Mais tarde, deixaram a sala de máquinas para trás e deram de cara com o amplo salão do esconderijo do Mestre. Logo que pisaram lá, uma única coisa logo lhes chamou atenção: a TARDIS, agora novamente no formato de uma cabine de policia azul, ganhava todos os holofotes no centro do espaço. O trio se entreolhou por um momento.

—Nem tivemos chance de nos despedir direito –Luisa comentou.

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O Doutor pousou a mão em seu ombro, com um sorriso no rosto.

—Todos voltamos ao normal. Voltamos a ser quem somos... Isso é o que realmente importa. –disse. –E, afinal de contas, “a TARDIS não se foi”. Ela continua aqui, parada bem na nossa frente... –e posicionou-se para persuadi-la. -Tudo que precisa fazer, é continuar enxergando-a da mesma forma de antes, pois ela sempre será a mesma... E também vai continuar conosco: sacolejando o console e opinando no curso das viagens, –o Doutor fez uma pausa, julgando suas próprias palavras. –Bem, mesmo que não possa falar. Cá entre nós: sabemos que ela é muito boa nisso.—e terminou, lançando-lhe uma piscadela. Depois deixou-a para trás, e foi acariciar a maçaneta da TARDIS.

—Bom... Pelo menos essa loucura toda finalmente acabou! –Melissa tagarelou, também caminhando na direção das portas da caixa azul. –Nada de desregenerações, Ratongos, perseguições, falsos mentores ou planos mirabolantes. Daqui pra frente, somos só nós quatro novamente... Como nos velhos tempos! –ela cruzou os braços e apoiou o ombro no batente, observando Luisa alcançá-los.

—Puxa! Eu podia jurar que esse lugar era um bocado maior –comentou o Doutor, esfregando o queixo ao olhar para a sala.

—Não, seu bobo! Era você que estava do tamanho de uma caixinha de sapatos –explicou Melissa, com seu jeito cômico de sempre. –Na percepção de um bebê, de fato, tudo pareceria muito maior do que realmente é...

—E também ganharia muito mais importância –comentou Luisa, tirando uma coisinha peluda da bolsa rosa. –Toma. Acho que ele é seu.

Oh! O meu amiguinho BART! —o Doutor exclamou eufórico, apanhando imediatamente o ursinho de pelúcia com um grande laço azul no pescoço. Depois, tratou de dar-lhe um forte abraço. –Pensei que nunca mais o veria de novo... Obrigado por guardá-lo pra mim!

Luisa franziu a testa por um momento, com ar de riso.

—Como é que é?Bart”?

—É o nome do meu ursinho. –ele confirmou.

—Sério? Engraçado... Eu sempre pensei que ele se chamasse “Amora”.

Amora?—ele estranhou. -Mas por que você pensou uma coisa dessas?

Luisa deu de ombros.

—Sei lá. Quando eu perguntei qual nome você daria a ele, você simplesmente apontou para a sesta de amoras que eu tinha arranjado! Acho que é o bastante para qualquer ser humano comum começar a fazer conexões...

—Sim. Conexões erradas—o Doutor tirou sarro. –Que coisa! Eu apontei para a sesta, mas foi inteiramente intencional!

—Intencional de quê jeito? –indagou Luisa.

—Ué? Eu queria dar comida a ele! —justificou-se o Doutor, erguendo o ursinho na altura do rosto.

Sem aviso, Melissa teve um inexplicável acesso de riso.

—Que maluquice... Parece até telefone sem fio!—anunciou, gargalhando. –“Bart” uma ova! Pra mim, o nome dele devia ser “cuspe quente”!?

Cuspe quente?—o Doutor fez uma careta, ao que Luisa abafou o riso. –Que diabos Melissa! Como assim?

—Não fique irritado; Você babava rios nesse ursinho... O que acha que eu devia pensar?

Os três se entreolharam por um momento, em silêncio.

Cuspe quente—Luisa riu pelo nariz de repente, e isso foi o principio de um novo acesso de riso vindo de Melissa, que contagiou não só sua amiga, mas o Doutor também.

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—Melissa... –o Doutor balançava a cabeça, rindo. –Sua grande bobona!

Ao final, a garota tomou fôlego, tentando com muito custo não chorar de tanto rir.

—Pega leve, seu “bobão do espaço”! –ela retorquiu, mas isso só gerou novas risadas. Em meio a todo aquele clima descontraído, Luisa teve quase certeza de ter ouvido uma quarta risada ecoar junto das suas. Sem pressa, pegou-se observando a TARDIS, atrás dos ombros do Doutor: Ela parecia quieta, como já era esperado que uma caixa azul ficasse. Só que isso não impediu Luisa de lançar-lhe um sorriso torto, suspeitando de sua fachada inanimada. –Afinal, porquê resolveu dar o nome “Bart” à ele?

—Ué? Ele disse que se chamava Bart. Eu só respeitei sua escolha...

—Ai, ai, Doutor... –Melissa pôs a mão em seu ombro. –Por favor, não insulte a minha inteligência: Brinquedos não falam!

O rapaz passou o braço ao redor do pescoço dela, como se fosse dividir um segredo com ela.

—Escute: É isso que eles querem que você pense—e sorriu, banalmente. Melissa balançou a cabeça, afastando-se dele, e, ainda com um sorriso divertido no rosto, entrou na TARDIS.

—Se me derem licença, vou tomar banho e trocar de roupas. Não sei vocês, mas a ressaca desse dia está acabando comigo... Nunca mais irei enxergar o Natal da mesma forma.

—Puxa vida, o NATAL! –Luisa e o Doutor exclamaram ao mesmo tempo, igualmente perplexos. Melissa encarou-os por um momento, antes de re-encostar as portas.

—Na boa... Às vezes vocês dois me assustam com essa coisa sinistra de “falar ao mesmo tempo”. –comentou, séria. –TCHAUSINHO! –e acenou bobamente, fechando as portas na cara deles.

O Doutor não se incomodou com aquilo. Pelo contrário: parecia ansioso, começando a considerar alguma idéia, que fervilhava dentro de sua cachola.

