Os dias foram passando e, sem que percebesse, a viagem de Matheus estava cada vez mais próxima. A decisão de minha mãe de, depois de tanto tempo sem receber encomendas, fazer com antecedência os salgadinhos da festa de despedida que a mãe do de olhos cinza planejava foi ótima, pois demoramos para conseguir fazer algo ao nível dos anteriores. Mas, devido à falta de tempo, nós não tínhamos nem uma roupa razoavelmente adequada para ir.

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Na véspera da festa, assim que terminamos de fazer tudo para apenas fritar no dia seguinte, fui checar minhas redes sociais apenas por mera curiosidade. Tinha uma mensagem de Matheus:

E aí, moça? Preparada para a comemoração de amanhã?”

“Psicologicamente sim, fisicamente não.”, enviei, de brincadeira.

O que aconteceu? Quer ajuda em algo?”

— Eu deveria ter colocado um emoji rindo pra ele não achar que era algo sério. — murmurei comigo mesma, digitando uma resposta o mais rápido possível.

É que eu e minha mãe estávamos tentando nos organizar com os salgadinhos e, bem, eu ainda não escolhi uma roupa para ir nem nada…”, enviei, para tranquilizá-lo.

Ah, eu imagino… foi uma atitude bonita da sua mãe de fazer essa quantidade enorme de salgadinhos para ajudar na festa. Podemos fazer o seguinte: estou com o dia livre, quer que eu te leve para procurar uma roupa, fazer o cabelo, essas coisas?”

Engoli em seco, pensando que talvez seria um pouco constrangedor fazer tudo isso do lado dele. Lembrei da primeira vez em que nos vimos, de como eu estava nervosa por estar tão diferente das outras pessoas… se eu fosse com as roupas que costumo usar todos os dias, eu o faria passar vergonha?

Era engraçado como às vezes eu sentia como se eu e Matheus fizéssemos parte de um mundo diferente. Ele era uma pessoa educada, gentil e era um excelente amigo, mas todo esse status que sua família possui me fazia sentir um pouco de medo.

Mas eu fiz um trato, tinha que ir, pela única pessoa que considero meu amigo de verdade.

Se não vai ser incômodo pra você, então eu quero!”

Marcamos a hora para sairmos e, como daquela vez, ele iria me buscar de carro. Arrumei-me às pressas, anotei o tipo de roupa que minha mãe queria para ir na festa e, assim que coloquei o papel no bolso, pude ouvir o ruído de carro. Abri o portão delicadamente, avistando o automóvel de Matheus e, antes que pudesse me aproximar, vi-o se levantar, dar a volta e abrir a porta do carro pra mim.

— Não precisava… — comentei, um pouco sem graça.

— Desculpa, é só a força do hábito mesmo… — ele respondeu, rindo.

Entrei calmamente no veículo, ainda que um pouco constrangida. Ele fechou a porta e deu a volta, se sentando no banco ao lado do meu para assumir o volante. Antes de partirmos, ele perguntou:

— Por onde nós começamos?

— Como assim? Você não tem um plano? — questionei, confusa.

— Tenho, mas talvez o que eu planejei não esteja de acordo com você. — ele comentou, sorrindo — Então, podemos começar de dois jeitos: você quer ir fazer o cabelo primeiro? Ou prefere começar escolhendo uma roupa? Você decide.

Poxa, eu não imaginava que teria que fazer uma decisão.

— Vamos… no cabeleireiro primeiro, acho que é melhor, né?

Sem questionar mais nada, começamos a nos dirigir ao salão. Observei o caminho, mas não parecia ser o trajeto para aonde eu e minha mãe sempre íamos. Olhei confusa para Matheus e, antes que pudesse falar alguma coisa…

— Vou te levar no salão onde minha mãe costuma ir. É um pouco longe, então…

— Então…? — eu disse, na esperança que ele continuasse a frase.

Ele pareceu pensar um pouco antes de falar, talvez com medo de se expressar mal. Respirou fundo e disse:

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— Você estava trabalhando hoje cedo. Aproveita pra relaxar um pouco, espairecer a cabeça… quer que eu coloque alguma música em especial? — ele questionou, como se estivesse cuidando de uma criança.

— Não precisa ser nenhuma “em especial”… — respondi, me perguntando se estava tão destruída para ele ter comentado isso — Qualquer uma está boa.

— Confia tanto assim no meu bom gosto, é? — ele brincou, ajeitando uma mecha de cabelo sua, me fazendo rir — Depois não reclame.

