{Katherine Adams Kohls}

Eu sentia o poder arder e queimar em minhas veias, em meu espírito. As sombras de seda se emaranhavam em meu corpo, por debaixo da pele; procurando, fortalecendo e curando tudo. Eu seria uma arma, sabia disso. Estranhamente, não me preocupava tanto quanto deveria. Confiava no poder de Loki e Sigyn, dois deuses lendários e antigos com habilidades em magia capazes de aniquilar milhares de inimigos de uma só vez. Ou era nisso que eu gostava de acreditar.

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A mim, minha consciência e alma, só restava esperar. Ganharia o tempo necessário para que os asgardianos modificassem meu corpo conforme havia instruído o deus da mentira. Olhei para o amplo vazio de minha mente, me questionando em que canto Kitty seguia com os ajustes de seu plano sórdido. Respirei fundo, fechei os olhos... Aquela era a minha mente, afinal de contas. Eu sabia que teria que fazer algo para chamar a atenção daquela parasita.

Mostre-me o pântano.

Me surpreendi com o eco que se seguiu no imenso vazio. Era a minha voz, sem nenhuma interferência de Kitty. Eu nunca me concentrara tão profundamente para tentar entender como meus pensamentos funcionavam — para mim, eles sempre surgiam e iam embora muito rapidamente, raramente conseguia acompanhar o que diziam. Treinar foco e concentração sempre fora uma tarefa quase impossível para mim. Meditar era uma forma pessoal de tortura. O cheiro foi a primeira coisa que detectei — sangue e morte em sua maioria, então sabia que estava no lugar certo. Uma réplica quase exata do exílio de Jörmungand, a Serpente de Midgard, nêmesis de Thor, Deus do Trovão. O pântano era exatamente como me lembrava, o lago de sangue que passou a sutilmente habitar meus pesadelos parecia ainda mais denso e escuro. Eu poderia me afogar ali? Olhei para meus pés, ciente de que estava na ilha central do exílio, onde a serpente repousava. Havia um declive no centro da ilha, tal era a frequência que a cobra se enrolava ali.

Observei as árvores ao redor, o céu canela que eu já considerei repugnante — nada daquilo parecia importar. O lugar era horrível, saído direto de um filme de terror, mas precisava que fosse ali. Meus instintos me diziam para permanecer ali. Respirei fundo, ou ao menos tentei, já que não estava acostumada a ser puramente um espírito ou um resquício de consciência remanescente. Bem, se Kitty queria o controle de meu corpo físico, desta vez haveria a resistência de minha consciência.

Imaginei que poderia criar armas, armaduras, espadas e escudos, mas de nada adiantariam, já que não se tratava de uma batalha física. Teria que ser forte para enfrentar seu poder, sua influência e sua manipulação. Abri e fechei minhas mãos algumas vezes, um último gesto de nervosismo antes de atrair sua atenção.

Ordeno que meu corpo responda a mim, e somente a mim a partir de agora. Temos um parasita que está nos envenenando.

Alguma coisa mudou com a última frase, eu sabia. Sentia minhas sinapses cerebrais aceleradas, junto ao meu batimento cardíaco. Deixei que minhas células interpretassem que o poder de Kitty se tratava de veneno, logo minha linha biológica de defesa resistiria mais às mudanças corporais. Ou era isso que eu esperava que acontecesse. Não demorou muito para que sentisse sua energia hostil se aproximando de onde eu estava. Gigantes garras negras rasgaram o céu cor de canela e uma enorme sombra caiu da brecha, mergulhando no lago salgado de sangue. Olhei para cima, fazendo com que o céu se reconstruísse. Ela havia cometido um erro em me mostrar que conseguia formar cenários em minha mente, quando construíra um palácio sozinha, com um enorme salão dourado; verossímil ao Valhalla, eu supunha.

Uma figura formada por sombras saiu da água, suas garras negras se fincaram na grama e passaram a puxar o corpo quase etéreo da criatura. Uma trilha do sangue do lago foi deixada atrás de si por ter arrastado o corpo pesadamente. Eu sabia de sua tentativa de me aterrorizar. A criatura fez com que o lago fosse congelado, neve carmesim começou a cair do céu. A criatura se ergueu, era esguia, desfigurada completamente, os longos braços com as garras gigantes eram a única exceção.

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Fechei os olhos com força, ciente de suas intenções. Por muito tempo, estive ciente de suas manipulações. Estiquei os meus braços para os lados, formando uma cruz perfeita com meu corpo. Deixei que meu corpo caísse para trás, minha mente cuidaria de mim. Nada daquilo era real, não importava o quanto Kitty tentasse me persuadir do contrário. Sem um corpo físico, minha imaginação poderia finalmente ser libertada, sem restrições.

