Kandor: as chamas da magia

Capítulo XXVI - Perseguição


Uma ratinha se esgueirava para dentro do corredor de celas do palácio. Qualquer um desejaria sair mas a roedora estava empenhada em fazer justamente o contrário naquela madrugada. Lentamente ela percorreu o corredor onde Daniel e a recém-chegada, uma senhora de nome Samira, se encontravam, farejando o chão minuciosamente como que a procura de algo muito importante.

A pequena visitante tratou de entrar na cela da senhora, que estava próxima a de Daniel. Estava escuro pois as tochas iluminavam pouco o ambiente de forma que nenhum dos dois perceberiam sua presença mesmo acordados. Pouco depois uma névoa negra começou a brotar do chão e lentamente preencheu o ar dentro daquele pequeno espaço. Algo começou a se mover, tomando forma por entre a escuridão e espalhando frio por todo o ambiente. Com certeza aquele não seria um dia normal.

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Algum tempo mais tarde, Daniel despertou mas permaneceu deitado. O dia se arrastaria como os demais naquele lugar isolado, ele pensava, e embora não fosse possível ver a luz, ele sabia que logo amanheceria e não estava ansioso por isto. Duas fracas tochas de luz bruxuleante brincavam de iluminar o corredor de sua cela. Dois dias se passaram desde que aquela estranha mulher chegou até ali para tornar sua vida ainda mais insuportável. Após os interrogatórios que fizeram com ela, Diana enviou um grupo para visitar sua casa. Ela morava sozinha e seus vizinhos estavam um pouco distantes. Não era uma casa que ele gostaria de visitar, era evidente, mas estava curioso para saber quem teria contratado os serviços dela anteriormente. Samira não falava com ele, mas seus olhares sombrios lhe davam medo e poderia jurar que sua risada estranha era capaz de assustar uma tropa de cavalos selvagens. Durante a noite dormia, ou fingia dormir, mal comia o pouco que lhe traziam e sua presença incomodava até quando não era percebida.

— Não estou dormindo se é isso que está pensando.

A conversa repentina o assustou e ele se levantou do chão. A cela do outro lado estava escura e não era possível ver seu interior. Quem teria falado, ele se perguntou, pois a voz era diferente do que ele ouviu no dia do seu julgamento. Uma sensação ruim invadiu seu peito e ele se encolheu ainda mais contra a parede quando ela se aproximou da porta da cela e a abriu como se ninguém a tivesse trancado. A senhora saiu lentamente como uma cobra a admirar sua presa e com um sorriso maléfico e assustador. Daniel sentiu o coração pulsar ainda mais rápido quando imaginou que seria seu fim e ninguém estaria por perto para ajudar. Ela não parecia ser humana e cada passo lhe trazia mais medo. Ele procurou pela cela algo com o que se defender, entretanto um prato era tudo o que tinha.

— Quem é você? – Perguntou quando ela estava quase na porta dele.

— Apenas uma amiga.

A definição de amiga jamais se encaixaria naquela mulher de olhar frio e presença ameaçadora. Lentamente ela pousou a mão na grade e aproximou o rosto como que para vê-lo melhor.

— Está com medo? Parece um rato encurralado.

A outra mão desceu para a fechadura e ele se limitou a ficar calado. Agarrou fortemente o prato que jazia no chão e a observou como que hipnotizado. Ela forçou a fechadura um pouco e Daniel se sobressaltou. A senhora parou e sorriu, divertindo-se com a tormenta e a expectativa que criava na mente dele. Ela tentou novamente abrir a porta e um estalo anunciou que o objetivo foi alcançado. Os dois se encararam esperando por uma reação e o conselheiro reparou que o rosto dela havia se transformado um pouco. Estava mais jovem apesar de sombrio e olhava atentamente para um ponto em seu corpo.

— Sim. Você sabe o que eu quero. Você tem uma delas e podemos fazer um acordo. Me entregue ela e tratarei que sua morte seja rápida e indolor.

Daniel trazia junto a si uma pedra como a de Andreas e não estava disposto a abrir mão dela. Não poderia permitir que chegasse em mãos erradas e estava intrigado pois ninguém sabia que ele a ganhou de Frida, mãe de Diana. Será que ela era capaz de sentir a energia que emanava dela? A mulher fez menção de abrir a porta e entrar mas Daniel se moveu como um raio e com o prato bateu com força nas mãos dela, fazendo barulho ao acertar a grade também. Ela soltou um grito estranho que em nada se parecia com o de uma pessoa e recuou. O conselheiro abriu a cela e tirou uma adaga de sua bota, que Diana lhe deu durante a visita, e desferiu um golpe contra o abdômen da prisioneira, mas sem sucesso pois ela se esquivou a tempo. Daniel pegou uma das tochas e a ameaçou, sorrindo ao reparar o quão assustada a mulher ficou.

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— O que está acontecendo aqui?