Vem comigo!—ele puxou Luisa para dentro da TARDIS. De volta ao “interior maior que o exterior”, a morena ajeitou a alça da Bolsa Que Tudo Tem e encarou mais uma vez o ambiente: nunca se cansava de observá-lo, porque, não importava o quanto fosse cuidadoso com os detalhes... Sempre haveria alguma coisa que seu cérebro deixaria passar sem querer, forçando-o a se entreter de novo e de novo, incansavelmente, com a mesma vista confusa e maravilhosa, que os recebia todas às vezes, no console central da sala de controles.

O Doutor desaparecera momentaneamente de vista. Quando voltou a entrar em seu campo de visão, ele já estava vestido normalmente, com suas roupas habituais. Lançou-lhe um sorriso cativante, da qual a garota retribuiu com entusiasmo. Contudo, assim que chegou, não houve mais tempo para raciocinar. Disparou feito doido na direção dos controles e começou a apertá-los com empolgação.

—Aonde vamos? –ela perguntou, depois de conseguir se segurar.

Os olhos dele brilharam.

Aproveitar o pouco que ainda nos resta do Natal!—anunciou, cheio de expectativas. Luisa amava aquilo nele. Sorriu amplamente, em aprovação. A partir daí, ele tratou de concentrar-se somente nos controles: queria fazer uma aterrissagem perfeita. Por fim, terminou fazendo-os pousar de modo macio (sem arranhar os freios desta vez). Assim que o motor parou de subir e descer no centro do painel de controles, o rapaz agarrou a amiga presente pelo braço, e tornou a correr com ela para fora da cabine.

—Nossa... –Luisa suspirou. Ao seu redor, estava um pequeno e jeitoso espaço à meia luz esverdeada, onde havia uma fonte de líquido roxo corrente (o que deixava bem claro que ainda estavam no shopping), com folhagens de plantas estranhas, mas bonitinhas, ao redor em vasos engraçados. Depois de deixar Luisa admirar o lugar, o Doutor puxou sua manga com delicadeza, indicando um gracioso banco de praça, onde poderiam se sentar. Seguiram até lá, sentaram-se lado a lado, e observaram o ambiente sem pressa.

—Gostou? –ele perguntou.

—É lindo. –Luisa sorriu, encantada. –Como você conseguiu encontrar esse lugar?

—Na verdade foi um golpe de sorte –ele respondeu, simplista. –Eu já tinha passado por aqui antes, quando estávamos fugindo do exercito de Ratongos. Não pretendia, mas decorei as coordenadas do lugar. E, agora que tudo finalmente acabou, achei que seria revigorante ficar um tempo olhando para a natureza...

—É. Você acertou –Luisa confirmou. –É mesmo revigorante.

Observaram o líquido corrente caindo mais uma vez. Aquele som transmitia tanta paz e tranqüilidade que até poderia ter despertado neles o desejo de tirar uma soneca... Só que naquele momento, ambos estavam mais acordados do que nunca, o que acabou cortando um pouco o efeito.

Depois de algum tempo, o rapaz limpou a garganta, acertando a postura no banco, e voltou-se para a amiga.

—Por acaso eu te dei trabalho? –perguntou, sem mais nem menos.

—O que? –ela riu, sem entender.

—Perguntei se eu te dei muito trabalho... Sabe? Quando criança.

—Ah! –ela compreendeu, balançando a cabeça. -Até que não. Você era um dos “bonzinhos”.—brincou.

—Eu? Não, fala sério... Deve ter sido difícil me manter no controle.

—Que nada! –ela deu-lhe um tapinha descontraído no joelho. –Você foi um amorsinho. Pode acreditar em mim.

—Sério?

—Ham-ham.

—Sério mesmo?

—Claro!

—Tem absoluta certeza disso? –ele insistiu. Suas sobrancelhas estavam erguidas. Luisa encarou-o com estranheza.

Tenho. Eu hein... Mais o que foi que te deu? –achou graça, dando-lhe uma cutucadinha amistosa com o cotovelo. –Até parece que não confia em si mesmo...

Ele lançou-lhe um olhar preocupado.

E não confio! Você já viu um cara com mais de um rosto na vida? Cada uma das minhas várias versões se comporta de forma diferente... É difícil manter todos eles nas rédeas. Em geral, eu consigo, mas às vezes, alguma coisa escapa do meu controle... –ele levou a mão à cabeça.

Luisa pousou as duas mãos sob o ombro direito dele; depois descansou a cabeça sob elas, ficando a observar o amigo de pertinho, com ar divertido.

—E onde está pretendendo chegar com tudo isso? –indagou.

—Eu queria me desculpar com você. É que, não entendo... Tem muitas lembranças vindo à tona na minha cabeça –ele esfregou a testa, incomodado. –Choques culturais; Coisas do meu passado; coisas do meu presente; coisas que não posso esquecer de fazer; pessoas que há tempos não via; Sensações esquisitas que não sei explicar; Há coisas que nem mesmo sei dizer se fiz de fato, ou somente sonhei que fiz. Há cada memória confusa que só vendo! Por exemplo: não sei direito explicar, mas tenho a constante impressão de tê-la “pressionado” contra uma coluna do shopping... –anunciou, consternado. -O que é absolutamente ridículo, porque eu jamais faria algo tão estúpido!

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Luisa sentiu as bochechas acenderem instantaneamente.

—Hãm... É mesmo? –ela tentou ficar fria.

—É! Pra você ver como eu estou ficando maluco –ele ponderou, esfregando os olhos. –Tem tanta coisa absurda se manifestando... Estou começando a achar que não estou batendo bem da cabeça.

Luisa respirou fundo. Tinha que contar a ele.

—Hã... E se eu dissesse que essa passagem da coluna do shopping, de fato aconteceu?

Ele encarou-a com ar de pouco caso.

