Eu teria treino de quadribol naquela noite. Saí da sala comunal com Joseph, nos desvencilhamos de alunos que almejavam entrar pra o time da casa e o enchiam de perguntas que, como capitão do time, ele tinha o dever de responder. Não demorou muito para que os outros jogadores nos alcançassem na torre da Corvinal. O som de nossos passos que ecoavam pelos corredores foi silenciado quando o chão de pedra foi substituído pelo gramado. A noite estava exageradamente fria, estrelada e silenciosa, eu conseguia ouvir pios ao longe vindos do corujal.

Abracei-me numa tentativa de afastar o frio, o uniforme de quadribol não era lá muito quente. Quando estávamos chegando ao campo reconheci uma silhueta gorducha vestindo grossas roupas em um berrante tom de rosa, como se essa fosse a única cor conhecida por aquela sapa velha que atendia por Dolores Umbridge.

-Boa Noite, queridos. – disse ela em uma voz que podia tirar do sério qualquer criatura, viva ou não – O tempo está deveras agradável, não?

-Claro, não é você que está tremendo de frio – murmurei para mim mesma, esperando que ela não ouvisse. Mas por outro lado, desejando que sim.

Joseph ouviu meu comentário e riu, cutuquei suas costelas com o cotovelo fazendo-lhe se calar, Umbridge nos olhou com desprezo.

-Creio que não foram avisados – ela disse docemente – os treinos de quadribol foram suspensos até segunda ordem, se querem mantê-los, devem ter minha permissão.

-Não, realmente não fomos avisados. – Joseph disse secamente – Bem, se já estamos aqui, presumo que possa concedê-la.

-Sinto muito, senhor...

-Blatz – respondeu Joseph crispando os lábios.

-Sim, Blatz... Tanto faz. – ela disse abanando uma mão – Lamento, não tenho nenhum pedaço de pergaminho comigo agora para tornar oficial. Creio que terá que passar em minha sala na semana que vem para buscá-la. Além do mais, o campo já está reservado.

-Por quem? – Cho perguntou.

O time da Sonserina passou por nós. Entre eles, Alec e Draco que me olharam ao passar. O olhar do primeiro dizia "Sinto muito" e do segundo analisou minhas formas de cima a baixo dentro do uniforme, com um olhar de quem gostava do que via enquanto um sorriso arrogante brincava em seus lábios. Olhava-me como se cada parte de mim o pertencesse, e ele gostava disso. Draco ignorou o resto do time e se dirigiu a mim.

-Boa Noite, Ivy. Sinto muito por frustrar seus planos para hoje à noite – disse ele cobrindo meus ombros com um braço – Ainda mais porque eu estarei ocupado treinando e não poderei te recompensar. Mas, se quiser, considere-se convidada a assistir e podemos nos resolver depois. Devo lembrar-lhe que me deve algo?

Seu grupinho foi tomado por ondas de risadinhas e o meu, de olhares raivosos em direção ao loiro que brincava folgadamente com os fios de cabelos que descansavam em meus ombros e caíam até pouco depois do meio das minhas costas. Acompanhando uma das mechas até o fim, repousando a mão em minha cintura e me puxando para perto.

-Eu não lhe devo nada, Malfoy. – respondi secamente – Absolutamente nada.

-Acredito que já tenha se esquecido do que aconteceu no trem, - sussurrou ele em meu ouvido – nós ainda não terminamos. – disse em voz alta, me deixando paralisada de raiva.

Ver-me naquele estado fez Alec dar um passo a frente.

-Acredito que a senhorita tenha deixado bem claro que ela não lhe deve coisa alguma, Malfoy. – disse ele em uma voz tão polidamente calma que, se eu não o conhecesse muito bem, não reconheceria a ameaça nela.

-E eu acho que estou falando com a minha garota, Magnum. – ele cuspiu em resposta – E não com você, portanto, não se meta.

-Sua garota – ecoou Alec com uma risada desdenhosa.