Um dos guardas vociferou ao entrar e logo dois de seus companheiros também se aproximaram. Ela não se intimidou e mostrou suas mãos de onde surgiram longas garras, deixando-os pasmos. A mente de Daniel estava em turbilhão e ele viu a oportunidade perfeita para sair dali e buscar ajuda da Imperatriz. Ele lançou a tocha no chão fazendo uma nuvem de faíscas subir, atingindo a mulher e fazendo-a gritar com o toque delas em sua pele. Dois dos guardas estavam parados sem saber o que fazer e o terceiro segurava a espada em posição de luta, porém atordoado pela visão, de forma que não se moveria. No mesmo instante, Carlos, responsável pelos prisioneiros e líder deles naquele turno, descia as escadas para ver o que acontecia. Na confusão, Daniel empurrou dois homens contra ele, ainda na porta de entrada da masmorra, lançando-os ao chão e pegando a espada de um deles, para depois fugir velozmente pelas escadas.

O sol não tinha nascido ainda, mas não tardaria pois já começava a clarear. No primeiro andar reinavam o silêncio e a paz. A troca de guarda não tardaria e ele ainda dispunha de algum tempo até que mais pessoas começassem a circular. Entretanto, vindo da masmorra, um barulho chamou sua atenção. A mulher já o perseguia e trazia na mão uma espada de um dos guardas. Estariam mortos? Seria ela capaz de derrotá-los tão rápido? A ideia lhe trazia náuseas e sua vontade era ataca-la ali mesmo, não fosse o fato de detestar lutas e mortes.

Ele precisava sair logo daquele lugar se quisesse ficar vivo e por isso correu em direção ao jardim, pensando em levar ela para o mais distante possível da Imperatriz. Àquela hora Diana provavelmente estaria dormindo e a estranha mulher poderia causar danos a quem estivesse no caminho. No jardim com certeza encontraria a Guarda e eles fariam algo para detê-la, imaginou, mas para sua surpresa, aquele lado estava vazio.

Não havia homens a vista e nada que pudesse ajudar o que era muito estranho. Não podia lutar com uma mulher, mesmo pensando que ela não era uma, e ao mesmo tempo considerava as consequências de perder a vida naquele momento. Internamente essas duas ideias lutavam entre si, enquanto seu instinto de sobrevivência só pedia para ele se afastar o máximo que pudesse. Daniel correu em direção a uma carruagem parada mais a frente, que provavelmente aguardava alguém para sair logo cedo. Os cavalos já estavam em seus lugares e de longe ele via um homem parado na boleia, de costas para ele, concentrado no que fazia. O plano que lhe ocorreu era simples: pegar um cavalo ou a carruagem toda e fugir se o homem não pudesse ajudá-lo. Se ele se opusesse, a visão de sua perseguidora seria o suficiente para convencê-lo.

Olhando para trás ele viu Samira furiosa correr em seu encalço. Era a única a persegui-lo e não havia sinal de que os guardas viriam. Seu coração disparou com a situação e mais ainda quando se juntaram a ela alguns ratos não muito comuns. Eles eram bem maiores do que o normal, de olhos vermelhos e pelo cinza. Apesar do frio, o suor teimava em brotar em sua testa tamanha era a aflição que se abateu sobre ele.

— Preciso dos cavalos! – Daniel gritou subindo na boleia e tentou tomar as rédeas.

— O que está fazendo?! Como saiu da prisão? – Ele se preparou para tirar a espada quanto o outro o interrompeu.

— Não tenho tempo para explicações. Olhe!

O guarda se virou para trás e viu os perseguidores do conselheiro. Uma massa cinzenta se movia pela terra e os vários olhos vermelhos espalhavam o medo. O homem ficou estático, porém manteve as mãos nas rédeas.

— O que é aquilo? – Ele perguntou com a voz quase inaudível. Sua expressão era um misto de terror e incredulidade enquanto Daniel demonstrava uma agitação fora do comum.

— Aquela mulher vai me matar se eu não sair daqui logo e seja lá o que ela for, vai fazer o mesmo com você!

Não foi preciso outro argumento e com habilidade logo a carruagem estava em movimento, ganhando velocidade em direção a um dos portões. Os guardas que estavam no comando dele naquela manhã, recebendo alimentos vindos das plantações próximas, logo perceberam o estranho movimento. Um deles gritou para que eles parassem e sua ordem não foi cumprida. Ele ordenou que fechassem o portão quando viu Daniel, pois não poderia permitir que um prisioneiro fugisse, porém, seus companheiros não se moveram pois perceberam o que estava perseguindo a carruagem. Assim, sem obstáculo algum, o conselheiro se viu na estrada para a área central do reino, embora sua liberdade não lhe parecesse doce ou certa.

Pouco depois que tomaram a estrada, a mulher desapareceu e permaneceram na perseguição apenas os ratos. O guarda estava empenhado em se manter o mais longe possível deles quando percebeu que seria impossível despistá-los. Os ratos avançavam rapidamente e eles não tinham armas para mata-los. Logo atrás deles uma equipe de dez homens já se organizara e começava a descer a cavalo, levando suas armas.

