- Você o quê?! – Minha voz saiu uma nota mais alta, meus olhos vidrados em Justin.

- Eu matei um cara. – Ele repetiu, mais baixo, olhando para o chão.

- Eu ouvi da primeira vez, Justin, eu só não consigo acreditar! – Respondi, cruzando os braços.

Justin não respondeu nada, apenas ficou lá, olhando o chão como se ele fosse muito mais interessante que eu. Segurei seu rosto entre as mãos, levantando-o. Seus olhos focavam qualquer coisa que não fosse eu e aquilo me fez sentir um novo tipo de sentimento, algo misturado com remorso, vergonha e raiva. Como eu podia ser tão idiota? É claro que ele nunca iria querer me dizer aquilo! Quem se orgulha de ter feito tal... Ato?

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- Desculpe... – Deixei a frase no ar. Ele balançou a cabeça e me fitou pela primeira vez em alguns minutos.

Não muito longe de onde estávamos, o barulho de algo metálico caindo no chão saiu de um beco escuro, fazendo Justin e eu pularmos de susto. Seus braços imediatamente me envolveram enquanto ele jogava a cabeça para todas as direções, observando tudo como se alguma coisa fosse saltar da rua e nos atacar.

- Vamos. – Ele disse de repente e começou a nos direcionar ao carro dele.

Quando estávamos ao abrigo do aquecedor do carro, Justin se permitiu respirar fundo e apertou o volante com as mãos. Ligou o carro sem dizer uma palavra e saiu daquela rua, entrando de novo na Park Avenue. Eu não conseguia tirar meus olhos dele.

- Você vai dormir na minha casa hoje. – Ele falou de repente, causando-me um susto. Quando processei o que ele disse, abri a boca para protestar, mas Justin fora mais rápido. – Por favor. Não é seguro.

- Você vai me contar tudo? – As palavras saíram da minha boca sem meu consentimento. Eu não planejava soar tão infantil e assustada.

Justin não me respondeu, apenas ligou o aparelho de som e sintonizou uma estação qualquer, parando no semáforo. Por mais que uma música country antiga preenchesse a falta de conversa, o vazio do silêncio continuava lá.

“Eu matei uma pessoa”.

Aquilo ficava rondando minha cabeça, criando perguntas e perguntas sem respostas.

Quando dei por mim, Justin já estava tirando nossas mochilas do banco de trás do carro e destravou as portas. Meus movimentos estavam atrasados, tanto que a minha porta fora aberta e Justin me ofereceu a mão para sair.

Murmurei um rápido obrigada enquanto saia e ele fechou a porta atrás de mim, os olhos queimando os meus. Ainda em silêncio, ele me puxou para a escada lateral do pequeno prédio e abriu a porta do apartamento.

- Minha mãe vai ficar até tarde trabalhando lá embaixo. Amanhã você fala com ela. – Ele disse rapidamente enquanto tirava algumas coisas de alguns armários da cozinha, duas garrafas d’água da geladeira e me puxou para seu quarto.

Ele fechou a porta atrás de si e colocou as garrafas d’água em cima do criado mudo, despejou nossas mochilas em cima da cadeira da escrivaninha e correu para seu closet. Saiu de lá com uma blusa azul escura de mangas compridas e uma calça de moletom da mesma cor.

- Vista. – Entregou-me as peças de roupa e foi até o banheiro. Alguma coisa caiu no chão e ele xingou baixo, mas eu pude ouvir. Deixei as roupas em cima da cama e fui até lá, encontrando-o de costas para a porta e para mim, apoiado na pia, suas costas parecendo mil vezes mais largas vistas daquele ângulo.

- Justin. – Minha voz saiu baixa também, quase um miado, e ele se virou para mim, não antes de respirar fundo. Segurei sua mão e o puxei para fora do banheiro, guiando-o até sua cama. Consegui fazer com que se sentasse e me sentei ao seu lado em seguida.

- A gente estava numa festa quando a ideia de fazer apostas apareceu. – Ele começou, fitando a parede. Sua voz uma linha monótona e indiferente, mas, por debaixo daquela máscara, eu podia ver que ele surtava por dentro. – Esse... Tinha esse cara. Ele estava louco por droga. Sabe, crack. Não sei se você já viu alguém sob o efeito disso. Quando a droga entra no organismo, ela vai direto para o sistema nervoso central e então o cara está fod... Ferrado. Parece rato de tão agitado que fica, se você deixar a mão do cara solta, ele rasga o rosto com a própria unha.

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Ele fez uma pausa, piscando uma vez, parecendo se lembrar de alguma coisa.

- E tinha esse cara. Viciado em crack e ele queria mais. Mais droga, mais dinheiro para comprar mais droga e o Marshal não queria dar.

- Marshal? – Perguntei, sem querer.

- O cara responsável por passar a droga nas festas. Ninguém sabe quem é o traficante. Na verdade, para o Marshal, era tudo muito engraçado. A gente era amigo... O irmão mais novo dele frequentava a escola, era meu fã. E eu dei a ideia da aposta. Ele tinha que acertar a bolinha nos cinco copos e se conseguisse, teria a droga, de graça.

- E ele conseguiu?

- Não. – Justin me lançou um olhar estranho antes de suspirar. – Basicamente o cara surtou e tirou uma faca de não sei onde. Ele machucou algumas pessoas da festa. E quando ele foi para cima da Jolie... Eu entrei no modo automático e...

