Kandor: as chamas da magia

Capítulo XX - O novo General de Kandor: confronto final


A escuridão me impedia de ver quem exatamente estava lutando bem a minha frente mas tinha certeza de que eram dois homens, brandindo violentamente suas espadas uma contra a outra em movimentos cada vez mais intensos. Os dois murmuravam palavras que eu não compreendia e havia dois tecidos pelo chão, talvez suas capas. Um deles era um pouco mais alto e eu sentia uma fúria intensa vindo dele. Ódio transmitiam seus olhos vermelhos, sedentos de destruição sendo a única parte que eu via claramente. O outro se defendia bem e atacava com proeza mas eu sabia que alguém ia perder, fatalmente. Não havia como prever qual mas nunca uma luta assim terminava bem.

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Eu me sentia zonzo e incapaz de me mover de onde estava. Meu abdômen latejava, resultado de um ferimento que eu não via mas sabia que estava alí, bem recente e insuportável. Como eu consegui aquele ferimento? Lutando com algum deles? Eu não conseguia me lembrar.

Pressenti que a luta estava no fim e como resposta, o homem mais alto se adiantou no ataque, lançando o outro na direção do parapeito de uma torre. Uma série de clarões iluminou o chão e eu reconheci os tecidos que estavam jogados: eram as capas usadas na Guarda. Momentaneamente, meus olhos doeram pela claridade repentina e eu perdi os movimentos dos dois, só conseguindo perceber depois que um estava contra o parapeito e agora sem sua arma. Rapidamente, ele foi atravessado no abdômen pela espada do oponente e então uma luz recaiu sobre seu rosto me permitindo reconhecer Ryan.

Seu semblante se contorceu com a dor que o dominava enquanto o inimigo retirava devagar a arma, saboreando o desespero e a sensação de morte que invadia a alma dele. Não satisfeito com isso, a lâmina rubra se aproximou de seu pescoço, vagarosamente marcando-o na diagonal e colocando fim a qualquer esperança que eu ainda tinha de salva-lo.

Eu tentava sair do lugar e atacar o inimigo entretanto meus pés não respondiam enquanto seu corpo sem vida escorregava para o chão. Vingança. Era a única palavra que me vinha a mente quando ele por fim se virou na minha direção, mantendo um sorriso de escárnio.

Ofegante eu abri os olhos e me sentei na cama me arrependendo logo depois por causa da dor que me percorreu. Me deixei cair de volta e levei a mão ao abdômen, repleto de faixas, aliviado por perceber que a maior parte daquilo tudo era apenas sonho. As velas iluminavam o ambiente que eu reconheci de imediato como sendo um dos quartos do palácio mas não me lembrava como tinha chegado até alí. Os dois últimos dias tinham passado tão velozmente que certas coisas precisariam de tempo para assimilar e enquanto eu esperava por um sono que já sabia que não viria, as imagens dos últimos acontecimentos me surgiram a mente.

Enquanto as pessoas ainda comemoravam a nossa chegada após a primeira fase das disputas, eu só conseguia pensar que Marcon estava envolvido em trapaça. Quando os grupos se encontraram na entrada do conjunto de cavernas, a raiva se tornou palpável e, embora os Coiotes nos mirassem com sede de vingança, eu tentava evitar que meu grupo respondesse no mesmo tom. Restaram apenas quatro e estava claro que eu não acreditava que tantos de nós tinham perdido facilmente e esperava que a Imperatriz e o General soubessem disso. Obtive a confirmação quando estava me preparando para as lutas e sem querer escutei uma conversa.

— Tem alguma coisa estranha por aqui, Solano. Preciso que verifique isso. Não é possível que alguém tenha alterado as provas. — Ela girou levemente o corpo, sorrindo para algumas pessoas a observar a certa distância. — Isso invalidaria o torneio.

— Com certeza. Tomarei as providências necessárias. Se tivermos um mal competidor aqui — suas sobrancelhas se juntaram e seu rosto ficou sério — ele terá o que merece.

Eu me apressei em retornar para junto dos outros mas pensando no que tinha ouvido pouco tempo atrás também. Leon reclamava que trapacearam e isso tinha custado o seu cavalo.

