naquela festa com a Hikari? É depois de amanhã, certo?

–Isso mesmo. E é CLARO que vou! - Seus olhos brilharam de excitação, daquele jeito só dela, e ele quase sorriu. - Não perderia a festa do ano por nada!

–Não é essa questão. - Ken objetou. Ele próprio havia sido convidado, mas não se sentia muito à vontade em ir, já que não era muito sociável. Fez uma nota mental de falar sobre a festa com Takeru depois.

–Você ainda está preocupado, não é? - Ela suspirou, balançando a cabeça em desaprovação. Mas, no fundo, sentia-se tão lisonjeada: Ken Ichijouji importava-se com o que poderia lhe acontecer! Miyako considerava-se tão sortuda em tê-lo sempre perto, pois sabia da timidez dele e lhe agradava o fato de ela ser uma das poucas com Ken realmente possuía uma ligação que não fosse superficial.

Ele murmurou um ‘sim’, quase alheio às palavras que lhe escapavam da boca:

– Estou preocupado com você.

“BINGO!”

Um pequeno silêncio.

–...E-e com a Hikari...

–Ah, sim, claro. - Miyako riu, sem graça, enquanto Ken permanecia tanto confuso quanto surpreso pelo próprio comentário. - Mas não há necessidades. Preocupação demais faz mal. -Nisso, a garota de cabelos roxos franziu ligeiramente a testa, levando sua mão ao joelho direito com um semblante perturbado.

–Algum problema? Seu joelho está doendo?

–É... Eu acabei não falando para ninguém, mas, ontem, eu bati o meu joelho... S-sabe, quanto caímos daquele barranco no parque... - Enrubesceu. Ele assentiu, evitando olhá-la. Em vez disso, mirou o machucado, uns centímetros a baixo de sua saia verde: uma mancha arroxeada que deveria estar incomodando.

Mas ela não iria admitir, simplesmente porque era Miyako Inoue.

E ele não podia desejar de outra forma.

Nesse momento, o sinal tocou. A massa de estudantes barulhentos começou a dispersar-se, cada um para suas salas. Hikari e Takeru passaram pelos dois sem vê-los, um tanto apressados. Mas Miyako viu que suas mãos estavam entrelaçadas e sorriu maliciosamente para si mesma.

Ken suspirou; sabia que Hikari seria interrogada depois.

–Ei... - Ele murmurou. Miyako olhou-o com certa pressa de ir para sua sala, mas Ken reuniu sua coragem para pegá-la muito, muito, muito levemente pela mão, tentando transparecer que aquele gesto era apenas para ela não se esforçar para recusar: - Venha. Vou te levar à enfermaria.

–T-tá.

***

–Você o ama, Sora.

–E-eu não sei, Taichi...

–Você aceitou o pedido de namoro dele.

Silêncio.

Taichi Yagami e Sora Takenouchi conversavam sobre Yamato Ishida.

Ambos com seus 18 anos, encontravam-se no refeitório da Faculdade de Odaíba, na qual cursavam o primeiro ano. Estavam no intervalo, e Yamato ainda em sua classe. Sentados numa mesa longa de tábua branca, encaravam-se, ignorando os lanches.

Taichi era cheio de energia, louco pela vida, sempre ostentando um sorriso imenso no rosto. Apesar de ser relaxado, era bem responsável quando necessário, maduro e com um grande coração - estudava para se tornar diplomata, coisa que divertia seus amigos. Musculoso pelos anos jogando futebol, e com uma postura difícil de ignorar, um corajoso líder nato.

Sora possuía olhos cor caramelo amorosos. Seus cabelos ruivos eram na altura dos ombros, meio espetados nas pontas, e ela deixava-os soltos, emoldurando seu rosto de traços suaves. Passara anos jogando futebol, mas o esporte com o qual ela se ocupava atualmente era o tênis. Estudava para ser designer. Todos os seus gestos eram dotados de amor e compaixão, e sua voz atingia um tom maternal frequentemente.

Melhores amigos inseparáveis desde os cinco anos de idade, agora enfrentavam as dúvidas do amor.

–Então? - Taichi aumentou o tom de voz, exigindo uma resposta.

–Eu já disse que não sei!

Alguns dos alunos do refeitório meio vazio viraram-se para olhá-los, curiosos.