Quando estava prestes a cair de costas contra a grama azul, me permiti atravessar diretamente para baixo, mergulhando no lago congelado. Sem abrir os olhos — não, ainda não era a hora certa —, cerrei ambas as mãos em punhos e gritei o mais alto que consegui debaixo da água, imaginando precisamente o que aconteceria em seguida. O gelo da superfície rachou cada vez mais, seguindo para o restante do sangue abaixo, estraçalhando como vidro até se tornar nada além de pó. Como não precisava respirar e não era mais um ser tangível, me permiti afundar. O lago de sangue se tornou areia apenas com a força de minha imaginação. Pisei firmemente na areia carmesim com cheiro de sague, admirando o que eu consegui fazer com um pouco de imaginação selvagem. Olhei para cima, para a criatura enviada por Kitty, e lhe dirigi um meio sorriso debochado. Ela não surtiria mais efeito sobre mim, nunca mais seria submissa à ela. A coisa ergueu o tronco e chiou tão alto e estridente que poderia ter feito meus tímpanos estourarem e meu corpo se encolher, intimidado. Porém, claro, eu não tinha mais um corpo para me preocupar, tinha?

Estava me acostumando a ficar tangível e intangível ali, sabia que, quando houvesse uma ameaça, não me atingiria tão gravemente, já que minha mente havia retomado seu instinto de autopreservação. Enfiei minha mão no meio da areia ao mesmo tempo em que aquela coisa avançou, rastejando até mim em alta velocidade, ansiando por minha destruição. Ergui de dentro areia carmim um escudo gigante de carvalho branco com três estrelas prata entalhadas em vibranium, o tamanho ia de minha cabeça até meu joelhos. A criatura fincou as garras no escudo apenas um milésimo de segundo depois, rosnando guturalmente com frustração por eu tê-la impedido. Quando exigi silenciosamente um “escudo” para minha mente, meu subconsciente acabou unindo o de Thorin Escudo de Carvalho ao do Capitão América, e o híbrido acabou se revelando impressionantemente resistente. A criatura passou a se erguer, eu acompanhava seus movimentos o mais rapidamente que conseguia. Trinquei os dentes, me agachei e enfiei a outra mão dentro da areia, mantendo o escudo firmemente sobre minha cabeça. À essa altura, a coisa havia se empoleirado em cima do escudo. Agarrei o cabo de qualquer que fosse a arma e a ergui, surpresa por encontrar a Reveladora da Verdade em minha mão. Não era uma espada, não era uma arma de longo alcance. Precisaria continuar procurando, então. A coisa ergueu o longo braço, pronta para me decapitar usando nada além de suas garras compridas. Esperei para que minha imaginação se lembrasse de algo para me ajudar a sair daquela situação, onde eu havia perdido a vantagem.

Em uma manobra rápida, me teletransportei de debaixo do escudo para cima dela, me permitindo cair bem no meio de seu corpo indefinido, pegando-a de surpresa. A Reveladora da Verdade foi fincada na criatura, uma espécie de raio azul percorreu todo seu corpo, fazendo-a chiar novamente. Me joguei para dentro da areia, que me engoliu e escondeu de imediato. A voz que já imaginei como a de Nestha Archeron reverberou dos céus:

Eu sou a rocha contra a qual as ondas quebram.

Eu sabia o que estava acontecendo. Minha mente se lembrava da adrenalina, do frenesi que se instaurava nas cenas de ação que eu tanto admirava. Aquela era a chance de me lembrar e praticar o que eu sabia. Me teletransportei para a árvore mais alta que cercava o que antes fora o lago de sangue. Precisava encontrar e traçar um plano para aniquilar o inimigo, sem perdê-lo de vista. Uma segunda voz feminina se seguiu, tão determinada quanto a primeira:

O verdadeiro poder não é dado. O verdadeiro poder não pode ser tirado.

— Jude? — Murmurei, surpresa. De alguma forma, eu compreendia. Meu subconsciente estava me incentivando a continuar, me mostrando e guiando minha imaginação através de livros que já havia lido anteriormente. Olhei para a criatura, perdida em meio à areia, rastejando à minha procura. Outra voz feminina surgiu, mais gentil, soprada pela brisa:

Por amor, tudo é possível.

Se eu tivesse um corpo físico, estaria chorando pelas memórias felizes que cada frase desencadeava. Era bem mais que uma fuga da realidade, livros me traziam alegria, tristeza, esperança, amor, medo, fúria, destemor, ousadia, paz, me faziam sentir mais de mil sensações durante a jornada; às vezes, eu nem era mesmo capaz de nomear todas elas. Franzi o cenho, gradativamente me sentindo mais... Eu. A verdadeira eu, que se inspirava tanto em personagens fictícios quanto em figuras admiráveis reais para seguir em frente. A verdadeira eu, que sentia o poder que palavras podiam ter, o poder de uma ideia sendo formada, a rebeldia pulsando com ferocidade, o senso de justiça, de moral e de coragem inflando a certeza de que valia a pena não desistir.