-Eu não sou sua garota, entenda logo isso. – disse eu desvencilhando-me de seu abraço.

-Mas será, - disse ele muito sério enquanto olhava profundamente em meus olhos – logo.

E talvez ao eu tenha finalmente percebido a seriedade dos possíveis sentimentos de Draco em relação a mim. Já vira aquela expressão que ele sustentava no rosto muitas vezes antes, eu a conhecia muito bem. Dizia claramente: "Eu quero isso, e eu terei." Temi por mim, eu convivia com Draco desde que me entendia por gente e, em todos aqueles anos nunca vira aquela expressão falhar. Eu era seu objetivo, sua meta, seu alvo. Ele não pararia, não deixaria nada nem ninguém ficar em seu caminho, ele faria tudo que lhe fosse possível para chegar até mim. Perdi-me em seus olhos que saboreavam vorazmente o medo nos meus.

Senti Joseph me puxar pelo braço murmurando "vamos," e saímos dali andando lado a lado. Estávamos afastados do resto do time o que tornava muito mais fácil uma conversa particular, coisa que eu temia depois do que havia acontecido comigo apenas alguns segundos antes e também, porque não havia conversado com ele desde o incidente humilhante na biblioteca.

-Aparentemente, e não sou o único que pode ser flagrado. – disse ele brincalhão.

-O que quer dizer com isso? – perguntei tentando soar desinteressada, desviando o rosto com medo de que mesmo através da noite escura, ele me visse corar.

-Não finja que não sabe do que estou falando, o que acontece entre você, Malfoy e Alec?

-Malfoy acha que só porque nos conhecemos desde um ano de idade, devemos ficar juntos, ás vezes acredito que ele pensa que vamos nos casar e viver na mansão de seus pais quando sairmos de Hogwarts. –suspirei descontente.

-Faz sentido, mas e quanto ao Alec?

- O que tem o Alec?

-O que há entre vocês? O jeito como ele defendeu você lá...

-Ora, não há nada. – dei de ombros – ele só fez o que qualquer amigo teria feito. Poderia ter sido você, Harry, Neville ou até mesmo o próprio Draco, se fosse outro garoto a me importunar. Defendeu-me como um amigo. – disse com sinceridade.

-Não seja ingênua, tem algo mais ali, o jeito como ele te olha, como sorri para você. Eu sou um garoto, eu sei como é.

-Não ponha esperanças na minha cabeça, Blatz. – disse com tristeza – Sentimentos ficam difíceis de serem escondidos quando alimentados.

-Então, isso significa que você tem sentimentos por ele.

Acenti.

-Só por ele?

Não respondi.

-Isso foi um não, não é?

Olhei para ele e sorri tristemente.

Joseph sentou no chão e deu um tapinha no gramado ao seu lado, indicando que eu deveria seguir seu exemplo e me sentar, o que eu fiz. O resto do time não percebeu que ficamos para trás.

-Me pergunto como você consegue sentir alguma coisa positiva pelo Malfoy:

-Não é como se eu estivesse apaixonada por ele! - respondi esganiçada – Bem, talvez. É só que... Eu era. Você sabe, nós passávamos quase todos os dias juntos quando éramos pequenos, ele era doce comigo.

-Não consigo imaginar "Malfoy" e "doce" na mesma frase. – Ele disse - A não ser que seja pra falar que Malfoy está comendo um doce, provavelmente roubado de alguma criancinha.

-Depois que viemos para Hogwarts, ele começou a ficar cercado por companhias que não me agradavam. Começou a me tratar diferente na frente dos amigos, como se fosse minha obrigação gostar dele. E por fim, começou a me tratar assim até quando estávamos sozinhos. Então eu me afastei. – concluí.

-E Alec? O que você sente por ele?