O guarda que ia na boleia percebeu o incômodo dos animais e a sensação de ser observado pesou sobre ele. Enquanto isso, lentamente, o sol que deveria nascer a qualquer momento, parecia ter feito o caminho contrário e se escondido novamente devido a escuridão que aumentava à medida que avançavam. As árvores se ocultaram uma a uma e eles não conseguiram mais ver os guardas do palácio que os seguiam. Os dois ficaram inquietos e pensavam ter sido engolidos pela escuridão.

Em pouco tempo os cavalos seguiram em disparada pela estrada, tentando fugir do que quer que os perseguia. Não respondiam mais ao guarda que, com esforço, se mantinha ainda na boleia. A sensação de frio intenso os envolvia e a escuridão na qual estavam imersos era incomum. Com a velocidade que seguiam poderiam ganhar uma corrida tranquilamente, mesmo puxando a carruagem, que aos solavancos, não resistiria por muito mais tempo.

Uma curva na estrada era praticamente o fim do percurso e logo começariam as casas. Seus habitantes talvez dormissem ou já se preparassem para começar suas atividades cotidianas e ver toda aquela correria os deixaria alarmados. Com tamanha rapidez a carruagem e os homens provavelmente não passariam daquele lugar ilesos. Olhando para Daniel, os dois não precisavam dizer nada como se seus espíritos, muito perturbados com tudo aquilo, já tivessem chegado a uma conclusão sobre sua situação.

Pouco antes da curva, a roda dianteira direita da carruagem se quebrou e ela tombou, sulcando a terra com o pedaço da peça que sobrou e puxando também os cavalos para o chão, em um acidente que poderia ser mortal. Por sorte as cordas que os mantinham atrelados a ela se partiram antes que ela os arrastasse para o fim e eles continuaram sua trajetória em direção ao vilarejo enquanto a madeira se estilhaçava e se arrastava por mais alguns metros, para fora da estrada.

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O barulho dela se espedaçando encheu o ar por alguns segundos até que o silêncio novamente reinou. Uma mulher apareceu enfim próximo a ela e caminhou devagar, analisando o resultado de sua perseguição. Seu olhar estava à procura de Daniel e se o encontrasse teria o seu prêmio ou pelo menos poderia mata-lo. Para sua surpresa não havia ninguém por perto, mesmo tendo procurado por entre a vegetação. Como ele poderia ter ido para longe em tão pouco tempo, se perguntava. Restava a carruagem e com afoito foi em direção a ela.

— Está vazia... – A mulher se aproximou um pouco mais e com um chute, arrancou a porta que pendia quebrada. – Está vazia! – Ela deu a volta e olhou ao redor, sem encontrar ninguém. – Vazia! – Sua raiva a consumia e suas mãos se fecharam de tal forma que as unhas lhe machucavam. – Maldito seja Daniel Baranov!

Seu grito ecoou e com a mesma rapidez com que a escuridão se formou, ela se desfez. Os guardas conseguiram localizar ao longe os destroços da carruagem mas sem saber exatamente o que aconteceu e como todos aqueles roedores desapareceram, a maioria se movia lentamente. Os cavalos que Daniel e o outro guarda levaram não estavam no alcance da visão e Alexandre, que ia à frente do grupo, desceu com dois homens para ver tudo de perto. Pouco a frente um homem tentava apagar as chamas de um incêndio jogando terra por sobre ele em um esforço sem resultados pois a carruagem se consumia em chamas cada vez mais, apesar de seus intentos. Os demais se aproximaram e tentaram ajudar até que o calor se tornou insuportável.

— O que vamos fazer agora? – Um deles perguntou após um silêncio sepulcral.

— Suba com dois homens para o palácio e chame reforços.

Alexandre os orientou com alguma dificuldade. Como explicar toda aquela perseguição e o fim dela para o General? E ainda mais que ninguém impediu um prisioneiro de cruzar os portões? É provável que fosse desligado da Guarda, tal como Fernando, que ferindo o cavalo de um dos companheiros no torneio, também foi acusado de atentar contra a vida de todos os demais no desmoronamento de rochas.

— Mas o conselheiro estava na carruagem e de repente não estava mais... e agora...

— Só nos resta procurá-lo. Pode ter saído a tempo assim como você, Leon. – Ele interrompeu o rapaz e se recusou a admitir que também pensava que Daniel falecera.

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— Você falhou! Eu te dei uma ordem simples: matar o conselheiro e trazer a pedra dele para mim! E o que conseguiu? Nada!

Ela não ousava responder sua senhora e tentava não encarar seus olhos cheios de fúria. Seus companheiros estavam a um canto, temendo serem alvo de alguma magia ou de serem mortos ali mesmo. A jovem parou bem em frente a ela, olhando-a nos olhos

— O que tem a me dizer?

— Eu não tornarei a falhar. – Respondeu tremendo e com esforço para articular as palavras.

— Com certeza não vai.

Atingindo a mulher com um raio se afastou um pouco para assisti-la cair no chão. Seu corpo se contorceu um pouco até se transformar em uma rata, mas quando o processo terminou, já estava sem vida. Um dos corvos a atacou ali mesmo em frente a todos, com seus bicos afiados e impiedosos.

— Que isso sirva de lição para vocês. – Ela disse, olhando para cada um dos presentes. – O próximo que falhar terá o mesmo fim.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.