Lucas apertou a mão de Gustavo e começou a correr.

Correu em direção a saída. Era um dos poucos ali que não estava drogado, então era mais fácil para ele correr sem tropeçar em si mesmo. Puxou Gustavo consigo. De repente, sentiu a mão do garoto deslizar pra longe.

Virou o rosto bem a tempo de ver Gustavo sendo engolido pelo mar de gente. Não havia mais um fluxo; era uma bagunça total. Não havia mais nada que pudesse ser feito; ele havia sido engolido.

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-- Gus!— Lucas berrou. – Gustavo! Gustavo! – pessoas o empurravam e o xingavam. O pânico roubara suas forças, e ele não conseguia lutar contra todos os corpos que iam na direção contrária a dele. – Não! Gustavo!

Lutou com todas as suas forças, mas acabou por ser levado pela multidão. Não tinha mais controle de suas pernas, seu corpo parecia não lhe obedecer. Sua mente queria juntar toda força que ainda lhe restava, mergulhar no mar de corpos e buscar Gustavo, mas ele simplesmente não conseguiu.

Foi arrastado pra fora, onde ouviu vozes familiares, sirenes, pessoas gritando cada vez mais alto, choros.

Gus... Foi seu último pensamento antes de apagar.

* * *

Acordou com luzes multicoloridas correndo na frente de seus olhos. Mãos, tubos e coisas assustadoras balançavam a sua volta. Ele não conseguiu mover a cabeça de imediato, apenas piscar.

Que porra...?

De repente, lembrou-se. Levantou-se subitamente. Estava deitado, porém não no hospital. Alguém colocou a mão em seu peito e empurrou-o para baixo. Ele se levantou de novo. Olhou para os lados. Não parou de se mover. Sentia uma ânsia.

-- Gustavo? – sua voz falhou. Olhou para uma mulher de uniforme ao seu lado. – Cadê ele? Cadê o Gustavo? Gustavo!

-- Shh... – a mulher disse, com a mão no ombro de Lucas. – Você está bem.

-- Cadê o Gustavo? – sua voz ficava cada vez mais esgoelada. – E a Dani? Cadê a Dani? A Thau?

Uma figura se destacou no meio da luzes. Gustavo semicerrou os olhos. Não era o black power de Thauane, não era o corpo grande de Katrina. Não era o boné de Dani nem os músculos de Caio. Não era Jean ou Bruno, Jeana ou Mariane, muito menos Gabriel e seus cabelos compridos. Também não podia ser Sarah – ela era muito baixinha,

Lucas se levantou e foi até a figura. Encarou-a nos olhos.

Não era Gustavo.

Mas não deixava de ser.

A cabeça de Lucas girava. Ele já tinha visto aquele rosto antes. Aquela boca, o formato do nariz, os cabelos. Mas não era ele. Havia algo diferente – algo que ele não havia visto quando estava com o corpo de Gustavo colado no seu.

Lucas levantou a mão e colocou-a no rosto do garoto.

-- Gus? – ele arriscou perguntar. O garoto franziu o cenho.

-- Onde ele está? – o garoto perguntou. Quando Lucas não respondeu, o garoto berrou. – Onde está meu irmão?!

Lucas começou a tremer. O garoto deu um tapa na mão de Lucas, que não saía do seu rosto. O garoto começou a gritar.

-- Gustavo! Gustavo!

Os joelhos de Lucas cederam. Em meio as sirenes, aos gritos, às lágrimas, a cabeça de Lucas era a mais barulhenta ali. Ele rastejou até a ambulância novamente. Sentado ali, não conseguiu chorar, ficou apenas tremendo.

Pegou um cigarro em seu bolso. Novamente, não achou nenhum isqueiro.

* * *

Não sentiu quando Bruno e Thauane o carregaram até o carro. Não sentiu quando Dani encostou sua cabeça em seu ombro e afagou seus cabelos, nem quando Katrina dormiu ao seu lado. Não viu quando Mariane e Gabriel racharam um táxi de volta pra casa, apenas para fugir de todo aquele barulho.

Acordou no dia seguinte em sua cama, com a cortina fechada, o quarto escuro. Seus olhos ardiam e sua cabeça doía. Estava com frio e com calor ao mesmo tempo. A janela estava aberta, mas um cobertor lhe cobria. Nada fazia sentido.

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Ele sentou-se na beira da cama. Como chegara ali? Que sensação de perda era aquela?

