Jogos Vorazes por Cato

Capítulo 8 - Parte II


Não vejo Clove de manhã. Unicqua deixa uma muda de roupa e me conduz num elevador especial ao que parece ser um pequeno espaço da cobertura. Um aerodeslizador aparece e subo numa escada estendidas, sentindo o campo de força que me impede de pular. Estou me sentindo tão elétrico que penso se não tem como dar um curto nesse negócio. Então me lembro que eletricidade não funciona assim. Pare de pensar, Cato.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Uma mulher de casaco branco se aproxima com um sorriso enorme.

– Quietinho pra que eu ponha seu rastreador, grandão.

A agulha insere um dispositivo metálico no meu antebraço. Gosto da idéia de que todos me vejam e me achem. Até lá vou ter dominado essa coisa da sobrancelha bem direitinho.

Unicqua sobe comigo e um Avox nos leva até uma sala para o café da manhã. Como só o necessário, já que tomarei todos os suprimentos antes que os babacas fracos possam olhar para eles.

A viagem dura o que me parecem trinta minutos. Tudo escurece e desço as escadas mais uma vez, quando solicitado, indo por um túnel até catacumbas que sei que ficam abaixo da arena.

Só eu pisarei ali para jogar. O lugar depois vira um museu pra que os ricos visitem, passeiem e até remontem as mortes.

Dizem que a comida é muito boa.

Tomo banho, escovo os dentes e visto as roupas que Unicqua me entrega. Calça marrom, blusa verde, jaqueta térmica e botas de corrida. Digo que estou seguro e plenamente confortável quando Unicqua pergunta. Penso em Cathy por mais algumas vezes e lembro de Clove ao pegar um copo d’água.

Estou na mesma posição quando a voz familiar de Claudius Templesmith, o locutor, ecoa na salinha.

– Senhoras e senhores, está aberta a septuagésima quarta edição dos Jogos Vorazes!

Sessenta. Cinquenta e nove. Cinquenta e oito. Tomo cuidado para não pisar fora do círculo, já que começar os jogos explodindo não parece exatamente uma boa entrada. Ali está a Cornucópia, que não é nada mais que um chifre dourado enorme no formato de um cone com uma cauda curvada, cuja boca tem no mínimo seis metros de altura e está recheada de coisas das quais nos apossaremos nas próximas horas. Vejo muita comida, água, remédios e todo o tipo de arma. Localizo meus aliados e balanço a cabeça, indicando que o objetivo é o centro da Cornucópia, onde as coisas mais valiosas estão. Nada mais que o centro me satisfará.

Observo ainda a planície de terra batida em que nos encontramos. Ficaremos perto de um lago, talvez por ali mesmo, no centro de tudo. Ninguém será idiota o suficiente para nos enfrentar.

Cinco. Quatro. Posiciono-me para correr. Um. O sinal soa, a diversão começa.

Marvel não perde tempo algum. Talvez não saiba arremessar facas, mas sabe matar rapidamente com elas. Além disso, é grande o suficiente para derrubar qualquer um ali. Glimmer, Clove e Garota Quatro – de quem não me lembro o nome agora – não são diferentes. Eu não sou diferente agora. As primeiras horas não são horas para técnica. São horas para destruir, horas reservadas para a brutalidade. Hora de mostrar aos otários quem manda e mostrar aos ricos quais eles devem bancar.

Limpo o caminho até as armas mais potentes e as examino com uma satisfação pessoal que não posso conter. Todos os tipos de espada. Todos. Há facas também, Clove vai adorar. Glimmer se apossa de uma aljava prateada cheia de flechas e de um arco e Clove coloca algumas facas dentro da jaqueta. Depois disso, começo a jogar tudo que encontro dentro da Cornucópia. Onde ninguém pode mexer, a não ser que passe por cima de mim. Obviamente, onde ninguém pode mexer.

Quando empilhamos tudo dentro da Cornucópia, já está quase anoitecendo.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Ouço o canhão e espero que o aerodeslizador apareça. No primeiro dia, o aerodeslizador foi necessário onze vezes, e mal posso esperar para vê-lo chegar mais doze vezes. Há um lago mais perto do que eu esperava, o que me deixa ainda mais feliz.

Fazemos uma refeição boa, uma vez que temos mais do que precisaremos por todo o Jogo. Ouço um som acima de minha cabeça. Alguém está sussurrando. Acima da Cornucópia, vejo o garoto que Clove apelidou não carinhosamente de Conquistador. O brasinha. Ele está me chamando? Qual o seu problema? Empunho a espada e vou até a cauda. Os outros estão suficientemente distraídos, exceto por Clove. Percebo que ela me seguiu e não tenho vontade de mandá-la voltar agora.

– Quero fazer um trato com vocês – o Conquistador diz. Não sei o quanto ele está lutando para não demonstrar medo, mas está funcionando.

Clove se posta ao meu lado com duas lâminas em cada mão. Ergue a mão direita, mas basta que eu estenda a mão para que ela repreenda seu impulso.

– Você está brincando comigo, não é, Cato? – ela diz, visivelmente irritada. Limito-me a ignorá-la.

– Que tipo de acordo, Conquistador?

