Sali não falou comigo durante uma semana.

Apesar de procurá-la cansativamente através de ligações e mensagens, ela simplesmente não me respondia. Não apareceu em minha casa ou na nossa árvore. Tampouco falou com Bia ou Lipe. Ela desapareceu.

Estava preocupado e angustiado, não conseguindo entender seus motivos. Sabia que tinha algo a ver com sua mãe, no entanto, não conseguia imaginá-la privando Sali de tantas coisas. Era demasiado cruel. E Sali não tinha prometido que daria um jeito? Não tinha prometido que ficaríamos juntos?

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Meu coração estava na mão. Pensei que merecia pelo menos alguma notícia de sua ausência. Pelo menos uma justificativa. Pelo menos um toque no celular que indicasse “estou viva, mas não posso”. O tempo me diria por que ela não podia.

Sentia-me traído. Destruído. E não sabia o que fazer.

Tomei a minha decisão na quinta-feira durante a tarde, quando saí com Lipe e Bia. Eles insistiram para que eu os acompanhasse, alegando que eu precisava espairecer um pouco. Não estava muito no clima, no entanto, a saída foi útil. Extremamente útil.

— Guto, não fique assim — Bia disse. — Tenho certeza que Sali tem um bom motivo.

Respirei fundo, sentindo a irritação tomar seu lugar no meu corpo.

— Eu também tenho certeza disso. Só acho que ela deveria ter ao menos tentado me avisar, sabe? Qualquer coisa. Ela disse que passaríamos por isso.

— E vão passar — Lipe revirou os olhos. — Deixe de ser dramático, Gustavo. Vocês sempre dão um jeito. Você sempre consegue convencer a Sali.

— Como vou convencê-la se ela não atende as minhas ligações? — exclamei.

Eles se calaram diante do meu argumento. Não tinha como eu procurá-la em sua casa ou em algum outro lugar. Ela simplesmente não me dava opções; estava preso na sua ausência, no seu desaparecimento. Sali sabia sumir quando desejava.

— Guto — um sorriso se alargou no rosto de Lipe. — Você é bom em quebrar algumas regras, não?

Franzi o cenho.

— O que quer dizer?

— O cemitério, por exemplo. Você sempre pulou aqueles muros durante a noite — percebi uma ideia se formando em seus olhos. — E se você fosse na escola da Sali durante o horário de aulas?

— O quê?! Pirou?

— Na hora do recreio, é claro, seu burro — ele revirou seus olhos de novo. Bia riu. — O estacionamento da escola às vezes permanece aberto durante a manhã, é só você entrar por ele. E se não puder entrar pelo estacionamento… a porta do corredor da secretaria está sempre aberta. Você precisa apenas passar direto, como se fosse aluno. Vista um moletom e uma calça jeans e, se alguém perguntar, diga que é aluno novo. Assim é só você procurar por Sali e conversar com ela.

— E se ela faltar amanhã? E se ela foi embora? — senti meu coração se apertar dolorosamente com a lista de opções que surgiu em minha mente.

— Então você sai da escola e vai embora. E, durante a tarde, bate na casa dela. Correndo o risco da mãe estar ou não.

Estava um pouco relutante. A ideia era arriscada e falha, mas era a única que eu tinha até então. Será que funcionaria? Eu teria que contar uma boa lista de mentiras para várias pessoas.

Mentiras que valiam a pena, decidi mais tarde. Mentiras necessárias e que não fariam mal a ninguém e que me levariam até Sali.

.

— Boa aula, filho — minha mãe me deu um beijo no rosto antes de eu sair de casa.

— Tchau, mãe — afaguei seu ombro e me encaminhei para fora de casa.

Eu não estava realmente nervoso. Já tinha gazeado aula e entrado em cemitérios; para mim, mais uma aventura era apenas empolgante. Lipe bem sabia como eu gostava de fazer coisas daquele tipo e já tinha sido meu parceiro para diversas situações parecidas. Ele ter me sugerido essa opção no dia anterior não parecia nada estranho.

Entrei na escola pelo portão da frente. Trajava meu uniforme e levava a roupa que eu trocaria dentro da mochila. Andei normalmente ao encontro de Bia e Lipe, que estavam encostados despreocupadamente em uma parede.

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— E aí? — Bia me perguntou assim que me aproximei.

— Tudo preparado — sorri, sentindo-me empolgado depois de dias. — Só preciso colocar em prática.

— O que é a parte mais difícil, obviamente — Lipe acrescentou.

— E a melhor — não pude deixar de comentar.

Ambos riram com o meu comentário. Olhei em volta para me certificar que ninguém tinha desconfiado de mim; ninguém me olhava de forma estranha, como o esperado. Eu não tinha a expressão de nervosismo que normalmente estaria no rosto de quem pretendia gazear aula. Já tinha feito aquilo diversas vezes; bastava conhecer o local do colégio, a função de cada funcionário e quais eram mais rígidos. Depois disso, era preciso apenas achar o muro perfeito para pular.