Que a sorte esteja sempre a seu favor.

Com um meio sorriso adornando o meu rosto, me permiti voltar ao centro onde tudo começou. A Reveladora da Verdade ardeu em chamas em minha mão direita, até se tornar uma enorme espada flamejante de fogo dourado. Ergui o queixo para a criatura, não permitiria que Kitty me fizesse em pedaços, não desta vez. Minha voz reverberou e ecoou por toda a minha mente, por cada fenda, cada canto, cada brecha:

Meu nome é Katherine Adams Kohls e eu não terei medo.

Kitty viria por mim. Tinha certeza disso.

{Loki, God of Mischief}

Meu tempo estava acabando. O corpo com aparência cadavérica de Katherine estava morrendo diante dos meus olhos. Sua aparência era quase a mesma, porém, seus lábios estavam arroxeados, sua pele estava tão pálida que conseguia discernir suas veias e artérias azuis de longe, profundas olheiras haviam surgido abaixo de seus olhos. O que quer que Kitty estivesse fazendo com o corpo, fisicamente Katherine não pareceria mais ela mesma. Se fracassássemos, ela seria uma sombra, um cadáver vagante com poder infinito.

Sigyn surgiu no quarto com o athame de prata luzindo em sua mão direita e um saco de veludo com Runas Consagradas em sua mão esquerda. Ela usava sua túnica cerimonial asgardiana, com uma capa de seda azul com detalhes em dourado. Sua expressão se alterou ao olhar para Katherine, o rosto de retraiu e a boca formou uma linha reta. Conhecia bem aquela expressão, sabia o que se seguiria. A deusa da fidelidade estava enfrentando um novo inimigo, pensando em todas as formas de destruí-lo sem misericórdia por ter atacado um de seus protegidos. Estiquei minha mão para ela, a ruiva me estendeu a faca, fazendo uma curta reverência.

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— Azryn Saringoshk, você foi julgada inimiga da Magia, do Destino e dos Nove Reinos. A punição contra seus crimes é sua ruína e destruição, seguido de seu esquecimento por todos os seres deste Universo. Você será Nada, e jamais voltará a ser Algo. — Meus olhos esquadrinhavam o corpo inerte de Katherine, esperando alguma reação dela. Sigyn enfiou a mão dentro do saco de veludo e tirou uma Runa Consagrada, analisando-a com cautela. As Runas Consagradas eram ainda mais poderosas do que Runas normais, pois eram consagradas pelas três Nornas do Tempo, por um deus asgardiano, por uma Bruxa e por um sacerdote de um dos Quatro Astros Protetores. A ruiva franziu o cenho levemente e falou, olhando para o corpo de Katherine:

— Criatura maléfica e desprezível, você não é bem-vinda neste Reino. Caso não se revele, parasita, levaremos seu hospedeiro para Asgard e a selaremos com magia anciã. — Pressupus que Sigyn houvesse tirado a Runa da Verdade, capaz de revelar as reais aparências e até mesmo se livrar de encantamentos. O saco de Runas Consagradas desapareceu de sua mão em seguida.

Katherine tossiu e gorgolejou, engasgada. Depois, expeliu de si um líquido negro e viscoso. Uma bola de luz azulada surgiu na palma da mão da ruiva, um reflexo de batalha antigo. Tomei o cuidado de colocar um escudo invisível, confinando e contendo tanto Sigyn quanto Katherine e eu àquele quarto de hospital. Se o que quer que estivesse em Kate saísse, seria aniquilado por mim ou pela deusa da fidelidade. Katherine começou a arfar por ar, fazendo altos barulhos de sufocamento. Os aparelhos hospitalares apitavam e bipavam em uma frequência alta e rápida, os batimentos cardíacos da humana iam de muito acelerados para quase nulos em questão de segundos. A expressão da ruiva era dura como pedra, a orbe de luz brilhava intensamente em sua palma.

— Eu, Sigyn, deusa asgardiana da fidelidade, sou testemunha deste Confinamento. Com a mente sã e o espírito livre, ofereço meu sangue e meu poder para fortalecer a Runa de Contenção. Eu confino seu ser e seu poder a este corpo, Azryn. — O corpo de Katherine começou a convulsionar na cama, a gosma viscosa preta saía de seu nariz e sua boca. Ergui o rosto, deixei que minha voz reverberasse pelo cômodo:

— Eu, Loki, deus asgardiano da mentira e da trapaça, sou testemunha deste Confinamento. Com a mente sã e o espírito livre, ofereço meu sangue e meu poder para fortalecer a Runa de Contenção. Eu confino seu ser e seu poder a este corpo, Azryn. — A coluna da humana se envergou, seu peito se ergueu e seu pescoço virou para a esquerda, a bochecha contra o colchão, os dedos das mãos se atrofiaram em ângulos estranhos. Estava quase chegando a hora. Um chiado sobrenatural saiu dela enquanto seus olhos se abriram, revelando apenas a parte branca de suas orbes. Sigyn e eu cortamos nossa mãos esquerdas com o athame de prata e em seguida a deusa acorrentou magicamente o corpo de Katherine na cama, com os braços esticados para cima. Ao sentir a magia dominando-a, chiados altos e estridentes se seguiram vindos da humana, um pior do que o outro. A gosma preta havia manchado a camisola hospitalar, os travesseiros e lençóis da cama àquela altura.

