Let it be

Minha beleza incandescente


A professora começou a entregar os jornais da escola. Eu estava ansiosa. Como sempre, ninguém lia, e as folhas viravam aviãozinhos. Recebi meu exemplar. Na capa havia a foto de uma excursão que as turmas dos anos iniciais da escola haviam feito. A matéria da anãzinha estava no meio do jornal-revista, e duas fotos que ela tinha tirado de mim ilustravam a entrevista. Eu estava maravilhosa, é claro. Na manchete estava escrito “Alice, aluna do colégio, fala sobre sua rotina de estudos e sua vida.”. Ai, que chique. Ela havia editado minhas respostas e sequer incluiu os duendes. Mas, eu seria modelo. Aquele era só o primeiro passo. Encontrei a sardenta no recreio, e sentei com ela na mesa da cantina.

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– Gostei da matéria. Quer dizer, foi cruel da sua parte não ter incluído meus bebês, mas eu estava completamente fabulosa nas fotos.

– É. Eu sou uma ótima fotografa.

– Há, por favor. Eu que sou uma ótima modelo.

– É claro – ela retrucou, revirando os olhos – Eu vou nessa.

– Vai para onde? – perguntei, mas a Martha já estava do outro lado do universo, conversando com outras anãzinhas. A Mel estava com a Athena de cabelo azul. Por falar nela, o que será que ela estava conversando com o Jake naquele dia? Não vou com a cara da Athena desde sempre. Aquele cabelo dela é tão démodé. Meu celular vibrou no meu bolso, e era o próprio dragão ocidental. Perseguição.

– E aí? – ele disse.

– E aí. – respondi, com a resposta genérica dos “e aí?”.

– Você vai sair essa tarde?

– Não, eu acho. O que é?

– Se você puder vir aqui em casa deixar o material que os professores passaram, eu ficaria muito, muito grato.

– Eu já disse que sua gratidão não me vale de nada. E eu não sei se eu posso. Talvez o motorista da besta escolar possa me deixar na sua casa, mas aí eu terei que conversar com ele. Eu te ligo no final da aula.

– Obrigado. Sério, All. Eu te devo uma.

– Ah, por favor. Você está me devendo duzentas, isso sim.

– Até mais. Aí eu te passo meu endereço, legal?

– Legal. Ei, espera! Se você não faltou à aula para dar voltas de moto pela cidade, então está doente?

– Não. Eu meio que me machuquei... Explico quando você estiver aqui.

– Nada de doenças contagiosas?

– Nada de doenças contagiosas.

– Então ta. Tchau. – respondi, e desliguei.

Certo. Eu acabei de fazer outra boa ação. Acho que estou precisando de um psicólogo. Continuei o dia ouvindo músicas de uma banda fofinha e tentando prestar atenção nas aulas. Sexta feira nós saímos da escola mais cedo, porque é dia de educação física. E é claro que eu me recuso totalmente a participar de joguinhos de queimada ou vôlei. O Vinicius também chega mais cedo, e ele já estava no portão quando apareci lá.

– Oi, queridinho. Perdão pelo atraso.

– O que você quer Alice? – ele perguntou, como se eu fosse carinhosa só quando quero alguma coisa. Uma acusação terrível, vale dizer.

– Como? Awn, Vini, eu só estava tentando ser uma pessoa mais simpática.

– Vou adiantando o seu não.

– O que? Ei! Eu só quero que você me deixe em outro lugar.

– Seus pais não me falaram nada sobre isso.

– É, eu sei, mas...

– Vamos logo.

– Espera aí, desgraçado. Se você não me levar até onde eu quero, vou de ônibus. – eu disse, cruzando os braços e fazendo cara de mau. Esperava mesmo que funcionasse.

– Então boa sorte.

Ele respondeu, saindo da escola. Ok. Sem problemas. Andar de ônibus não vai me matar. Talvez, se o ônibus pegar fogo ou for assaltado, mas fora esses riscos, está tudo bem. Além do mais, tratarei de falar sobre isso com a mamãe. Se eu tivesse um motorista particular ele com certeza me levaria para qualquer lugar que eu quisesse. Humf. Fui andando até a parada de ônibus, decidida. Espera. Qual é o caminho mesmo? Resolvi ligar para o Jake, precisaria do endereço, afinal.

– Oi de novo. – eu disse.

– Bom dia.

– Endereço. – pedi, e ele me deu as coordenadas do local. Perguntei qual ônibus deveria pegar para chegar lá, e ele indicou. Eu não tinha dinheiro suficiente para pegar um táxi, é claro. Portanto tive que esperar um tempão pelo ônibus, que ainda por cima estava lotado. No que eu me meti? Consegui um local vago, ao menos.

