Jaspes e Jades

Capítulo 3 — Contos de fada


Quando Ludwig era criança, me perguntou se fadas existiam mesmo. Eu, muito bobo, disse que não; pior, disse que era besteira de algum doido. Bom, ele ficou feliz quando eu disse que gnomos e goblins também eram tão imaginários quanto fadas e voltou a dormir. Era difícil explicar a inexistência de tais criaturas quando nós mesmos éramos rodeados de uma magia que não compreendíamos. Como você explica a um pivete que imortalidade era uma coisa real, mas fadas não eram?

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Mas ele adorava esses contos. E adorava quando eu os lia para ele (por mais que ele já soubesse ler). Devia ser porque, no fundo, eu também gostava das histórias de cavaleiros e princesas de reinos distantes, que lutavam contra dragões e bruxas. Poxa, era difícil voltar pro mundo real e não encontrar nenhum monstro pra tretar. Vivíamos em um mundo sem magia.

Eu era um homem cético, cem por cento governado pelo meu cérebro. Menos quando ela estava por perto. Desde aquele dia em que tivemos aquela conversa sobre peitos, diferenças biológicas entre homens e mulheres e músculos, não conseguia vê-la da mesma maneira. Claro, eu já tinha as minhas suspeitas, mas eu já a conhecia há tanto tempo… E, do nada, ela vira uma princesinha cheia de firulas. Recusava-se a sair pra caçar e atazanar as outras nações comigo para ficar em casa e frequentar bailes com aqueles vestidões. Não sei se ela estava fingindo gostar daquilo tudo, mas eu gostava.

Gostava de vê-la girando no salão, o vestido rodando em camadas como pétalas de flor ao vento. Nos bailes, eu a assistia de longe, meio bobo e sem saber o que sentir sobre aquilo tudo. Ela ficava linda em todos os vestidos, com qualquer penteado de cabelo, usando qualquer conjunto de joias. Ela encarnava todas as princesas de todos os contos de fada que eu contava a Ludwig. E eu? Eu era só mais um plebeu que mal era mencionado nas histórias. Ou pior, talvez eu fosse o vilão da história dela já que frequentemente éramos rivais.

Não, eu não nasci pra ser o príncipe dela. E negava até o último momento que o que eu sentia era atração por aquela moça. Erzsébet era uma dama da mais alta realeza húngara agora. Era camaleão que, no passado, me cobrira com aquela imensa capa de pelos de urso em frente à fogueira, e agora valsava sob os mais belos palácios da corte europeia. Eu continuei o velho cão de guerra de sempre.

Assim, eu continuava sentado na minha cadeira, apenas observando-a, sonhando acordado com aquela imagem dela dançando pelos salões da minha cabeça vazia e tomada pelo álcool até o finzinho de uma dessas festas. Eu não estava tonto, se é o que vocês acham. Tinha alguns velhos generais e duques que o faziam por mim. Era muito provável que eu fosse a pessoa mais sóbria daquele salão, mas mesmo assim eu não estava cem por cento.

Estava prestes a me levantar pra ir embora até que vi Erzsébet do outro lado do salão, fazendo um gesto com a mão, chamando alguém para um canto.

Olhei para os lados, desconfiado. Não, aparentemente era pra mim mesmo. Bufei, levantei-me e a segui. Ela escondia-se atrás de uma parede e segurava dois candeeiros acesos, entregando-me um.

— O que você quer, mulher?

— Ssh. Só me segue. Depois explico — ela disse, rápida e afobada. Ela parecia aquela velha amiga que eu tinha, com aquele ar de travessura no sorriso.

Puxou-me pelo braço e subimos as escadas mal iluminadas que levavam ao piso superior. Nele, havia um outro salão, muito menor no qual estávamos anteriormente.

— Espero que ninguém nos veja.

— O que você quer comigo?

— Olha, — começou levando a mão à testa, frustrada — aqueles velhos todos estavam me entediando. E eles dançam mal pra caralho.

— … Você quer… dançar comigo?

— É… Mais ou menos. Sei lá, eu tô entediada, você não tava fazendo nada.

É, ela tinha um ótimo ponto. Relaxei os ombros. Eu sabia dançar; muito bem, aliás. Tinha aprendido algumas coisas com alguns franceses uma vez, mas estava muito nervoso. Ela estava me analisando, estava olhando-me dos pés à cabeça. Sentia seus olhos procurando por qualquer pequeno defeito na minha roupa.

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Deixamos as velas no chão. A música no salão de baixo era tão alta que podia ser ouvida de onde estávamos. Ela se aproximou. E sorriu.

Eu ri com ela. Estava linda com a luz da lua iluminando parte de seu rosto. Seus brincos brilhavam como pequenas estrelas em uma constelação. Fiz a reverência.

— Me concede esta dança, princesa? — Perguntei, murmurando a última parte.

— Claro que sim… — ela respondeu erguendo as pontas de seu vestido e fazendo sua reverência graciosamente — Meu príncipe.

Deus, ainda bem que o escuro escondia parte do vermelho da minha cara. Vilões não dançam com as princesas. Não eram amigos das donzelas. Mas agora, esse vilão era o príncipe dessa princesa. Só por aquela noite.

Ela pousou a mão sobre meu ombro e ofereceu a outra para que eu a segurasse. As minhas tremiam um pouco de insegurança, mas posicionaram corretamente: uma em sua cintura e a outra com a dela.

Éramos só nós dois e a canção. Seus passos eram um pouco menos precisos que os meus. Baixinho, ela contava o tempo da valsa.

— Não acredito que não sabe valsar — comentei inocentemente.

Ela mantinha os olhos no chão, observando meus pés para acompanha-los corretamente.

— Olhe para mim.

Eram verdes. Eram jades que ainda tinham um resquício de mistério do oriente, aquele segredo que ainda viviam nas írises húngaras. Meus lábios contavam os números com os dela, cada um em sua língua.

Lentamente, fui me aproximando, dançando cada vez mais próximo a ela.

— Você está nervoso. Seus batimentos…

— Faz tempo que eu não danço.

— E ainda assim, dança melhor do que qualquer velho ali embaixo.

— Obrigado. Acho.

Se até então eu me achava cético, foi nesse dia em que eu voltei a acreditar em contos de fada e magia. Era como se eu não fosse mais Gilbert, e sim o príncipe. O príncipe de Erzsébet. Um casal valsando sob a luz da lua, dançando escondidos dos olhos do mundo.

Amando-se em segredo um do outro e de si mesmos.