—Besteira! Eu suporia, assim como dois mais dois são quatro, que você está tirando uma com a minha cara... É óbvio!—ele riu, dando-lhe um soquinho brincalhão no braço. Mas Luisa não parecia estar com cara de quem estava só curtindo com a cara dele. Aquilo deixou o rapaz encucado. -Sério... Precisa mesmo me olhar com esses olhos tão grandiosamente acusadores? Eu sei que minha imaginação é bem fértil e que, de vez em quando, ela vai um pouco longe demais... Peço desculpas por ter que usar o termo “pressionar”. Sei que é embaraçoso. Mas acho que você entendeu o que eu quis dizer. Agora, seja sincera e corrija-me se eu estiver errado: Não foi real, foi?

Luisa apenas inclinou a cabeça, entediada: Como ele podia ainda não ter se tocado!? O Doutor encarou-a por um instante, sem compreender o sentido de toda aquela impaciência. Quando a compreensão finalmente lhe alcançou, suas bochechas foram perdendo a cor aos pouquinhos.

-Ei... Ei! Espera aí um minutinho! Está me dizendo o que eu acho que está de fato querendo me dizer? –ponderou, em êxtase. Luisa assentiu, decididamente. O rapaz hesitou. –Oh, não!

Oh, sim—Luisa disse desviando os olhos; confirmando suas suspeitas. –Suas lembranças estão corretas. Nós dois... Nos envolvemos um pouco.

Um pouco!?—ele brandiu, cruzando as próprias pernas, constrangido. –Pelas Luas de Alcatras! Isso... É um verdadeiro absurdo; Não pode estar certo! O 8º rosto sempre foi comportado... Nunca tive problemas para mantê-lo nas rédeas! Ele é um verdadeiro cavalheiro. Como pôde ter aprontado essa com você?

—Não fique bravo com ele... Quer dizer, consigo mesmo. Olha, em sua legítima defesa, quero que saiba que eu concordei com isso. Acredite, se eu quisesse mesmo escapar de você, eu teria feito. –Luisa afirmou, mas o Doutor negou, incrédulo.

—Não! Não! Mas é ridículo! Eu avancei o sinal vermelho com você! Como posso ter sido tão indelicado?

Ora, Doutor—Luisa segurou-o pelo colarinho, com delicadeza. –Nós estávamos vestidos. E não aconteceu nada demais... Foi só um momento de recaída nossa. Todo mundo tem isso de vez em quando...

—Exato. Mas foi um erro. E podia ter havido conseqüências... Conseqüências irreversíveis!

—O quê? Tipo gravidez? Eu não estou grávida seu tonto! –ela deu-lhe um tapa no braço. –Já estive bastante grávida no universo paralelo, obrigada. Acredite em mim quando digo que não vou querer ter filhos tão cedo! –ela discursou, aborrecida.

O Doutor acabou sorrindo.

—Que bom... Isso significa que vai passar mais tempo viajando comigo.

Luisa olhou-o com sarcasmo.

—É. Isso se certos “Senhores do Tempo” não ficarem no meu pé toda hora, julgando o que faço ou deixo de fazer. São minhas intimidades! Não gosto de discuti-las em público...

—Você quis dizer “nossas intimidades”. Um pequeno erro ortográfico. –corrigiu, cheio de si, erguendo uma sobrancelha em afronta. -Eu tava lá lembra?

—Claro que lembro, “senhor lábios de mel”! –ela deu-lhe as costas, de cara fechada e ameaçou levantar-se, mas antes que conseguisse, ele a puxou contra seu peito e a prendeu junto de si, com a força dos braços. Luisa respirou acelerado por um instante.

Recuperou sua força rapidinho, né?—provocou ela, tirando o cabelo da frente dos olhos. Seus rostos se contemplavam bem de pertinho.

—Pra você ver, o quanto eu sou sentimental –ele riu, debochando de si mesmo. Um calor instantâneo percorreu seu corpo e, impulsionado por este, o rapaz inclinou o rosto lentamente na direção dela. –É tão estranho... Às vezes eu não consigo controlar meus instintos. Acho que, assim como na ocasião da coluna do shopping, eu sinto alguma coisa muito forte tomar conta de mim. Não consigo evitar que aconteça! Eu tento, mas parece que isso é ainda mais forte do que eu... –ele acariciou seu rosto, causando-lhe um arrepio bom. Luisa queria muito retribuir o carinho, mas alguma coisa dentro de si a deteve. Recuou um pouquinho, em vão: estava praticamente deitada em seu colo, não havia para onde fugir. Fugir? E por que diabos fugiria? Ela não se sentia sempre protegida junto dele? Aquela reação inesperada causou um bug em seu cérebro. Quando deu por si, os lábios dele já estavam perto o bastante dos dela, e a garota não teve outra saída, a não ser virar o rosto, fazendo-o parar de chofre.

—Que foi? Qual o problema? –perguntou ele, acertando a postura, embaraçado.

—Desculpe. Acho melhor não fazermos isso –ela sentou-se direito ao seu lado. O rapaz franziu o cenho. Começou a checar o hálito, disfarçadamente. Depois checou as axilas, enquanto ela se desculpava. –É que, não estou muito no clima...

—“No clima”; Como assim? –ele cheirou o colarinho da própria camisa e fez uma careta espantada. –Ora, ainda estou cheirando a Talco! —então, uma idéia curiosa lhe ocorreu. –Por acaso não foi o talco que quebrou o clima...?

—Não. Definitivamente não foi o talco! –ela sorriu, educadamente. –Eu gosto do cheiro de talco...

—É. Dá pra ver!—resmungou brincalhão, esfregando as vestes. –Hoje, você me deu um verdadeiro banho de talco! Literalmente excessivo... Tinha tanto talco, mais tanto talco, que, acredite ou não: quando eu acabei de me vestir na TARDIS, encontrei o soalho ao meu redor repleto de pó branco! Não quero nem ver quando eu tiver que tomar banho... Tenho certeza que as poças d’água embaixo de mim ficarão tingidas de brando também; E olha que entrou talco em cada lugarzinho difícil de tirar... Aposto como semana que vem ainda vai haver pó branco perfumado em alguma parte do meu corpo!

Luisa não se agüentou e começou a rir.