–Sora... - Ele tomou uma respiração profunda, irritado, enquanto ela, envergonhada, esforçava-se para se acalmar. O diálogo todo até agora havia sido apenas isso. Recorrendo à sua rasa paciência, pronunciou-se com mais calma: - Você realmente acha que aceitaria o pedido de namoro daquele cara se não o amasse?

Daquele cara.

A ruiva arregalou os olhos: - Não me diga que isso tudo está estragando a amizade de vocês!

–Não... - No entanto, ela podia ouvir a incerteza naquela frase. - Yamato e eu somos melhores amigos, e assim permaneceremos... - Sabia que não era justo irritar-se com ele... Seu melhor amigo podia amar a mulher da vida dele, já que esta o via apenas como um amigo, certo?

Não era justo que Sora ficasse sem companhia, sem namorado, ela era maravilhosa e não merecia estar só. Machucava-o ainda mais o fato de que Yamato sabia que Taichi amava Sora desde tempos remotos, e ainda assim, declarara-se para ela. Mas o loiro não era culpado: Taichi, que agora se arrependia, dera-lhe seu consentimento, sem esperanças.

Mas ver os dois juntos doía como uma série de facadas.

–Por favor. - Sora pediu, suspirando. Sabia que Taichi a amava, e sabia que ele sabia que ela já o tinha amado, quando crianças, mas ele era desligado demais para ver isso, e agora levava o troco da própria falta de percepção. Sabia como aquilo deveria estar destruindo-o por dentro, ainda que ele não demonstrasse - ah, não. Ele fingia estar bem. Feliz.– Não briguem por isso.

–Nós... não vamos. - Ele engoliu em seco.

–Prometa-me, Taichi. - No entanto, ele não prometeu, pois não sabia se podia fazê-lo. Apenas voltou a dizer:

–Você o ama.

Não era, de fato, uma afirmação; um leve tom duvidoso repleto de uma relutante esperança pontuava a frase com angústia. Continha-se, como se ele não quisesse falar demais e se machucar mais do que ele já estava machucado, ou falar demais e levá-la a ceder aos seus argumentos a força.

“Taichi não merece isso...”

–O-olha. - Ela tremia. Saudosa, ela lembrou-se de como as suas conversas com ele costumavam ser animadas, e como os dois eram tão próximos e ficaram confortáveis um perto do outro. Isso parecia ter sido há muito tempo. - Eu não tenho certeza se eu amo o Yamato, mas gosto muito dele, e ele mostrou interesse em mim. Eu quis dar uma chance.

Taichi apenas olhava-a, com um nó na garganta.

–Ele pediu com tanto carinho... Há uns dias, no último show dos Teenage Wolves... - Ela sussurrou, mordendo o lábio. Sentia as lágrimas se formando, machucava-a continuar, mas precisava conter as falsas esperanças de Taichi. - E eu vi que ele realmente se importa comigo.

Não objetou.

Sora era preciosa demais para ele perdê-la.

–Taichi... Me desculpa.

–Você não precisa se desculpar. - Conseguiu reunir forças para lhe dirigir um sorriso fraco.

–Mas...- “Não é justo com você.” Não ousou dizê-lo.

Ao ver as lágrimas nos cantos dos olhos dela, ergueu a mão, fazendo menção de ir acariciar sua bochecha. Ela o olhava melancólica e pensativa enquanto a mão dele pairava no ar, hesitante. Mas, por fim, desistiu de qualquer demonstração de afeto, afundando no assento. - Eu estou bem.

Ele não estava.

–Eu não quero perder você. - Corou ao perceber a tamanha súplica em seu pedido. Mas ela não queria - e se sentia terrivelmente egoísta por isso. Ela queria tanto Yamato e Taichi, só não sabia qual dos dois ela amava daquele jeito.

E, Sora não sabia naquele momento, mas passaria por mais coisa ainda até descobrir o dono do seu coração.

–Nunca deixei o seu lado e não pretendo fazer isso. Você é a minha melhor amiga, Sora. Você não vai me perder, nunca. - A seriedade de Taichi a aturdiu. Ela sorriu de leve, assentindo. Sora realmente tentou com todas as suas forças, restringiu-se ao máximo, trincou os dentes e desviou o olhar, mas, embaraçada e com vergonha de si mesma, seus lábios formaram uma palavra que ela sabia que não tinha o direito de pronunciar:

–Promete?