— Alguém cortou as amarras. Eu tenho certeza! Aquelas pedras não iam rolar sozinhas. — Ele vociferava olhando para cada um. — E depois que Fernando o machucou, ficou impossível fugir.

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Os dois foram desclassificados. O primeiro por ter ferido o cavalo de um oponente, ainda mais enquanto saíamos da linha do desabamento, e o segundo pelas agressões. Não tinha visto Fernando depois mas a julgar pela raiva com a qual Leon falava dele, esperava encontrá-lo muito machucado. O cavalo infelizmente seria sacrificado pois a pata dianteira estava quebrada. Eu sentia a dor de Leon, sua raiva e sua impotência diante do acontecido mas não poderia imaginar o que eu faria com quem machucasse Órion .

— Vamos todos receber Marcon Wood e Ryan Muscat para a primeira disputa.

Gonzalo se encarregava de animar a torcida de ambos os lados e eu pude ver um casal animado e preocupado ao mesmo tempo. Ela tinha cabelos negros e lisos e um olhar doce, apesar da preocupação. O homem era mais alto, também de cabelo negro e expressão firme. Eram os pais de Ryan pensando se o filho aguentaria, mesmo com a febre das picadas das abelhas. Uma falta de sorte para ele e Mikhail.

Marcon entrou sério na área da disputa e trazia na mão uma caixa. Ele se aproximou do palanque e a abriu, mostrando um broche feito de um conjunto de pequenas pedras verdes que iluminou os olhos de todas as mulheres. Passou para um dos guardas a postos no alto do palanque e olhou, feliz, para Diana. Era costume oferecer à governante uma prenda quando se participava de alguma disputa e aquela era sua forma de agradecer por participar e por chegar até alí, mas também representava sua vontade de vencer. Sua tia Martha lhe lançou um olhar cheio de insinuações enquanto a conselheira Sarah tentava não rir dos comentários de Andreas e Allef. Eu tive vontade de fazer aquele sorriso falso dele se desfazer mas tinha que me manter quieto por enquanto, como meus amigos.

Logo depois Ryan entrou trazendo um vaso muito bonito com flores diferentes das existentes no palácio. Suas pétalas eram vermelhas e abundantes e as que ainda estavam parcialmente fechadas, formavam algo semelhante a pequenos cones. As do centro permaneciam reclusas, indicando que as flores desabrocharam há pouco tempo. Ele fez uma reverência antes de entregar o jarro e disse:

— Elas preferem a sombra, Imperatriz. Tenho certeza de que lhe agradarão muito.

De fato eram muito bonitas e perfumadas e com certeza ela gostou do presente. Apesar de ser a Imperatriz e ter tudo, ela gosta de coisas simples, o que me surpreendeu depois de conhecê-la melhor. Assisti os combatentes se posicionarem no espaço livre, tirarem as espadas das bainhas e se encararem com raiva. Eles optaram por não usar escudos ou armas extras, o que eu julguei perigoso mas desejei que Ryan vencesse.

Ele começou atacando com agilidade que me surpreendia. Teimoso, ele decidiu continuar na disputa mesmo depois que a febre tomou conta dele, sendo agora um bom adversário para Marcon. Seria difícil ter de lutar com meu amigo mas a raiva que eu sentia do primo da Imperatriz era mais difícil ainda de controlar. Depois da primeira fase eu tinha certeza de que ele não se importaria com a Guarda, que só estava interessado no status que o cargo traria. Era um dissimulado capaz de prejudicar a própria equipe para vencer.

Diana se mantinha concentrada na disputa porém por um momento poderia jurar que estava me observando na lateral do campo de combate. Eu tentei não demonstrar minha insatisfação com o rumo que as coisas tomaram mas não era surpresa que alguns perceberam que eu estava diferente , o que com certeza ela também notou. Por mais que eu tentasse evitar, e creio que ela também o fazia, estávamos conhecendo traços da personalidade um do outro no treino no riacho.