Pare com isso!—replicou, dando-lhe uma palmadinha carinhosa no braço. –Em minha defesa: Pelo menos, você não ficou assado nenhuma vez!

—Sim. E acho que continuarei sem ficar pelo resto da vida! Meu Deus... Precisava exagerar tanto?

—Precisava sim senhor! –rebateu, cheia de si. –Eu tinha que manter o meu bebê sequinho e feliz!

O Doutor deu uma risadinha maliciosa.

Seu bebê?—provocou. –Quer dizer que agora eu sou seu!?

—Pare de graça! Você entendeu muito bem o que eu quis dizer—Luisa cruzou os braços, disfarçando o ar de riso e fingindo irritação.

—Até pode ser. Mas eu realmente não entendo essa sua recusa... Afinal de contas: Por que não podemos nos beijar? E por que você disse que não está no clima? O que seria tão grave a ponto de quebrar nosso clima?

Luisa limpou a garganta.

—Acredite, não é culpa sua. É a minha cabeça, na verdade... Sinto-a pesar desde cedo. Também me sinto confusa com tudo isso que passamos. Tudo aconteceu muito rápido: Numa hora você era um neném muito gostoso de apertar, e na outra, voltou a ser grande e independente; Não me leve a mal, mas não sei se consigo assimilar tudo isso de uma vez só... Entende? É muito conflitante! Ainda hoje mesmo, eu estava trocando suas fraldas...–e fez uma careta enfática. O Doutor captou onde ela queria chegar.

Fraldas—ele crispou o nariz. –Hum. Isso sim quebrou o clima.

Luisa riu de sua expressão. Como consolo, ela deu-lhe um beijo na testa.

—Não fique chateado. Para mim, você sempre continuará sendo o meu bebê.

—Obrigado, “mamãe”—ele brincou, inclinando-se para abraçá-la. Luisa não recusou desta vez. Aderiu perfeitamente à demonstração de afeto. Até que se separaram e o Doutor pôde recomeçar: –Então, quer dizer que você me conheceu por inteiro... Digo, todos os rostos que já tive e um pouco mais.

Bem mais, eu diria. –ela sorriu torto, beliscando uma de suas bochechas. –Para quem trocou suas fraldas, não creio que haja mais segredos entre nós...

O Doutor cruzou as pernas de novo, com as bochechas coradas.

—Será que dá pra esquecer o episódio das fraldas!? –replicou, incomodado.

Luisa riu, deitando a cabeça em seu ombro. O Doutor prosseguiu:

—Então, quer dizer que agora nós dois só podemos ser amigos?

Luisa empertigou-se, acertando a coluna e tratando de encará-lo.

—Como assim?

—Bem, você mesma deu a entender que nosso relacionamento ficou completamente arruinado, por essas e outras... Então, isso significa que estamos oficializando unicamente nossa amizade? –ele estendeu-lhe a mão, para ela apertar.

De nariz empinado, Luisa encarou a mão do amigo.

—Eu não vou apertar –ela negou, com um sorrisinho pretensioso no rosto. –Não vou.

—Mas então, como ficamos? –sondou ele.

Luisa mordeu o lábio. Os olhos do rapaz brilharam para ela: estava ansioso por uma resposta.

Ah. Que se dane as fraldas!—a garota inclinou-se e lascou-lhe um beijo na boca (ao som de *Fluxo Perfeito -Strike). O Doutor passou os braços ao redor dela, puxando-a para junto de si. Apesar do calor e do desejo ter aumentado entre eles, o beijo não durou muito. Logo separaram-se, ambos com cara de bobos.

—Puxa vida –o Doutor suspirou, ainda sentindo o rosto esquentar.

—Pois é... –Luisa retomou fôlego no banco, ao lado dele. –É assim que ficamos.

O Doutor não pôde deixar de rir.

Puxa...

—Algum problema? –questionou Luisa.

—Não, nenhum. É que... Você é tão contraditória às vezes!

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Ah, é? E você é um bobo sempre!

—É, mas você adora isso.

—É, adoro. –ela riu abertamente. –E como!

—Está vendo? Eu sei das coisas...

Sabe é? Então vamos ver até onde vai o seu “conhecimento”...—Luisa disse, em tom de desafio. –Espera aí que eu tenho uma coisa pra te mostrar... –apanhou o celular, e começou a introduzir. –Você estava certo; Eu realmente conheci todos os seus rostos. Mas aposto que você também vai se surpreender com isto... –ela tagarelou, enquanto fuçava os aplicativos. -Sabia que hoje eu conheci um garotinho muito lindinho? E que ele era ruivo?

E mostrou a foto ao Doutor. Lá estava a própria Luisa, segurando um menininho ruivinho, muito fofo, nos braços. O Doutor ficou espantado, observando a imagem. A garota ficou ainda mais cheia de expectativas ao tentar absolver sua primeira reação, e com certeza amou ver um sorriso largo se formar no rosto do amigo.

—Espera! Esse... Esse sou eu?—perguntou, encantado.

—É sim! –ela inclinou o corpo para frente, assim como ele fazia, e apoiou a cabeça no punho, mal cabendo em si de tanta empolgação. –Este é você, quando bebê. Como pode ver: você já foi ruivo!

—Nossa... Eu nunca pude... Eu nunca pude imaginar... –ele ficou sem palavras. Ela pegou no braço dele, aconchegando-se melhor para também ver a foto.

—Assim que voltarmos para a Terra, eu vou mandar revelar e dar de presente pra você. Assim, você poderá se lembrar para sempre de como costuma ser quando pequeno. E, até quem sabe, seja uma forma de você se lembrar de mim também... –ela deu de ombros, como quem não queria nada.

Ele sorriu ao fitá-la.

—Nem sei como agradecer... –ele passou o braço ao redor do pescoço dela.

—Ah... Não precisa! –ela segurou a mão dele que pendia em seu ombro. –Só de ver o sorriso no seu rosto, eu já fico feliz.

Ele deitou a cabeça sob a dela.