Me aproximei e comecei a recitar as palavras antigas, finquei a ponta do athame contra a parte interna de seu pulso direito, traçando cautelosamente enquanto as palavras em outra língua saíam de minha boca. Katherine começou a gritar em aflição, seu corpo convulsionava e ela chiava enquanto Sigyn e eu redigíamos a cerimônia. Quando terminei com o lado direito, entreguei o athame para Sigyn, que fez exatamente a mesma coisa que eu com o pulso esquerdo da humana. Engoli em seco observando o pulso direito, uma luz esverdeada e azulada emanava da marca. Eu ouvia o ferimento queimando e descendo por todas as camadas, marcando tanto a pele quanto a carne e os músculos até o osso. A humana gritava, sua voz real se misturava à voz sobrenatural da criatura que habitava dentro de si. Lágrimas escapavam-lhe dos olhos, o corpo continuava lutando para se libertar da magia de Sigyn. Eu sabia que a Runa estava sendo cravada em seu espírito. Franzi os lábios, preocupado. Ela sobreviveria? Me aproximei de seu rosto e acariciei seus cabelos negros, não me importando com toda aquela sujeira. Quanto tempo ela havia suportado toda aquela tortura dentro de si?

— Aguente firme, Katherine. O ritual está chegando ao fim. — Ela fechou os olhos com força, em seguida os abriu. Suas orbes verdes com aros dourados me encararam, as sobrancelhas franzidas em uma expressão de dor. Sorri para ela, esperava que fosse incentivá-la a resistir e acalmá-la um pouco. — Você está indo bem. Você ficará bem, Kate. Aguente firme. — O barulho dos bipes enlouquecidos era ensurdecedor. A garota estava convulsionando, chorando e gritando, mas, quando estavam abertos, seus olhos jamais se desgrudavam do meu rosto. Quando Sigyn terminou de inserir a Runa em seu outro pulso, os gritos se tornaram mais intensos. Eu conseguia sentir as cordas vocais da garota se ferindo gravemente, ela gritava até ficar rouca, logo ficaria sem voz. Seus olhos se fechavam com força e logo voltavam a se abrir, seu olhar me buscava em meio ao caos interno que ela enfrentava.

A deusa ruiva colocou seu dedo médio no meio da testa de Katherine, a aura de sua magia azul suavemente se instaurou sobre sua cabeça, até penetrar de uma vez. Quando Sigyn tentou penetrar na mente de Katherine, a aura de sua magia foi repelida, deixando um clarão azul no quarto e então sumindo.

— Mesmo debilitada, sua mente é impenetrável. — Constatou a ruiva, em seguida, um pequeno sorriso se formou em seus lábios. — Muito bom. — A deusa tirou uma mecha de cabelo da testa suada de Katherine. — Eu estou aqui, Kate. Vou cuidar de você, como sempre. Sabe disso, não sabe?

Aquelas palavras surtiram efeito, Katherine parou de gritar e passou a chorar sem gritar, seu olhar se virou para Sigyn. A ruiva sorriu para Katherine e segurou o rosto da humana entre suas mãos. O choro de Kohls era gutural, mas baixo, não estava mais convulsionando, apenas tremendo. Sabia que a Runa já havia sido marcada em sua alma, então. Ela sobreviveria. Sigyn soltou Katherine de sua magia, os braços da garota caíram no colchão com um baque seco. Me permiti segurar sua mão esquerda entre as minhas. Ela estava gelada como a morte. Os aparelhos agora estavam estáveis, sua saúde se reestabeleceu de maneira gradativa.

Eu poderia ter respirado com alívio, porém não ousei fazer isso. Não quando ainda não sabia das consequências da cerimônia que eu e Sigyn havíamos realizado. Com a voz enrouquecida e fraca, Kate me fitou uma última vez, a tentativa de um sorriso lhe escapando pelos lábios:

— Obrigada, Loki. Por me salvar. — Me inclinei sobre seu corpo e beijei-lhe a testa delicadamente. Vê-la tão machucada e debilitada me fez sentir... Nervoso. Com medo, talvez. Não entendia direito o motivo. Encostei minha testa na dela, não me importando com o suor, a sujeira, ou os tremores que iam e voltavam em seu corpo. Aquelas eram as provas de sua luta interna. Não havia motivo para ela se envergonhar disso. Seus olhos se arregalaram ao ver o quanto estávamos próximos.

