Eu estava cega. Meus olhos estavam cobertos por lágrimas que por algum motivo se recusavam a cair, talvez fosse porque meu rosto já estava cheio delas. Em algum momento eu havia gritado, mas não fazia ideia de quando. Precisei de alguns segundos para perceber que eu não estava mais sonhando e sim, gritando feito uma criança tola e assustada em uma cabine de um trem. Deparei-me com três pares de olhos me encarando com grande curiosidade, porém dois deles pareciam estar acostumados com tudo aquilo, apenas uma pessoa ali me dirigia um olhar extremamente perplexo: minha melhor amiga.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Todo o meu corpo tremia, eu podia sentir gotas de suor se formando em minha testa enquanto eu tentava, desesperadamente, me lembrar de como respirar. As palavras tropeçavam no caminho para fora da minha boca fazendo com que eu gaguejasse loucamente como nunca havia gaguejado até então. Sentia como se pudesse desmaiar a qualquer momento, mas me recusava a cair na inconsciência que poderia jogar-me novamente naquele pesadelo.

Em um movimento quase automático, como se isso fizesse parte de sua rotina, Luna correu até a janela da cabine para abri-la enquanto Cho usava o livro que eu lembrava estar lendo até o momento em que peguei no sono para me abanar. Louise, antes sentada de frente para mim, agora estava sentada ao meu lado abraçando-me, me embalando como um bebê enquanto repetia: “Fique calma, Natalie. Estou aqui, todas nós estamos. Você não está sozinha e está tudo bem.” Levantei os olhos para encará-la e o que eu vi me assustou: trilhas de lágrimas brilhavam em seu rosto, algumas ainda frescas em seus olhos deslizaram livres pelas bochechas quando ela piscou.

Aquilo me chocou, Louise era a pessoa mais emocionalmente forte e corajosa que eu conhecia. Onde houvesse um problema, ela era sempre a primeira a resolver e nunca se deixava abalar, não importava a situação. Eu a conhecia desde meus 11 anos no meu primeiro dia em Hogwarts e até então nunca tinha a visto derramar uma única lágrima. E agora ela chorava, e por minha causa. Aquela visão me fez parar, se minha amiga que sempre fora forte era capaz de chorar ali por mim, então eu podia ser forte por ela.

-Podem parar, - me ouvi dizer numa voz que não parecia minha – está tudo bem.

-Tem certeza? – perguntou-me Luna sentando-se de frente para mim – Falei sobre você com meu pai, ele disse que esses seus pesadelos provavelmente foram causados por...

-Luna, temos de ir- interrompeu Cho – o trem está quase chegando e precisamos trocar as vestes.

Cho saiu da cabine levando Luna consigo, parando antes para dar um breve aceno da cabeça para Louise antes de desaparecer no corredor. Louise retomou seu antigo lugar a minha frente e, me encarando com olhos muito sérios, arriscou:

-O que foi aquilo? – perguntou ela limpando as ultimas lágrimas remanescentes nos olhos – o que aconteceu com você? Nem adianta dizer que não foi nada porque seu grito não foi um “nada”, eu nunca te vi tão assustada em toda a minha vida e você não estava nem acordada.

-Pesadelos – disse hesitante – isso é tudo que eu sei.

-O que quer dizer com isso? Tudo que sabe...

-Eu não consigo me lembrar. – respondi com sinceridade – Nem mesmo lembro quanto tempo faz que tenho esses sonhos, mas sei que sempre os tive. É sempre assim, eu acordo aos berros, chorando como uma criança pequena. E sabe qual é a pior parte? Eu nunca consigo me lembrar do que acontece no sonho, ele é tão real, é como se eu estivesse mesmo lá, ele permanece na minha cabeça quando eu acordo, mas quando eu tendo colocar a cabeça em ordem, explicar pra mim mesma o que aconteceu... Ele simplesmente desaparece.

-E com que frequência esses sonhos aparecem? – perguntou

-Costumavam ser raros, foram aumentando conforme eu crescia. A frequência deles aumenta perto do meu aniversário... Geralmente esses sonhos vêm uma vez a cada dois meses mais ou menos, ás vezes três. Mas agora com meu aniversário chegando, esses sonhos aparecem quase toda noite. Eu me sinto péssima, sabe? Logo nos primeiros dias do ano letivo minhas colegas de quarto já são obrigadas a me ouvir gritar quase todas as noites.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Eu estava chorando novamente, não consegui me controlar. Eu nunca tinha falado disso com ninguém antes, e alguns tipos de dor não podem sair pela boca sem arrancar lágrimas dos olhos.

