Lua de Sangue

Capítulo 26


Naruto não tinha mãos a medir, ou pelo menos o que restava delas, depois de uma caprichosa gata, ironicamente chamada Fofinha, as ter maltratado bastante enquanto levava as vacinas. Maxine estava atulhada em exames finais e ele dera-lhe o dia de folga, o que significava que tinha apenas duas mãos para lutar contra quatro garras e alguns dentes bem afiados.


Havia uma hora que concluíra que cometera um erro de terríveis proporções ao dispensar Maxine. Começara o dia com uma emergência que exigiu um telefonema e o atrasou consideravelmente. Se acrescentasse a guerra na sala de espera, motivada por um choque de personalidade entre um setter e um bichon, a cabra bebê dos Olson, que conseguira comer a maior parte da Barbie Malibu até ficar com o braço atravessado na garganta, e o temperamento da Fofinha, diria que tivera uma manhã para esquecer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Estava a praguejar, a transpirar e a sangrar quando Hinata entrou apressadamente por trás.


- Naruto, querido, podes ver a Abelha? Acho que ela não se sente bem.


- Tira uma senha.


- Só demora um minuto.


- Eu não tenho um minuto.


- Ora... Meu Deus, o que te aconteceu às mãos? - Hinata observou Naruto enquanto ele evitava por pouco nova arranhadela e segurava firmemente o gato debaixo do braço. - A gatinha arranhou-te, querido?


- Vai catar pulgas - foi a melhor resposta que lhe ocorreu.


- Por quê? Ela também tem disso? - gritou Hinata enquanto se dirigia para a sala de espera. - Está tudo bem, bebê. - Tocou com o nariz no da cadelinha. - O papai vai já tratar de ti.


Naruto voltou a entrar para lavar as mãos e pôr anti-séptico.


- Ela tem estado a uivar e a soltar uma espécie de gemidos toda à manhã. E tem o nariz um bocadinho quente. Não quer brincar. Só quer estar deitada. Vê?


Hinata pousou a Abelha e a cadelinha sentou-se aos pés de Naruto, olhou para ele com ar infeliz e depois vomitou-lhe em cima dos sapatos.


- Oh, meu Deus. Deve ter sido qualquer coisa que comeu. A Kurenai disse que eu não devia dar-lhe aqueles bolos todos. - Hinata mordeu o lábio mas não conseguiu evitar uma gargalhada nervosa. Naruto estava ali, a olhar para ela, com o anti-séptico numa mão, um fio de sangue a escorrer da outra e vomitado de cão nos sapatos. - Pedimos muita desculpa. Abelha, não comas isso. É porcaria. - Pegou na cadelinha. - Aposto que te sentes muito melhor agora, não sentes, docinha? Vê, Naruto? Já voltou a abanar a cauda. Eu sabia que se a trouxesse cá, ficaria tudo bem.


- É isso que te parece? Que está tudo bem?


- Ora, a Abelha já se livrou do que a preocupava e acho que não deve ser a primeira vez que ficas com um bocadinho de vômito de cão nos sapatos.


- Tenho uma sala de espera cheia, as minhas mãos estão arranhadas e doem que se farta, e agora os meus sapatos vão feder durante o resto do dia.


- Vai lá acima e muda de sapatos. - Ela recuou quando ele transformou uma das mãos numa garra. Hinata adorava a luz que assomava aos olhos dele quando ficava furioso. - Vai lá, Naruto.


A garra transformou-se num punho que a atingiu de leve, entre os olhos.


- Vou descalçar estes sapatos, metê-los no lixo, e quando voltar quero que tenhas isto tudo limpo.


- Limpar isto? Eu?


- Sim. Põe o cão no consultório, pega um balde e um esfregão, e trata do assunto. Não tenho tempo para isto. - Descalçou os sapatos, pegando-os pelos calcanhares. - E despacha-te. Estou atrasado.


- O papai está um bocadinho atravessado, esta manhã - murmurou para a Abelha, enquanto Naruto se afastava em direção ao caixote do lixo. Olhou para o chão e sorriu. - Bem, pelo menos vomitaste a maior parte nos sapatos. Não foi mau.



Quando ele voltou ela estava a limpar o chão com a esfregona, afanosamente, embora sem experiência. Havia restos a deslizar pelo linóleo, em pequenas ondas de água. Quase lhe pareceu que iam na corrente. Mas não teve coragem para queixar-se.


- Estou quase acabando. A Abelha está lá atrás, brincando com o osso que chia. Tem outra vez os olhos brilhantes e vivos. – Hinata meteu o esfregão no balde, espalhando mais água. - Acho que isto agora precisa secar.


Em alternativa aos gritos que lhe apetecia dar, Naruto passou as mãos pelo rosto e riu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

- Hina, não há ninguém como tu.


- Claro que não.


Ela afastou-se um pouco enquanto ele pegava no balde, o despejava, lavava o esfregão e depois começava a apanhar os restos espalhados e a água.


- Bem, acho que assim também dá.


- Faz-me um favor. Vai lá fora e diz a Mister Jenkins que traga o Mitch. É o beagle que está a uivar a meia hora. E, se puderes, encontra maneira de manter alguma ordem lá fora durante os próximos vinte minutos. Te pago um belo jantar e quem escolhe o restaurante és tu.


- Champanhe?


- Uma garrafa grande.


- Vamos lá ver o que consigo fazer.


Ainda não usufruíra os seus vinte minutos quando ouviu o grito urgente.


- Naruto! naruto vem cá depressa!


Naruto precipitou-se para a saída e viu Piney Cob a vacilar sob o peso de Mongo.


- Meteu-se à estrada, a correr, mesmo à minha frente. Deus todo-poderoso. Está sangrando muito.


- Trá-lo cá.


Moveu-se rapidamente. O cão respirava com dificuldade, tinha as pupilas fixas e dilatadas. O pêlo espesso estava manchado de sangue, que pingava também no chão.


- Aqui, em cima da marquesa.


- Eu freei - murmurou Piney, afastando-se. - Freei, mas apanhei-o do mesmo modo. Ia ao armazém comprar umas coisas, e ele apareceu correndo, vindo do parque.


- Sabes se lhe passaste com a roda por cima?


- Acho que não. - Com as mãos tremendo, tirou do bolso um lenço vermelho, desbotado, e limpou o rosto transpirado. - Acho que só lhe bati, mas foi tudo muito rápido.


