It's You

Coming out for fresh Air


Um dia antes:

Fazia seis meses que eu estava presa nessa vida que não considero mais como minha. Londres estava me dando nervos, eu estava vivendo em modo piloto automático, meus dias já não faziam mais sentidos.

Saio da cama como uma sonambula, e vou direto para o banheiro preparar um banho de banheira. Enquanto a água enche a banheira me encaro no espelho por alguns minutos, minha pele estava pálida por eu não sair muito de casa, meus cabelos estão mais compridos por eu não cortar há muito tempo. Tenho bolsas debaixo dos olhos pela falta de sono. Me dispo totalmente entrando na banheira, a água morna fez com que eu relaxasse lentamente. Eu não sei quanto tempo mais eu aguentarei estando aqui longe de todos que amo. Envolvo meus joelhos com minhas mãos e percebo as cicatrizes em minha coxa, elas ao pouco estão sumindo, mas ainda é possível vê-las. Elas doem quando chove, e nesses dias eu me lembro do toque de Jane, as massageando e cessando a dor.

Saio do banho após longos minutos e me visto, desço as lentamente tentando não chamar atenção da minha mãe que estava sentada no sofá de costas para as escadas.

— De saída? - ela perguntou sem se virar ou tirar a atenção de sua revista.

— Shopping - respondo após alguns segundos de silêncio pelo susto.

— Você sai demais.

— Você quer que eu fique trancada em casa o dia todo todos os dias?

— Não seja rude, Maura. Eu apenas constatei um fato. Sempre que você tem folga você sai.

— É melhor que ficar em casa.

— Você está agindo como uma adolescente mal educada.

— Você está me tratando como uma adolescente que fez alguma merda.

— Maura Dorothea Isles! Olha como fala com a sua mãe!

Travo meu maxilar com força, me contendo de falar algo para ela que fosse piorar a situação. Mas percebo que não tem como piorar. Não quero ter que lidar com isso, ela, todos os dias, cansei de ser tratada como uma menininha rebelde. É agora ou nunca.

— Quer saber de uma coisa? Eu vou embora.

— Você vai voltar que horas?

— Não, você não está me entendendo. Eu vou embora.

— O que quer dizer com isso? - ela se levanta, mas não vem em minha direção. Estamos discutindo a distância.

— Eu. Vou. Embora - digo pausadamente. - vou fazer minhas malas e vou embora.

Eu me sentia bravia, mesmo que eu coração estivesse mais acelerado que nunca, minhas mãos suavam terrivelmente, a este ponto eu não sabia como meus pulmões não colapsaram. Era possível ver a impaciência de minha mãe em seus olhos, o jeito de olhar irritadiço para mim, cansada de ter essa discussão novamente, mas não importa, eu não entraria nessa discussão, eu já fiz a minha mente, sei o que quero e o que vou fazer queira ela ou não. Vou lentamente em sua direção, ela permanece com seu olhar ameaçador que já não tem efeito sobre mim.

— Eu cansei de viver minha vida pelas suas regras, cansei de tentar te impressionar, tentar ser uma “boa” filha, cansei disso! Não me importo mais. Nada disso importa mais! – digo em tom alto com punhos cerrados que me mantinham focada nas palavras – Eu vou fazer minhas malas e você não vai me impedir. Eu vou voltar para Boston sem ligar para o que você pensa, eu vou voltar para a minha verdadeira família e você não vai dar sequer um comentário sobre isso. – podia ver a surpresa em seu olhar, ela não ousara me interromper. Eu podia sentir o fogo em meus olhos, e ela podia ver também – Você falhou no único trabalho que tinha... Ser mãe. Você me julgou e quis me “concertar”, que tipo de mãe faria isso? Você não me aceitou do jeito que sou, do jeito que nasci, não apoiou minhas decisões, meus avanços, ao invés disso me privou de viver minha própria vida. Você deveria ter vergonha de si mesma, porque eu, honestamente, tenho vergonha de você. Você falhou na tarefa que minha mãe biológica mataria para ter, você falhou comigo como ninguém jamais falhou, então eu cansei. Cansei de engolir todas as suas críticas e julgamentos, e não vou me segurar de dizer “foda-se”. Foda-se! Foda-se sua opinião, foda-se Londres, foda-se... você.

Okay, talvez eu tenha me alterado demais, mas ela mereceu. Jane estaria tão orgulhosa... eu espero.

Constance estava parada boquiaberta com as mãos na boca, estava sem palavras, estava pasma, em choque. Nenhum som saia de sua boca, seu peito estava estufado pelo ar que segurava em espanto. Suspiro aliviada por poder tirar o peso que aquelas palavras faziam dentro de mim, eu podia sentir meu pulso diminuir, e a consciência de tudo o que eu disse apareceu, mas não que eu estivesse arrependida das minhas palavras, eu me sentia desamarrada às correntes que me prendiam aqui, que me prendiam de ser eu mesma.

Assim que percebi que ela entendeu e digeriu todas as palavras ouvidas, me aprumei com um toque de orgulho e dei às costas para a mulher que tanto me fez mal durante esses seis meses. Nenhum som, nada acontece quando me viro, e eu sorrio vitoriosa. Ao subir as escadas pude ver de canto de olho ela ainda de pé no mesmo local, agora com os braços caídos pesando como se fios invisíveis estivessem a puxando para o chão.

Minhas malas foram feitas com pressa, com euforia e empolgação, mal podia esperar para sair de Londres e poder ir atrás da minha vida, meu emprego, meus amigos, minha família, e é claro, Jane. Antes de descer as escadas novamente, aliso meu vestido e ergo minha cabeça, não a deixarei pensar que eu retiraria alguma das palavras ditas, desço lentamente esbanjando minha vitória, quase que esfregando na cara dela. Ela continuava em pé, mas agora estava atrás do balcão da cozinha, assim que abri a porta para sair, ela disse com repulsa:

— Assim que você sair você não volta mais, não será bem-vinda nessa casa. Você deixará de ser uma Isles.

— Por sorte, eu nunca fui uma Isles – respondi sem me mover, e então saí fechando a porta atrás de mim.