Não há certeza no amor, Takenouchi.

–Sim. - Taichi vacilou de forma quase imperceptível. Porém, a ruiva captou a dúvida dele, e sentiu parte da dor do moreno. Desejou ter sua melhor amiga ali, com ela, para receber um conselho.

Mas Mimi estava em solo norte-americano, sem data para retornar - ou era isso que ela pensava.

De repente, ele abriu um largo e contagiante sorriso que a deixou perplexa. Ele olhou por cima do ombro os estudantes que comiam seus lanches e preenchiam o ar com conversas variadas. Então, seu foco mudou para o relógio do refeitório. Pareceu satisfeito:

–O campo da faculdade está vazio nesse horário.

Como o verdadeiro menino que era de alma, puxou-a para fora da mesa:

–Que tal uma partida de futebol? - Riu: - Como nos velhos tempos!

Os melhores tempos.

A face de Sora iluminou-se num sorriso quando Taichi entrelaçou sua mão na dela:

– Espero que não se importe de perder!

***

–Estão todos entendendo a matéria?

Veio a mentira em coro: -Sim, professor Yamamoto.

–Ahhh, cara, eu não estou entendendo porcaria nenhuma! - Foi o sussurro de Daisuke ao seu companheiro de carteira.

Takeru, que passara parte da aula distraído, olhando ‘discretamente’ para Hikari em sua diagonal, pensando em como assassinar Kurai Tsukane – “Como aquele besta teve a ousadia de se insinuar para a minha Hikari daquela forma?!Espera! Eu pensei ‘minha Hikari’? Ah...Não, não! Droga, eu estou ficando ciumento que nem o Daisuke...” – revirou os olhos. Já não bastava ter que se sentar ao lado dele na maioria das disciplinas; tinha que aturar suas reclamações também?

–Você não acha... - Takeru murmurou ao moreno: - Que o Ken parece meio frustrado?

Daisuke franziu a testa e olhou o garoto, sentado na carteira ao seu lado, juntamente com uma menina. Ele tinha chegado atrasado - como sempre -, e percebera que o melhor amigo estava diferente, com os ombros mais tensos.

Arrancou uma folha de seu caderno e escreveu: “Aconteceu alguma coisa, Ken?” com sua caligrafia corrida e desajeitada. Fez uma bolinha com o papel e estava prestes a jogá-lo, mas se virou para o loiro, que tinha melhor mira. ‘Jogue’, Daisuke mimicou. ‘Não’, foi a resposta. ‘Por favoooooor.’ Takeru suspirou e jogou o papelzinho quando o professor não estava olhando.

O aluno exemplar piscou, surpreendido, quando desdobrou e leu o bilhete. E respondeu: “Sim, aconteceu. Um cara ficou importunando a Miyako hoje, mais cedo, quando eu fui levá-la a enfermaria.” Ao ver os olhares curiosos dos dois amigos, ele especificou: “Ela tinha se machucado ontem, e seu joelho estava doendo.”

“Awww. E você se preocupou, não foi?” Daisuke prendeu o riso. Ele iria enviar: “E quando é o casamento, Kenzinho?”, mas Takeru o golpeou com força nas costelas quando viu o recado, apagando-o.

“Me preocupei.” Ken suspirou, corado, e escreveu na folha, passando-a logo em seguida. “Mas me irritei bastante com as coisas que aquele cara estava dizendo para ela. Ele ficou chamando-a de anormal, insuportável, estranha, nerd de computador, esse tipo de coisa... Explico mais tarde...”

“E o que você fez com o idiota?” Takeru lhe escreveu, sabendo que alguns alunos realmente tinham inveja do ótimo desempenho da amiga em computação, matéria na qual todo mundo se dava mal. Ken ficou vermelho novamente e arregalou os olhos para a questão, mas, ainda assim, muito timidamente lhes passou novamente o papel, às pressas:

“Eu meio que soquei ele. Várias vezes.”

–QUÊ?

–Deseja partilhar algo com a classe, Motomiya?