- Muito bem. - Naruto pegou em toalhas, e como Hinata estava ao seu lado, pegou-lhe as mãos e pousou-as sobre as toalhas. - Faz pressão, com força. Quero essa hemorragia controlada. Ele está em estado de choque.


Abriu o armário dos medicamentos e pegou num frasco para preparar uma injeção.


- Aguenta-te, rapaz, aguenta-te - murmurou, quando o cão começou a mexer-se e a gemer. - Mantém a pressão - ordenou a Hinata. - Estou a dar-lhe um sedativo. Preciso ver se há ferimentos internos.


As mãos dela tremeram quando ele as pressionou contra a ferida. Pensou ter visto o osso exposto, a espreitar na pata de trás do cão. E sentiu o estômago às voltas.


Queria tirar as mãos de todo aquele sangue, correr para fora da sala. Porque não era Piney a fazer aquilo? Porque não estava mais ninguém ali? Começou a dizer isso mesmo, com as palavras a saltar-lhe na garganta. Sentia o cheiro a sangue, a anti-séptico, e o odor acre do suor de Piney, em pânico.


Mas o seu olhar pousou no rosto de Naruto.


Firme, concentrado, forte. Tinha os olhos fixos e concentrados, a boca firme, numa linha determinada. Observou-o, respirando por entre os dentes cerrados. Vê-lo trabalhar, com rapidez, eficácia e concentração, acalmou-a, no preciso momento em que o cão se aquietava sob as suas mãos.


- Não tem costelas partidas. Acho que a roda não lhe passou por cima. Talvez tenha um rim magoado. Tratamos disso mais tarde. A ferida na cabeça é superficial. Não tem sangue nos ouvidos. O pior de tudo é a pata.


O que já era suficientemente mal, pensou. Salvá-la, e ao cão, ia ser complicado.


- Preciso levá-lo para a cirurgia. - Olhou para trás e viu que Piney se deixara cair numa cadeira e tinha a cabeça entre os joelhos. - Preciso das tuas mãos, Hina. Vou pegar nele e levá-lo, tem que ficar comigo. Mantém a pressão, com força. Ele já perdeu muito sangue. Pronta?


- Mas Naruto, eu...


- Vamos.


Ela fez o que ele lhe disse, porque ele não lhe deixou alternativa. Correu ao lado dele, abrindo a porta com a mão que tinha livre. A Abelha soltou um latido de alegria e correu entre os pés de Hinata.


- Sentada! - disse Naruto com tanta veemência que o rabo da cadelinha se sentou obedientemente no chão. Assim que pousou o cão, que estava sob o efeito de sedativos, pegou num avental grosso e atirou-o a Hinata. - Põe isso. Tenho que tirar fotografias.


- Fotografias?


- Raios X. Vem para este lado. O segura melhor que puderes. O avental pesava como chumbo, mas ela o pôs, fez o que ele lhe mandou. Mongo tinha os olhos semicerrados, mas pareceu-lhe que ele estava a observá-la, a implorar-lhe ajuda.


- Vai tudo correr bem, meu querido.


O som da voz de Hinata cadelinha latir e vir deitar-se aos pés dela.


- Livra-te do avental agora. - Enquanto esperava pelas imagens, Naruto gritando ordens. - Anda aqui e volta a pressionar. Continua a falar com ele. Deixa que ele ouça a tua voz.


- Está bem. Hummm... - Engolindo o que lhe soube a bílis, pressionou o volume de toalhas sobre o ferimento. - O Naruto vai tratar de ti e vai ficar bom. Tem... Tem de olhar para os dois lados antes de atravessares a rua. Da próxima vez não te esqueças disto. Oh, Naruto, ele vai morrer?


- Não, se eu puder evitá-lo. - Pôs as imagens de raios X num painel iluminado e acenou com a cabeça. - Não, se eu puder evitá-lo - repetiu, e começou a reunir instrumentos.


Os instrumentos afiados e prateados brilhavam sob a luz forte que tinham por cima das cabeças. A cabeça dela parecia rodopiar em sincronia com o estômago.


- Vais operar? Agora? Assim?


- Tenho de tentar salvar a pata.


- Salvar? Queres dizer...


Quando ele afastou a compressa, o estômago dela deu uma volta súbita, mas ele não lhe deu tempo para ficar enjoada.


- Segura nisto e aperta este botão quando eu disser que preciso de sucção. Podes fazer isso com uma mão. Quando precisar de um instrumento, descrevo-o. Entrega-me, com a pega virada para mim. Agora, vou anestesiá-lo.



Baixou a luz e limpou a ferida. Tudo o que Hinata ouvia agora eram os ruídos do tubo, quando ele pedia sucção, e o tilintar dos instrumentos. Desviou os olhos, e queria deixá-los assim, mas ele continuava a dar-lhe ordens que faziam com que ela precisasse olhar.


Dali a pouco parecia um filme.


 cabeça de Naruto estava inclinada, os olhos frios e calmos, embora ela visse gotas de suor a pingar-lhe da testa. Parecia-lhe que as mãos dele eram mágicas, movendo-se delicadamente entre sangue, carne e osso.


Ela nem pestanejou quando ele recolocou o osso partido no lugar. Nada daquilo era real.


Viu-o suturar com pontos impossivelmente pequenos dentro do ferimento. O amarelo do líquido desinfetante que ele usara manchava-lhe as mãos, misturado com o sangue, até tudo ter a cor de uma nódoa negra antiga.


- Preciso que verifiques os batimentos cardíacos dele, manualmente. Usa a tua mão e sente o coração dele.


- Está um bocado lento - disse ela, quando fez pressão com a mão. - Mas parece regular. Assim bum, bum, bum.


- Muito bem, vê-lhe os olhos.


- As pupilas estão enormes.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

- Há sangue na parte branca?


- Não, acho que não.


- Está bem, ele precisa de uns parafusos nesta pata. O osso estilhaçou um bocado. Depois disso, vou fechá-lo. Em seguida, engessamos a pata.


- Ele vai ficar bem?


- É saudável. – Naruto limpou a testa ao braço. - E é novo. Tem boas chances de ficar com a pata.


Estava preocupado com os fragmentos do osso. Tê-los-ia tirado a todos? O músculo estava danificado. Havia uns tendões rasgados, mas estava confiante em ter reparado o pior.


Tudo isto percorria uma parte da sua mente, enquanto a outra parte estava concentrada em segurar osso e aço.


- Daqui a um dia ou dois. Preciso de gaze e fita. Aquele armário, ali.