-Eu só não entendo porque você não me contou sobre isso. – disse ela.

-E te preocupar a toa? Você ficaria se revirando na sua cama se perguntando se eu estava bem sem poder confirmar e se remoendo por não poder me ajudar caso precisasse. Por que eu faria isso com a minha melhor amiga?

Se fosse qualquer outra pessoa do mundo, ela poderia ter gritado comigo, ficado magoada ou arremessado todo o conteúdo de seu malão sobre mim. Mas não, ela não era qualquer outra pessoa. Ela era Louise Cubbins, minha melhor amiga dona de uma sanidade adoravelmente duvidosa que jogou uma caixa de sapos de chocolate no meu rosto e por fim, disse:

-Dizem que não há mal que um chocolate não cure, agora coma logo isso e vamos nos trocar porque estamos quase chegando.

Sorri. Onde eu estaria sem ela?

-É por isso que minha mãe te odeia –disse dando uma mordida no doce que fez minha língua cantar- quer dizer, não só por isso. Mas esse é um motivo... Deliciosamente relevante. Eu já te disse que minha mãe nunca permitiu que eu comesse chocolate?

-Já, algumas vezes. E eu ainda não consigo imaginar que tipo de mãe proíbe a filha de comer chocolate.

-Uma mãe do tipo veela maligna obcecada com aparência que obriga a filha a usar um espartilho e vaga pelas ruas escuras durante a noite, sedenta pelo sangue de criancinhas gordas. –Falei olhando cobiçosa para o ultimo pedaço de chocolate em minhas mãos, como se apenas meu olhar pudesse multiplicá-lo por mil.

-Olha só, está aprendendo a ser cruel, grande progresso! – disse ela com uma risada – Agora vamos, estamos quase em casa.

As vestes de Hogwarts me serviam perfeitamente, como sempre. Nada menos do que o esperado afinal, minha mãe fazia questão de acompanhar pessoalmente o processo de ajustes pelos quais elas passavam todos os anos, para ter certeza de que elas ressaltariam cada ponto forte do meu corpo com elegância e sofisticação. Pontos fortes herdados através do sangue de veela que corria nas veias de minha mãe e, consequentemente, nas minhas. Sim, minha mãe era aquele tipo de mulher, um dos motivos que me faziam odiar ter de ir para casa todas as férias. Não que ela fosse uma mãe ruim, sempre cuidara de mim com muito cuidado, eu diria cuidado até demais. Cada peça de roupa que eu vestia era minuciosamente escolhida, cada fio de cabelo fora do lugar era imediatamente arrumado, minha postura? Verificada a cada 20 segundos. Para minha mãe meu rosto era uma tela e eu, sua boneca favorita. Ainda pequena eu tive esperanças de encontrar em meu pai um porto seguro, esperanças que morreram logo na primeira vez que arrisquei pedir sua ajuda “Você é especial, querida” dizia ele “e será ainda mais no futuro. Sua imagem é muito importante, não ouse se esquecer.”

Ao voltar para minha cabine deparei-me com Joseph sentado em meu lugar costumeiro. Ele olhava fixamente nos olhos de Louise enquanto conversavam. Eu precisava entrar para guardar minhas roupas, mas aquela cena me fez perceber que a cabine não era mais minha e, eu não poderia simplesmente entrar lá e deixá-los constrangidos. Dei meia volta correndo antes que me vissem, o plano original era vagar pelo trem até encontrar alguma cabine onde eu pudesse ficar até o fim da viagem. Porém, antes que eu pudesse encontrar um lugar que me parecesse amigável, senti uma mão encostar de leve no meu ombro direito. Num primeiro momento me assustei, mas ao virar-me fui tomada por uma onda de alívio, era Alec. Eu temia que fosse Malfoy, pois agora o corredor estava vazio e não apareceria ninguém para me salvar de suas investidas.

-Sua cabine não é para o outro lado? – Perguntou ele, me arrancando delicadamente de meus devaneios. Seus olhos muito verdes estudavam meu rosto enquanto ele abria um sorriso que me fez pensar em mil vagalumes, não entendi porque pensei aquilo. Não havia nada de diferente no sorriso dele, havia? Alec sempre sorria daquele jeito pra mim.