Entre gritos e aplausos os combatentes seguiram provando o seu valor, mas Ryan pouco a pouco demonstrou que não estava bem e a cada golpe seu corpo ameaçava tombar sem forças, mesmo com desejo de vencer. Cada vez mais ele se afastava de onde os outros guardas e eu assistíamos, incapaz de criar uma estratégia para revidar. Àquela altura o mal estar era visível a todos assim como minha inquietação por temer o pior. Ele precisava de descanso e de um antídoto para o veneno que percorria seu corpo, silencioso e letal, enquanto os espectadores incentivavam a luta.

Marcon tinha um corte no braço direito mas isso não foi suficiente para pará-lo. Com as espadas cruzadas e os corpos próximos, os dois murmuraram entre dentes algo incompreensível e na separação, Ryan levou uma rasteira, caindo de costas no chão. Sua espada parou um tanto distante dele e Gonzalo interveio, aguardando para que levantasse. Marcon olhava ao redor se sentindo vitorioso e desejando que ele ficasse onde estava, me mirou sem desfazer seu sorriso, imaginando provavelmente que me derrotaria também. Eu estava ávido para provar o contrário mas não queria que meu amigo perdesse assim.

Lentamente ele se ergueu e recolheu a espada, mirando-a para o oponente e gastando as últimas forças que lhe sobravam. O tinir do metal calou as comemorações e os lamentos e não havia quem piscasse frente à vontade de lutar que ele demonstrou. O outro aparava seus golpes e chegou a cambalear para o lado mas insurgiu atacando para a esquerda. Ryan conseguiu impedir o ataque, que lhe renderia um corte na costela, mas acabou caindo de joelhos, cravando a espada no chão e mantendo as mãos no pomo. Eu sabia que ele não poderia prosseguir mais e por fim ele tombou para o lado. Eu esperava que se levantasse mais uma vez, porém isso não aconteceu.

— Temos um vencedor! Como Ryan Muscat não consegue seguir na luta, Marcon Wood vence!

A comemoração foi grande. Por todo lugar as pessoas batiam palmas, alguns gritando o nome dele. Seus pais aplaudiram com sorrisos no rosto e eu notei os membros do Conselho conversando entre si. Com certeza, ele era o seu favorito.

Como de costume o vencedor leva a arma do oponente e Marcon se aproximou dele para tirar a espada depois de comemorar por todo lugar. Queria que acabasse logo para buscarem Ryan, assim como seus pais em aflição na platéia, e contrariando nosso desejo, ele a ergueu do chão e observou a lâmina demoradamente. Com certeza faria algo e Robert apertou meu braço pressentindo o mesmo e ameaçando invadir a área. O primo da Imperatriz olhou para o oponente no chão e desceu a espada com força na direção de sua cabeça.

Robert e eu invadimos a área, prontos para avançar contra aquele insolente trapaceiro mas fomos impedidos por outros guardas e por Gonzalo, que queria manter a ordem, ameaçando-nos com alguma punição. Outros homens entraram e carregaram Ryan para fora mas faltava algo: o longo cabelo negro, seu castigo imposto pelo General após suas primeiras reclamações sobre o trabalho duro, estava agora no chão. Marcon largou a espada e o recolheu, deixando todos encabulados com a troca. Contrariado, voltei para meu lugar e esperei pela continuidade do torneio.

Antes de começar a próxima disputa, Andrei trouxe para Diana uma capa de tom vermelho escuro com bordados na barra, muito bonita e luxuosa que deixou todos boquiabertos e muitas mulheres suspirando ao olhá-la. Ela me pareceu surpresa mas agradeceu o regalo. Eu a presenteei com uma bainha de couro negro, feita por mim, com detalhes em ferro fundido próximo a abertura e quatro pedras laranja lembrando a formação de um losango. Seria muito boa para proteger a espada que ela trazia, era resistente e brilhante e eu esperava que gostasse. Um sorriso de agradecimento passou pelo seu rosto, assim como quando recebeu os outros mas algo em mim dizia que esse fosse diferente.

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Andrei não foi um oponente fácil. Tinha boa técnica e força e estava empenhado em me derrotar, me olhando com soberba e demonstrando suas habilidades. Sua determinação foi marcante, mantendo-o de pé durante toda a disputa. Vencê-lo não foi simples e só aconteceu depois que consegui uma pequena brecha na sua defesa.