-Alec é diferente. – sorri – Ele foi o primeiro a falar comigo, ainda no expresso de Hogwarts, passou todos os anos seguintes aprendendo tudo que podia sobre mim, e eu sobre ele. Fomos juntos ao baile de inverno como amigos, pois eu não queria ir. Então ele disse que se eu não fosse ele também não iria, eu não podia tirar isso dele. "Você não vai ficar deitada na sua cama lendo e olhando para sua vista das montanhas enquanto todos se divertem. Você vai ao baile e eu serei seu par. Se você quiser ir comigo, o importante é que você vá." Foi o que ele disse para mim. Eu já era apaixonada por ele desde o segundo ano, ir ao baile com ele foi quase um sonho para mim, mas ele não sabe disso.

-Verdade?

-Sim, ele me faz sorri a cada momento que estamos juntos. Às vezes eu sorrio por causa dele mesmo quando estamos longe um do outro, ele me dá borboletas no estômago e todas aquelas coisas que as pessoas falam que sentem quando se apaixonam por alguém. Acredito que só consigo falar com ele normalmente porque já éramos amigos antes de eu começar a confundir as coisas.

-Confundir as coisas? Você sabe que ele gosta de você, não é?

-Não, porque isso não pode ser verdade. Não há nada de especial em mim. – disse com tristeza.

-Claro que há.

-Por exemplo...

-Você é fofamente desastrada. – ele riu

-Você está zombando de mim por causa do que aconteceu na biblioteca! – protestei, mas sorri.

-De maneira nenhuma. – retrucou com falsa inocência.

Bati em seu braço.

-É isso que você ganha por espionar os outros. – disse ele acariciando o local onde eu o havia acertado.

-Eu não estava espionando vocês, eu juro.

-Então o que você estava fazendo na biblioteca? – perguntou desconfiado.

-Estudando? É uma biblioteca, Joseph... Céus! Sua paixonite na Louise está deixando você burro! – eu ri.

-Sua paixonite pelo Alec tem o mesmo efeito em você. - retrucou ele.

-Mas sobre você e a Lou, -quis saber - eu não ia perguntar nada, mas... Mentira, eu ia perguntar.

-Estamos em uma fase de flerte. - respondeu-me corando - Mas não vai ficar assim para sempre.

-E como você se sente em relação a ela? Eu te contei sobre meus sentimentos sobre dois garotos diferentes então o mínimo que você pode fazer e me contar sobre os seus pela minha melhor amiga.

-Penso nela o tempo todo, Nat. Quando acordo, quando vou dormir, a vejo em meus sonhos, ela está em meus devaneios durante todas as aulas. Se eu tirar péssimas notas em meus exames, a culpa será dela.

-Você está realmente apaixonado por ela. Você sabe, isso é bonitinho. - comentei.

-Para mim não é bonitinho, - disse ele muito sério - é desesperador.

-O que quer dizer com isso?

-Eu não sei como ela se sente em relação a mim. Quando a vejo, minha vontade é de correr até ela e abraçá-la, beijá-la e correr com ela nos braços pelos corredores do castelo ao mesmo tempo, mas se eu o fizesse, como ela reagiria? Ela parece se interessar por mim, mas não sei como. E se ela não quiser o mesmo que eu? Nat, eu gosto dela de verdade.

O momento de silencio que eu precisei para decidir o que dizer a ele pareceu durar para sempre.

-Talvez ela me mate por dizer isso, - respirei fundo antes de prosseguir - mas ela sente o mesmo, em igual intensidade.

Traços de genuína alegria dominaram suas feições e ele se levantou puxando-me junto sem nenhuma delicadeza, abraçando-me apertado assim que eu estava de pé.

-Obrigada. - ele me soltou e olhou em meus olhos - É tudo que eu precisava saber! Agora, preciso ir.

-Posso saber o que é tão urgente? - perguntei com uma risadinha.

-Preciso ir para meu dormitório, pensar em maneiras de como fazer Louise minha.

-Como é? - perguntei com uma sobrancelha erguida.

-Da maneira mais inocente possível, claro. - acrescentou ele corando antes de virar-se e sair correndo, deixando-me sozinha.