-Perdão, o que disse? – perguntei ao perceber que me esquecera de sua pergunta, pois havia me perdido novamente em devaneios. Coisa que para mim, era bem comum.

-Perguntei se sua cabine não ficava para lá – disse ele apontando para o corredor atrás de si.

-Ah, isso. É, é sim. –respondi.

-Que ótimo – disse ele com um sorriso brincando nos lábios – estava indo para lá agora mesmo para ver se você e a Lou não gostariam de ir beber alguma coisa quente comigo. Quando vi você aqui cheguei a pensar que havia me perdido. Então, esqueceu alguma coisa quando se trocou? – perguntou olhando para a pilha de roupas que eu abraçava contra o corpo.

-Não, eu estava voltando para a cabine quando vi Joseph lá com a Lou, achei melhor não atrapalhar, pois parecia... Sério. – respondi torcendo para que meu tom de voz não denunciasse o que “sério” significava. – então dei meia volta para procurar alguma outra cabine onde pudesse ficar até alguma hora mais oportuna. Mas, sem querer ser indelicada nem nada, por que iria conosco? Ninguém na sua cabine quis ir com você?

-A companhia deles não será nem de longe tão agradável quanto à de vocês, além do mais, eles são preguiçosos demais para andar atrás de chocolate. Mas já que a Lou está ocupada e você não está fazendo nada, por que não vamos apenas nós dois?

-Você me ganhou quando disse chocolate – respondi sorridente – embora eu ache que o uso dessa palavra tenha sido proposital.

-Eu sei que você ama chocolate. E sabe o que dizem, conhecimento é poder.

-Usando suborno – eu disse com falsa incredulidade – sabia que às vezes eu te odeio?

-Só às vezes? – ele retrucou com uma piscada, então seus olhos voltaram-se novamente para a pilha de roupas em meus braços. – Quer que eu guarde isso na minha cabine para você?

-Não precisa se dar ao trabalho, está leve.

-Não será trabalho nenhum, e eu precisava voltar para lá de qualquer modo – disse ele tateando os bolsos, ouvi o tintilar das moedas – para pegar dinheiro.

-E esse barulho? –perguntei erguendo uma sobrancelha.

-São... Chaves. – respondeu corando enquanto tirava a pilha de roupas das minhas mãos.

-Chaves, sei.

Ele abriu aquele sorriso dos mil vagalumes mais uma vez.

-Eu já volto, pode ir andando se quiser, mas vá devagar para que eu alcance você.

E então saiu.

-Alec? – chamei e ele se virou.

-Sim?

-Você acabou de me salvar mais uma vez hoje, obrigada.

-Apenas o meu dever para com uma bela dama. –respondeu-me com uma breve risada.

Alec é um ótimo amigo, pensei enquanto andava, uma prova viva de que a Sonserina não era tão ruim quanto falavam. Mas, por outro lado, infelizmente haviam alguns que provavam o contrário e, como se meus pensamentos tivessem poder convocatório, uma mão agarrou meu braço. Eu sabia que não era Alec, esse toque era de um frio cortante.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

-Finalmente sozinha, Ivy. – ouvi Draco Malfoy dizer antes de me puxar para dentro de uma cabine escura.

As luzes se acenderam ao mesmo tempo em que ouvi a porta se trancar. Tateei as vestes procurando minha varinha e então me lembrei: eu havia guardado no malão ao pegar as vestes. Ou seja, não podia abrir a porta, ou seja, eu estava presa em uma cabine com ninguém menos que Draco Malfoy. Concluí que eu só podia estar no inferno. Soquei a porta desesperadamente, gritando por ajuda, mas as chances já escassas de conseguir qualquer tipo de auxílio foram drasticamente reduzidas quando ouvi a palavra “Abaffiato”. Avistei Alec chegando enquanto olhava pela janela da porta, continuei a socá-la na esperança de que a visão panorâmica dele fosse útil fazendo-o notar o movimento incomum vindo do lugar onde eu estava. Minha idéia maluca funcionou, sustentei seu olhar tranquilizador com o meu aterrorizado. Alec colocou uma mão na janela na direção de onde a minha estava, olhei para nossas mãos que estariam unidas não fosse o vidro e então eu entendi que dessa vez, ele não poderia fazer nada. Draco me puxou para longe da porta e baixou a cortina sobre a pequena janela da porta, estávamos a sós.

