Linhas Borradas

Quando as estrelas caírem


Cato

Eu levanto minha cabeça já sorrindo. A brasinha deve ter caído.

Um segundo depois, escuto Clove gritando. Uma nuvem marrom está em cima do acampamento. Teleguiadas.

Não vejo Glimmer ao meu lado até me levantar e ver sua cabeça bater no chão. Eu começo a correr na direção que os outros correram.

Os bichos estão batendo uns nos outros ao meu redor, tentando me impedir de sair. Mas eu sou um vencedor. Eu faço meu caminho pra fora. Não são insetos que me param. Essas maquininhas do inferno me picam umas vezes. Eu fico nervoso.

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É quando eu sinto falta de algo. Evergreen. Aquela vadia jogou isso na gente. Solto um berro quando o terceiro bicho me pica, na minha bochecha. Minha raiva apaga a dor. Eu tropeço. A espada fica elástica.

– Clove, é pro lago!

Fuhrman está tombando para a direção errada. Ela se escora em uma árvore, mas a árvore não existe quando ela cai. Três Cloves. Meus dentes se apertam uns contra os outros quando tento agarrar seu braço e ela vira sangue. Dafne abre os braços entre eu e ela e me manda sair.

Atravesso o estômago da minha irmã e agarro Clove. Eu a puxo, tiro os bichos de cima dela. A Cornucópia é um robô gigante. Ele abre a boca e fala o nome da Fuhrman porque ela é o sacrifício do ano. Embaixo da água, ela tenta ir pra longe de mim. Eu fico com tanta raiva.

Minhas notas estão desenhadas na cara dela. Agarro seus braços, começo a sacudi-la quando apareço no seu quarto. Aaron está caindo em cima dela. Eu agarro seu rosto.

Onde eu encosto nela, sangra. Eu escuto gritos na água e acima dela. Mais vozes do que eu conheço, mas familiares.

Eu saio da água vermelha. Puxo Clove junto, a deixo em cima de uma pedra, corro atrás da sombra. Há duas. Puxo minha espada. Quaid está na minha frente. Eu o vejo, o desgraçado, mandando Evergreen correr. Estão pegando fogo de novo. Uma árvore explode atrás de mim.

Quaid não faz nada. Fala coisas.

– O que você fez, seu filho da puta?! Você mandou ela correr, Mellark?!

Eu desfiro a espada contra um ponto mortal, mas na hora, o chão se abre. Em vez de cair morto, ele pega a faca e arranha meu braço. Eu volto pra cima e cravo a espada na sua perna. Mais berros. Ele levanta e sai correndo, tropeçando nas pessoas, mancando até chegar na Montanha. Os Pacificadores abrem espaço pra ele.

– É tarde demais. Eles vão abrir só amanhã – falo, me encostando numa árvore. – Cadê a Clove? Não vou deixar você chegar perto dela. Se você tentar, eu vou te matar.

Eu volto para o lago. Ela está usando vestido branco, suas sardas viram formigas. Eu passo a mão no seu rosto pra tirá-las. Seus olhos são árvores, estrelas, o lago. Eu me deito ao seu lado.

[...]

Rolo para o lado e esbarro na Fuhrman. Estou deitado numa pedra.

– Você está viva, não é, porra?

Acho o pulso de Clove. Devagar, mas estável.

– Ela vai ficar apagada até o veneno sair.

Procuro a cara de Quaid nesse escuro do inferno. Ele está embaixo da tenda, afiando a lança.

– O que é que você fez, Quaid? – rosno. Se ele encostou nela, eu vou esquecer por dois minutos que força vem em números.

– Eu? Nada – esse vagabundo dá de ombros. Ele que não se atreva a sorrir.

Me levanto e aqueço meu corpo de novo. Vencedores não tem tempo pra dor. Pego Clove no colo.

– Arruma um saco de dormir pra ela – Marvel ergue os olhos. – Agora.

Ele faz um trabalho de merda. O empurro e coloco Clove em cima.

– Quem morreu? – abro um pacote de carne.

– A Glimmer e a Marina.

– Isso tudo aconteceu hoje.

– Hoje de manhã.

– E você? Acordou quando?

– Agorinha. Por quê?

– Só responda o que eu te perguntar, 1.

Ele não fala nada. Não faz nada. Ele sabe que eu sei que ele fez alguma coisa com a Fuhrman. E ela vai acordar logo pra me contar.

Eu passo a noite inteira acordado. Mando Quaid ir dormir, porque quero ficar sozinho. De madrugada, eu fico com raiva do silêncio. É como se tudo na Terra respondesse a mim. Clove começa a balbuciar antes de amanhecer. Depois de gritar, ela se senta do mesmo jeito que faz quando acorda dos pesadelos.

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Eu não falo nada. Ela se situa sozinha, soltando a respiração, olhando ao redor. Passo uma maçã e uma garrafa de água pra ela. Fuhrman come e não fala nada. Até que ela se vira pra mim.

– Você tem que tirar o ferrão, Ludwig.