— Acho que já está na minha hora — comentei, apertando as alças da minha mochila.

— Já?! — Bia se espantou. — E o que vai fazer até a hora do recreio na escola da Sá?

— Estudar a situação — sorri. — Desejem-me sorte.

— Você nunca precisou de sorte — Lipe deu de ombros.

— Na verdade, eu estava me referindo à minha conversa com a Sali.

— Vai dar tudo certo — Bia afagou meu ombro carinhosamente. — Mas, de qualquer forma, boa sorte.

— Obrigado.

Respirei fundo e olhei ao redor. A escola estava dividida em grupos dispersos de três ou mais pessoas, sem contar os casais que andavam descontraidamente. Laura estava em um canto acompanhada de Edgar e seus amigos; e vê-la não me afetou. Eu já não sentia mais nada por ela. Meu coração estava todo tomado por Sali. E apenas por Sali.

Era uma manhã perfeitamente normal. Exceto pelo fato de que eu precisava trazer Sali para mim novamente.

Dirigi-me até o banheiro do bloco mais próximo do portão dos fundos e me tranquei na cabine para trocar de roupa. Esperei até que o silêncio dominasse o local para sair da cabine e ir em direção ao bosque, que estava vazio àquela hora da manhã. Embrenhei-me por entre as árvores e olhei ao redor, conferindo mais uma vez se estava sozinho. Ninguém parecia com vontade de ir ao bosque.

Usei a árvore mais próxima do muro como apoio e escalei-a, alcançando o topo do muro. Pulei agilmente de cima dele e não demorei a ouvir o grito de uma mulher me denunciando para a pessoa que cuidava do portão de trás do colégio. Sem esperar mais nenhum segundo, disparei correndo para a parte da frente da escola, misturando-me aos diversos alunos que se aglomeravam lá. O homem que que corria atrás de mim conseguiu ver até onde eu tinha ido, mas não foi capaz de me localizar no meio de tantos alunos. Mantive a cabeça abaixada e o capuz do moletom cobrindo meu cabelo para que ninguém me reconhecesse e notasse minha ausência na sala de aula.

Discretamente, afastei-me do lugar sem deixar suspeitas. Caminhei lenta e tranquilamente até o colégio onde Sali estudava, sempre com o capuz sobre minha cabeça. E, assim como Lipe tinha imaginado, o portão do estacionamento estava aberto, dando-me passagem livre para dentro do colégio.

Quando entrei no território desconhecido, fiquei mais cauteloso. Minhas mãos começaram a suar, prevendo minha conversa com Sali. Poderia ser desastrosa ou simplesmente aliviadora. Caminhei rente à parede o tempo todo, tentando não parecer perdido naquele lugar em que nunca tinha entrado. Tive que respirar fundo inúmeras vezes para me controlar.

Tinha uma turma fazendo educação física no primeiro horário e me dirigi o mais discretamente possível para perto da quadra, tentando me manter o tempo todo escondido. Pensei que seria de grande utilidade se aquela fosse a turma de Sali… e realmente era.

Ela jogava basquete e parecia realmente concentrada no jogo enquanto bradava ordens para o seu time. Estava linda com a trança desarrumada e com aquele seu jeito de mandona. Não pude evitar um sorriso, esquecendo-me por um segundo que fazia uma semana que não conversávamos e que eu queria, pelo menos, uma satisfação dela. Naquele momento não me importava. Eu podia vê-la; e era o suficiente.

Depois de cinco minutos, o professor apitou o fim do jogo das meninas e chamou os meninos para jogarem. Sali saiu sorridente da quadra, acompanhada de diversas meninas, e se dirigiu até os bebedouros. Contornei a quadra o mais discretamente possível e me dirigi até uma parte vazia do colégio, bem ao lado do corredor. Encostei-me à parede e esperei.

— Foi um bom jogo, meninas — Sali comentou quando parou de beber água. — O time que montamos hoje foi ótimo.

Ouvir sua voz foi como um bálsamo para minhas feridas. Fazia-me acreditar que ela era real, que ainda existia, que ainda estava por perto. Que ainda havia uma chance para nós dois. Que ainda podíamos — e iríamos — lutar.

— Realmente — concordou outra garota. — Temos que mantê-lo nas próximas aulas.

— Com certeza — imaginei um sorriso no rosto de Sali. Sorriso que eu tanto amava. Sorriso que eu tanto sentia falta.

As meninas começaram a se retirar. Com sorte, ela ficou mais para trás e um pouco distante da conversa, dando-me a oportunidade de me esticar apenas o suficiente para segurar em seu pulso e puxá-la em um movimento rápido o bastante para que ela não gritasse antes de ver que era eu. Encostei-a na parede.