-Deixe-me sair. –disse sem olhar para ele.

-É claro, madame –respondeu-me com sarcasmo – depois de conseguir o que eu quero.

-E o que você quer? – perguntei com impaciência.

Meus olhos encontraram os dele. Os olhos cinzentos de Draco queimavam em contentamento.

-Um beijo – disse ele enquanto apontava para os próprios lábios que sorriam maliciosamente – bem aqui.

-Isso só pode ser piada – suspirei impaciente.

-Você sabe que eu não sou do tipo que faz piada. Não sobre isso. Então, por que não chega mais perto? – perguntou avançando lentamente na minha direção – Não dá pra te beijar com toda essa distância.

-Nem nos seus sonhos mais insanos. –respondi friamente cruzando os braços.

-Ivy, eu tenho sido muito compreensivo com você até agora, mas ultimamente venho me perguntando se sua mãe sabe do tipo de escória com a qual você anda em Hogwarts...

-Você não faria...

-Experimente. – interrompeu-me – Até agora eu te dei o meu silêncio de bom grado, mas não mais.

-Você está se vendendo por um beijo? Malfoy, você decaiu mais do que eu pensei.

Aproximei-me dele até estar perto o suficiente para sentir seu hálito gelado no meu rosto.

-Já ouviu falar em limites? – perguntei carregando minha com a maior intensidade de falsa inocência possível – Porque você está me fazendo chegar perigosamente perto de um.

-Do seu autocontrole? – perguntou ele com malicia

-Não, – respondi secamente – da minha paciência.

Empurrei o garoto, que caiu sentado no banco, ainda me olhando como se estivesse hipnotizado. Um ruído alto indicou que havíamos chegado, a porta da cabine se abriu magicamente. Quando eu estava prestes a sair, me virei para ele e disse:

-Você não precisa fazer isso para impressionar seus amiguinhos até quando eles estão longe de você. Lembre-se que eu te conheço há muito mais tempo que qualquer um deles. Eu não desperdiçaria a única amiga de verdade que tenho se eu fosse você.

E saí da cabine pisando duro antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa.

Deparei-me com Alec plantado do lado de fora, como se não houvesse movido um único músculo desde a ultima vez que o vira. Sorri triunfante e ele soube que estava tudo bem, puxei-o pelo braço delicadamente e disse:

-Venha, vamos sair logo daqui.

“Você nunca mais vai sair de perto de mim” disse para minha varinha ao tirá-la do malão, fechei-o e saí da cabine. Sair do trem me trouxe uma nostalgia inesperada, o lago estava apinhado de barcos com suas luzinhas refletindo na água, cujos reflexos cintilavam como os olhos das criançinhas que ansiosas, mal podiam conter-se para pisarem pela primeira vez no lugar onde fariam as melhores memórias de suas vidas. Lembrei-me de minha primeira em Hogwarts, da euforia que dominava minha mente, das expectativas que enchiam meus pensamentos me fazendo ponderar sobre em qual casa...

-Natalie? – ouvi a voz de Alec me chamar

-Por quanto tempo eu apaguei? - perguntei.

-Chamei você cinco vezes. O que é um progresso, você geralmente responde depois de sete. - ele sorriu - Agora vamos logo, ou teremos que dividir a carruagem com Malfoy.

Subimos em uma carruagem junto com Annie, uma bela menina da Lufa-lufa e esperamos. Alguns amigos de Alec cujos nomes eu não me lembrava apareceram e então, a carruagem partiu.

-Algum de vocês viu Joseph? - perguntou Annie.

-Da ultima vez que o vi, estava conversando com Louise em uma cabine. Provavelmente ainda está com ela. -respondi.

-O que há com esses dois? - Annie perguntou bufando. -Obviamente, há alguma coisa então, por que não assumem logo?

Eu ri.

-Eles são aquele tipo de casal onde ambos se amam, mas nenhum deles assume - comentei - basicamente, nem um para o outro, nem pra ninguém.

-Parece que não são os únicos. - disse Annie com um sorriso.

Senti Alec enrijecer ao meu lado enquanto seus amigos riam. Virei-me para ele, desconfiada.

-Alec, você está escondendo alguma coisa de mim? - perguntei.

-N-n-não é nada - gaguejou ele - uma garota, mas eu nunca teria chances com ela de qualquer forma.

