Eu perdi a luz do dia e o sol

É doloroso quando tudo te abandonou ¹

Os pássaros revoavam naquela manhã. O trinar deles, mesmo sendo fraco, ficava alto considerando o grande número de aves. Alto o suficiente para fazer a garota despertar.

Antes mesmo de abrir os olhos, ela se pôs sentada na cama, se espreguiçando. Com um bocejo, que se transformou na fumaça característica de quando a temperatura esfria, embora o dia fosse de sol, a garota abriu os olhos. Caminhou até a janela, observando o dia e a cidade despontando. Sorriu. Por mais que já tivesse voltado há algum tempo, nunca deixava de pensar: É bom estar de volta.

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Logo saiu da janela e foi para o banheiro. Tomou um banho frio, como de costume, e saiu do banheiro penteando seu longo cabelo de tom azul quase negro. Antes de fazer seu penteado habitual, uma trança, Tabitah foi se vestir. Colocou uma blusa branca, um short azul-escuro e amarrou um casaco preto na cintura. Depois de arrumar seu cabelo e tomar seu café da manhã, decidiu sair para uma caminhada.

Já fazia mais de um ano que regressara a Radiant Garden. Era bom ver aquele mundo, ao qual chamava de lar, reconstruído. E ficou bem feliz vendo, na época de reconstrução, que pessoas de outros mundos ajudaram na concretização disso. Algumas até decidiram se mudar permanentemente. Enquanto lembrava-se disso, encontrou um dos exemplos do que acabara de pensar. Evey, uma garota de 16 anos, mesma idade que seu irmão. Ela mantinha seus cabelos dourados como raios de sol presos em maria-chiquinha, e seus olhos eram violetas. Vestia uma delicada blusa branca, uma bermuda cinza-clara e sapatilhas da cor de seus olhos. Era alguém doce e de sorriso fácil, e geralmente Will estava perto dela, como naquele momento. O garoto, que vestia uma jaqueta jeans negra por cima da camiseta de um tom mais claro e uma calça cinza-clara, da mesma cor que seu par de tênis, nem percebeu o olhar da irmã sobre si. Ficava a maior parte do tempo na companhia da garota, e Tabitah começava a desconfiar que ele sentia algo mais por ela.

Estava feliz por seu irmão se envolvendo com Evey, inegável esse fato, principalmente por saber o quão introspectivo ele era. Porém, começava a se sentir sozinha. As pessoas com quem convivia a admiravam, fosse como guerreira ou como pessoa, mas não tinha amigos de verdade. Quem realmente conversava era Will. Agora, com ele ficando mais tempo com sua ‘amiga’, sentia que estava perdendo quem conversava. Um suspiro leve escapou enquanto se deixava levar por esses pensamentos. Continuou caminhando, tentando em vão espantá-los.

Acabou saindo da cidade, seguindo pela trilha rochosa. Seus pés a levaram sem rumo, como se aproveitassem o estado desligado da garota. Ao chegar à planície após a fissura de cristal, percebeu uma pequena cratera. Despertando de seu ‘transe’, correu até lá. Parou abruptamente ao ver a causa da deformação no terreno, abismada. No centro da cratera, machucado e inconsciente, estava um pequeno dragão.

Ajoelhou-se ao lado dele, ainda sem acreditar no que via. Colocou a mão suavemente sobre suas brilhantes escamas roxas, tanto para assegurar-se de que não era uma ilusão quanto para verificar se estava vivo. Conseguiu sentir o sutil movimento de subida e descida da caixa torácica, fazendo-a soltar o ar que estivera preso desde que olhara para o pequeno. Murmurou uma magia de cura para que os cortes e machucados fossem curados. Como ele ainda continuou inconsciente, resolveu tirá-lo dali. Pegou-o no colo, agradecendo mentalmente por ele não ser tão pesado quanto pensava e por ser ainda pequeno, e levou-o para casa.


Como pensara, Will ainda estava ausente. Preferiu assim, pois não estava a fim de falar sobre algo que mal sabia. O pensamento de ter um amigo só seu como vingança por Evey lhe passou pela cabeça, mas ignorou-o. Com todo o cuidado, colocou o dragão em sua cama. Sentando-se ao lado dele, deixou que as perguntas invadissem sua mente. O que um dragão estaria fazendo em Radiant Garden? Quem era ele? Deveria falar para as outras pessoas? Ou será que deveria manter segredo? Aquele ser, pequeno e de aparência indefesa, poderia ser um perigo? Quando ele acordaria para que tentasse conseguir parte dessas respostas?