— Deve descansar agora. — Afastei-me dela, mas meu olhar permaneceu preso ao seu. Lhe dirigi um meio sorriso brincalhão. — Fez um ótimo trabalho, senhorita valquíria. — Uma risada gutural horrível de se ouvir escapou de seus lábios arroxeados. Beijei a mão que segurava entre as minhas e me afastei da humana, permitindo que Sigyn assumisse o trabalho de confortá-la.

{...}

O rosto de Katherine estava mais calmo e sereno enquanto ela dormia. Sigyn havia se certificado de acalmar sua amiga até que ela dormisse. Sua aparência estava melhorando, pelo menos. Estava ficando mais corada a cada minuto. Ela ainda estava suja, porém, logo a ruiva a ajudaria a se lavar. Chegamos a um acordo de que Katherine precisava descansar mais um pouco antes que sequer ousássemos levantá-la daquela cama. Seu corpo ainda estava fraco demais.

Eu permaneci no quarto, sustentando o escudo invisível caso a batalha ainda não houvesse terminado de fato. Apenas um tolo daria por garantida uma cerimônia como aquela sem se certificar da saúde do receptáculo em seguida. A deusa da fidelidade estava mais uma vez fazendo seu papel de Sage, mas logo retornaria. Olhei pela janela da porta do quarto, franzindo levemente o cenho. Aquele humano era insistente, de fato. Me levantei da poltrona e abri a porta, examinando o figurino de Henry dos pés à cabeça. Ele estava usando um óculos de armação grossa e dourada, roupas sociais por baixo do jaleco branco, com um pequeno crachá cinza escrito “DR. STEVENS” em letras pretas. Segurava uma prancheta em suas mãos, com alguns papéis presos a ela. Seus olhos azuis se voltaram para mim:

— Congelei as câmeras neste andar. Sou praticamente um fantasma, assim como vocês. — Ele indicou a porta com a ponta do nariz. — Me deixe vê-la.

Dei espaço para que ele entrasse no quarto. Ele se aproximou da cama, como eu, não se importou com o estado de Katherine antes de segurar sua mão. Ela se moveu lentamente, suas pálpebras estavam pesadas quando registrou o rosto de Henry. As pupilas de Henry aumentaram de tamanho. Katherine sorriu fracamente para ele:

— Você está completamente ridículo. — A rouquidão de sua voz era muito acentuada. Ele deu de ombros e fez uma careta, em seguida ergueu a mão de Kate como se para beijá-la, porém, a mordeu ao invés disso. Uma risada saiu da boca da menina, ela puxou a mão e bateu fracamente no peito de Wright com a outra. — Idiota! — Ele riu um pouco em seguida. Voltei a me sentar na poltrona, deixando-os terem seu momento de privacidade.

— E aí, como você se sente, Samara? — Os olhos dela se estreitaram para ele, ela ergueu uma mão levemente trêmula para mostrar-lhe o dedo do meio. Ele lhe dirigiu um enorme sorriso. — Fico feliz em saber que o demônio não acabou com o seu jeitinho especial e delicado feito coice de mula. — Uma risada curta e rouca escapou dela. Henry pegou algo de dentro do jaleco e colocou dentro da mão de Katherine, mal cabia em sua palma. Ela observou o objeto, em seguida ergueu uma sobrancelha para o moreno. — Abra.

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Katherine respirou fundo, em seguida franziu levemente o cenho para a caixa de couro marrom escura que estava em suas mãos. Segurando firmemente, abriu a pequena caixinha. Um amplo sorriso se abriu em seus lábios, seus olhos brilharam ao reconhecer do que aquilo se tratava. Ela passou a girar a caixinha aberta entre os dedos, para todas as direções.

— Uma bússola que não aponta para o Norte. — Murmurou ela, com admiração.

— Correção: uma bússola que aponta para o que você realmente deseja. — Ela voltou a girar a bússola nas mãos, fascinada. Depois, parou de girar. O sorriso se desfez de seu rosto quando ela olhou para o ponteiro, corando em seguida. Depois, fechou o objeto e entregou ao Henry.

— Guarde para me presentear quando eu sair daqui, por favor. É um presente adorável, muito obrigada. — Sigyn surgiu na porta do quarto um momento depois, abrindo rapidamente, como um furacão de madeixas ruivas:

— Os dois, podem dar o fora daqui. Já que a Kate acordou, está na hora de deixá-la apresentável. Os pais dela estão vindo. — Henry colocou a bússola de volta no bolso. Katherine sorriu e acenou com divertimento enquanto nós dois seguíamos até a porta do quarto:

— Até mais, fracassados.