-Não me venha com essa, Magnum. - disse impaciente - Você é a pessoa mais legal de Hogwarts e todos sabem disso, o que te torna extremamente paradoxal se considerarmos que você é da sonserina, sem ofensas. Isso só te torna mais interessante. Além do que, você é bonito - corei e desviei os olhos, mas continuei falando - uma garota teria que ser muito insana ou compromissada para não querer sua atenção.

Todos assentiam concordando com minhas palavras, um silêncio pairou no ar e o resto da viagem decorreu tranquilamente.

Quando finalmente pisei no grande salão, me senti em casa. As mesas das casas estavam apinhadas de alunos ansiosos e famintos. Sentei-me na mesa da Corvinal ao entre Luna Lovegood e Astoria Greengrass, aquelas com quem eu mais tinha amizade na casa além de Cho, agora sentada um pouco adiante com suas amigas. Dentre as três, a mais parecida comigo era Astoria, podia-se dizer que nossas vidas eram parecidas: ambas nascidas em famílias sonserinas tradicionais de sangue imaculadamente bruxo que, de repente, caíram na Corvinal.

Localizei Louise na mesa da Grifinória, ela sorriu para mim e eu, sorri de volta. Alunos conversavam animadamente a minha volta, mas pararam quando a seleção começou, o som de apalausos enchia cada uma das mesas conforme os alunos novos eram distribuídos de acordo com o julgamento do chapéu seletor. Logo depois, Dumbledore começou seu discurso enquanto eu abria meu livro favorito sobre meu colo e começava a ler. Não que eu não quisesse prestar atenção às palavras de Dumbledore, eu as adorava, absorvia cada uma delas enquanto lia. Meu erro fora levar o livro comigo para o salão principal, enquanto eu estivesse com ele em mãos eu nunca pararia de lê-lo, o título era: "La fée dorée de la haute tour", contava a lenda de uma fada de cabelos dourados que vivia no alto de uma torre, a fada sabia tudo que havia para se saber e dividia seu conhecimento com viajantes que a procuravam, mas em troca, eles deviam entregar suas almas a ela para que ela as comesse. O que para mim, era apenas uma metáfora, a fada apenas queria companhia, apenas um amigo que entregasse a alma de bom grado, e passasse o resto de seus dias ao seu lado. O que mais me fascinava naquele livro era o fato de que seu autor era desconhecido, poderia ser qualquer um, bruxo ou trouxa, era o mais perto de literatura trouxa que eu podia chegar sem que meus pais me impedissem.

Para mim, o contato com qualquer coisa vinda do mundo dos trouxas era proibido, por isso minha amizade com Louise, que era nascida trouxa, foi desaprovada desde o momento em que começara, meus pais achavam que eu e ela não éramos mais tão próximas quanto antes, eu e ela combinamos que nunca mandaríamos corujas uma para a outra durante as férias e de esconder qualquer sinal de forte amizade para qualquer um que não estivesse constantemente dentro dos domínios da escola. Mal sabiam eles que todos os anos, Louise trazia de casa livros escritos por trouxas para que eu lesse.

Notei uma mudança na voz que enchia o salão, tirei os olhos das palavras escritas pelo autor que eu nunca saberia quem era para ver uma mulher vestida de rosa da cabeça aos pés, sorrindo medonhamente enquanto palavras carregadas com falsa simpatia saíam de sua boca. No exato momento a vi, notei que parecia um sapo e percebi que não gostava dela, devolvi imediatamente minha atenção para o livro, que julguei ser muito mais merecedor.

Não comi nada, não tinha fome. Mas, tive de ficar até o final do jantar, pois como a mais nova monitora, era meu dever levar os pequenos até a sala comunal e explicar tudo que pudesse sobre a escola no caminho. Quando o ultimo estômago estava cheio, levantei-me e guiei as crianças para fora do salão, onde Louise me esperava.

-Você não deveria estar com os alunos da sua casa? - perguntei com um sorriso.

-E perder o primeiro dia da minha melhor amiga como monitora? - disse ela com um sorriso ainda maior - NUNCA. Eu precisava ver como você se sairia com os diabinhos, digo, com essas adoráveis crianças. -corrigiu-se ao ver o olhar assustado que alguns dos pequenos lhe dirigiram.

-Por mim, tudo bem. - respondi - Contanto que você não mais os chame de diabinhos.