— E o vencedor é Henry Zumach! — A euforia percorreu todo o ambiente. Eu respirava rapidamente ao mesmo tempo em que olhava ao redor. — Uma salva de palmas para os vencedores de hoje!

Eu sorria, correndo o olhar em várias direções, comemorando a vitória e agradecendo aos que torciam por mim. Muitos guardas vibraram também e no palanque onde estava a família, Ailla me aplaudia de pé, me deixando encabulado. Meu pai tinha um sorriso de canto a canto do rosto e o General um sorriso discreto. Lentamente, um por um se levantou e logo Marcon entrou e ficou ao meu lado, recebendo também os aplausos.

— Espero que esteja preparado para perder amanhã.

— Não cante vitória antes da hora. —Seu sorriso não se desfez.

A tarde seguiu em comemorações entre os integrantes da Guarda e meus amigos se asseguraram de nos manter ocupados e bem longe um do outro.

Tarde da noite, enquanto tantos outros já tinham se recolhido, meu senso de responsabilidade me levou a uma ronda que não era minha. Eu me desloquei em direção aos estábulos, passando por uma parte do jardim de onde se via o caramanchão. Não havia guardas por perto mas duas pessoas me surpreenderam. De pé, debaixo da cobertura dele havia um casal que de longe eu não saberia dizer quem era. Eu continuei meu caminho sem tirar os olhos deles, reparando no homem que segurava gentilmente o queixo da garota em um beijo delicado. Ela me pareceu surpresa com a atitude e se manteve parada por um tempo até que levou a mão ao braço esquerdo dele. Nesse momento eu contemplei parte de sua cabeça e minha surpresa me deixou estático, incomodado. A tiara de Diana era irreconhecível e sua tez levemente morena, os traços de seu rosto e o cabelo em cachos não me deixaram dúvidas de que era ela. Quando fitei o homem novamente percebi que era Marcon, tratando logo de não ficar para ver o final do encontro.

Antes uma euforia percorria meu corpo enquanto eu imaginava meu sonho, e com certeza o de meu pai, tão perto de se concretizar. Tantos esforços em prol de algo que estava a um passo. Mais um dia, um único dia e eu venceria o torneio. Por mim e por todos os outros, eu venceria. Naquele momento, por algum motivo, que eu não consegui entender em meio a um turbilhão de sentimentos, eu o vi tão próximo e tão distante ao mesmo tempo que só pensei em pegar Órion no estábulo e sumir por algum caminho.

No outro dia foram nossos pais que trouxeram as espadas protegidas por bainha e nos apresentaram no meio da área de combate. Meu pai a segurou na horizontal sob as palmas das mãos e, embora não tenha pronunciado uma palavra, seu olhar me dizia tudo. Ele tinha confiança em mim e acreditava que eu venceria ao mesmo tempo que dizia para eu ter cuidado. No momento em que peguei a espada, toda a vontade de chegar ao fim daquelas disputas verberou pelo meu corpo embora a intuição me dissesse para ter cuidado.

Enquanto eles se distanciavam, nos encaramos segurando firmemente as espadas e inconscientemente nos movimentando em círculo pelo local, como que procurando uma forma para começar. Por fim, nos colocamos em posição de ataque e rapidamente lancei um último olhar na direção da família Wood, que estava bem a minha frente, antes de começar a lutar.

Ele atacou primeiro, testando minha resistência em movimentos rápidos e com fogo nos olhos. O tinir das espadas deixou todos mudos, quietos a observar o combate se desenrolando difícil sob o sol morno da manhã.

Consegui certa distância dele e girei o corpo, atingindo sua espada em dois pontos e afastando-a para o lado. Parei com a ponta da lâmina apontada para seu pescoço, mostrando toda a minha vontade de acabar logo com aquilo. Recuei um pouco e ele também.

Abrindo os braços e um sorriso desafiador, Marcon me instigou a avançar. Pela direita; no alto, na direção de sua cabeça; a esquerda; rente a seu abdômen e na altura do peito desferi meus golpes, esperando atingi-lo. Nós tínhamos certeza de que não sairíamos sem, pelo menos, um corte no corpo então não nos preocupávamos muito com os ferimentos que surgiriam.