Ouviu um barulho no corredor. A porta estava fechada.

-- Mãe? – ele chamou. A porta abriu e sua mãe entrou.

-- Bom dia, querido – ela disse.

-- O que aconteceu? – ele perguntou, receoso. Talvez não quisesse realmente saber a resposta.

-- Seus amigos te trouxeram pra casa – ela respondeu.

-- O. Que. Aconteceu?

-- Disseram que você estava... Gritando... Chamando. Por esse garoto. Gustavo.

Lucas respirou fundo.

-- O que tem? – ele perguntou.

-- Acharam ele, filho.

Lucas começou a tremer.

-- Ele está em casa? Eu posso... Posso falar com ele?

A mãe comprimiu os lábios.

-- Lucas. Você sabe que não, Lucas.

Lucas se levantou. Ainda estava com o jeans da noite passada, mas estava sem camiseta. Abriu a primeira gaveta da cômoda e pegou uma camiseta. Vestiu, pegou seu celular na escrivaninha e desceu as escadas.

-- Lucas, onde você vai? – a mãe dele perguntou.

Lucas não respondeu. Foi até a sala. Parou. Olhou para a cozinha, onde seu pai estava com uma xícara entre as mão, fitando o vazio.

-- Pai? – Lucas chamou. O pai de Lucas olhou pra ele.

-- Eu te disse para não me chamar mais assim – ele disse.

-- O que está acontecendo, pai?

O pai de Lucas não respondeu.

O medo e receio de Lucas se transformaram em raiva. Ele pegou a xícara do pai e jogou no chão com toda a força. O café espalhou-se pelas lajotas da cozinha e cacos de porcelana voaram.

-- POR QUE NINGUÉM ME DIZ QUE PORRA ESTÁ ACONTECENDO? – ele gritou. Saiu pela porta e começou a correr.

Correu até que suas pernas não conseguiram mais. Parou. Descansou. Não sentia o ar entrando pelas suas narinas, mas continuou a correr.

A casa branca, com janelas de fora a fora nas paredes, um quintal grande e um carro novo na garagem entrou em seu campo de visão. Lucas tocou a campainha. Não se aguentava de tanta ansiedade.

A porta abriu, devagar. Uma mulher em uniforme de empregada apareceu, trêmula.

-- Quem é você? – ela perguntou.

-- Eu sou... Amigo do Gustavo – Lucas disse. A mulher tremeu.

-- Ele não está – ela disse. – Você sabe disso, não sabe?

-- Por favor – Lucas disse. – Por favor, o que aconteceu?

Um garoto apareceu por trás da empregada e a afastou. Olhou fixamente para Lucas. Era o mesmo garoto da ambulância da noite anterior. O mesmo cabelo louro, alto, a mesma boca e o mesmo nariz.

Lucas sentiu um aperto no peito.

-- Quem é você? – o garoto perguntou.

-- Lucas – ele disse. – Quem é você?

-- Marcos – o garoto disse. – Que porra você está fazendo aqui? Por que você não me deixa em paz?

-- O que está acontecendo? – Lucas perguntou.

Gustavo respirou fundo. Saiu de casa e fechou a porta atrás de si. Foi até o portão.

-- Você estava com meu irmão naquela festa? – ele perguntou.

Lucas não sabia o que dizer. Não tinha nenhuma inspiração para uma mentira convincente.

-- Sim – ele disse.

Marcos o encarou.

-- Você estavam juntos?

-- Sim. Quer dizer, não. De certa maneira, eu... Não sei. Não sei.

-- Eu também não sei. A única coisa que eu sei é que ele morreu, porra. Não sei se foi sua culpa, mas não importa. Você é a merda de um viadinho, e podia ter impedido, não podia? Não podia?

Lucas tremeu. Não se importava mais em ser chamado de “viadinho” ou de qualquer outra coisa. Parou de pensar quando Marcos disse “ele morreu”. Sua cabeça parou de raciocinar. Seus músculos pararam de se mexer, seu coração parou de bater e o ar não alcançava mais seus pulmões.

-- Não – ele murmurou.

A expressão de Marcos era de dor e de raiva. Não disse mais nada quando Lucas começou a correr, sem saber para onde, sem saber para quem. Apenas correu. Queria deixar aquele momento pra trás, deixar a si mesmo ali, tremendo, enquanto ele mesmo apenas fugia de tudo aquilo.