Depois de ter fechado a ferida, Naruto envolveu a pata com gaze, engessou-a, e depois verificou os sinais vitais do cão. Tratou o arranhão na cabeça, atrás da orelha esquerda.


- Aguentou-se - murmurou ele, e depois, pela primeira vez em mais de uma hora, olhou diretamente para Hina. -E tu também.


- Sim, bem, a princípio estava um bocado atrapalhada com as mãos, mas depois... - Levantou as mãos e começou a gesticular. Estavam manchadas de sangue, e a blusa também. - Oh, meu Deus, meu Deus... - Foi tudo o que conseguiu dizer antes de revirar os olhos.



Ele apanhou-a e deitou-a no chão. Ela já estava a recuperar a consciência quando ele lhe levantou a cabeça e lhe levou aos lábios um copo com água.


- Que aconteceu?


- Desmaiaste, com graciosidade e num momento conveniente. - Pousou-lhe os lábios na face. - Vou levar-te lá para cima. Podes limpar-te e ficar deitada por um bocado.


- Eu estou bem. - Mas quando ele a ajudou a pôr-se de pé, as pernas fraquejaram-lhe. - Talvez não esteja. É melhor ficar um bocadinho deitada.


Deitou a cabeça no ombro dele, sentindo-se meio a flutuar quando ele a levou para o andar de cima.


- Acho que não fui feita para ser enfermeira.


- Portaste-te muito bem.


- Não, tu é que te portaste bem. Nunca pensei, nunca entendi porque fazes o que fazes. Sempre pensei que isto fosse dar vacinas e limpar caca de cão.


- É muito isso.


Levou-a para a casa de banho, onde a apoiou no lavatório e pôs a água quente a correr.


- Põe as mãos aqui. Vais sentir-te melhor quando estiverem limpas.


- Há muito mais naquilo que fazes, Naruto. E há muito mais em ti.


- Os olhos dela encontraram os dele no espelho. - Não tenho prestado atenção, não me dei ao trabalho de ver de perto. Hoje, salvaste uma vida. É um herói.


- Fiz aquilo que me ensinaram a fazer.


- Eu sei o que vi, e o que vi foi heróico. - Virou-se e beijou-o.


- Agora, se não te importas, vou despir-me toda e meter-me na ducha.- Estás suficientemente firme?


- Sim, estou bem. Vai ver o teu doente.


- Te amo, Hina.


- Acho que amas mesmo - disse ela, suavemente. - E é mais agradável do que eu esperava. Vai lá, a minha cabeça ainda está suficientemente tonta para eu dizer alguma coisa de que virei a arrepender-me depois.


- Venho cá acima quando puder.


Primeiro, foi ver Mongo, e depois se lavou antes de voltar à sala de observação. Piney continuava na cadeira, e tinha agora a cadelinha enrolada no colo, a dormir.


Naruto esquecera-se completamente de ambos.


- O cão vai safar-se?


- Parece que sirn.


- Jesus Cristo, Naruto. Até me sinto doente. Ia dirigindo, sem pensar em nada de especial, e de repente vi o cão saltar para a estrada. Podia ter sido um garoto.


-A culpa não foi tua.


-Já bati num veado, uma vez ou duas. Não sei por que não me afetou como isto. Com os veados, fiquei chateado. Os veados podem causar grandes estragos num carro. Um garoto vai chegar em casa e andar à procura desse cão.


- Conheço a dona. Vou telefonar-lhe. Foi muito importante que o tivesses trazido para aqui rapidamente. É só disso que deves lembrar.


- Sim. - Soltou um enorme suspiro. - Esta pequena é muito linda-disse ele, afagando a cabeça da cadelinha. - Veio aqui armar confusão, roeu meus atacadores das botas durante um bocado e depois se aconchegou.


- Obrigado por teres tomado conta dela. – Naruto baixou-se e pegou na cadelinha. A Abelha bocejou e depois lambeu os arranhados de gato que ele tinha na mão. - Vais ficar bem?


- Sim, para dizer a verdade, vou beber qualquer coisa. Provavelmente, o Sasuke já pôs a tropa à minha procura, mas isso vai ter de esperar. - Pôs-se de pé. - Não te esqueças de me dar notícias desse cão, estás ouvindo?


Claro. - Deu uma palmada no ombro de Piney, antes de ele sair.


A sala de espera estava vazia. Naruto imaginou que a maioria dos seus pacientes se tivesse cansado de esperar. Estava grato pelo sossego.


Deu à cadelinha um dos mimos para cão que Maxine tinha na gaveta da escrivaninha, e depois procurou nas fichas o número de Matsuri.


Respondeu o atendedor de chamadas, por isso deixou mensagem. Devia andar à procura do cão, pensou. O mais provável era dar com alguém que tivesse visto o acidente.


Deixou o assunto e voltou lá para dentro, para ver Mongo.


Minutos depois de Naruto ter falado com o atendedor de chamadas de Matsuri, Sakura ouviu a mesma voz animada anunciar que ela não podia atender.



- Matsuri, aqui fala Sakura Haruno, da loja. Gostaria que me telefonasse ou que aparecesse na loja, quando puder. Se ainda estiver interessada, o emprego é seu.


Sakura sentiu-se bem com a decisão, enquanto pousava o telefone. Não era apenas por as referências de Matsuri serem espetaculares, podia ser divertido ter um rosto alegre e mãos dispostas trabalhando na loja durante umas horas por semana.


Quando a sineta da porta tocou, levantou apressadamente os olhos, com o mesmo baque no coração que sentira durante todo o dia, sempre que a sineta tocava.


Mas ao ver Ino acalmou-se, pousou a caneta e sorriu.


- Mas que bela surpresa.


- Disse-te que havia de vir até aqui. Saki, isto está mesmo bonito. Tens aqui coisas lindas.


- Temos artistas muito talentosos.


- E tu sabes bem como mostrar o trabalho deles. - Ino estendeu a mão quando Sakura saiu de trás do balcão. - Vou divertir-me gastando dinheiro aqui.


- Não serei eu a impedir-te. Posso oferecer alguma coisa? Uma bebida fresca, um chá?


- Não, obrigada. Isto é batik.


Ino admirou o retraio emoldurado de uma jovem de pé, num caminho de jardim.


- Ela faz um belo trabalho. Tenho em estoque mais lenços feitos por ela.


- Tenho de vê-los. Quero ver tudo. Mas digo-te já que quero este batik. É perfeito para o meu marido me dar no nosso aniversário de casamento.


Divertida, Sakura virou-se para tirá-lo da parede.