Permaneci de pé sentindo a brisa fria e suave da noite. De onde eu estava, podia ver o time da Sonserina voando em suas vassouras de ultima linha. Acenei para Alec não esperando uma resposta que, para minha surpresa, eu tive. Voltei para meu dormitório sem me preocupar em andar rápido. O dormitório estava vazio, as outras quintanistas ainda estavam na sala comunal, não havia alma viva lá além de mim e Orsay, que parecia aborrecida com minha ausência. A visão de minha coruja me fez lembrar de palavras que ouvira de minha mãe: "Escreva-me constantemente, querida. Preocupa-me ficar por tanto tempo sem notícias suas." Palavras obviamente ditas na privacidade de meu quarto, onde meu pai raramente entrava. O único lugar onde minha mãe permitia-se tratar-me como filha, nunca esperaria receber tal tratamento diante de meu pai ou qualquer outra pessoa. "Manter as aparências, sempre." era seu lema. "Demonstrações de afeição são sinais de fraqueza," dizia ela "pessoas com as quais se importa são apenas armas aos olhos de seus inimigos. E alem disso, você é uma Karkaroff, deve agir como tal."

Sentei-me à mesinha de estudos ao lado de minha cama, chamei por Orsay que empoleirou-se em um cantinho da mesa e, com a pena em mãos, comecei a escrever uma breve carta para meus pais enquanto cantava para Orsay uma música trouxa que Louise me ensinara: "But I feel I'm growing older, and the songs that I have sung echo in the distance. Like the sound of a windmill going round. guess I'll always be a soldier of fortune." Orsay exibia uma expressão satisfeita enquanto o som da minha voz misturava-se com o ruído da pena arranhando o pergaminho.

"Mãe e Pai,

Está tudo correndo bem por aqui. O quadribol está suspenso por um tempo, mas acho que isso será encarado como boa notícia já que nunca aprovaram minha participação no time de qualquer forma. Afinal, não é adequado para uma garota como eu (ainda que eu não saiba o que "uma garota como eu" signifique). Eu não era uma jogadora extraordinária mesmo, só usavam minha aparência para distrair os jogadores adversários. Acho que devo lhe agradecer por isso, mãe.

As aulas estão fáceis para mim, principalmente poções, como sempre. Temos uma nova professora de DCAT e acreditem em minha sinceridade quando digo que ela não me agrada nem um pouco.

Creio que não há nada mais de interessante para relatar através desta.

Esperando que estejam bem,

Natalie Ivy Karkaroff"

Concluí a carta junto com a música, selando o envelope com cera, carimbando com o brasão da família. Tirei Orsay de seu transe causado pela música, entregando-lhe a carta.

-Leve esta para meus pais, sim? - acariciei-lhe carinhosamente - Sentirei sua falta até sua volta.

Observei enquanto Orsay desaparecia no horizonte e logo depois me preparei para dormir. Vesti uma das milhões de camisolas esvoaçantes que mais pareciam vestidos de festa que minha mãe insistira em me fazer levar no malão, essa era rosa. Estava prestes a me deitar mais cedo que o usual em um ato automático quando percebi que não era isso que eu queria. Saí do dormitório passando por Cho na sala comunal, que disse:

-Não demore muito a voltar, já são oito e meia.

-Não irei, Cho. Muito obrigada - respondi sorrindo.

Andei furtivamente até a casa dos barcos onde reconheci a silhueta de Alec envolta pelas sombras, atirando pedras no lago. Aquele era o lugar aonde íamos para pensar, relaxar, fugir do mundo. Era tranquilo, silencioso e tinha uma bela vista. Chamávamos aquele de "nosso lugar" o que era irônico considerando que raramente íamos até lá juntos. Senti uma vontade súbita de correr até lá e pular nas costas dele, abraçando-o, mas não queria atrapalhar então, dei meia volta para sair dali antes que ele me visse, mas percebi que não havia sido rápida o suficiente quando ouvi:

-Natalie?

-Sim? - virei-me sem jeito.

-O que faz aqui? - perguntou-me, senti o sorriso em sua voz.