–Hã... - Daisuke percebeu que havia dado um grito e chamado a atenção de tudo mundo, de tamanha surpresa, pois Ken nunca machucava ninguém, muito menos arrumava brigas por aí. Todos os alunos o olhavam, risonhos, desdenhosos e perplexos. Hikari parecia meio preocupada, Ken estava escrevendo algo e Takeru partilhava a sensação de surpresa. - Não! - Engasgou, vermelho. - D-desculpe, professor!

Bufando, encolheu-se na carteira, apenas para receber mais um bilhetinho, passado no segundo em que Yamamoto virou-se para apagar o quadro:

“Conto melhor no intervalo. Não é algo de que me orgulhe... Eu não pude evitar, porém: ele tratou a Miyako muito mal. E ela, teimosa, gritou muito com o cara. Mas dava para ver que ela ficou mesmo chateada... E isso eu não consegui perdoar, defendi-a.”

–Agora. - O professor chamou a atenção de todos, antes que o bilhete pudesse ser respondido.- Eu vou lhes fazer uma proposta de atividade extracurricular.

Houve um gemido de desespero coletivo.

–Calma, calma, não se animem tanto. - Ele resmungou, para depois falar mais alto: - Acho que talvez vocês possam gostar...

Quando ouviu as palavras do professor, Takeru sorriu. Aquilo o deixaria de olho no que Kurai poderia aprontar longe dele para se aproximar da garota cujo coração ele queria conquistar fazia tempo.

***

–Então, seu nome é Koushiro Izumi?

Koushiro, de cabelos ruivos curtos e um olhar inteligente que emanava uma curiosidade assídua e irrefreável, assentiu com certo receio ao homem de cabelos grisalhos parado na porta a sua frente. Ele era um jovem extremamente curioso, bem-comportado, coerente e maduro para sua idade: 17 anos vividos na doce companhia de seus pais adotivos. Um tanto magro, não lhe agradava praticar esportes, era alguém entregue à ciência e aos programas e códigos de computador.

Devido suas notas altas, não o incomodava o fato de estar faltando a escola naquele dia; era algo crucial.

–Sim, bom dia. Eu... Liguei para o senhor mais cedo.

O senhor balançou a cabeça por um momento, após avaliar o adolescente de cima a baixo. O olhar cinzento, ambicioso e gélido do homem dava-lhe calafrios e um pressentimento terrível, mas, como não era adepto a se deixar levar pelas impressões instintivas e sim pelos fatos, obrigou-se a continuar:

– Desculpe-me por bater à sua porta a essa hora da manhã. Mas, eu gostaria... - Foi interrompido:

–De saber mais sobre seus pais biológicos.

–S-sim. Como você...?

–Só pode ser esse o assunto. - Deu um sorriso um tanto duro. Koushiro ficou confuso por causa da afirmação. - Sim, eles moravam nessa casa.

A residência em questão, ao lado de fora, era bonita, com dois andares de paredes amareladas e janelas esguias. Ele havia encontrado com muito esforço, buscando todos os dados sobre seus pais biológicos que conseguiu achar numa busca intensa pela internet, além de alguns documentos antigos variados, achados na gaveta de sua mãe adotiva, que acabaram por revelar o endereço.

–E, sim - ele parecia saber as perguntas que queriam ser feitas -, eu os conheci, melhor do que imagina. Eram pessoas maravilhosas, meu jovem.

–Bem. - Koushiro tornava-se mais entusiasmado. - Se não for um incômodo para o senhor, gostaria de saber o que o senhor sabe sobre eles. Sei apenas o primeiro nome do meu pai, e basicamente nada da minha mãe. Também me interessaria de saber como essa casa ficou disponível à venda, se era de propriedade de ambos ou alugada, e se ainda há alguma coisa deles nela e...

–Calma, calma! - A risada do homem pareceu-lhe estranha, meio grosseira. - Nossa, você é tão curioso quanto meu filho, seu pai! Sei que você quer saber de muita coisa, e responderei tudo. Não gostaria de nem ao menos saber o nome do seu avô biológico antes de me bombardear com tantas perguntas?

Koushiro mirou-o chocado:

–...Avô?

***

Horas mais tarde, Mimi Tachikawa entrava no avião que a levaria para Odaíba, Minato.

E seus amigos teriam uma surpresa com quem a acompanhava.


Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.