- E ele quer o lenço embrulhado para presente?


- Claro.


- Há quanto tempo estão casados?


Ino inclinou a cabeça enquanto Sakura levava o batik até ao balcão. Em todos os anos em que fora advogada de Saki não se recordava de ela lhe ter feito uma pergunta pessoal.


- Há seis anos.Este tipo de atividade condiz contigo. - Pegou a caixa e pousou-a em cima do balcão. - E acho que esta cidade também. Aqui estás em casa.


- Sim. Esta é a minha casa. Ino, vieste realmente de Charleston até aqui para fazeres compras?


- Para isso e para te ver. E para falar contigo.


Sakura acenou com a cabeça.


- Se descobriste mais alguma coisa sobre a rapariga que foi assassinada, não precisa fazer rodeios.


- Não descobri mais nada sobre ela. Mas pedi ao meu amigo que verificasse a existência de crimes parecidos, crimes que tivessem tido lugar durante as duas últimas semanas de agosto.


- Há mais.


- Tu já sabia.


- Não, sentia. Temia. Quantos mais?


- Três que encaixam no perfil e no tempo. Uma rapariga de doze anos, que desapareceu durante uma viagem com a família a Hilton Head, em agosto. Uma estudante de dezenove anos, que estava fazendo um curso de verão na Universidade de Charleston, em Agosto só que depois de três anos, e uma mulher de vinte e cinco anos, que foi acampar com amigos na Floresta Nacional de Sumter. Em agosto mais tarde ainda.


- Tantas - murmurou Sakura.


- Tratou-se sempre de homicídios de caráter sexual. Violadas e estranguladas. Não havia semen. Havia sinais de alguma violência física, em especial na zona do rosto. Esta violência vai aumentando a cada vítima.


- Porque elas não têm o rosto que deviam ter. O rosto delas não é o dela. O de Hope.


- Não compreendo.


Sakura desejou não compreender também. Desejou que a morbidez de tudo aquilo não fosse tão terrivelmente clara.


- Eram todas morenas, não eram? Bonitas e elegantes?


- Sim, às vezes variava o tom do cabelo, mas sempre escuros.


- Ele continua a matá-la. Uma vez não foi suficiente.


Ino abanou a cabeça, um pouco preocupada pela forma como os olhos de Sakura estavam a tornarem-se vagos e escuros.


- É possível que tenham sido mortas pelo mesmo homem, mas...


- Foram mortas pelo mesmo homem.


- O tempo decorrido entre os homicídios desvia-se do perfil de um serial-killer típico. Tantos anos de intervalo. Não sou especialista em assuntos criminais, e não sou psicóloga, mas andei a estudar umas coisas sobre este assunto nas últimas duas semanas. As idades das vítimas não encaixam no perfil standard.


- Isto não é standard, Ino. - Sakura abriu a caixa de madeira e voltou a fechá-la. - Não é típico.


- Tem de haver uma base. A tua amiga e a rapariga de doze anos apontam para um pedófilo. Parece-me que um homem que escolhe crianças como vítimas não muda de repente para mulheres jovens.


- Mas ele não está a mudar nada. As idades têm tudo a ver. Todas tinham a idade que a Hope teria nessa altura, se fosse viva. É este o padrão.


- Sim, concordo contigo, embora nenhuma de nós seja especialista nesta área. Acho que me senti no dever de salientar possíveis contradições.


- Pode haver mais.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

- Isso está também a ser investigado, embora até agora, segundo o que me foi assegurado pelo meu contacto, não se tenha descoberto nada. O FBI está investigando. - A boca bonita de Ino endureceu. - Saki, o meu contacto quis saber a razão do meu interesse e como eu tinha ficado ao corrente do que se passou com a moça da carona. Eu não lhe disse.


- Obrigada.


- Podia ajudar.


- Não sei se posso. Mesmo que me deixassem, não sei se sou capaz. Fico gelada por dentro. Nunca foi fácil. Foi sempre devastador. E agora não quero voltar a enfrentar isso, voltar a sujeitar-me a isso. Não posso ajudá-los. Isso é assunto para a polícia.


- Se é isso mesmo que sente, porque me pediu que descobrisse o que pudesse?


- Eu tinha de saber.


- Saki...


- Por favor, não. Não quero voltar lá. Não tenho a certeza se sairia de lá inteira, desta vez. - Para manter as mãos ocupadas, começou a reorganizar coisas numa prateleira. - A polícia, o FBI, são eles os especialistas. Isto é trabalho para eles, não para mim. Não quero os rostos de todas aquelas pessoas na minha cabeça, o que lhes aconteceu, dentro da minha cabeça. Já tenho a Hope.


Covarde. A voz murmurou-lhe a acusação ao ouvido durante o resto do dia. Não a ignorou, aceitou-a. E iria aprender a viver com ela.


Sabia o que queria saber. Quem quer que tenha matado Hope continuava a matar, de forma seletiva. De forma eficaz. E cabia à polícia, ou ao FBI, ou a qualquer força especial, persegui-lo e detê-lo.


Não era trabalho dela. E se os seus receios pessoais mais profundos viessem a revelar-se verdade e aquele assassino tivesse o rosto do seu pai, conseguiria ela viver com isso?


Não demoraria muito até encontrarem Pain. Nessa altura, ela decidiria.


Quando fechou a loja, ao fim do dia, pensou que talvez lhe fizesse bem dar uma volta a pé pela cidade, pelo parque. Podia passar pela casa de Matsuri e falar com ela, em vez de com o atendedor de chamadas. Cuidar do negócio lembrou a si própria. Cuidar de si.




Atravessou o parque. As rosas estavam em flor e manchas de begônias enceradas, carmim e brancas, espalhavam-se por toda a parte. As árvores estendiam sombras compridas e acolhedoras e algumas pessoas estavam sentadas ou deitadas debaixo delas.


Absorta nos seus pensamentos, saiu da linha de árvores e começou a atravessar a pequena elevação verde que ia ter ao bloco de apartamentos.


A Abelha correu disparada pelo relvado como uma bala, aos saltos como se tivesse enlouquecido.


- Gosta mesmo de andar aqui fora, não gosta? - Encantada, Sakura acocorou-se e deixou-se atacar pela cadelinha.


- Passou praticamente o dia todo dentro de casa. - Hinata aproximou-se, satisfeita quando a sua cadelinha abandonou Sakura para saltar na direção dela. - Tem uma energia incrível.