— Até mais, sua imbecil. — Cantarolou Henry, em seguida ele fechou a porta. O moreno se virou para mim, avaliou meu rosto por alguns segundos e em seguida estendeu a mão para um cumprimento. — Muito obrigado por tê-la ajudado. — Observei sua mão com meu cenho franzido e voltei a olhar em seus olhos:

— Não me agradeça. — Ergui o queixo, colocando minhas mãos nos bolsos. O humano abaixou a mão e a colocou no bolso do jaleco. — Não fiz por nenhum de vocês. — O moreno deu de ombros e ajeitou o óculos em seu rosto.

— Se precisar de alguma coisa ou se elas precisarem, sabe onde me encontrar. — Ele deu as costas para mim e passou a se afastar, assobiando o tango “La Cumparsita”, caminhando pelo corredor até as escadas de incêndio. Apenas dois segundos lendo seus pensamentos foram suficientes para decifrar que a fachada calma e brincalhona escondia sua sede de vingança. Henry estava obstinado a encontrar quem quer que houvesse colocado aquela bomba em seu carro.

Respirei fundo, verifiquei uma última vez se Katherine ficaria bem sozinha e em seguida me teletransportei para o banheiro masculino no andar em que todos estavam esperando. Saí do banheiro e fui até John, perguntando sobre notícias de Katherine. Ele balançou a cabeça em negativa. Mikhail e Anya haviam chegado, segurando bichos de pelúcia em suas mãos. Elise estava conversando com seus amigos, Sarah, mãe de Lucas, também havia chegado. Ela estava questionando o médico, já que compreendia melhor por ser enfermeira.

Me sentei em uma das cadeiras, a mim, só restava esperar e fingir estar preocupado.

{Katherine Adams Kohls}

Meu corpo estava leve, mas debilitado, e eu odiava aquilo. Tive que me apoiar em Sigyn para me levantar e ela praticamente me carregou até o banheiro. Ela me ajudou a me lavar enquanto eu me apoiava na barra horizontal de metal da parede, usada por pessoas com deficiência. Eu não conseguia parar de tremer, não conseguia controlar os tremores. Falar doía, e muito; Sigyn foi gentil ao perceber isso rapidamente. Ela passou a só me fazer perguntas de sim ou não. Ela foi gentil ao lavar meu cabelo, ao secá-lo com cuidado e paciência, enquanto cantarolava uma música em uma língua antiga. Nenhuma vez desafinou, por sinal.

Ao final de todo seu cuidado e paciência para comigo, eu estava usando uma camisola de hospital limpa, com o cabelo impecavelmente lindo, ondulado e brilhante. Ela me entregou um copo de água. Quando observei o líquido, havia um leve brilho azulado vindo dele. Ela sorriu para mim:

— Vai curar suas cordas vocais. — Ela acariciou minha bochecha de forma protetora. — Sinto muito por ter sido tão brutal. De verdade.

— Tudo bem. Você me salvou. — Murmurei, não me importando com a sensação de cacos de vidro enfiados em meu pescoço. Bebi alguns goles da água. Tinha gosto de água com açúcar. E vinagre. Não consegui evitar de fazer uma careta e estremecer. Ela riu de leve.

— Beba de uma vez. — Tampei o nariz com meu indicador e polegar da mão esquerda e virei o copinho com a direita, sorvendo o líquido rapidamente.

— Magia tem sempre um gosto tão ruim? — Me queixei, salivando como um bebê babão. Minha voz não soava tão diferente, mas a dor estava passando.

— Você tem sorte de ser uma cura simples e natural, já que usamos o elemento água. Se fosse magia sanguínea, o gosto seria ainda pior, acredite. — Franzi o cenho para ela. Ela colocou mais água no copo e estendeu para mim. — Aqui, beba. Somente água agora. — Bebi o copo de água e me ajeitei nos travesseiros do hospital, respirando fundo. Meus tremores estavam diminuindo, agora só os sentia dentro do corpo. Ela colocou o copo na mesa ao lado da cama.

— Muito obrigada por cuidar de mim, Sigyn. Nem acredito que minha ideia deu certo. — Ela segurou minhas mãos entre as suas.

— Quando Loki me pediu o que pediu... Não pude recusar. Jamais permitiria que você partisse, não sem antes tentar ajudá-la, Kate. — Respirei fundo, sentia a exaustão de meu corpo tomando conta de mim. O banho havia me relaxado um pouco, também. Bocejei, me espreguiçando. A ruiva puxou o cobertor até cobrir meus ombros e apertou o botão do controle, a cama começou a baixar. — Descanse o quanto quiser. Quando acordar, se sentirá melhor. Henry não virá incomodá-la novamente. — Sigyn colocou um copo cheio de água um pouco mais perto da cama, em seguida, ligou a televisão e deixou em um canal de clipes de música, o volume baixo. Ela me entregou um celular touchscreen novinho em folha. De última geração. Franzi o cenho para ela. — Não conseguimos salvar seu celular. Henry tem dezenas desses aparelhos e milhares de chips pré-pagos, então fez questão de te dar um de presente. Coloquei meu número, de Henry, Loki, Hunne, Lonyr e de toda sua família também. Qualquer coisa, e eu quero dizer qualquer coisa mesmo, não hesite em me ligar ou mandar uma mensagem.