-Não consegui dormir - dei de ombros - não esperava encontrar você aqui. Não tinha treino de quadribol?

-Já acabou, então eu vim para cá pensar n... Em nada.

-Nela? Na menina cujo nome você não quer me contar? - perguntei.

-Não... É, bem, sim. - respondeu-me.

-Se você quiser, eu posso sair daqui e ir para o corujal - nosso outro lugar, mas com um cheiro nem de longe tão agradável - não quis atrapalhar você.

-Você não me atrapalha. Podemos ficar aqui juntos, se quiser.

-Me parece bom. - meu sorriso foi bem maior do que eu desejava que parecesse.

-Então venha cá, - chamou ele estendendo uma das mãos para mim, que aceitei.

Um vento forte soprou quando nossas mãos se tocaram fazendo com que meus cabelos encontrassem seu caminho até meu rosto, de onde Alec os tirou gentilmente. Ele olhou em meus olhos sorrindo e eu corei quando ele pareceu notar minhas roupas pela primeira vez.

-Você está parecendo uma fantasma sob essa luz, - comentou ele - uma fantasma muito bonita.

-Obrigada, acho. - corei.

-Você deve estar congelando.

-Um pouquinho. - respondi com um tremor que percorreu meu corpo quando notei o frio que ignorava até então.

-Nesse caso, - disse ele me abraçando - seria errado deixar uma dama com frio.

Minhas bochechas queimaram em vermelho, agradeci aos céus por Alec não poder ver meu rosto naquele momento. Estar em seus braços era a melhor sensação do mundo, era melhor que todo chocolate que eu poderia comer, melhor que a manhã de natal, melhor que entrar na Dedosdemel e sentir o cheiro embriagante que vinha de cada prateleira. Seu queixo repousava no topo da minha cabeça. Depois de alguns segundos ele se afastou o suficiente para levantar meu rosto com uma das mãos e me forçar a olhar para ele.

-Está melhor? - perguntou baixinho, senti seu hálito quente contra meu rosto.

-Sim, obrigada. - respondi sem conseguir pensar em um momento da minha vida em que tivesse me sentido mais encabulada.

-Que ótimo! Bem, nem tanto porque assim acho que eu deveria soltar você.

Alec me libertou se seu abraço e me puxou pela mão até uma árvore perto de onde estávamos, onde se sentou no chão e convidou-me a sentar também.

-Por que não consegue dormir? - perguntou quebrando o silêncio.

-Cabeça cheia. - respondi.

-Talvez, - disse ele puxando-me para perto - se você apoiá-la em algum lugar, os problemas desapareçam.

Ele indicou seu ombro para mim e deitei minha cabeça nele. Alec me envolveu em um abraço apertado.

-Precisa desabafar? - perguntou.

-Você já sentiu como se a pessoa perfeita para você estivesse bem na sua frente, mas você acha que ela merece alguém melhor? - questionei.

Ele respirou fundo, procurei seu rosto com o olhar e notei que ele parecia pensativo.

-Todos os dias. - respondeu com sinceridade.

-Então seus amigos começam a dizer como essa pessoa é perfeita para você, como ficariam bem juntos. Dizem que a pessoa corresponde seus sentimentos, mas você não quer encher seu coração de esperanças incertas então você começa a pensar em todos os seus defeitos, tudo em você que te tornaria menos interessante aos olhos daquela pessoa. E então você conclui que tais sentimentos são impossíveis.

-Você não tem defeitos, - disse com uma doce risada, tentando me animar - é filha de uma veela.

-Talvez isso seja uma maldição. Me torna atraente aos olhos e não ao coração. São poucos apenas que desejam saber quem eu sou de verdade. Para as pessoas, eu sou apenas um rostinho bonito.

-Você é mais do que isso, - sua voz era tão suave quanto o toque da mão que usou para acariciar meu rosto, como uma brisa. Ou isso, ou meus sentidos finalmente embriagados pelo sono me faziam imaginar mais coisas que o normal - não deixe que ninguém lhe diga o contrário. E se alguém o fizer, me deixe saber.