Passamos a viagem toda escutando as músicas que Matheus gostava e, devo confessar, uma boa parte eu conhecia. Escutar música sozinha enquanto olhava a paisagem pela janela do ônibus nunca seria tão divertido quanto ir cantando a viagem inteira com seu melhor amigo e namorado de mentira.

— Sinto muito anunciar mas… chegamos!

Olhei pela janela, um pouco surpresa por já termos chegado ao nosso destino, mas o que vi me deixou boquiaberta.

— M-Matheus… que casarão é esse? — eu perguntei, saindo devagarinho do carro.

— Que casarão que você tá vendo? Eu só vejo um salão comum. — ele disse, ao sair do carro — Vamos lá?

Sem responder nada, apenas fui o acompanhando até a entrada. Ao ouvir o som da porta de vidro sendo levemente empurrada, uma mulher de longos cabelos platinados surgiu, bem animada.

— Matheus! Quanto tempo tem que você não vem soz… — ela parou por um momento ao me fitar atrás dele, com um pouco de vergonha — Que fofinha! — ela quase berrou, se aproximando de mim para apertar minhas bochechas. Se ela soubesse o quanto isso é chato… — Sua amiga é linda, Matheus.

— Obrigada… — eu disse, em um quase sussurro, enquanto ela soltava meu rosto.

— Pensei que não ia soltar mais a coitada… — o de olhos cinza comentou, rindo — Enfim, viemos aqui por suas habilidades supremas. Já sabe, né?

— Ah, já sei… — ela falou e logo se dirigiu a mim — Alisar?

— Vou cortar também… — eu respondi, com um sorriso mais ou menos elegante.

— Mas só as pontas. — Matheus se meteu, me fazendo olhar em sua direção, erguendo uma sobrancelha — Acima do ombro? Um cabelo bom desse? Não mais.

— Quem vai cuidar dele? — retruquei, brincando.

— Você, ué. — ele deu de ombros, caindo na risada.

— Vamos resolver isso assim: — a cabeleireira disse, tentando manter um ar sério, mas ainda podia ver um sorrisinho em seus lábios — A gente alisa e vê se ela — a mulher falou num tom mais alto a palavra, fazendo Matheus soltar um leve risinho — vai querer cortar. Que tal?

— Acho ótimo assim. — eu concordei — Mas e você, Matheus? O que vai fazer enquanto eu estiver aqui?

— Eu posso ir comprar as suas roupas e as da sua mãe, pode ser? — o de olhos cinza perguntou, se dirigindo a mim — Eu imagino que vá demorar.

Analisei a proposta, era realmente uma boa opção. Tirei o papel com os pedidos da minha mãe do bolso para entregar ao rapaz, que deu uma rápida olhada e o dispensou, dizendo que sabia mais ou menos o que comprar para ela. Assim que ele saiu, a cabeleireira começou seu trabalho.

Todo o tratamento durou horas e devo confessar que, mesmo tendo aproveitado a maior parte do tempo para fazer as unhas e as sobrancelhas para adiantar, tudo ainda pareceu demorar uma eternidade.

— Terminamos! — a platinada disse, cantarolando e passando, com todo o cuidado, a mão direita nas mechas compridas do meu cabelo — Você realmente vai cortar?

Fitei minha imagem no espelho, analisando cada centímetro dela. A coisa que imediatamente me veio à cabeça foi Você pode cortar outro dia.”

— Não, não mais — dei o meu melhor sorriso — Acho que fico melhor assim.

— Pode ter certeza, não é só você quem acha. — ela soltou uma risada engraçada e enigmática ao mesmo tempo — Vamos ver o preço…

Após conferir o valor com seus funcionários, ela me passou o preço que, embora fosse um pouco mais alto que imaginei que seria, tive como pagar sem dificuldades. Sentei-me em um banco de espera e assisti enquanto os outros clientes chegavam, todos superelegantes.

Quase que em seguida, ouvi a voz de Matheus pelo salão e senti sua mão tocar levemente uma mecha de meu cabelo.

— Já terminou? — ele questionou, surpreso — Ficou lindo, ainda bem que você não pediu pra cortar… só um minutinho que eu vou pagar e…

— Não precisa. — eu disse, um pouco sem graça — Já paguei, tá tudo certo.

— Mas eu te trouxe aqui! — ele exclamou, um pouco confuso — Você sabe, quem convida é quem paga e tal…

Ergui uma sobrancelha, como quem dissesse “E daí? É só alguma regra de etiqueta pra qual eu não ligo!”

— Desculpa por isso. — ele disse, passando a mão na nuca, um pouco constrangido — Mas da próxima vez, deixa que eu pago, tá?