Ele não terminou a frase. Apoiou os cotovelos nos joelhos e enfiou o rosto entre as mãos. Respirei fundo, absorvendo tudo o que ele havia me dito. A ideia de Justin fazendo mal a alguém... Machucando alguém nesse nível... Era quase surreal para mim. Mas o fato me atingiu em cheio e, mesmo sem querer, inconscientemente, eu me afastei dele. E eu tenho certeza de que ele notou isso.

- A polícia sabe. – Ele continuou, sem mover um músculo. – Eles disseram que eu defendi a Jolie por isso eu não tinha culpa, mas eu sabia... Sabia que era culpa minha porque eu fui tão idiota de propor a maldita aposta... – Justin estava devaneando àquela altura, como se falasse consigo mesmo. De novo, eu me afastei e isso fez com que ele levantasse a cabeça de repente, o movimento brusco me fez gritar. – Karen? – Ele uniu as sobrancelhas, olhando para mim e a distância que eu coloquei entre nós, confuso. – Você... Você está com medo? Medo de mim?

- E-eu... Eu... Eu não... – Minha voz falhava e eu senti meus olhos se encherem d’água.

Quando eu era menor, eu vi o cozinheiro do palácio abater um pequeno cabrito. Tenho certeza de que eu não deveria ter visto aquela cena, principalmente porque eu estava me escondendo da minha tutora, cansada de ter aulas e me escondi na cozinha. Ele não fez muita bagunça, mas eu me lembro de seu avental branco, sempre impecável, dessa vez manchado de sangue. Lembro-me daquele borrão vermelho vir em minha direção quando me viu entre uma prateleira e outra e, atrás dele, o pequeno animal pendurado.

E quando Justin levantou a mão para alcançar meu rosto, eu imaginei o sangue que teria escorrido em suas mãos naquele dia. O sangue e os olhos vidrados, como um louco, um animal. Eu recuei e aquilo fez ele recuar sua mão também, a expressão machucada.

- Desculpe. – Disse ele antes de se levantar e sair do quarto a passos largos.

A porta se fechou atrás dele e eu soltei a respiração que eu nem sabia que estava prendendo, assim como as lágrimas rolaram livremente. Olhei em volta, o quarto que eu sempre julguei a cara dele... Agora parecia um quadro fora de contexto, aquele lado de Justin não estava em nenhum detalhe daquele cômodo.

Não vendo outra alternativa, peguei as roupas de cima da cama e fui até o banheiro para me trocar. Fechei a porta cuidadosamente atrás de mim, trancando-a em seguida. Tirei meu casaco e a blusa fina de manga ¾ e coloquei a blusa azul de Justin, sentindo-me inebriada pelo seu cheiro, como que me acalmando de alguma forma.

Voltei meu olhar para a maçaneta da porta. Por que eu havia trancado? O que me fazia acreditar que Justin poderia, de alguma forma, me machucar? Quantas vezes ele me provou ser... Outro garoto? Minha cabeça funcionava a mil e meus pensamentos me faziam querer chorar. Ele havia feito aquilo para salvar a vida de Jolie. Era horrível, mas ainda assim! Qual era a linha entre o que era aceitável e o que era hediondo numa situação como aquela?

Decidida, inclinei-me em direção à maçaneta e destranquei a porta.

Terminei de me vestir, lavei o rosto e me encarei por alguns segundos diante do espelho.

Você não queria a vida real, Karen?

Bem vinda a ela.

Apaguei a luz e saí do banheiro.

Justin não estava no quarto, como eu, honestamente, esperava. Duvido que ele fosse gostar de me ver agora. A garota que implorou tanto para saber o que se passava com ele e, quando ficou sabendo, julgou tanto que quase correu para longe dele. Coloquei minhas roupas em cima da minha mochila e observei o quarto novamente.

A parede abarrotada de fotos, como sempre, prendeu minha atenção.

Vi minha foto lá, aparentemente intocada. Justin tirou aquilo quando me mostrou a cidade na minha primeira semana em Nova Iorque. Toquei a foto por um instante e me virei para a porta, decidida a achar Justin e me desculpar.

Segurei a maçaneta com força e respirei fundo.

Minha determinação sumiu quando abri a porta e vi Justin lá, sentado no chão, encostado à parede oposta da porta do quarto, olhando para a parede de vidro do final do corredor, as luzes da rua criando sombras e cores em seu rosto. Ele parecia tão vulnerável e desamparado naquele momento que eu senti a culpa escalando as paredes da minha garganta, prestes a sair por aí com vida própria. Ele olhou para mim.

- Eu sinto muito, Justin. – Minha voz não passou de um sussurro fraco, minha garganta doendo por causa do bolo que se formou ali. No mesmo minuto que eu me coloquei de joelhos, ele abriu os braços e me envolveu protetoramente, encostando-me em seu peito e apoiou o queixo no topo da minha cabeça. Eu, por minha vez, segurei forte o tecido de sua camisa entre os dedos, fechando os olhos com força. Quem sabe aquilo era só um pesadelo e eu não tivesse que lidar com as duas partes de mim que brigavam pela razão.

Eu sabia que eu não deixaria Justin por nada no mundo.

- Você sabe que eu nunca seria capaz de te machucar, não sabe, Karen?