Um garoto esquálido e pálido, alto e desajeitado, adentrara a biblioteca de Hogwarts alardeado. Jogara a mochila desbotada e alguns livros que tinha para devolver em uma mesa erma num canto escuro da sala e seguira seu caminho. Naquela época, em seu sexto ano, a Penseira costumava pertencer à biblioteca, para uso dos alunos. Havia também um arsenal de memórias que auxiliavam os estudantes na elaboração de trabalhos, ou curiosidades sobre a escola, como algumas lembranças deixadas pelos fundadores.

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Pegou a varinha do bolso interno das vestes e levou-a até a têmpora, extraindo um fio prateado e o depositando na bacia de pedra. Mergulhou por alguns instantes, até que ouviu gargalhadas conhecidas se aproximarem, e depois um baque. O rapaz tirou instintivamente a cabeça da superfície e se deparou com James Potter e Sirius Black rindo recostados a uma janela próxima a mesa que ele tinha escolhido para deixar suas coisas, agora tombada e com seus pertences espalhados pelo chão.

'-Era sua mesa, Ranhoso? Perdões, por um segundo achei que fosse de alguém mais fracassado que você.' – disse Potter, ajeitando seus óculos e rindo sarcasticamente.

'-Vamos, Pontas' – chamou Black, rindo também da expressão de ódio que tomava conta do rosto pálido do garoto – 'O gato comeu a língua do nosso colega aqui. Além do mais, Alexia não está aqui, vamos ver se ela está lá fora.'

Severo gemeu de raiva. Malditos grifinórios estúpidos. Um dia teria sua vingança, fez uma nota mental. Ainda tremendo de ódio, ele abaixou-se como o idiota fracassado que se sentia e voltou a mesa ao normal, recuperando seus pertences que haviam caído da mochila, assim como os livros agora espalhados por toda a área de mesas. A bibliotecária olhou feio para ele, que em seguida foi até o balcão a fim de devolver os tomos que pegara emprestado na última semana.

Passou uma lista dos livros recomendados por Horácio Slughorn, seu nem tão adorado assim professor de Poções; ele via em Severo apenas um mero aluno, mesmo o rapaz almejando mais do que aquilo. A bibliotecária ajeitou os óculos e lhe pediu que esperasse enquanto procurava os livros.

Ele acomodou-se na recém ajeitada mesa e tirou alguns pergaminhos da mochila: adiantaria seu dever de casa de Transfiguração.

Foi quando uma jovem ruiva apareceu e tocou delicadamente seu ombro. Severo olhou para cima, e olhou de novo, e de novo. Nunca a tinha visto tão de perto. Era ruiva, e seu cabelo era de um ruivo deslumbrante e bem tratado, caindo um pouco abaixo dos ombros com cachos nas pontas e, sim, olhos incrivelmente azuis e receptivos.

Conhecia sua fama, quem em Hogwarts nunca ouvira falar em Alexandra Spring? Bonita, talentosa, inteligente e carismática. Todos os garotos gostavam secretamente dela e todas as garotas queriam ser como ela. Para Severo isso era quase um sinônimo de 'vadia'. Para que ser simpática com todos sem querer algo em troca? Principalmente dos garotos, ele deduzia.

'-Com licença? Severo Snape?' – ela perguntou, educada.

'-O que foi?' – ele perguntou, ríspido, jogando a pena com força sobre a mesa.

'-Isto estava na Penseira quando fui usá-la. Mergulhei para ver de quem era, e a lembrança simplesmente surgiu em seu auge, eu imagino.' – ela entregou um frasquinho com um líquido prateado dentro para ele, que a olhava, abismado.

'-Você viu?' – ele perguntou, furioso, seus cabelos que caíam nos olhos constantemente se agitando quando o rapaz levantou abruptamente – 'Por que você fez isso? Não poderia deixar simplesmente lá, ou não sei... Grifinórios enxeridos!' – ele gritou, segurando-a pela gola das vestes e apontando a varinha para ela.

'-Se acalme, por favor. Me desculpe, não poderia imaginar o teor da lembrança, só queria devolver ao dono.' – ela pediu, calma, se desvencilhando habilmente das mãos de Severo e se jogando ligeiramente ofegante em uma das cadeiras da mesa que o garoto ocupava.