—Feliz é pouco! Nem sei se existe uma expressão certa para descrever como estou me sentindo agora... Veja só: é uma mistura de estado de choque, surpresa, encanto e lisonjeio; Tudo ao mesmo tempo. Será que existe uma palavra pra isso?

Luisa ergueu as sobrancelhas.

—Não seria “extasiado”?

O Doutor estalou os dedos.

—Pode crer! É isso mesmo! –assentiu, empolgado, olhando mais uma vez para a foto. –Cara... E eu pensando que nunca tinha tirado a sorte grande de poder ser ruivo, pelo menos uma vez na vida...

—Bem, agora você sabe da verdade.

—Pois é! –ele vibrou. -Puxa, eu pareço estar mesmo radiante no seu colo... Você deve ter sido uma ótima mãe.

—Meio liberal, eu diria –Luisa admitiu, colocando uma mecha atrás da orelha.

—É, mais mãe é sempre mãe –ele argumentou. -Nhó! Olhe só pra mim! Eu não era a coisinha mais bonitinha que você já viu na vida? –disse, quase babando em cima da foto.

É exatamente isso que eu vivia dizendo pra Melissa!—confirmou Luisa, achando graça na coincidência. –Sabia que ela também tomou conta de você?

Melissa!? —ele arregalou os olhos. –Essa Melissa?—apontou com o polegar na direção da TARDIS, desconfiado. Luisa riu de sua expressão.

—Sim. Ela mesma.“A nossa Melissa”. –confirmou. -Pode crer: ela sabe mesmo lidar com crianças...

—Desculpe, não consigo imaginar essa cena—o Doutor interveio, rindo.

—É. De fato ela não era tão paciente quanto eu... –Luisa abafou o riso. –Coitado... Ela disse que te deu uns corretivos –contrapôs. –Mas você mereceu! De acordo com ela: “você estava sendo muito manhoso”.

—Ah... Então é por isso que o meu traseiro está dolorido? Pensei que fosse por causa das regenerações... –disse, esfregando teatralmente uma das nádegas. Luisa estapeou a própria bochecha, rindo.

—Você é impossível, Doutor! –e revirou os olhos, descontraída. -Continue assim, e vai acabar levando outros tapas...

—Mas você não vai me bater. Você é “liberal”, né? –provocou ele.

Luisa fuzilou-o com o olhar, de modo brincalhão.

Liberal é o seu nariz!—disse, dando-lhe um tapa mais forte no braço. Depois encarou-o com um bico enorme, ao que ele retribuiu, fingindo uma careta de dor. Depois os dois pararam de graça e sorriram um para o outro. Estava tudo bem entre eles.

—Falando sério agora –o Doutor passou o braço atrás do encosto do banco. -O que aconteceu com o Mestre e Rani, no fim das contas?

Luisa demorou um pouco para responder. Parecia escolher as palavras que pretendia usar.

—Eu não sei... –ela disse, vacilante, desviando os olhos propositalmente para os sapatos. –Eles meio que desapareceram. Nós pensamos em procurá-los, mas logo encostamos essa idéia de lado: eu e as meninas estávamos desesperadas... Nós quase perdemos você!—ela disse, exaltada. Depois respirou fundo, para poder continuar. –A verdade sobre o Mestre e Rani... É que eles tentaram matá-lo.

—Me matar? –o Doutor ficou surpreso, mas nem tanto. –Bom, eles não são os primeiros a tentarem e nem serão os últimos.

Mas eles chegaram perto de conseguir!—Luisa insistiu, preocupada. O Doutor sorriu, em contraste.

Mas não conseguiram—lembrou ele, esbarrando seu ombro contra o dela, de modo descontraído. -Graças a você, Melissa e a TARDIS, eu presumo.

Luisa ergueu a cabeça.

—Na verdade... Não foi bem assim que aconteceu –disse, olhando fundo em seus olhos. –A TARDIS estava presa em uma jaula. Melissa e eu não tínhamos como tirá-lo do berço... Eu até tentei, mas queimei minhas mãos ao tocar no campo de força elétrico, invisível, que o Mestre colocou ao redor de você. –disse, mostrando-lhe as queimaduras como ilustração.

O Doutor tocou a palma de suas mãos, horrorizado.

—Isso é terrível... Não... É cruel! E doentio. Doentio demais... Por que você não me contou que ele a machucou?

—Porque, creio eu, não faz mais diferença –ela ponderou. –As queimaduras nem doem mais. Foi só momentâneo.

Com destreza, o Doutor fechou as mãos ao redor das dela e, sem pedir consentimento, usou um pouco da sua energia regenerativa para curar as marcas de queimadura.

Não Doutor! Pare!—Luisa tirou as mãos de seu alcance, mas não adiantou muito: os machucados eram tão superficiais em sua pele, que foi preciso apenas um toque leve do amigo, para já cicatrizarem todos de uma só vez. Luisa ficou em silêncio observando as mãos lisas por um instante, sem saber o que pensar. O rapaz lançou um sorriso ameno para ela. Luisa encarou-o com rigidez, mas não durou muito naquela postura. Logo soltou o ar dos pulmões e deixou os ombros caírem. –Você sabe que não devia fazer isso... Ainda está fraco. Precisa descansar e poupar energia, e não ficar gastando regenerações comigo!

Ele acabou rindo daquilo.

—Para seu governo: “não estou gastando regenerações inteiras com você”. Sua mão só necessitava de um suspiro regenerativo. Mais nada.

Acho bom—ela bronqueou de fachada. –E que isso não torne a se repetir!

—Sim senhora! –ele bateu continência, fazendo-a relaxar a musculatura. E também, voltar ao tema inicial da conversa. –Bem, você estava falando sobre como não me salvaram...

—Exato. Eu e Melissa ficamos sem ação. Ainda tínhamos esperança de poder enrolar os dois vilões e depois tirar você do berço; Contudo, foi preciso queimar minhas mãos para percebemos o quão inalcançável tornava-se salvar você... Logo depois de termos caído na real, chegamos a um ponto alarmante. Não havia saída nem plano B. Admito que teríamos fracassado completamente... Se não fosse por Sofia. Foi ela, Doutor. Ela salvou você. Quando o Mestre quis liquidá-lo, foi Sofia quem agiu rápido e pulou na frente do berço, defendendo você.