- Estou vendo. - Sakura olhou para cima e franziu os lábios enquanto se endireitava. - Esse não é o teu look habitual - comentou, observando a T-shirt muito larga que Hinata trazia por cima das calças de linho.


- Fica-me bem, não fica? Entornei uma coisa na minha blusa. Isto é do Naruto.


- Estou vendo.


- Sim, acho que está. Tem algum problema com isso?


- Porque haveria de ter? O Naruto é um rapaz crescido.


- Podia dar-te uma resposta torta, mas fica para outra vez. - Hinata prendeu o cabelo solto atrás da orelha e sorriu abertamente. - Cansada da solidão do pântano? Andas a procura de apartamento?


- Não. Gosto da minha casa. Só vim aqui visitar uma potencial empregada. Matsuri.


- Ora, mas que coincidência. Eu também vim vê-la. O Naruto ainda está preso no consultório, e não tem conseguido contactá-la durante todo o dia. O cão dela foi atropelado ao fim da manhã.


- Oh, não! - A reserva desapareceu instantaneamente. - Ela vai ficar destroçada.


- Ele está a recuperar. O Naruto tratou-o imediatamente. Salvou-lhe a vida. - Hinata disse aquilo com um orgulho tal que Sakura não conseguiu deixar de olhar para ela. - Não sabe bem se a pata do cão vai ficar boa, mas eu aposto que vai ficar como nova.


- Fico contente por ouvir isso. É um cão lindo, e ela parece gostar tanto dele. Nem posso acreditar que ela tenha saído e o tenha deixado sozinho e à solta.


- Nunca se conhece bem as pessoas. O apartamento dela é ali. - Hinata apontou. - Fui tocar na porta da frente, mas ela não respondeu, por isso achei melhor vir dar uma espreitadela aqui atrás. O vizinho disse que ela usa mais esta porta do que a da frente.


- Talvez a porta esteja aberta. Podemos entrar e deixar-lhe um bilhete. O Naruto quer mesmo contactar com ela. - Atravessou o terraço e preparou-se para abrir a porta de correr.


- Não! - Sakura segurou-a pelo ombro e puxou-a para trás.


- Que diabo se passa contigo? Não estou a arrombar a casa de ninguém, por amor de Deus. Só vou espreitar.


- Não entre ali. Não entre. - Os dedos de Sakura cravaram-se no ombro de Hinata.


Ela já vira. Surgira-lhe diante do rosto, saltara diante dela quase animadamente, e o sabor metálico do sangue e do medo instalara-se-lhe na boca.


-É demasiado tarde. Ele esteve aqui.


- De que estás falando? - Hinata sacudiu o braço com impaciência. – Se importa de me largar?


- Ela está morta - disse Sakura, inexpressivamente. - Temos de chamar a polícia.



Não conseguiu entrar. Nem conseguia sair dali.


O guarda que atendera o telefonema mostrara-se céptico e aborrecido, mas não conseguira calar o que considerou serem duas mulheres descontroladas.


Apertara o cinto, pusera o boné e depois batera com força no painel de vidro da porta. Sakura podia ter-lhe dito que Matsuri não conseguia responder-lhe, mas ele não teria ouvido nem compreendido.


Mas apenas dois minutos depois de ter entrado voltou a sair. E o trejeito de irritação desaparecera-lhe do rosto.


Não foi preciso muito tempo para pôr o processo em marcha. Quando o chefe Kakashi chegou, a cena do crime estava fechada, delimitada pela fita amarela da polida, e as pessoas que entravam e saíam levavam as ferramentas do respectivo ofício e estavam devidamente identificadas.


Sakura sentou-se no chão e esperou.


- Telefonei ao Naruto. - Como não havia mais nada para fazer, Hinata sentou-se ao lado de Sakura. - Disse que ia esperar até a Maxine chegar para tomar conta do Mongo, mas vem para cá.


- Ele não pode fazer nada.


- Nenhum de nós pode fazer nada. - Hinata observou a fita, a porta, as sombras dos homens que se movimentavam. - Como soubeste que ela estava morta?


- A Matsuri? Ou a Hope?


Hinata apertou a cadelinha contra o peito e encostou a cara ao pêlo dela, em busca de conforto.


- Nunca vi nada assim. Não me deixaram aproximar do sítio onde estava a Hope. Era demasiado nova. Mas tu viste.


- Sim.


- Viste tudo.


- Tudo, não. - Juntou as palmas das mãos e apertou-as entre os joelhos, como se estivessem geladas. - Soube quando chegamos à porta. Há uma escuridão na morte. Em especial numa morte violenta. E ele deixou ficar uma parte dele. Talvez apenas a loucura. É o mesmo que já aconteceu antes. Ele é o mesmo. - Fechou os olhos. - Pensei que ele viria à minha procura. Nunca pensei... Nunca imaginei isto.


E ali estava a culpa com que ela iria viver agora.


- Está a dizer que quem quer que fez isto à Matsuri matou a Hope? Depois de todos estes anos?


Sakuracomeçou a falar, e depois abanou a cabeça.


- Não posso ter a certeza. Há muito tempo que não tenho a certeza de nada. - Olhou para cima quando ouviu alguém chamar Hinata pelo nome. Naruto vinha a correr pelo gramado, na direção delas.


Ficou surpreendida quando Hinata se pôs de pé, de um salto. Era raro ver Hinata dar-se ao trabalho de se mexer rapidamente. Depois, viu-os caírem nos braços um do outro. Um abraço longo e apertado.


Ele ama-a, percebeu Sakura. É o centro de tudo para ele. Que estranho.


- Está bem? - Pôs as mãos no rosto de Hinata e manteve-o assim, aninhado.


- Não sei como estou. - Estivera bem, até ali. Tudo lhe parecia distante, o suficiente para não lhe tocar. Agora, as mãos tremiam-lhe e sentia o estômago às voltas. Acontecera-lhe o mesmo depois da cirurgia, quando vira o sangue nas mãos. - Acho que preciso voltar a sentar-me.


- Venha aqui. - Quando ela se sentou na erva, ele ajoelhou-se, com a mão ainda no rosto de Hinata, enquanto observava o de Sakura. Demasiado calma, concluiu. Demasiado controlada. Isso significava que quando perdesse o controlo iria desfazer-se em pedaços. - E se vocês viessem comigo? Precisam sair daqui.


- Eu não posso, mas devias levar a Hinata.


- Para poderes ver tudo e eu não? Nem pensar - disse Hinata.


- Isto não é uma competição.


- Entre nós duas? Sempre foi. Lá está o Suigetsu.