-Você é um garoto muito bom, Alec. - disse tristemente, aninhando-me em seu abraço cada vez mais apertado - deveria dizer àquela garota o que sente por ela. Seja quem for, ela tem sorte.

Passaram-se alguns segundos até eu ouvir um "é você", mas eu já não mais sabia se era ele quem dizia as palavras ou se era apenas sua voz em meus sonhos pois, antes que me desse conta eu havia adormecido em seus braços.

Acordei com Alec chamando meu nome, estávamos no topo da torre da Corvinal. Ele me levava no colo e minha cabeça repousava em seu peito.

-É só até aqui que posso levar você - disse ele gentilmente, esperando até se certificar de que eu estava acordada antes de me colocar delicadamente no chão. Meus braços que antes estavam ao redor do seu pescoço enquanto ele me baixava, agora estavam em seus ombros.

-Obrigada, mas você sabe que não precisava me carregar até aqui.

-Eu sei que não, - respondeu - mas foi um prazer. E antes que proteste, você não pesa quase nada.

-Espero que não tenha problemas no caminho de volta para as masmorras, o que me faz lembrar que alguém poderia ter visto você me trazendo até aqui. Eu odiaria te causar problemas.

Notei que a alegria havia se dissipado de seu rosto.

-Algum problema? - perguntei pousando gentilmente minha mão esquerda no seu rosto, ele colocou sua mão sobre a minha e a segurou. Gentil, porém firme.

-As pessoas vivem falando que falar é mais fácil que agir, - respondeu-me - para mim é o contrário. Quero dizer algo a uma pessoa, mas não sei como. Consigo agir normalmente com ela, mas quando penso em falar sobre meus sentimentos eu travo.

-Talvez, - disse a ele, não acreditando que estava prestes a dizer algo que poderia ajudá-lo a conquistar a garota que o tiraria de mim. - você não deva dizer como se sente, mas mostrar.

-Como? - perguntou-me enquanto eu virava para responder à pergunta da aldrava, virando-me novamente para ele depois de encostar a porta, impedindo que se fechasse.

-Não sei - respondi brandamente - deve ser aquela coisa de "deixe seu coração falar por você."

Seus olhos iluminaram-se de uma maneira que eu nunca havia visto até então, fui preenchida com tristeza. Eu acabara de destruir minhas chances, soube que estava acabado quando o ouvi dizer "tive uma ideia."

Ele tomou minhas mãos nas suas e as pressionou gentilmente sobre seu peito.

-Lembra-se de hoje mais cedo, quando você disse que eu deveria dizer à garota de quem eu gosto como me sinto?

-Lembro. - respondi sem entender o porquê da pergunta.

-Bem, - ele disse - eu não sei como fazer isso, mas meu coração sabe. Ele, inclusive, está tentando fazer isso agora.

Sua respiração e tom de voz controlados me surpreendiam em contraste com os batimentos acelerados de seu coração. Seus olhos brilhavam contra os meus, esperando por uma resposta enquanto seu rosto assumia um forte tom de escarlate cuja intensidade deveria perder apenas para o rubor que se espalhava pelo meu próprio rosto. "Deixe de ser você pelo menos uma vez em sua vida" disse para mim mesma "diga alguma coisa." Minhas pernas tremeram e eu cambaleei um pouco "qualquer coisa." Então eu sorri para ele da mesma maneira que sorri na primeira vez em que senti o gosto do chocolate e me joguei em seus braços, abraçando-o com força por alguns milésimos de segundo, fiquei na ponta dos pés para alcançar seu rosto e plantei-lhe um beijo na bochecha. Afastei-me depressa antes que ele pudesse me abraçar de volta, corri para o interior da sala comunal, virando-me para encarar um Alec perplexo e sorridente antes de fechar a porta, onde me encostei e deslizei até estar sentada no chão, ainda sorrindo feito uma tola. O fogo crepitava na lareira não muito longe de mim, fui para mais perto do fogo, sentando-me no chão de frente para as chamas, onde permaneci até Luna me chamar, espantando-se por me ver de pé tão cedo. Mesmo sem dormir, passei a noite sonhando acordada.