Assenti com um gesto e fomos nos despedir da cabeleireira, que garantiu presença na festa de despedida do de olhos acinzentados. Logo após, quando já estávamos prestes a entrar no carro, me deparei com a quantidade imensa de bolsas dentro dele.

— Como assim você comprou tudo isso enquanto eu estava no salão? — eu questionei, tentando controlar a aflição — É muita coisa, tem roupa pra um batalhão aí dentro.

— Até parece. Só tem algumas coisas suas, outras da sua mãe, o resto é tudo coisa que minha mãe insistiu que eu comprasse pra viagem, tipo casaco, cachecol, cobertor… coisas de mãe! — ele riu — Você tá falando com um profissional das compras, faço tudo na velocidade da luz.

— Tô tentando imaginar você levando tudo isso… — ri discretamente.

— Se conseguir imaginar, me conta como vai ser, porque olha… — ele sorriu, um pouco desajeitado — Então, vamos? Já está ficando um pouco tarde.

Sem acrescentar nada, entramos no carro, ainda comentando sobre a viagem dele e a festa de despedida, que estava bem mais próxima. Ele falava dos convidados, sobre como seria ótimo se nós não encontrássemos a “loira do banheiro” e sobre várias outras pessoas que, embora eu não conhecesse, sabia que conheceria no dia seguinte.

E isso dava um certo frio na barriga. Muita gente nova!

— Você… tá nervosa por causa de amanhã? — ele perguntou e, por um instante, fiquei com um pouco de vergonha da expressão que provavelmente fiz — Não precisa ter medo de se sentir um peixe fora d’água. Eu vou ficar por perto.

— Acho que eu tenho que me adaptar ao mundo lá fora… — respondi, sendo honesta — Não vou ficar presa pra sempre à escola, nem ao pessoal de lá, e isso é uma coisa boa! — ri discretamente, arrancando uma risada do rapaz ao meu lado também — Ver pessoas fora desse ambiente vai me ajudar.

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— Eu te entendo. Lá, pelo que você me contou, é muito estressante. Todas essas situações, por motivos tão bestas… não acho que eu teria conseguido lidar com tanta imaturidade por tanto tempo. Mas pensa pelo lado bom! Ano que vem é seu último ano.

Abaixei a cabeça, lembrando de várias coisas que já aconteceram comigo nesses longos anos em que estive nessa escola. A estrutura gigantesca, uma mensalidade tão cara… quem diria que lá abrigaria tantos alunos arrogantes, cheios de si e donos de uma capacidade tão grande de ferir outras pessoas…

— Você pretende perdoá-los? — Matheus perguntou, me tirando de meus pensamentos.

— Perdoar quem?

— Seus colegas. Eu sei que você tá pensando neles agora. — ele riu, um sorriso levemente triste — Vai ser difícil, mas, acredite se quiser, vai ser mais difícil ainda terminar o ano com a sensação horrível de estar “brigada” com eles.

— Você acha? — eu questionei, sem conseguir olhá-lo nos olhos, como costumava fazer.

— Tenho quase certeza. Algo me diz que, sem essa perturbação de Alexandre e Vicente sem saber o que querem da vida em relação a você, tudo deve se resolver. Claro que esse “algo” que me diz pode estar errado e… — ele soltou uma risada, me fazendo rir também.

Senti a velocidade do carro ir diminuindo até parar, podendo avistar em seguida o portão da minha casa. Matheus me ajudou a pegar as bolsas que tinham as roupas que eu levaria, mas nós não nos despedimos. Encaramo-nos por algum tempo, até que quebrei o silêncio:

— Só temos amanhã?

— Desse ano, sim. — ele respondeu, respirando fundo — Mas pode ter certeza: ano que vem, quase no finalzinho, eu volto.

— Vai ser tanto tempo…

— Vai passar voando. — o rapaz disse, desviando o olhar — Você vai ver só, a cobrança no último ano é terrível, quando você parar pra respirar, já vai ser Dezembro.

— Espero que sim, mas, por outro lado, espero que não. — respondi, rindo — Bom, vou indo, já tá tarde e não quero que você fique cansado amanhã.

— Claro. Boa noite e até amanhã!

Acenei brevemente antes de abrir o portão, entrando apressadamente. Corri para a varanda, tirando os sapatos e os jogando em qualquer lugar. Quando finalmente cheguei no meu quarto, deixei as bolsas perto do guarda-roupa e me joguei na cama. Tinha sido um dia exaustivo, mas finalmente havia chegado em casa e, antes que me desse conta, adormeci.