'-Você tem noção do que você fez?' – ele perguntou, carrancudo e perplexo –'Vá agora e conte aos seus queridos amigos grifinórios! Não faz diferença!' – ele bradou – 'Conte direto ao Potter!' – ele pensou um pouco e se sentou, falando baixo e ameaçadoramente – 'Ou talvez você devesse contar ao Black primeiro, para que seu namoradinho conte ao idiota do Potter.'

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'-Eu não vou contar a ninguém.' – ela deu de ombros, analisando com a ponta dos dedos a pena que Severo atirara momentos antes.

'-E por que você não contaria, Senhorita Perfeição?'

'-Toda família tem problemas, Snape, eu lhe garanto.'

'-Ah, é claro. Como se você soubesse o que é ter problemas. Família puro sangue, papai jogando golfe bruxo com os amigos da empresa na coluna social do Profeta Diário, mamãe dando dicas de compras na capa do Semanário das Bruxas, irmãzinha perfeita. Que belos problemas familiares você tem, Srta. Spring!' – desdenhou, encarando.

'-Não. Fale. Sobre. O. Que. Você. Não. Sabe.' – ela disse pausada e dolorosamente – 'Eu vim até aqui lhe devolver a lembrança para que ninguém mais a visse, deduzi que você não iria querer isso. Agora não queira julgar minha família. Você não sabe de nada.' – Alexandra exclamou, exaltada.

'-Então diga-me, Spring! Pois o que eu vejo é a família perfeita dos jornais e revistas! O que é problema para você? O ministro não pôde ir jantar na sua Mansão no fim de semana por que sua mãe estava no salão?' – ele debochou. Todos conheciam a família Spring. Além de antiga e de sangue puro, a família era dona de uma grande empresa.

'-Pare com isso' – ela suplicou, os olhos marejando – 'Minha irmã ter morrido é o suficiente para você? Não acharam o corpo, não sei se você sabe. Mamãe e papai não deixaram nenhum jornal ou revista falar sobre isso. Talvez eu precise dizer que as coisas em casa estão horríveis, mamãe só chora e papai nunca está em casa, Olívia e eu estamos completamente sozinhas!' – uma lágrima escorreu, lenta – 'Eles continuam fingindo que não aconteceu, que Amélia não morreu! Mamãe dá receitas de bolo para o Semanário das Bruxas, e fala na coluna social como nossa relação familiar é boa. É tudo uma grande mentira! Cada uma daquelas palavras de encorajamento que a Sra. Spring diz na coluna 'bem estar' é falsa!' – ela desembuchou tudo, com mais lágrimas escorrendo em sua face – 'É isso que você queria, Snape? Eu só lhe trouxe suas lembranças, por que foi tão mau comigo?' – perguntou, desacreditada.

'-Então a Senhorita Perfeita é um pouco menos perfeita. E daí.' – ele deu de ombros – 'Ainda acho que a humilhação que você viu na lembrança é pior quando contada para alguém, principalmente quando Potter souber.'

'-James não vai saber, já lhe disse.' – ela falou, limpando uma lágrima.

'-Você é a namorada do melhor amigo dele! Como raios Potter não saberá?'

'-Não namoro Sirius, nós estamos apenas saindo, e não vou dizer a ninguém, Snape. E por favor, não diga isso a ninguém, se você puder é claro.' – ela pediu, polidamente '-James fez alguma coisa a você hoje?' – perguntou, subitamente mudando de assunto – 'Por que se ele não fez, se prepare.'

'-Ele já fez, dispenso o aviso.' – ele respondeu, rude- 'Mas por que queria saber, Spring?'

'-James estava furioso na Sala Comunal ontem, por você ter tentado falar com Lilly a tarde toda, e disse que te daria uma lição tão logo quanto pudesse.' – ela disse, as manchas vermelhas já desaparecendo de seu rosto – 'Você gosta dela não é? Da Lilly, eu digo.'

'-Lilly era minha amiga.' – foi a única coisa que ele disse, franzindo o cenho.