Depois de um banho, infelizmente não tão demorado, entrei em minhas vestes negras e desci saltitante para grande salão, onde sentei-me à mesa da Corvinal, servindo-me de panquecas com morangos acompanhadas de suco de abóbora , o salão ainda estava vazio quando cheguei, então eu pude ver quando pessoas começaram a chegar. Não demorei muito a comer e logo retornei ao dormitório para pegar minha bolsa, chequei o horário: duas seguidas de História da Magia, duas de DCAT logo depois pela manhã e, Runas e Artimancia pela tarde. Fui a primeira a chegar à sala de História da Magia, onde Prof. Binns flutuava a alguns centímetros do chão, emanando um leve brilho translúcido. Escolhi um lugar no fundo da sala e debrucei-me sobre a mesa, fui acordada de um breve cochilo por Louise que, sentando-se ao meu lado, desejou-me bom dia.

-Bom dia. –respondi com um bocejo.

-Você parece cansada. – observou – Não dormiu bem?

-Não dormi. – respondi piscando várias vezes tentando clarear minha visão.

-Aquilo outra vez? – ela perguntou abaixando o tom de voz, a essa altura a sala já estava cheia.

-Não, foi uma coisa boa, eu acho. – sorri – conto a você depois, ok? Tenho que dormir agora ou pregarei os olhos na aula da Umbridge e sabe-se lá como aquela sapa gorda pode reagir a um cochilo em sua preciosa aula.

-Seu horário de quarta-feira é uma droga. – ela disse distraidamente.

-Eu sei. – respondi abaixando a cabeça novamente enquanto a voz do Prof. Binns em embalava de volta para meus sonhos que, por alguma razão estavam repleto de anões.

Acordei ao fim das duas aulas com Louise me chamando, despedi-me pedindo a ela que me encontrasse na biblioteca na hora do almoço e me dirigi ao 3º andar para a aula de Defesa Contra as Artes das Trevas. Escolhi um lugar afastado da mesa de Umbridge, esperando passar despercebida durante a aula. Umbridge não tardou a chegar, escancarou a porta e marchou até a frente da sala de aula com seus sapatos fazendo um ruído desagradável contra o chão, virou-se encostando-se a sua mesa encarando todos os alunos presentes, começou um discurso que parei de ouvir depois de "Bom dia, queridos", minha mente vagou para algum lugar distante onde sua voz não existia até que um livro flutuante caiu em minha mesa, assustando-me com o ruído. Olhei com desprezo para meu exemplar, já havia lido e poderia dizer que era o livro mais inútil já escrito. Tirei meu livro favorito de minha bolsa e comecei uma leitura milhões de vezes mais agradável, não fazendo a mínima questão de esconder o exemplar fechado ao lado daquele que eu lia tão avidamente, levantando meu olhar ocasionalmente para o olhar feio que Umbridge me dirigia.

-Leu o que foi pedido, senhorita Karkaroff? – Perguntou-me Umbridge ao fim da aula.

-Na verdade, terminei o livro. – respondi brandamente.

-Então deveria lê-lo novamente ao invés de iniciar leituras... Alternativas em minha aula. – disse olhando com desgosto o livro aberto sobre minha mesa.

-E reler informações inúteis? – perguntei com uma risada desdenhosa – Esse livro já entrou na minha cabeça mais do que eu gostaria, então não, obrigada.

-Então, se você conhece o livro tão bem de fato, importaria-se de me dizer exatamente o que está escrito na primeira página do capítulo 12? – sua intenção de me humilhar diante da turma era gritante.