Faz sentido. Eu sempre achei aula de ferimentos uma idiotice, mas eu era bom na de mutações. Você tira o ferrão se um insetinho do inferno chega em você. É a regra, mas eu só gosto das que são ditadas por mim.

– Não grita – ela se ajoelha do meu lado e agarra meu rosto.

– Clove – rosno, quando ela aperta minhas bochechas. Quando ela termina, essa porra dói cinco vezes mais. – O que é que você fez, sua vadia? Essa porra está doendo.

– Você queria uma anestesia, bebê? – Clove faz uma carinha cínica.

– Você sabe o que aconteceu, Fuhrman?

– Foi a vadiazinha do fogo, não foi? Ela morreu pelo menos?

– Não.

– E o Conquistador?

– Eu sei onde enfiei a espada. Ele está se arrastando por aí.

Ela olha para a floresta e depois de me olhar, levanta com três facas na mão. Eu deixo que ela faça o que quiser, mas não estou ouvindo nada.

– Eu já volto.

Dou de ombros. Ela deve saber que inferno está fazendo. Clove volta andando do lado do menino do 3.

Eu quase esqueço que ela não tem sangue ruim quando me levanto e os paro antes do acampamento.

– Que porra é essa?

– Cato, ele pode fazer uma coisa pela gente – Fuhrman empurra o cara na frente dela e fica do meu lado. Melhor.

– O que é? – cruzo os braços e chego mais perto dele.

– Proteger a Cornucópia.

– Eu não estou interessado. Me dá mais alguma coisa.

Ele demora.

– Fala, idiota! – Clove grita, empurrando o cara pra trás. – Eu não te deixei pra ficar vigiando porra nenhuma. Fala o que você disse pra mim.

Agarro o braço dela e a puxo pra trás de novo. Eu que estou lidando com isso.

– Eu posso desencavar as minas. Colocar elas ao redor dos suprimentos – o cara recua. Eu olho pros arranhões no braço dele. – Quem tentar roubar vocês vai explodir na mesma hora.

Eu olho pra Clove. Ela acha que é seguro.

– Se você tentar qualquer graçinha – falo pausadamente. Eu quero que ele tema cada espaço nessa frase. Ele desnutridinho precisa saber - não vai ser ela quem vai lidar com você.

– Ok. Entendido – ele sorri e sai pra mexer com essas coisas. – Eu vou empilhar tudo numa pirâmide e farei uma trilha segura pra...

– É, eu não quero saber. Vamos, Clove. Vamos ficar no lago. Se ele se explodir, não quero sangue na minha cara.

– Coma alguma coisa, 3.

Eu me viro pra ela na mesma hora. Que porra é essa?

– Se ele desmaiar, não vai servir de porra nenhuma – ela fala pra mim, querendo parecer que tem razão. Coitada. - Come.

– Obrigada, Clove.

– Quaid, veado! Explosão não é a morte que eu preparei pra você! – ela grita e Marvel se levanta na mesma hora, rindo, todo felizinho. – Então, eu não conseguiria lidar com um 3, não é?

– Você está o quê, brincando? Uma pessoa com meio quilo que acha um empregadinho e sai andando do lado dele, conversando, se abrindo toda.

– Ele estava sob controle.

Quaid se encolhe do outro lado. Ela vem se sentar ao meu lado, falando pra caralho como se eu quisesse saber.

– Fuhrman, o que inferno o Quaid fez com você?

Ela estava olhando na minha cara. Agora ela não se vira pra mim.

– Eu estou falando com você, sardenta.

– Eu estou mandando você ir se foder, bombadinho.

Agarro o rosto dela. Eu sei que está machucando quando ela se vira pra mim.

– Me fala. Agora.

Ela vira a cara quando eu a solto.

– Ele não fez porra nenhuma. Ele ficou falando um monte de merda, eu fiquei com raiva, dei um susto nele, você chegou.

– Você não quer falar, cravinho – pego uma parte do cabelo dela – porque acha que a gente não pode ficar sem aliados.

– Sempre foi só a gente, Cato.

– Você queria se aliar com cada um desses esfomeados – continuo falando, mexendo no cabelo dela. Quando ela se cansar e ficar irritadinha, vai falar se Marvel encostou nela.

– A gente está bem aqui. Só nós dois.

– E o Marvel.

– O que é, ficou com saudade da rainha da beleza? – Fuhrman se vira rindo agora, achando que conseguiu alguma coisa. – A peixinha cozinhava bem?

– Pra gente ganhar essas desgraças vão todas ter que morrer, mesmo.

Clove fica me olhando por uns cinco minutos. Eu estou quase perguntando o que é, quando lembro que falei “a gente”.

– Oun. Tão sentimental, Cat Cato – essa vadia está debochando, mas deita a cabeça no meu ombro. - Não se preocupe, amorzinho. É um pacto. Quando um de nós morrer, nosso espírito nunca vai deixar o outro em paz. Eu já falei com o demônio. Não tem mais jeito de fugir. É um pacto.