As pessoas tinham começado a juntar-se em pequenos grupos de murmúrios e curiosidade. As notícias corriam à velocidade da luz em Progress, pensou Sakura com ar apático. Viu Suigetsu abrir caminho por entre as pessoas reunidas e dirigir-se para a porta de Matsuri.


- Talvez consigas falar com ele, Naruto. - Hinata fez um gesto na direção de Suigetsu. - Talvez ele possa dizer-nos alguma coisa.


- Vou ver. - Tocou no joelho de Sakura antes de levantar-se. - O Sasuke vem a caminho.


- Por quê?


- Porque eu lhe telefonei. Espera aqui.


- Não era preciso - disse Sakura, franzindo o sobrolho nas costas de Naruto, enquanto este abria passagem por entre a pequena multidão de curiosos.


- Fica calada. - Aborrecida, Hinata procurou na mala um osso para a Abelha roer e ficar ocupada. - Não é nenhuma mulher de ferro, e eu também não. Não somos menos mulheres por nos apoiarmos num homem.


- Não tenciono apoiar-me no Sasuke.


- Pelo amor de Deus, se é suficientemente bom para dormir com ele, é suficientemente bom para te amparar numa altura como esta. Acho que não vale a pena armar uma confusão por causa disso.


- Porque não vamos sair os quatro logo? Podemos ir dançar.


O sorriso de Hinata era afiado como uma lâmina.


- É uma chata, Saki. E estou começando a gostar disso em ti. Merda, está ali o Sai e já me viu. Era mesmo disso que eu estava a precisar. Há uns mil anos chateei-me o suficiente e bebi o suficiente para ir para a cama com ele. Felizmente, recuperei o juízo a tempo, mas ele nunca deixou de tentar levar-me a cama.


Sakura observou Sai, que caminhava na direcção dela, com os polegares metidos nos bolsos da frente e os restantes dedos a tamborilar no fecho.


- Nem com todo o álcool que há na região.


- Finalmente estamos de acordo. Sai.


- Minhas senhoras. - Acocorou-se. - Ouvi dizer que havia animação por aqui. Uma moça qualquer foi morta.


- Vê lá, que descuidada. - Hinata não se afastou, não ia dar-lhe essa satisfação, embora conseguisse cheirar no hálito dele a cerveja da noite anterior.


- Ouvi dizer que foi a Matsuri. É aquela que corre pela cidade com um cão grande e peludo. Usa calções curtos e tops reduzidos. Fazendo publicidade da mercadoria.


Tirou um cigarro do maço que tinha entalado na manga enrolada da T-shirt. Pensava que isso o fazia parecer com o James Dean.


- Vendi-lhe umas plantas há umas semanas. Foi muito simpática, se estão me entendendo.


- Ouve lá, Sai, treina muito ou é nojento por natureza?


Levou um minuto a reagir, mas o seu sorriso tornou-se azedo como leite estragado enquanto acendia um fósforo e dava vida ao cigarro.


- De repente tornaste-te a Dona Forte e Poderosa?


- Não foi de repente. Sempre fui forte e poderosa. Não é verdade, Saki?


- Nunca te conheci de outra maneira. É como se fosse uma marca de nascença.


- Exatamente. - Divertida, Hinata bateu com a mão na coxa de Sakura. Pegou num cigarro. - Nós, os Hyuuga Uchiha - começou ela, acendendo-o e soprando o fumo, calmamente, para a cara de Sai -, estamos destinados a ser superiores. Está no nosso DNA.


- Não foste tão superior naquela noite, atrás do Grogan\'s, quando te apalpei os seios.


- Ah. - Hinata sorriu e soprou mais fumo. - Foi tu?


- Desde que teus seios cresceram que você se tornou uma mulher da vida. É melhor ter cuidado. - Olhou deliberadamente para a porta de Matsuri. - As mulheres da vida acabam por ter aquilo que andam a pedir.


- Agora já me lembro de ti - disse Sakura, calmamente. - Costumava atar foguetes aos rabos dos gatos e acendê-los e depois ia para casa masturbar-se. É assim que continuas a passar os tempos livres?


Ele deu um passo atrás. Não havia qualquer sorriso no rosto dele, agora, e o medo substituíra o desprezo nos olhos.


- Não precisamos de ti aqui. Não precisamos de gente da tua laia.


Podia ter-se ficado por ali, estava suficientemente assustado para isso, mas a Abelha decidiu que a perna das calças dele era mais interessante do que o osso. Sai fê-la voar com o chute que lhe deu com as costas da mão.


Com um grito de raiva, Hinata pôs-se de pé e pegou na cadelinha, que chorava.


- Seu filho da mãe barrigudo, ensopado em cerveja, minipênis. Não admira que a tua mulher ande a procura de outro homem. Não consegues pô-lo de pé.


Ele avançou ameaçadoramente para Hinata. Sakura não soube como aconteceu, e parecia estar acontecendo a outra pessoa. Mas o seu punho cerrado saltou-lhe do colo e atingiu-o em cheio no olho. A força e o choque do golpe fizeram-no cair no chão. Com a cabeça um tanto enevoada, ouviu gritos e guinchos e passos a correr, mas quando Sai se pôs de pé, ela também o fez.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Toda a sua raiva formou uma bola quente dentro de si. Sentia já o sabor a sangue.


- Garota de merda!


Quando ele investiu, ela fincou os pés no chão. Queria violência. Era bem-vinda. Mas o corpo de Sai arqueou-se-lhe para trás e ele deu por si estatelado no chão.


- Venha cá - sugeriu Sasuke, puxando-o para cima e forçando-o a pôr-se de pé. - Não se metam - disse ele, abruptamente, quando as pessoas acorreram para interferir. - Vá lá, Sai. Vamos ver como lidas comigo em vez de com uma mulher que tem metade do teu tamanho.


- Há anos que andas a pedir isto. - O esgar regressou. Acocorou-se, ardendo na necessidade de restaurar a sua imagem perante a cidade, desesperado por descarregar os punhos no rosto arrogante de um dos Uchihas. - Quando acabar contigo, vou divertir-me com a puta da tua irmã e da tua amante.


Investiu com força. Sasuke desviou-se. Foram apenas necessários dois golpes, um gancho impeliu a cabeça de Sai para trás e um murro rápido e certeiro no estômago.


Sasuke baixou-se e, fazendo pressão com o polegar na traqueia de Sai, segredou-lhe ao ouvido?