Sua boca se escancarou. Por alguns suficientes segundos ela não soube o que dizer. Quando finalmente recobrou a consciência, agarrou o meu braço com desespero e olhou ao redor rapidamente para conferir se não havia ninguém por perto.

— Você é louco? — sussurrou desesperada.

Sorri.

— Talvez.

— Ai, meu Deus — ela choramingou. — É bem sua cara fazer isso mesmo. Como não cogitei essa possibilidade…

Mentalmente, agradeci por ela me levar diretamente ao assunto que queria tratar. Segurei em seus ombros e a encostei na parede mais uma vez.

— Sali, nós precisamos conversar sobre isso. É por isso que estou aqui e você sabe.

Sua respiração estava descompassada e ela não conseguia sustentar meu olhar. Parecia perdida e desesperada. Exatamente como eu havia me sentido durante aquela semana.

— Fale comigo — sussurrei, segurando seu rosto entre minhas mãos. — Por favor.

— Eu não posso aqui — ela murmurou, fechando seus olhos e recostando a cabeça na parede de forma derrotada.

— Então venha junto comigo — pedi. — A sua mochila está na quadra. Precisamos apenas pular o muro.

Ela abriu seus olhos de forma repentina e assustada. Por alguns segundos, apenas me encarou.

— Está dizendo para eu gazear aula?!

— Exatamente — sorri, tentando demonstrar a minha empolgação. — Ah, vamos, Sali! Não é tão grande coisa. E algumas aventuras são boas de se viver.

Seus olhos se reviraram.

— Você quer que eu corra todos os riscos dessa vida?

— Você não?

Sabia que a minha pergunta calaria Sali e a faria reconsiderar a questão. Gazear aula fazia parte da vida e era uma experiência que ela deveria ter. Era arriscado, egoísta e infantil, mas era também divertido e satisfatório.

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Ela respirou fundo e balançou a cabeça.

— Sali?

Ela hesitou.

— Só dessa vez — sua voz estava baixa e insegura.

Suspirei aliviado e esmaguei seus lábios com os meus. Sentia falta de seus beijos, de seus braços, de sua voz e de sua companhia, mesmo que não estivéssemos separados havia tanto tempo. Mas a falta de notícias estava quase me enlouquecendo e saber que ela se arriscaria e gazearia aula na minha companhia me fez respirar aliviado.

Ela riu um pouquinho quando nos afastamos.

— E agora?

— Agora você vai esperar bater o sinal para a próxima aula. Quando isso acontecer você vai pegar a sua mochila e ir discretamente para o bosque, onde eu estarei te esperando — sorri. — Vou te ajudar a pular o muro.

— Certo — ela assentiu. — Tem certeza que vai funcionar?

— Tem que funcionar.

Logo que eu terminei de falar, o sinal para a próxima aula bateu. Sali mordeu o lábio inferior e segurou em meus ombros, ficando na ponta dos pés.

— Agora?

— Agora.

Ela me deu um selinho antes de partir. Não parecia de forma alguma despreocupada; agitava demasiadamente as mãos, olhava muito ao redor e forçava um comportamento que não deveria existir. Com sorte, ninguém desconfiou da figura exemplar de Sali.

Contornei a quadra novamente e me dirigi até o bosque do colégio, ficando atrás de uma árvore para que ninguém percebesse minha presença. Sali não tardou a aparecer e correu até mim assim que me viu. Ela se jogou em meus braços.

— Como consegue fazer isso sem ficar nervoso? — ela perguntou, abraçando forte minha cintura. — Eu estou apavorada.

— Mais do que no dia do cemitério?

— Por mais incrível que possa parecer, sim. Acho que se arriscar à luz do dia é mais perigoso. Alguém pode notar.

— Tire essas minhocas de sua cabeça, Sali — murmurei. — Ninguém vai perceber. E você sabe que é necessário.

Ela assentiu e me soltou, parecendo um pouco mais tranquila, apesar de ainda tremer. Agachei-me e entrelacei minhas mãos, fazendo sustento para ela pular o muro mais uma vez.

— Essa saída vai levar para os fundos do colégio, onde não há nada. Contornaremos o colégio e sairemos na rua. Eu trouxe um moletom para você.

Sali ficou me encarando fixamente. Não apavorada ou insegura. Admirada, talvez. Ou incrédula.

— Não acredito que está fazendo isso — ela murmurou com a voz um pouco embargada.

— Eu não disse que lutaríamos?

— Sim. E eu também disse. Mesmo assim, recuei no último instante e você, que estava muito mais inseguro que eu, prosseguiu — ela sorriu fracamente. — Obrigada, Guto.

— Por que está agradecendo?

— Porque você confiou em nós. Porque você insistiu em mim.

Levantei-me e segurei seu rosto entre minhas mãos mais uma vez.

— Eu sempre vou insistir em você.

E percebi, naquele momento, que aquela era a maior verdade de minha vida.