Desta vez, o Doutor ficou realmente surpreso.

—Sofia...? Ora, quem diria!—sorriu, orgulhoso. –Lembre-me de agradecê-la depois...

Luisa baixou os olhos. Mudou a postura.

—Você por acaso sabe onde eu posso encontrá-la? –seu sorriso foi morrendo aos poucos. O Doutor percebeu que ela ficou estranha de repente. Era quase impossível não notar. –Luisa? Qual o problema?

Os olhos dela se encheram d’água.

—Infelizmente, você não terá outra oportunidade de agradecer...

—Por quê? O que houve? –ele estava em choque. –Vamos, me conte! Foi o Mestre? Ele a machucou? Fez alguma maldade com ela? Ah, aquele inconseqüente... Ele que me aguarde! Quando eu encontrá-lo... –o Doutor ergueu os punhos, começando a ficar nervoso.

—Não, Doutor –Luisa baixou seus punhos, de modo delicado. Ele ficou petrificado com aquilo. –Esqueça isso. Já é passado agora.

—Luisa... –começou; o maxilar já trincado. –Me conte de uma vez o aconteceu!

Luisa limpou as lágrimas dos olhos. Respirou fundo antes de encarar novamente os olhos castanho-esverdeado intensos dele.

—Sofia avançou, com a melhor das intenções, para defender você... Mas o tiro acertou nela... Todos os dois. –anunciou, triste. O Doutor pareceu ter perdido o chão. Luisa pôs a mão sob a dele. –Sinto muito, Doutor... Ela se foi.

Podia ter ficado transtornado. Provavelmente estava, por dentro. A verdade é que ficara tão perplexo com a revelação, que parecia não ter forças para mais nada. Luisa não podia culpá-lo. Ela também se sentia igual.

—A TARDIS –ele lembrou, abatido. –Como ela estava? Deve ter sido terrível ver Sofia partir... Ainda mais para ela.

—Foi traumatizante, com certeza –Luisa confirmou. –Mas, creio que ela vá superar, assim como superou a perda de todas as outras TARDIS de Gallifrey... Certo?

—Não exatamente –interveio o rapaz, sentido. –A TARDIS sabia a importância que Sofia tinha. Nos dias de hoje, elas eram as duas últimas de sua espécie...

—Assim como você, Rani e o Mestre.

—Exato. –deprimido, levantou-se; afrouxando o nó da gravata, e caminhou na direção de sua máquina do tempo. –Sempre me perguntei porque o Mestre deixou de viajar com sua TARDIS... Acho que acabei de descobrir o motivo. –disse, pesaroso, tocando o batente azul da cabine policial, como se a consolasse. -Pobre TARDIS... Eu queria ter estado ao seu lado naquele momento. Queria poder ter dado o apoio que você merecia receber...

—Mas você deu –Luisa garantiu, dando um passo à frente. –Não se culpe, Doutor... Você estava lá! Deu sua contribuição como podia. Eu e Melissa também demos conta do recado, ao nosso modo... A TARDIS vai ficar bem. Eu tenho certeza que sim! –disse, otimista.

O Doutor varreu os olhos pelas portas fechadas da cabine, momentaneamente.

Que o universo te ouça—ele suspirou, acariciando a madeira azul da nave. Depois daquilo, eles ficaram em silêncio por alguns instantes: o Doutor de costas para a amiga, perdido em pensamentos. Luisa, com o olhar distante, também mergulhada em suas próprias reflexões.

Quando ele finalmente voltou-se para a garota, parecia mais cansado do que nunca.

E ainda é Natal!—reclamou. –Como eu posso entrar no clima dessa coisa, estando desse jeito?

—Vem cá. Não fique assim... –Luisa caminhou em sua direção e deu-lhe um abraço forte e demorado. Ambos ficaram abraçados por muito tempo, consolando-se em silêncio. Até que idéias estranhas começaram a brotar na mente do Doutor e ele afastou-se da amiga, com uma expressão indecifrável no rosto.

—Doutor? –ela estranhou-o.

—Espere. Você mostrou uma foto minha de quando eu era bem pequeno... Quer dizer que também me conheceu quando eu tinha 8 anos, suponho?

—Sim, eu conheci. –Luisa assentiu. A garota não sabia o que a esperava com aquela afirmação. Logo, arrependeu-se amargamente por ter dito aquilo. Imediatamente, o Doutor pareceu ficar inquieto, andando de um lado para o outro, como se estivesse incomodado ou alarmado com alguma coisa. –Qual é o problema Doutor?

Ele ensaiou um pouco antes de começar a falar.

—Quando eu tinha 8 anos, eu era muito... Hã... Espontâneo. Você confirmou que me conheceu nesta fase... E, conhecendo-me como de fato conheço, eu sei que posso ter dito qualquer coisa realmente... Bem... Comprometedora à você.

Luisa apertou os olhos.

—Comprometedora?

—Deixe-me ser mais claro: Alguma coisa, altamente relevante; Um Perigo inestimavel; Que poderia me prejudicar vorazmente.—disse, sombrio.

Luisa encarou-o, intrigada.

—Não sei do que está falando... Realmente, não ouvi nada que poderia ser catalogado como sendo de “alta periculosidade”.

É aí que está!—ele estalou o dedo na direção dela. –Pode ser algo simples. Algo que não pareça ser tão prejudicial quanto de fato é. –ele aproximou-se dela, resabiado. Esfregava uma mão na outra, ansioso. –Vamos... Pense bem. Busque na memória... Pode ser qualquer coisa que eu tenha dito por um acaso. Alguma coisa que não fez sentido na hora e você ignorou, justamente por esse motivo; alguma palavra desconhecida... Qualquer coisa mesmo é relevante!