- Se tocares na minha irmã ou na minha mulher, se falares com elas, se olhar para elas, te enrola as bolas à garganta e te esgano com elas.


Deixou cair à cabeça de Sai no chão e aproximou-se de Sakura sem olhar para trás.


- Isto não é lugar para estares neste momento.


Sakura estava sem palavras. Nunca vira tamanha fúria explodir e depois desvanecer-se tão rapidamente. Quase com elegância, pensou. Deitara um homem ao chão sem apelo nem agravo e agora falava suavemente com ela. E tinha os olhos frios como um dia de inverno.


- Anda, vem comigo.


- Tenho de ficar.


- Não, não tem.


- Lamento, mas tem. - Kakashi aproximou-se e ao ver Sai no chão coçou o queixo, pensativamente. - Há problemas por aqui?


- O Sai fez observações insultuosas. - As lágrimas inundaram suavemente os olhos de Hinata, conferindo-lhes a cor de campainhas azuis orvalhadas. - Ele foi... Bem, nem sei como começar, mas ofendeu-me, a mim e à Saki, e depois... - Fungou delicadamente. - Depois, bateu aqui na minha pobre cadelinha, e quando a Saki tentou detê-lo ele... Se não fosse o Sasuke, não sei o que poderia ter acontecido.


Virou-se para Sakura, soluçando baixinho.


- Ainda lhe dava uma surra - murmurou. - Cara de cu. Kakashi entalou a língua na bochecha. Depois do que vira lá dentro, esta pequena comédia era um alívio.


- Foi assim que aconteceu? - perguntou a Sasuke.


- Mais ou menos.


- Vou deixá-lo atrás das grades para ver se ele acalma. - Olhou em volta, fixando os olhos nos rostos da multidão, enquanto mascava calmamente a sua pastilha elástica. - Acho que ninguém vai querer apresentar queixa.


- Não, vamos deixar as coisas como estão.


- Muito bem. Vou precisar falar aqui com a Sakura, e com a Hinata também. Temos um pouco mais de privacidade na delegacia.


- Chefe. - Naruto juntou-se a eles, passando tão naturalmente por cima de Sai, semiconsciente, que Hinata teve de disfarçar uma gargalhada com uma fungadela. - A minha casa fica mais perto. Acho que seria mais confortável para as senhoras.


- Podemos fazer isso, pelo menos para já. Vou mandar um dos meus guardas levarem-vos. Eu vou lá falar.


- Eu as levo - disse Naruto.


- Tu e o Sasuke conhecem quase todas estas pessoas. Ficaria agradecido se me ajudassem a convencê-las a voltar para casa. Um dos meus homens trata das senhoras. Preciso dos depoimentos delas - disse ele, antes de Sasuke conseguir objetar. - E isso é assunto para a polícia.


- Podemos ir pelos nossos próprios meios.


- Ouça, Miss Hinata, vou mandar um dos meus homens as acompanhar. Faz parte dos procedimentos. - A um sinal dele, o processo foi posto em movimento.



- Meu Deus, como é que uma coisa destas acontece no meio da cidade? – Suigetsu esfregou a nuca para aliviar a tensão.


Tinha conseguido afastar do edifício a maioria dos curiosos. O que se abatia agora era a escuridão, sobre ele e os seus dois amigos mais antigos, sentados no relvado junto ao apartamento onde a morte usava como símbolo a fita amarela da polícia.


- O que sabes sobre o assunto? - perguntou-lhe Naruto.


- Acho que o mesmo que toda a gente. O Kakashi não me deixou passar, e mesmo assim só cheguei onde cheguei por ser o Presidente da Câmara. Parece que alguém entrou em casa dela ontem. Talvez fosse um assalto. - Beliscou a cana do nariz e abanou a cabeça. - É pouco provável. Não me parece que ela tivesse muito dinheiro.


- Como terão passado pelo cão? - inquiriu Naruto.


- Cão? - Suigetsu ficou um momento sem perceber e depois acenou com a cabeça. - Ah, sim. Não sei. Talvez fosse alguém conhecido. Faz mais sentido, não faz? Talvez fosse alguém conhecido e tenham discutido e a coisa tenha saído do controle. Ela estava no quarto - acrescentou ele, com um suspiro. - É tudo o que sei. Bem, pelo que ouvi aqui e ali, foi violada.


- Como foi morta? - perguntou-lhe Sasuke.


- Não sei. O Kakashi deixou passar pouca informação. Credo, Naruto, ainda uma noite destas estivemos a falar dela, lembra? Choquei com ela quando ela vinha saindo do teu consultório.


- Sim, lembro. - Recordou a imagem dela, a tagarelar, a flertar enquanto ele examinava Mongo.


- Ouvi umas coisas ali dentro. - Suigetsu indicou, com um movimento da cabeça, a porta selada. - Sobre a Sakura Haruno. Uma conversa tensa - acrescentou. - Acho que gostariam de saber. - Voltou a suspirar. - Uma coisa destas não devia acontecer no meio do raio da cidade. As pessoas deviam estar seguras nas suas casas. Isto vai deixar a Karin doente.


- Amanhã vai haver uma corrida ao armazém de ferramentas e à loja de armas - previu Sasuke. - Fechaduras e munições.


- Meu Deus! É melhor eu convocar uma sessão pública da Câmara, para ver se consigo acalmar as pessoas. Espero que o Kakashi tenha alguma coisa sobre o assunto amanhã. Tenho de ir ter com a Karin. Deve estar preocupada. - Lançou um último olhar à porta. - Isto não devia ter acontecido aqui - repetiu, afastando-se.


- Só me encontrei com ela uma vez. Ontem.


Sakura estava sentada no sofá de Naruto, com as mãos cuidadosamente cruzadas no colo. Sabia que era importante estar calma e com as idéias no lugar quando falasse com a polícia. A polícia apontava às emoções, usava as fraquezas como alavancas para extrair mais do que queríamos dizer.


Depois ridicularizava-nos.


Depois traía-nos.


- Só esteve com ela dessa vez. - Kakashi acenou com a cabeça e tomou notas. Pedira a Hinata que esperasse lá em baixo. Queria as conversas, e os fatos que obtivesse com elas, registrados em separado. - Porque decidiu passar por casa dela, hoje?


- Ela foi à loja pedir-me emprego.


- Ah sim? - Ergueu uma sobrancelha. - Pensei que ela tinha emprego. Era professora no liceu.