— É proibido o uso de celular dentro de hospitais, principalmente aqui dentro do quarto.

— Não é não, quando eles não estão olhando. — Ela me deu uma piscadinha marota. — Esconda nos travesseiros e não deixe que faça barulho. Vai ficar tudo bem. — Coloquei o celular no silencioso e o escondi debaixo do travesseiro.

— Muito obrigada. — Ela afagou meu braço:

— Não precisa agradecer. Foi o mínimo que Henry deveria fazer depois do estado em que o erro dele te deixou. Ele provavelmente vai passar a vida tentando reparar o que te aconteceu por culpa dele. — Ela deu de ombros. — Enfim, descanse e se hidrate. Logo, seus pais estarão aqui. Precisa estar com uma boa aparência para não acabar com os nervos de Elise. — Eu ri de leve. Sigyn seguiu até a porta e apagou as luzes, deixando apenas as luzes de emergência ligadas. — Bons sonhos, Branca de Neve.

— Até mais tarde, Pequena Sereia. — Meus olhos pesados se fecharam, meu corpo finalmente se permitiu relaxar. Minha respiração se estabilizou, meu ritmo cardíaco também. Eu me sentia leve fisicamente, mas mentalmente... Ainda havia muito a se fazer. De uma forma ou de outra, fui embalada pelo som de música pop da televisão do hospital a um sono sem sonhos.

{...}

Se sentar em uma cadeira de rodas sem de fato precisar de uma é uma sensação um tanto quanto estranha. Principalmente porque seu cérebro fica repetindo o quanto você não devia estar fazendo isso porque tem gente que pode estar precisando da cadeira de rodas bem mais do que você. Porém, como foi o tio Nick que insistiu tanto para me colocarem ali, eu não poderia levantar nem se quisesse. Minha mãe havia me ajudado a trocar de roupa, me trouxe um vestido de tule roxo escuro que ia até os meus joelhos e sapatilhas pretas de verniz. Anya e Mik me deram ursinhos de pelúcia e Pietro me presenteou com um buquê de flores.

Sage me trouxe um saco de papel marrom com alguns doces dentro para que eu me sentisse melhor. Henry sumira, mas havia deixado a bússola com Lucas para que ele entregasse o presente. No fundo, eu sabia qual fora a intenção dele. Com Henry ausente, eu teria que falar com Luke, mesmo que não quisesse. E ele teria que falar comigo para entregar a bússola, mesmo se não quisesse. Meu pai empurrou a cadeira de rodas até o pequeno jardim do hospital, onde todos estavam esperando. Enquanto todos estavam começando a levantar, Pietro surgiu à minha frente, agachando para ficar da altura da cadeira. Ele devia estar nervoso para usar seus poderes dessa forma. Seus olhos claros esquadrinharam meu rosto:

— Como está se sentindo? — Sorri para ele:

— Estou melhor, obrigada. E obrigada pelas flores, também. São lindas... Bruce? — Franzi o cenho, surpresa por encontrá-lo ali. O doutor se aproximou, me avaliando discretamente:

— Fico feliz que esteja bem, Kate. — Disse ele. Murmurei, ciente de que estava com as bochechas coradas:

— Não precisavam vir até aqui, vocês sabem.

— Estávamos preocupados com você. — Afirmou Pietro. Lhe dirigi um sorriso pequeno, engolindo a culpa que às vezes surgia dentro de mim. Não era a hora certa de ficar analisando minha vida amorosa. Provavelmente, nem mesmo em um futuro próximo eu faria isso.

— Estamos investigando a possibilidade de você ter sido atacada devido à exposição da mídia. — Respirei fundo, incerta de como reagir. O doutor se adiantou, falando para John. — Sua filha está segura a partir de agora. Ficaremos sempre por perto. — Minha mãe o analisou com seu olhar penetrante capaz de fazer um gato congelar de medo. De verdade, ela sempre lançava esse olhar quando Loki rasgava as cortinas de casa. Ele quase tinha um treco cada vez que ela fazia isso. Lucas estava o mais longe possível, com as mãos nos bolsos da calça jeans, me olhando apenas de soslaio. Senti a urgência de acertar as coisas entre nós tomar conta de mim. Não aguentava mais toda essa situação, e eu já tinha dado espaço a ele para sentir raiva de mim, já que não queria desrespeitar seus sentimentos. Estava na hora de pedir desculpas.