Luisa pensou um pouco, mostrando boa vontade. Detestava desapontá-lo, porém, sabia que não seria capaz de surpreendê-lo com uma revelação bombástica de um segundo para o outro... Especialmente porque, realmente não houve nada demais que ela pudesse relatar. Então, diante dos resultados da análise, preparou-se para tornar a negar.

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—Não. Tenho certeza que Timoty não disse nada –e tapou os lábios, detendo-se de imediato. Ela tinha mencionado o nome de Tim. A expressão do Doutor mudou de imediato. Até então, ele não sabia que Luisa tomara conhecimento de seu nome. (Nem mesmo ela sabia dizer se era realmente seu nome, mas, pela cara que ele fez ao ouvi-la pronunciá-lo, suas dúvidas dissiparam-se todas). A garota encolheu-se toda, diante do semblante dele. –Opa...

—O.k –ele gemeu, roendo uma unha. -Como eu temia...

—Temia –Luisa analisou aquela palavra por um momento, achando-a ridícula logo depois. –Temia o quê? Ora! Não me diga que está assim por causa de um nome qualquer!?

O Doutor não respondeu. Luisa considerou aquilo como um sim.

—Ah, Doutor! Qual é!? Você não vai mesmo ficar encucado com isso, vai? –protestou. O rapaz engoliu em seco, levando a mão á têmpora, pensativo. Parecia relutante em corresponder o olhar da garota. –Ei... Pode parar de “fingir” comigo: Eu sei que você não se chama Tim, de verdade... –Luisa afirmou, segura de si. Mas depois, conforme os segundos foram passando, o silêncio dele só reforçou a afirmação contrária. -Ou chama?

Relutante, porém cansado, ele cedeu, fitando-a intensamente. Luisa arregalou os olhos. Pousou a mão de leve sob a manga do casaco dele e encarou-o, perplexa.

Timoty?—profanou, balançada. Ele reforçou o olhar, em silêncio. Luisa recuou, levando as mãos aos lábios, em estado de choque. –Não acredito... Este... É seu nome? É mesmo seu nome? Oh, meu Deus! Doutor... Eu sei seu nome!—disse, entre empolgada e assustada.

—Eu sei que sabe –ele confirmou. –Seria um tolo se já não tivesse percebido.

—Caramba! Caramba! Caramba! –ela começou a enrolar a barra das vestes, ansiosa. -A TARDIS tentou me convencer de que você estaria inventando isso! Disse que era astuto e que sabia o que estava fazendo; Que falsificaria nomes só por diversão... Que eu não deveria acreditar em tudo que você dissesse enquanto menino!

A TARDIS foi esperta—ele cruzou os braços. -Estava tentando protegê-la do meu segredo...

Luisa franziu a testa.

Me proteger do seu segredo?—indagou, confusa. Então, para não mudar de assunto, acabou por ignorar aquilo. –Mais o que isso importa agora? De qualquer forma, não adiantou! Eu acabei descobrindo mesmo assim! –ela insistiu, preocupada. –E agora Doutor?

—Pois é. –ele avaliou, esfregando o queixo, pensativo. –Isso é com certeza um problema, porque...

Por quê?—ela instigou.

Ele pôs as mãos nos ombros dela, fitando-a com tamanha significância.

—Escuta: saber o meu nome é mais do que perigoso. É fatal. Pode parecer bobagem, mais há muitas criaturas no universo que matariam para possuir essa informação... –ele fez uma pausa, afastando um pensamento da cabeça. –Pois bem. Levando isso em consideração, e a tamanha estima que sinto por você; Você entende que não posso permitir que continue a se lembrar do meu nome...

—O quê? –Luisa estranhou. –O que está dizendo?

—É arriscado demais! –ele balançou a cabeça; Agitado, tratou de escoltá-la para além da fonte, ambos indo terminar em um espacinho mais reservado; o Doutor, sempre olhando por cima dos ombros, durante todo o trajeto. –Vamos! Precisamos ser rápidos... Não quero que isso espalhe. Ninguém mais pode saber que você tem esse conhecimento... Ou então, estaremos de novo em graves apuros!

—Espere! Quer dizer que não está bravo comigo? Pensei que ficaria zangado por eu ter descoberto seu maior segredo...

Ele suspirou, posicionando-a de frente para ele.

—O que gostaria que eu dissesse? Também não está sendo o dia mais feliz da minha vida... –ele olhou mais uma vez por cima dos ombros e, inquieto, puxou-a com o braço, para irem um pouco mais para a esquerda. Luisa seguiu-o, porém continuou com seu raciocínio.

—Mas, calma-lá: Você me disse seu nome por acidente. Uma coisa que, assim entendo eu, não deveria jamais ser revelada há mais ninguém... O que acha que eu devo pensar sobre isso? –enquanto a menina falava, ele posicionou-se de frente para ela, e fechou os olhos, concentrando-se. –Doutor? Doutor!

O Senhor do Tempo sobressaltou-se e fez uma careta indignada.

Ora, pense o que quiser! Eu preciso me concentrar agora...

Luisa cruzou os braços para aquela estátua desmiolada, que seu amigo “encarnara”, e deu-lhe alguns segundos. Vendo que daquele mato não saia cachorro, ela cutucou-o novamente.

—Doutor... O que exatamente está tentando fazer? –perguntou, desconfiada.

—Não estou tentando. Estou fazendo.

—Mas fazendo o quê?

Jogando sinuca! —satirizou ele. –Bem, na verdade Meditando; concentrando energia e limpando minha mente. Não exatamente nesta ordem.

Luisa cruzou os braços.

—Não vai mesmo me dizer o que está tramando?

—Ah, vou sim! Já, já... –ele sorriu, lançando-lhe uma piscadela amena. –Só me prometa uma coisa: vai confiar em mim nos próximos dez minutos, certo?

—Dez minutos? Tem hora marcada e tudo? –ela achou graça. –O quê vamos fazer em dez minutos?

—Bem, acho que a melhor forma de se referir a isso é: “tranqüilizá-la o bastante, até que você se sinta mentalmente capaz de agüentar o tranco”. –ele abriu os olhos, estalou os dedos e o pescoço; depois deu de ombros, ingênuo. –Bem, pelo menos assim diz o manual.