Imediatamente veio sua resposta, em um ataque parecido e com a mesma energia. Eu me abaixei enquanto sua espada passava próxima à minha cabeça, preparando-me para contra-atacar. Com dois golpes consegui atingir sua mão esquerda, na empunhadura, protegida por couro e algumas tiras de ferro assim como as minhas, o que me fez ganhar tempo.

Naquele momento todos que assistiam gritavam nossos nomes ou batiam palmas diante de nossos avanços. Marcon investiu mais uma vez e eu aparei seu golpe, mantendo nossas espadas cruzadas no meio do campo de combate.

— Não pense que vai me vencer. Você não é digno de ficar com a Guarda.

— Como se você se importasse com ela. — Eu reduzi o tom de voz e continuei. — Fale a verdade. Admita que só quer o poder que ela te trará.

— Eu quero muito mais do que o posto de General. — Sua resposta trouxe um olhar cheio de zombaria e perversidade ao mesmo tempo.

Avancei cego de raiva e o vi insurgir a minha esquerda, ferindo levemente a lateral do meu corpo e me acertando a perna logo depois, enquanto tentava acertá-lo de cima. Reagindo a afronta me feriu o braço direito, e num momento de desequilíbrio, fui acertado por seu pé no peito.

Gonzalo se aproximou avaliando a situação até que me levantei. Eu precisava me concentrar ou daria em nada todos os meus esforços. Respirando lentamente investimos uma vez mais com cautela, estudando os movimentos um do outro. Atingi novamente sua mão esquerda e parte do couro que estava descoberto se rasgou. Rapidamente ela voou na minha direção, como uma estratégia para me distrair, o que me rendeu um filete de sangue escorrendo do antebraço. Apesar da dor mirei o centro da sua espada com um forte golpe.

O retinir dela no chão não foi suficiente para freá-lo e logo tirou uma adaga da bainha, acertando-me no abdômen na diagonal, rasgando minha pele com afinco, inundando o ar ao redor com cheiro de sangue. Com um soco no rosto e uma chuva de poeira levantada por ele, eu caí de bruços no chão.

Me arrisquei a levantar e desisti devido a dor intensa. Cada centímetro do meu corpo já reclamava dela e eu tentava achar algo, um pensamento qualquer no qual me agarrar para me distrair dela. Concentrando-me eu tentei ouvir a voz de quem assistia porém estavam silenciados. No primeiro momento estavam quietos e não duvidaria de que também me olhavam pensando que não me levantaria e outros torcendo para que isso acontecesse rápido. Ouvi Marcon se movimentar por perto e Gonzalo logo veio até mim.

— Jovem Zumach — ele colocou a mão no meu ombro — está me ouvindo?

Eu permaneci de olhos fechados mas assenti que sim.

— Se não puder continuar, então declararei o vencedor. — Ele esperou um pouco pela minha resposta sem se mover e eu diria que também não respirava. — Pode continuar? Vou dar um tempo para que se levante. — Sua insistência me fez grunhir algo que se parecia com um sim, sentindo meus olhos arderem com a poeira.

As palavras de Marcon de que quer mais do que ser General me vieram a mente junto com seu olhar brilhando e foi então que compreendi do que ele falava. Ele queria a Guarda, o trono, Diana... Na minha mente eu relembrei todas as vezes que ele humilhou meus amigos e provavelmente, muitas outras pessoas pelo reino. Sem querer eu também me lembrei dele e Diana no caramanchão e, embora eles sejam livres, aquela cena me doía. Sabia que me odiava e que aquela luta era mais do que uma simples competição. Sua ambição era clara diante de mim, mas por qual motivo ele se tornou assim? Eu não sabia e não podia perder o torneio.

Lentamente me ergui usando a espada como apoio e fiquei de costas para meu oponente. Ouvi gritos exaltando nossos nomes e pude ver as pessoas de pé, ainda receosas sobre o que aconteceria mas ávidas por ver quem ganharia. Me voltei para Gonzalo que estava a alguns passos de mim e depois para o primo da Imperatriz, vendo com certa dificuldade.