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Enquanto ele ainda continuava desacordado, tentou se lembrar o máximo possível do que sabia sobre dragões. Eram seres mitológicos, de grande força e poder mágico. Alguns consideravam ser uma lenda, porém sabia que não. Na época da reconstrução de seu mundo, Lukas, um dos que tinham vindo ajudar, comentou sobre um mundo de dragões. O que ele dissera confirmava o que sabia, mas não ajudava muito agora. O pequeno ao seu lado provavelmente era desse mundo, mas como acabara caindo nesse?

As horas se arrastavam sem que tivesse um minuto de paz sequer. Já estava começando a ficar preocupada com o tempo de inconsciência dele, a ponto de decidir-se por chamar alguém, tentar achar ajuda, quando percebeu que ele começava a se movimentar. As asas ameaçaram abrir enquanto suas pálpebras se erguiam, deixando visíveis as reluzentes orbes amarelas.

Assim que viu isso, Tabitah levantou-se da cama em um pulo e colocou-se em guarda, invocando sua lâmina de gelo no instante seguinte. O pequeno, amedrontado, recuou em posição de defesa, encarando-a com uma expressão assustada.

–Quem é você? Onde estou? – perguntou, com leve aflição na voz

–Responda você primeiro. – replicou a feiticeira, apontado a espada para ele – Quem é você, e o que faz aqui?

O dragão ainda parecia assustado, porém recompôs-se e sentou-se na cama.

–Meu nome é Kusachi. – respondeu ele – Não sei exatamente onde é ‘aqui’, então não posso te responder.

–Então diga como acabou caindo nesse mundo. – rebateu Tabitah, um pouco menos temerosa de que ele era um perigo

–Já faz alguns dias, eu comecei a ver... – ele parecia hesitante em sua explicação – Como posso dizer? Algo parecido com fendas no céu. Então, decidi averiguar o que eram. Não sei se pela altura elevada ou se foi pela troca de lugar, mas eu desmaiei assim que passei por ela. E agora estou aqui. Poderia parar de me ameaçar, então?

Tabitah abaixou sua arma, em seguida desmaterializando-a. A explicação dele era plausível, então iria aceitá-la por hora, embora ainda estivesse meio desconfiada devido aquele olhar amarelo. Estava a ponto de perguntar mais alguma coisa, mas ouviu o barulho de porta se abrindo. Will tinha chegado a casa. Ainda em dúvida entre manter Kusachi em segredo ou não, acabou por optar pela primeira opção, mandando-o se esconder. O pequeno rapidamente foi para debaixo da cama, escondendo-se encolhido em um canto. O garoto não demorou muito para chegar ao quarto da irmã.

–Olá, Tabitah. – ele cumprimentou-a, mas parou ao perceber a mudança térmica entre o corredor e o quarto – Você conjurou algum feitiço ou sua espada?

–E por que faria isso? – replicou ela, reclamando mentalmente pelo irmão ser tão sensível à mudança térmica que ela causava ao usar sua arma

–Verdade, eu que devo estar enlouquecendo... – riu o garoto

–Enlouquecendo pela Evey, né? – Tabitah não resistiu a provocá-lo

O moreno corou automaticamente ao ouvir a pergunta. Nem tentou responder algo, pois sabia que sua voz começaria a gaguejar, então se limitou a sair do quarto com uma rápida despedida. Assim que ele entrou em seu próprio quarto, a feiticeira fechou a porta novamente, enquanto via Kusachi sair de seu esconderijo.

–Quem era? – perguntou, curioso

–Meu irmão, Will. – ela respondeu, logo se aproximando dele e se ajoelhando – Ah, aliás, meu nome é Tabitah. Desculpe pelo modo que te tratei, mas, aqui nesse mundo, seres de olhos amarelos não são muito amigáveis.

O pequeno pareceu compreendê-la, e então ela acariciou-o de leve. Depois disso, ele perguntou-lhe mais sobre onde estava, e sobre a própria garota. Ela também fez bastantes perguntas para o dragão, curiosa sobre um ser que transitava entre o real e o imaginário. O diálogo fluiu tranquilamente, talvez motivado pela curiosidade, ou talvez por uma boa relação que parecia ter sido estabelecida. Pelo visto, tinha arranjado o amigo que tanto desejava.