Por algum estranho motivo, Luisa sentiu o sorriso abandonar sua face aos poucos.

—Do que está falando? –perguntou, séria. Não estava gostando nada do rumo que as coisas vinham levando. Sobretudo, quando o Doutor respirou fundo e ergueu as mãos na direção da cabeça dela. Foi então que Luisa entendeu o que estava prestes a acontecer: e entrou em pânico. –Oh Não! Não, Doutor, Por favor, não faça isso... Você prometeu que nunca ia entrar dentro da minha cabeça! NÃO DOUTOR! Não apague minhas lembranças!—ela gritou, recuando amedrontada. Ainda ouviu-o dizer que ia ser rápido e indolor e que ela não precisava se preocupar; mas talvez por isso mesmo, ela tenha ficado ainda mais apavorada. –Não! Não se atreva! Não se atreva, Doutor! NÃO!—sentiu as costas esbarrarem contra a parede fria e desconfortável, atrás de si; A sua frente, o rapaz continuava avançando, com as mãos estendidas. A garota começou a ficar ofegante.

—Não se debata assim! Só vai piorar as coisas... –ele avisou, desviando-se de um tapa. Luisa estava uma arara com ele. Queria se desvencilhar de seus braços de qualquer jeito. Não podia deixar que ele a tocasse, ou então, estaria tudo perdido.

Começou a entrar em desespero. Não havia como escapar. Luisa estava uma fera consigo mesma: como pudera ser tão estúpida a ponto de permitir que o Doutor a arrastasse até um canto estreito e mal iluminado da fonte? Estava cercada por plantas exóticas, havia uma parede de barro às suas costas e, logo a sua frente, um idiota do espaço sideral cismava em querer apagar sua memória. Não tinha como ficar pior.

Na verdade, tinha sim: vendo-se cercada por ele, a garota resolveu apelar para o bom senso do amigo. Entretanto, por mais que ela suplicasse, o Doutor insistia em manter o semblante decidido e irredutível ao fitá-la, confirmando que não havia como convencê-lo a mudar de idéia.

Decepcionada e em pânico, ela se pôs a chorar.

Não! Pare! Eu não quero esquecer! Não quero! Não me venha com palavras bonitas agora... Eu sei que seu interesse é só apagar o seu maldito segredo da minha cabeça, mas tenho certeza que isso vai acabar afetando também as lembranças mais próximas... E EU NÃO QUERO ESQUECER TUDO O QUE VIVI! NÃO! Não vou permitir que você faça isso! Hoje eu conheci cada um dos homens que compõem você; E eu não quero esquecê-los! Não quero esquecê-los de maneira alguma! Não me peça para querer uma coisa dessas, porque eu nunca vou aceitar! Não quero esquecê-los! Não quero esquecer o Tim! Não quero esquecer nenhum deles! Doutor, por favor, NÃO!!! —ela gemeu desesperada, acertando-o com soquinhos e tapas descontrolados; Então, em meio a um golpe mal calculado, a menina acabou escorregando para frente, indo de encontro ao peito do amigo, ao que o Doutor aproveitou a chance para envolvê-la de imediato em um abraço imprevisível.

Luisa chorou em seus braços por um longo tempo. Aos poucos, foi se acalmando, até que finalmente conseguiu se recompor para encará-lo novamente.

—Você... Não apagou minha mente –fungou ela, enxugando as lágrimas.

—Pois é. Não. –ele disse, colocando as mãos nos bolsos, meio sem jeito.

Por quê?—perguntou ela, consternada. –Como foi que mudou de idéia? Pensei que não fosse convencê-lo...

—Não importa mais –ele emendou. –Porque você não dirá a ninguém o meu segredo.

Ela fitou-o com receio, por um momento.

—Como pode ter tanta certeza?

Ele ergueu as sobrancelhas.

—Ora, porque você prometerá isso pra mim! –ele anunciou, sem rodeios, estendendo-lhe a mão. –E aí... O que me diz? Temos um acordo?

Luisa respirou fundo, finalmente, ao ver aquela mão estendida.

—Um acordo? –porém, estava tudo ainda muito confuso para ela. O Doutor acabou por sorrir.

—Fique calma. Não vou machucá-la. Prometo. –jurou, mostrando-lhe a mão em sinal de paz. -É verdade: apagar a mente de alguém pode ser algo agressivo às vezes; E acabar apagando lembranças próximas é ainda mais provável de acontecer. Contudo, não foi à complexidade da coisa em si que me fez mudar de idéia. A verdade é que, não sei se ia gostar de fazer isso em você. De repente, não me pareceu certo... Não pensei que ia me sentir tão mal por isso... Sei lá. Desisti.

Luisa fitava-o, cheia de expectativas.

—Então... Você vai deixar que eu fique com as lembranças de hoje?

O Doutor tornou a enfatizar a mão estendida.

—O acordo ainda está de pé. Se apertar minha mão, está feito.

Desta vez, Luisa abriu um imenso sorriso e apertou sua mão com força, sem mais delongas.

Não direi nada a ninguém! Juro! Seu segredo estará seguro comigo... –tratou de prometer, rapidamente, antes que soltassem as mãos. Então, uma específica lembrança incomodou-a de súbito: –Mas... E aquela história de “criaturas estarem atrás do seu segredo”. E se eles vierem atrás de mim para conseguí-lo?

—Não virão. –o Doutor garantiu. –Ainda a pouco mesmo, enquanto demos as mãos, eu dispensei um selador de pensamentos em você, através do toque. Sua mente estará protegida de agora em diante. Ninguém jamais poderá ler seus pensamentos de novo.

—Bom, acho que isso resolve tudo –ela sorriu, agradecida. –Obrigada por poupar minhas lembranças...

—Obrigado você, por guardar o meu segredo. –ele sorriu em retorno.

—É nosso agora. –ela interpôs, fazendo-o rir.

—Exato. É muito bom poder dividir as coisas...

Os dois caminharam juntos para a parte iluminada ao redor da fonte. Novamente, estava tudo bem entre eles.