Eu lutava contra a dor e teria que me virar para vencer enquanto ele pensava em mim como um alvo fácil devido ao ferimento.

Voltamos para a luta investindo tudo que restava. Eu colecionei mais uma ou duas marcas na perna e fiz mais algumas, com o intuito de terminar tudo o quanto antes.

Com um golpe fiz um corte na altura do ombro e Marcon recuou na direção de onde estava um dos guardas. Ele carregava um pesado escudo médio de ferro que eu peguei, levantei um pouco de terra na direção de Marcon com ele, devolvendo a artimanha e saboreando minha dor; lancei-o na sua direção acertando sua coxa e ferindo com a espada a mesma perna com um corte na área interna da panturrilha. Ele cambaleou para o lado e o acertei com o pomo na costela e recolhendo o escudo, mirei sua cabeça. Ele ficou um tanto zonzo e revidou os golpes com a adaga tentando me ferir uma série de vezes, obtendo de volta outros golpes. Éramos rápidos, persistentes e por fim sua adaga se partiu contra minha espada que também sofrera durante o combate. O fiz recuar alguns passos e o acertei novamente na cabeça. Marcon tombou sobre a terra e tentou se levantar algumas vezes. Gonzalo correu e conversou com ele por um tempo enquanto meu mundo também girava. Depois se levantou e olhando ao redor, seu silêncio também calou todos nós pelo instante mais longo que já vivi.

— E o novo General é Henry Zumach! — Gonzalo anunciou após constatar que o outro não se levantaria.

Eu poderia dizer que era como ouvir o reino inteiro gritar ao mesmo tempo. Eu via a multidão de pé, gritando meu nome e o som abafava até meus pensamentos. Uma alegria imensa por ter vencido me invadiu e eu comemorei, erguendo os braços e gritando minha felicidade para quem pudesse ouvir. Meu pai se aproximou apressado e me abraçou, batendo as mãos nas minhas costas. Involuntariamente eu me encolhi e ele me soltou.

— Meu filho, você venceu! Você venceu! — Ele não conseguia disfarçar seu júbilo, me deixando mais feliz ainda por vê-lo em um estado que não via há anos desde a morte de minha mãe. — Você merece. Meus parabéns! — Me completou mais comedido após se afastar um pouco e me analisar da cabeça aos pés. — Mas precisamos cuidar desse ferimento.

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— Meus cumprimentos pela vitória, jovem Zumach.

— Muito obrigado, General.

Eu me endireitei rapidamente na presença dele, deixando de lado a ideia de me cuidar. Depois de um tempo me encarando com o que parecia sua expressão mais satisfeita, se virou para seu sobrinho.

Todos esperavam que eu levasse a espada dele mas vendo-o no chão, derrotado, cheguei a conclusão de que perder a arma não era nada perto do que já havia acontecido. Outros guardas entraram para ajudar a se levantar, com certeza enviados por seu pai, e ele recusou auxílio esquivando-se das mãos deles. Apoiou-se na espada e ergueu-se aos poucos com dificuldade, tendo sua roupa suja de terra e os cabelos bagunçados. Me fitou demoradamente com uma frieza mortal e se retirou devagar, ainda de cabeça erguida, o que me fez perceber que deixar a espada nas mãos dele poderia significar para muitos o desprezo pelo valor do meu oponente.

— Bem, vamos nos importar com outras coisas agora e deixe eu te dar algumas recomendações. — O General se aproximou coçando a barba e tirando o nosso foco de Marcon. — Primeiro: se acontecer algo ao reino ou a minha sobrinha — ele se calou indicando o caminho que seguiríamos e nos afastamos dos outros — você é um homem morto. Segundo…

Eu sentia dor mas ficou claro que aquele não era o momento para receber um curativo. Para mim tinha sido a vitória, mas algo me dizia, antes de ter os pensamentos interrompidos, que ela não era tão doce assim.

Com o avanço da noite, um dos guardas entrou no quarto me dizendo que já era quase hora de descer para a festa de minha condecoração e sua expressão preocupada me lembrava que teria que tomar muito cuidado, pois o terreno era como areia movediça.