-Capítulo 12, - ecoei debochada. – Como esquecer o capítulo 12? "No caso de um encontro com um bicho papão, a melhor alternativa é deixar o local o mais rápido possível, evitando sempre o uso de magia desnecessária, o que seria um desperdício com tal criatura." O que, - acrescentei – todos aqui sabem que seria muito menos eficiente considerando que no terceiro ano...

-Está questionando os métodos do ministério? – cortou-me.

-Questionando? Não, questionando não, senhora. Discordando completamente.

-Então, sugiro que mude seu jeito de pensar, querida. E é professora.

-Como quiser, senhora.

O som da sineta ficou cada vez mais alto conforme o rosto de Umbridge ficava cada vez mais e mais vermelho.

Não tinha fome, então fui direto para a biblioteca, escolhi uma mesa qualquer onde deixei minhas coisas antes de vasculhar as prateleiras e procurar algo interessante para ler enquanto esperava por Louise que, deveria chegar a qualquer momento. Um livro cujo título estava apagado chamou minha atenção. O couro da capa era macio ao toque, tão macio que parecia nem mesmo estar lá. Sentei-me e abri o livro, sentindo-me aliviada por ser sobre meu assunto favorito: poções. O livro parecia tão antigo quanto o tempo, - Impressionou-me não estar escrito em runas -, mas as palavras nele pareciam ainda tão recentes como imaginei que pareceriam no momento em que foram escritas, os traços que definiam as gravuras eram elegantes, singulares e estranhamente familiares. Eu poderia passar a eternidade admirando as estruturas do livro se não tivesse começado a lê-lo e percebido que as coisas escritas ali eram tão malignas quanto suas gravuras eram belas. Surpreendi-me por aquele livro estar fora da seção reservada e folheei o livro freneticamente, na tentativa de encontrar algo que não fosse maléfico. Com títulos em latim, as poções daquele livro faziam coisas como: matar, trucidar, fazer adoecer das piores maneiras e fazer sofrer as piores dores. Quanto mais cruel a poção, mais complicado era seu preparo e mais raros seus ingredientes, se alguém quisesse preparar qualquer uma delas precisaria de um estudo extremamente avançado em poções.

Notei que a ultima página estava faltando e meus dedos passearam pelo local onde a página fora rasgada, perguntando-me onde poderia estar. Meus pais sempre me fizeram estudar poções, mesmo fora de Hogwarts, será que eu estava destinada a preparar uma daquelas misturas? Mesmo que não fosse minha intenção usá-las, parecia tentador prepará-las. Sentir a leve fumaça que saía do caldeirão no rosto, sentir todo o poder que...

Acordei na Ala Hospitalar, deitada em uma das camas sem fazer a mínima ideia de como havia ido parar ali, ouvi vozes do lado de fora de esforcei-me para identificá-las e tentar ouvir o que diziam.

-Tem certeza que era ele? – ouvi uma voz feminina dizer, pensei reconhecê-la, mas não...Não podia ser.

-Veja por si mesma, Diana. –respondeu a voz de Snape que me fez ter certeza. Sim, aquela era minha mãe.

-Um livro como esse, – ouvi meu pai perguntar – fora da seção reservada?

-Isso nunca aconteceria em Beauxbatons! – queixou-se minha mãe com uma sombra de seu sotaque francês que se esforçara por anos para fazer desaparecer – devíamos tê-la mandado para lá, como eu disse desde o começo.

-Diana, acalme-se. – meu pai pediu – a estadia de Ivy em Hogwarts é fundamental.

-Não vou me acalmar, Thor. – respondeu ela chorosa – Não enquanto Natalie tem chances de saber mais do que deveria, isso pode atrapalhar os planos.

-Os planos estão seguros – trovejou Snape – eu me assegurarei pessoalmente disso.

-ONDE ELA ESTÁ? – os gritos de Louise ecoaram pelo recinto – Quero ver Natalie!

-Você não vai ver minha filha, sua fedelha de sangue ruim! – minha mãe disse com seu tom frio costumeiro.

-Claro que não... –senti o sarcasmo em sua voz.

Louise escancarou as portas, correndo diretamente para onde eu estava.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.