- Sim, ela disse-me. - Responde às perguntas com precisão, recordou a si própria. Não acrescentes nada nem dês respostas muito elaboradas. - Mas só ia começar a ter um horário a tempo integral a partir do outono, e queria arranjar qualquer coisa temporária que a ajudasse nas despesas. E para se manter ocupada, acho eu. Pareceu-me uma pessoa cheia de energia.


- Hã-hã. Por isso, contratou-a.


- Não. Pelo menos não imediatamente. Ela deu-me referências. - Deixou-as escritas numa folha de papel, lembrou-se ela, juntamente com a morada. A folha que ela deixara em cima do balcão quando o seu pai entrara. Meu Deus, meu Deus!


- Foi uma coisa sensata. Não sabia que andava pensando em contratar alguém.


- Na verdade, não tinha pensado nisso até ela entrar. Foi convincente. Fiz as minhas contas e decidi que podia pagar a alguém que me ajudasse a tempo parcial. Verifiquei as referências dela, esta manhã, e depois telefonei-lhe. Respondeu o atendedor e deixei mensagem.


- Hã-hã. - Já ouvira a mensagem dela e as que Naruto deixara quando lhe telefonara do consultório. E a da vizinha do andar de cima, e a de Karin. Matsuri era popular. - E então decidiu ir ter com ela pessoalmente.


- Depois de fechar a loja, apeteceu-me dar um passeio. Decidi ir até ao parque e passar pelo apartamento dela. Se ela estivesse em casa, podia falar com ela sobre o emprego.


- Foi até lá com Hinata?


- Não, fui sozinha. Dei com a Hina na zona junto ao edifício, nas traseiras. Disse que o cão da Matsuri tinha sido ferido de manhã. Tinha sido atropelado por um carro e o Naruto tinha tratado dele. E ela tinha vindo até ali para fazer um favor ao Naruto, porque ele não conseguia contactar com ela telefonicamente.


- Portanto, chegaram ao mesmo tempo.


- Sim, mais ou menos. Deviam ser cerca de seis e meia, porque fechei a loja por volta das seis e dez, seis e um quarto.


- E quando Matsuri não respondeu, entraram para procurá-la.


- Não. Nenhuma de nós entrou em casa.


- Mas viram qualquer coisa que vos preocupou. - Levantou os olhos do bloco de apontamentos. Ela deixou-se ficar sentada, perfeitamente imóvel, com os olhos fixos nos dele, e não disse nada. - Ficaram suficientemente preocupadas para chamar a polícia.


- Ela não respondeu ao meu telefonema, embora parecesse muito ansiosa por conseguir o emprego. Não respondeu aos telefonemas do Naruto, embora tivesse ficado perfeitamente claro e evidente, pelo único encontro que tive com ela, que adorava o cão. Os estores estavam corridos, a porta estava fechada. Chamei a polícia. Nem eu nem a Hina entramos. Nenhuma de nós viu nada. Por isso, não tenho nada para lhe dizer.


Ele recostou-se e mordiscou o lápis.


- Tentou abrir a porta?


- Não.


- Não estava fechada. - Deixou que o silêncio ficasse no ar, e preencheu o tempo tirando do bolso a caixa de pastilhas, que ofereceu a Sakura. Quando ela abanou a cabeça, tirou uma pastilha da caixa, desembrulhou-a e dobrou meticulosamente o papel.


O coração de Sakura começou a dançar-lhe no peito.


- Ora, muito bem... - Kakashi dobrou a pastilha tão cuidadosamente como fizera ao papel e meteu-a na boca. - Chegaram as duas à porta. Conhecendo a Hinata Hyuuga, diria que ela não resistiu a espreitar. Por curiosidade, pelo menos. Para saber o que esta nova professora tinha em casa, esse tipo de coisa.


- Mas não espreitou.


- Bateram à porta? Chamaram-na?


- Não, nós... - Interrompeu-se, ficando em silêncio.


- Portanto chegaram à porta e decidiram chamar a polícia. - Soltou um suspiro. - Não me parece que esteja a haver aqui grande cooperação. Sou um homem simples, de modos simples. E sou polícia há mais de vinte anos. Os polícias têm instintos, impressões no estômago. Nem sempre conseguem explicá-las. Existem apenas. Talvez a Miss tenha tido uma impressão qualquer à porta do apartamento da Matsuri, hoje.


- É possível.


- Há pessoas que têm tendência para sentir impressões. Pode dizer que teve uma há dezoito anos, quando nos levou até ao sítio onde estava a Hope. E teve mais, em Nova Iorque. Muitas pessoas ficaram gratas por tê-las tido.


A voz dele era simpática, um desenrolar de palavras suaves, mas os olhos não paravam de observá-la.


- O que aconteceu em Nova Iorque não tem nada que ver com isto.


- Tem a ver consigo. Seis garotos voltaram para casa porque a Miss teve umas impressões.


- E um não voltou.


- Seis voltaram - repetiu Kakashi.


- Não tenho mais nada a acrescentar para além do que já lhe disse.


- Talvez não tenha. A mim parece-me mais que não quer ter. Eu estive lá, há dezoito anos, quando nos levou até àquela menina. Sou um homem simples, de modos simples, mas estive lá. E estive lá hoje, a olhar para aquela jovem e para o que lhe fizeram. Fui transportado ao cenário de há dezoito anos. Estive nos dois locais, vi as duas coisas. E a Miss também.


- Não entrei.:


- Mas viu.


- Não! - Pôs-se de pé, de um salto. - Não vi. Senti. Não vi, nem espreitei. Não havia nada que eu pudesse fazer. Ela estava morta, e eu não podia fazer nada por ela. Nem pela Hope. Nem por nenhuma das outras. Não quero isso dentro de mim outra vez. Já lhe disse tudo o que sei, exatamente como aconteceu. Porque é que isso não chega?


- Está bem. Pronto, está bem, Miss Sakura. Porque não se senta ali e tenta acalmar-se, enquanto eu vou lá abaixo falar com a Hinata?


- Gostaria de ir para casa.


- Sente-se e recupere o fôlego. Vou mandar alguém levá-la a casa.


Remoeu os pensamentos sobre ela e a reação dela às suas perguntas, enquanto descia as escadas. Aquela rapariga, concluiu, era um cesto de problemas. Podia lamentá-lo, mas isso não iria impedi-lo de usá-la se isso servisse os seus propósitos. Tinha um homicídio na sua cidade. Não era o primeiro, mas era o pior em muitos, muitos anos.


E ele era um homem que tinha impressões, palpites. E eles diziam-lhe que Sakura Haruno era a chave.