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Resolvi escutar música para passar o tempo, quando vi que o admirador secreto havia respondido minha mensagem. Ele dizia que o seu passatempo favorito era jogar minecraft, e eu fiquei tipo, oi? Ok, minecraft pode ser legal. Mas é meio... Esquisito. Ah, que seja. É claro que fiquei chateada com o fato de ele demorar um século para responder e nem pedir desculpas, mas eu fui gentil e respondi com um “oh, interessante. Estou pegando um ônibus para o fim do mundo agora. E você?”. Dez minutos depois veio uma mini resposta. Sério.

“Ah. Estou jogando Xbox.”

“Maneiro.”, foi o que eu disse. Sabe, é bem divertido ter um admirador secreto e tals, mas aquele ali estava se saindo mais para um cara irritante do que interessante. O ônibus parou em uma rua nada movimentada, e aí eu me dei conta de que simplesmente não sabia onde eu deveria descer. Pensei em ligar para o Jake de novo, só que o lindo do meu celular descarregou bem no instante em que eu digitei o primeiro número. Porém é obvio que eu não estava perdida. Não. Definitivamente não. Eu só estava sozinha, vagando pela cidade em um ônibus, com aproximadamente dois reais na minha mochila e com o celular descarregado. Ah, droga. Um ruivo barbudo estava sentado no banco atrás de mim (a Samantha, minha mochila, ficou no banco ao meu lado, para evitar companhia de seres humanos desagradáveis) e eu me virei para ele, de joelhos no meu assento.

– Ei, cara. Adorei a sua barba! Você... Me emprestaria seu celular ou vinte reais?

– O que? – ele perguntou. Revirei os olhos. Minha paciência estava completamente esgotada.

– Ce-lu-lar! Emprestar para mim, por favor?

– Não posso. Essa é minha parada. – ele disse, meio que pulando do banco. Não entendo como alguém tão meiga como eu assuste pessoas. Deve ser minha beleza incandescente. Resolvi engatar uma conversa com uma garota de cabelos pretos ondulados. Ela parecia mais amigável. Entre solavancos caminhei até onde ela estava e sentei ao lado dela no banco vazio, com a Sam no meu colo.

– Olá. – eu disse.

– Oi. – ela respondeu.

– Sou a Alice.

–Ah, bacana. Meu nome é Martha.

– Hey, eu conheço uma Martha! Ela é sardenta e baixinha.

– Legal.

– É. Sabe, eu tenho um amigo chamado Jake, dragão ocidental, e aí ele disse “ei, vem aqui me fazer uma visita”, tipo isso, aí eu disse “vou falar com o Vinicius”, que é o motorista da besta escolar, aí o Vinicius disse “há, sai dessa, loirinha” e aí eu disse “vou de ônibus” e aí eu to aqui, meu celular descarregou, e, ei, meu admirador secreto gosta de minecraft, e eu meio que estou perdida, e aí teve aquele barba ruiva que me negou um favor, e aí eu pensei “ei, essa garota ali parece legal” e eu queria... – parei para respirar – Você me poderia me emprestar seu celular?

– Sim, eu acho.

– Muito obrigada! – agradeci, pegando o aparelho (que não era um iphone, mas dava pro gasto) e ligando para um dos únicos telefones que sei decorado, o da minha casa. Jake que se dane, ele que me meteu nessa furada. Ninguém atendeu. Então tentei ligar para a Mel.

– Melissa, sua diva! Ai, graças aos duendes! Preciso de ajuda! É urgente.

– Oi, All. Algum problema? Ah, pergunta idiota, eu sei. Muitos problemas.

– É, exatamente! Eu estou perdida. Literalmente.

– Como?

– Onde estamos? – perguntei para a Martha. Ela respondeu que a próxima parada era um shopping pequeninho no centro da cidade. – Mel, você ainda está aí?

– Presente.

– Chama o seu motorista. – disse o nome do shopping e desliguei. Pronto, resolvido. Olha só, sou uma pessoa que sabe resolver muito bem os próprios problemas. Então, dei tchauzinho para a Martha número dois, desci no shopping e esperei a Mel. Ela não demorou muito para chegar. Entrei naquele carro que não era uma BMW e respondi a pergunta da Melissa sobre eu estar andando de ônibus e principalmente, sem rumo.

– Pelo que pode ver, eu não estava sem rumo, eu tinha um objetivo. – conclui, depois de explicar toda a história do Vinicius me abandonar na escola e do Jake.

– E que objetivo, hein? Ai, isso é tão fofo! Você está perdida de amores pelo Jake!

– Há-há.

– Podemos ir lá agora, ué. Você se lembra do endereço?

– É, eu acho. Mais ou menos. Mas...

– Vamos!

– Ah, não, sem essa. Eu preciso no mínimo almoçar antes.

– Podemos almoçar por aí agora, e depois vamos. Boa ideia. Vai ser divertido. – ela disse, com um sorriso muito assustador.