'-Por que você está sendo tão rude comigo?' – ela perguntou, magoada – 'Eu não fiz nada de mal a você, vi sua lembrança sem querer e acabei falando coisas demais sobre mim mesma. Acho que sou a única prejudicada aqui.'

'-Mil perdões se todos tem que lhe tratar a pão-de-ló, Princesa Spring.' – ele disse, satírico.

'-Não é isso, Snape. Se alguma pessoa lhe trata bem é esperado que corresponda.'

'-Você é toda boazinha assim mesmo ou finge o tempo todo?'

'-E você é grosseiro dessa forma ou acordou de mau humor? Por favor, só estou tentando fazer as coisas ficarem boas! Acho nós sabemos um pouco de mais um sobre o outro agora, era melhor que conversássemos pelo menos.' – ela observou, sensatamente.

'-O que você quer de mim, Spring?' –ele perguntou, um pouco menos rude, deixando-se encantar pela garota à sua frente.

'-Nada além do que você puder me dar.' – ela sorriu, docemente, e Severo entendeu o por quê de todos gostarem dela. Era impossível não se sentir uma pessoa melhor quando se estava ao lado dela.

'-Você deveria ir agora. Seus amigos grifinórios não vão gostar de saber que você está aqui, conversando comigo.' – ele disse, um pouco sem jeito diante dela.

'-Se eles forem amigos como dizem que são não vão se importar.' – ela respondeu, imaculadamente.

'-Você realmente acredita nas pessoas, não é?' – ele deu um sorriso torto.

'-Confio nas pessoas que escolho como amigos.' – ela virou um pouco a cabeça, analisando o cabelo de Severo.

'-Em Potter e Black?' – ele ergueu as sobrancelhas – 'Acho que não escolhe seus amigos tão bem assim.'

'-Você não os conhece, Snape. São bons garotos, só ligeiramente imaturos.' – ela deu de ombros – 'Muito divertidos e companheiros também.'

'-Duvido muito.' – ele coçou o queixo, pensativo – 'Se bem que não posso dizer nada,' – ele completou, sério – 'ninguém gosta de mim aqui, e também não prezo a ninguém. Tinha Lilly...' – ele suspirou. Ele havia falado mais com Alexandra do que com qualquer outra pessoa no castelo.

'-Você gosta mesmo de Lilly, não é, Severo?' – ela disse, mexendo nas madeixas ruivas – 'Posso lhe chamar de Severo?'

Ninguém – jamais – negaria um pedido de uma garota esplendida, feita de forma tão doce, tampouco Severo que nunca tinha tido atenção de ninguém, principalmente de uma garota como ela. Já havia estado com outras garotas em Hogwarts, mas nada que durasse mais de uma semana e com nível de conversa aceitável.

'-Pode, pode.' – ele respondeu, embaraçado – 'Eu não... eu não gostaria de falar sobre isso aqui.' – ele disse, envergonhado.

'-Podemos dar uma volta pelo jardim?' – ela convidou, inocentemente – ' A não ser que você esteja ocupado.' – Alexandra levantou-se.

'-Claramente.' – ele respondeu, enfiando tudo na mochila esfarrapada e acompanhando-a até a saída da biblioteca, esquecendo-se completamente dos livros que viera buscar.

'-Primeiro você, Spring.' – ele disse, cortesão. Nenhuma menina nunca o fizera se sentir confuso, ou sem palavras. Até aquele momento.

'-Me chame de Alexandra, por favor.' – ela pediu,os cabelos ruivos fulgurando na luz que entrava por uma janela.

Severo, naquela época, não fazia idéia alguma da fortuna da família Prince, e que a mãe havia herdado uma Mansão gigantesca em Hampshire, quando pequeno vivera desde sempre na Rua da Fiação, um lugar trouxa pertencente ao pai, Tobias Snape. Em uma carta junto ao testamento a mãe lhe contara sobre a Mansão e a fortuna de sua família bruxa, a nobre família Prince. Severo imaginava que o pai nunca se dera conta da fortuna da esposa, senão a teria tomado toda para si, mesmo repugnando os bruxos. E, naquele tempo do sexto ano, era um garoto extremamente simples e humilhado, amigo da garota mais carismática Hogwarts já conhecera.

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