Fiz o caminho que estava acostumada a fazer desde meus onze anos, mas dessa vez, falando animadamente sobre a escola, botando para fora palavras do discurso que havia começado a preparar desde o dia em que havia recebido a noticia de que o cargo me pertencia.

Chagamos a porta da sala comunal em poucos minutos, então eu disse:

-Agora preciso de sua completa atenção. Já devem ter ouvido de seus pais e/ou irmãos mais velhos sobre as famosas senhas das entradas das salas comunais. Bem, não temos isso por aqui. - algumas crianças sorriram, mas seus sorrisos diminuíram quando continuei - Estão vendo essa aldrava aqui? - disse apontando para a bela peça de bronze em forma de águia - ela lhes fará uma pergunta que deve ser respondida corretamente para liberar a passagem, algum de vocês gostaria de tentar? Uma mão tímida se ergueu no ar, pertencia a uma bela garotinha de cabelos castanhos cacheados e olhos cinzentos.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

-Estupendo, uma voluntária. - me ouvi dizer - Qual é seu nome, querida?

-Keira Tamblym - respondeu-me timidamente.

A aldrava fez sua pergunta: "Qual é a melhor maneira de se acabar com uma briga?" Keira pensou por alguns segundos e respondeu:

-Impedindo que ela comece. - e olhou para mim, esperando por algum sinal de aprovação.

"Perspectiva peculiar, deveras interessante." disse a aldrava e a porta se abriu, mas eu entrei na frente antes que pudessem passar por ela.

-É importante lembrar - comecei - que nem sempre haverá apenas uma resposta. - disse sorrindo carinhosamente para aqueles cujas expressões estavam preocupadas provavelmente por terem pensado em algo diferente da resposta de Keira - Porém, se errarem, devem esperar até que algum colega acerte, pois assim, e apenas assim, poderão aprender alguma coisa nova.

Indiquei os lados dos dormitórios e desejei boa noite às crianças, quando a ultima criança entrou, virei-me para Louise que ainda estava lá, sem permissão.

-Foi muito ruim? - perguntei com uma careta.

-Está brincando comigo, não é? - perguntou - Você foi incrível. Percy mataria por um discurso como o seu.

-Graças aos céus. - respondi - Orsay sabe o quanto eu pratiquei aquilo.

-Então Orsay está feliz, ela adora sua voz.

Eu ri. Era verdade, Orsay, minha coruja, parecia nunca estar feliz se eu não a estivesse acariciando, falando com ela ou cantando perto dela.

-Por onde você andou no trem? Não te vi mais até o grande salão.

-Malfoy me interceptou outra vez, - disse revirando os olhos - me trancou numa cabine e disse que só me deixaria sair se eu o beijasse.

-E você? - perguntou preocupada.

-Me recusei, é claro. A porta abriu sozinha quando o trem chegou. Escapei por pouco.

-Não me odeie por dizer isso, - ela começou - mas acho que até o fim do ano você não terá opção senão beijá-lo.

-Eu sei. - concordei desgostosa e senti uma necessidade enorme de mudar de assunto - Você sabia que o Alec está gostando de uma menina e não me contou? Não quis ao menos me contar quem é.

-Só você não sabia disso, Natalie. - ela respondeu - Imagino porque ele não quis dizer a você quem é.

-Que quer dizer com isso? - perguntei confusa.

-Nada, - disse ela - nada.

-Natalie? É você aí fora? - uma voz chamou, reconheci Joseph saindo da sala comunal - Você deveria ir se deitar, está tar... - ele se interrompeu - Louise, olá.

-Boa noite, Joseph - respondeu ela polidamente.

-Sabe, Joseph - eu disse com uma risadinha - acho que você está certo, eu deveria mesmo ir dormir. - abracei Louise e acenei para Joseph - Boa noite para vocês.

Ao entrar no dormitório, vi meus pertences próximos da cama que ficava de frente para a janela com vista para as montanhas, onde a gaiola de Orsay estava pendurada. Olhei culpada para minhas colegas de quarto que dormiam, sabia que o único motivo para permitirem que eu ficasse sempre com a melhor cama do quarto todos os anos era a esperança que nutriam de que isso reduziria as chances de eu ter pesadelos, apesar de eu já ter dito incontáveis vezes que isso não funcionaria. Vesti meu pijama e fui até a janela acariciar Orsay uma ultima vez e desejar-lhe boa noite antes de deslizar para debaixo das cobertas e fechar os olhos, esperando um sono tranquilo.