— Eu queria falar com o Luke, se vocês não se importarem, por favor. A sós. — Minha voz foi tão cortante e irredutível que aqueles que estavam conversando entre si até pararam e olharam para mim. Sorri de canto para todos eles, colocando minha máscara de garotinha gentil e debilitada. — Serão apenas alguns minutos, prometo. — Quando todos começaram a sair do jardim, sorri gentilmente para eles. — Muito obrigada. — Minha mãe foi a última a sair, soltando um “Se vocês se matarem, vou algemá-los juntos até que façam as pazes de novo” antes de bater a porta transparente.

Lucas estava mortalmente quieto, com as mãos nos bolsos. Sua fachada de indiferença me machucava bem mais do que quando ele demonstrava ódio. Eu sabia que conseguia andar, mas estava lenta e precisava de muita concentração. Meus joelhos pareciam não se lembrar bem do meu peso, meus pés estavam ainda mais descoordenados do que o de costume. Eu sabia de tudo isso, mas não hesitei. Em uma explosão de energia e adrenalina, me pus de pé e corri até o loiro. Ele arregalou os olhos quando previu o que aconteceria e abriu os braços, correndo até mim. A sapatilha me fez escorregar em um ladrilho perto da fonte que estava coberto de musgo. Quando comecei a gritar por estar prestes a cair, Luke segurou meus antebraços e me puxou para cima.

— Tá louca, Kate?! — Ele me olhou dos pés à cabeça, se certificando de que eu não havia me ferido. — Quer ficar mais tempo ainda internada no hospital?! Se for isso, eu falo com os médicos e te deixo aqui. — Sorri minimamente para ele. Luke soltou meus braços e me coloquei de pé, o mais ereta que consegui. Ele torceu o nariz, tirou a bússola do bolso do casaco e estendeu para mim. — Henry não pôde ficar e deixou isso para você. — Segurei a bússola entre as mãos e abri a caixinha, analisando como havia feito no quarto, com um sorriso no rosto. Depois a fechei e fiquei segurando-a com a mão esquerda, já que não estava usando casaco ou calça. Nenhum bolso para guardar.

— Devo lembrar de agradecê-lo quando o vir, então. — Voltei a olhar para Luke. — Muito obrigada. — Ele estava meio desconfortável, com as mãos de volta aos bolsos e evitando me olhar nos olhos. Ficamos em silêncio por alguns segundos, até que ele começou:

— Sobre o treinamento... — O interrompi:

— Eu sinto muito pelo que aconteceu lá. Não foi minha intenção e...

— Sage me contou tudo. — Me calei. — Ela me contou sobre a Kitty, sobre o que ela fazia com você. Eu... Não achei que fosse algo grave, achei que era só um nome que você deu a uma garota que aparecia em seus pesadelos. — Meu olhar estava fixo nele, eu estudava suas expressões faciais. Meus instintos me diziam que Luke estava dizendo a verdade. Ele não sabia a extensão do poder que Kitty tinha sobre mim.

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— É como se tivesse outra pessoa dentro da minha cabeça. — Expliquei, e ele assentiu, prestando atenção.

— Eu não faço ideia de como você se sente. — Confessou, depois colocou uma mão em meu ombro. Seu tom de voz era gentil. — Isso não significa que não vou tentar entender. Ou ajudar. Era para estarmos juntos nessa, não era? Eu não deveria fugir por você só porque tentou me matar. — Franzi o cenho, torcendo o nariz:

— Sinceramente, era exatamente isso que eu faria. Você fez a coisa certa em me evitar por um tempo. — Ele deu de ombros:

— Como você pode ver, não tenho um bom instinto de autopreservação já que estou aqui. Não sou tão inteligente quanto pensava, eu acho.

— Então... Vamos recomeçar? — Ele fez uma careta:

Não, recomeçar uma amizade inteira dá muito trabalho. Prefiro só acreditar que você não vai tentar me matar de novo, pode ser? — Lhe dirigi um sorriso e estendi a mão que não segurava a bússola:

— Estamos acertados, então, Luke. — Apertamos as mãos, um grande sorriso estava em seu rosto:

— Estamos acertados, então. — Quando estava prestes a soltar sua mão, ele algemou a que estava segurando no aperto e o outro lado se uniu a seu próprio pulso. Arregalei os olhos e olhei para seu rosto, um sorriso vingativo tomou conta de seus lábios.

— Achou mesmo que conseguiria se livrar de mim, coisinha insignificante e patética? — Eu queria gritar, mas estava chocada. Kitty... Não estava em mim. Aquilo... Era real? Era uma invenção da minha cabeça? Dois segundos depois, me dei conta de que Luke estava me puxando e me carregando para longe das portas do jardim, me guiando até a sombra da árvore. Eu sentia os tentáculos de sombra me puxando para ele, um havia se materializado em uma mordaça em minha boca. Lutar seria inútil. Chorar seria inútil. A sombra da parede do muro se tornou areia movediça preta, eu sabia que aquilo era um portal. Sem alternativa e sem esperanças de alguém estar vendo aquilo, joguei a bússola na grama um segundo antes de entrar pelo portal de sombras criado por Kitty.