– Quero me juntar à vocês. Se há alguém aqui com capacidade de encontrar Katniss Everdeen sou eu e se há alguém com capacidade de matá-la são vocês – ele diz, sério. Está a aproximadamente três metros acima de minha cabeça, o que não é problema para Clove.

– Você acha que sou estúpido? Toda Panem viu sua história. Não vou ser ridicularizado por você. – Começo a escalar a cauda e ele se afasta. Clove permanece parada.

– Cato, você sabe que o Distrito 12 é uma vergonha. – Desço ao chão quando ele diz isso. – Meu mentor quer vender essa história, porque acha que nós temos capacidade de vencer. Mas não temos patrocinadores. Nunca tivemos, nem nunca teremos. Quem apostaria nos perdedores do Distrito 12? – ele pergunta retoricamente, e começo a entender.

Percebo que Clove está de olho em mim há algum tempo, mas só então olho para ela, como dizendo o que você acha. Ela guarda as lâminas nos bolsos e dá de ombros. Se há alguém que pode encontrá-la é ele, isso eu não posso negar.

– Uma chance, Conquistador. É o que eu te dou. – Ergo uma sobrancelha. Estou ficando bom nisso. – Desce daí agora. Preciso te apresentar ao grupo antes de caçarmos.

Há certa resistência em aceitá-lo da parte de todos, mas já está bem claro que a palavra final deve ser minha. Colocamos alguns suprimentos básicos nas mochilas e partimos com lanternas e archotes floresta adentro.

Estamos com sorte.

Depois de algumas horas, começamos a avistar uma luz forte na floresta. De muito longe parece até um grupo de vaga-lumes, mas conforme andamos temos a certeza de que é uma fogueira. Os sons de galhos se partindo ao fogo são inconfundíveis.

Sorrio ao me aproximar. Mas que diabos esse Tributo estava fazendo? Sei que o frio da noite é de matar, mas qualquer pessoa que tivesse um pingo de senso tentaria agüentar firme até o amanhecer.

Bom, se era uma mensagem de “venha me pegar” que ele queria passar, foi exatamente o que ele conseguiu. Um par de mãos se esquenta nas chamas, o que me chateia, uma vez que esperava que houvessem pelo menos dois tributos ali. Mas o que vier é lucro.

Começamos a correr assim que estamos a cinqüenta metros da fogueira. Seu usuário adormeceu, ao que me parece. É uma garota que grita desesperadamente quando Marvel se aproxima com um sorriso maligno estampado no rosto. Ela berra em agonia quando ele a joga no chão, ato que todos nós incentivamos. Então com uma marreta de quarenta e cinco quilos, Glimmer a acerta na cabeça. Não estoura, mas começa a sangrar e agora sei que ela já era.

– Doze abatidos e onze a caminho! – Glimmer grita com um orgulho iminente na voz. Marvel dá tapinha em suas costas e grita, ao passo de que a Garota Quatro apenas sorri. Clove revira os olhos, examinando o espaço.

– Não tem nada de suprimentos aqui, nem de nada útil.

– Melhor dar o fora, para que eles possam recolher o corpo antes que comece a apodrecer – digo, e todos obviamente concordam.

Continuamos a caminhar quando me toco de que não escutamos nada. Penso no trabalho de Glimmer e se ela foi estúpida o suficiente para deixá-la viva. Gente estúpida é perigosa.

– A gente já não devia ter ouvido um canhão? – Clove parece ler meus pensamentos.

– Eu diria que sim. Não há nenhum empecilho para eles atirarem imediatamente – Garota Quatro concorda.

– A menos que ela não esteja morta – Clove diz, impaciente.

– Ela está morta – ela cospe as palavras. – Eu mesma acertei ela.

– Então onde está o canhão? – Clove para de andar para encará-la, séria.

– Alguém devia voltar – digo. – Pra ter certeza de que o trabalho foi feito.

– É mesmo, ninguém aqui vai querer caçá-la de novo – diz Marvel.

– Eu disse que ela está morta!

– Se estivesse, a droga do canhão já teria anunciado!

– Vocês não querem gritar um pouco mais, pra que todo mundo saiba que estamos caçando?

A discussão começa a me irritar. Então o Conquistador, quieto até agora, dá um basta.

– Nós estamos perdendo tempo! Vou lá terminar o serviço nela e a gente segue caminho!

– Vai lá então, Conquistador – concordo. – Veja você mesmo.

Escuto seus passos de volta à fogueira. Quando ele está longe o suficiente, Glimmer sussurra.

– Por que a gente não mata ele agora e acaba logo com isso?

– Vamos continuar com ele – decido. – Qual o perigo? E ainda por cima, ele é bom com aquela faca.

– Além disso, ele representa nossa principal chance de encontrar a garota. – Marvel dá de ombros.

– Por quê? Você acha que ela comprou toda aquela historinha romântica? – ela pergunta, torcendo o nariz.

– Talvez sim. A coisa toda pareceu muito simplória pra mim. Sempre que penso nela rodopiando naquele vestido sinto vontade de vomitar – respondo.

– Gostaria de saber como foi que ela conseguiu aquela nota onze.

– Aposto que o Conquistador sabe.

Escuto passos em nossa direção e sei que agora é hora de calar a boca. Todos entendem.

– Ela estava morta? – digo quando ele se aproxima.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

– Não. Mas agora está. – E só então o canhão soa. – Vamos indo?