Intrinsically

Capítulo 11


O primeiro encontro de Peeta e Katniss abriu portas para outros durante as folgas de trabalho. Nas últimas semanas, foram ao Mundo dos Tacos, à pista de boliche e de patinação, à casa de Edgar Allan Poe.

Peeta até começou a ensiná-la a pilotar a CB 300 no final de semana passado. Ofereceu-se para isso ao levá-la à amostra de música indie no Fairmont Park, ainda que ele não curtisse muito o estilo. Katniss quase morreu de felicidade com o programa, pois ele lembrou-se de que ela gostava de música indie, atentara-se àquele detalhe, o que fez toda a diferença. Receosa, aceitou a proposta das aulas de moto. Não caiu uma vez sequer, o que, para uma motoqueira de primeira viagem, foi um milagre.

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Ter a companhia de Peeta tornou-se comum dia após dia. Tentava esconder a todo custo a alegria irradiante todas as vezes que o via encostado em seu armário no corredor, a esperando. Cumprimentavam-se com um sorriso largo e caminhavam pela escola, conversando e descobrindo coisas um do outro, colhendo qualquer relance de manias e hábitos, paixões e interesses. Os corredores do colégio jamais foram tão insuficientes.

Eis o que Katniss aprendeu sobre ele: Peeta tinha dezoito anos e adorava História, pensando, assim, em cursar a área na universidade e, com sorte, ser professor, algo surpreendente para a morena; sua cor favorita era azul; fazia bicos de entregador no Pizza Planet, pizzaria de um primo distante, e, nas horas livres, ajudava o tio na loja de suporte de eletrodomésticos. Peeta tentaria ingressar na Universidade do Missouri, onde havia diversos prédios históricos e um jardim botânico, que para ele era um fator crucial; fazia pouco mais de quatro meses que morava na Filadélfia, vindo de Detroit, natural de lá. O irmão caçula e ele viviam com a tia desde a morte dos pais, quando eram crianças.

Mesmo compadecida, Katniss não baixou a guarda quando o assunto família se estendeu a ela, que resumiu a história a morar com o pai. Não acrescentou qualquer informação sobre a mãe, Peeta também não perguntou.

Além das informações fornecidas por ele, Katniss colhia outras mais intimistas por conta própria: Peeta mexia no cabelo sempre que ficava nervoso ou sem jeito, franzia a testa ao menor sinal de dúvida, olhava para os lados quando desinteressado e entediado com algo, mas olhava dentro dos olhos das pessoas se a conversa valesse seu tempo e atenção.

Katniss guardava no coração e mente os fragmentos que podia. Esses pequenos segredos só seus a faziam um pouco realizada. Davam-lhe a sensação de que finalmente algo não seria dela arrancado pelo mundo, mas permaneceria guardado, seguro, em seu interior, sob sua vista apenas e de lá sairia se por uma vil traição de si a si mesma.

Gale, Madge e Annie gostavam de Peeta, incluíam-no na mesa que dividiam durante o intervalo quando o loiro não ficava com outros amigos. Katniss estava feliz pela aceitação mútua e a simpatia entre os amigos e o rapaz.

Sentada sobre o banco estofado do saguão da escola, ela recolheu as pernas para si e continuou a leitura de "Orgulho e Preconceito" para a aula de Literatura. A sua frente, dividindo o banco, Peeta digitava no celular, seus pés tocando os de Katniss em cima do estofado. Uma chuva torrencial caía lá fora, ilhando os alunos dentro do prédio.

O clarão de um relâmpago a fez olhar pelo janelão de vidro do saguão, o céu escuro e tempestuoso muito semelhante às íris dos olhos. Pousou uma das mãos sobre o vidro gelado, assistindo a água escorrer pela superfície.

— Se você não comprou a entrada para o churrasco de domingo, ainda há tempo, meus amigos.— no saguão abarrotado, Finnick anunciava no megafone amarelo, balançando tickets acima da cabeça - Não deixe para comprar depois o que pode comprar agora. Aproveite que com o Finnick as mulheres pagam metade do preço.

No domingo, teriam um churrasco de arrecadação de fundos para a festa de formatura. O aluguel do clube grã-fino Sunshine Morning foi bancado pelo tio rico de algum aluno, a comida e as bebidas custeadas pelo dinheiro dos tickets. Segundo as informações que circulavam nos corredores, o lucro conseguido até então fora exponencial, visto que o evento se estendeu para toda a escola e ao Benjamin Franklin High School, colégio vizinho. Seria grandioso.

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Finnick participava do comitê de formatura e parecia muito orgulhoso de si mesmo e da equipe e, por isso, fazia uma animada propaganda.

— Ei. - Peeta o chamou de onde estava.

Finnick abaixou o megafone e foi até ele.

— O que foi, colega?

— Quero duas entradas, por favor. - pediu o loiro, sacando a carteira do bolso.

Katniss, que assistia à cena, imaginou se a segunda entrada seria para ela. Finnick entregou os bilhetes e levou o megafone à boca.

Isso mesmo, meu garoto, estão vendo? Comprem as entradas das suas damas, cavalheiros. Saiam dessa miséria e surpreendam suas garotas. — disse ele para todos os alunos, estendendo o braço na direção dos dois.

Com o saguão e o corredor lotados, não teve uma pessoa que não ouvisse.

— Tome. – Peeta ofereceu o bilhete à Katniss.

— Obrigada.

Sem jeito, pegou o ticket e o guardou na bolsa.

Bastante molhada da chuva, Annie passou correndo por eles, os braços carregados de folhetos salpicados de água. Arrancando o megafone das mãos de Finnick, disse:

— Todas as garotas do “Força Feminina", venham até a entrada do saguão, por favor.

Ultrajado, Finnick arrebatou de volta o megafone.

— Fala sério que vão atrapalhar o meu merchan por causa dessa coisa de vocês?

— Essa coisa se chama conscientização, e sim, vamos fazer a campanha como estava combinado.

Finnick puxou um dos folhetos que Annie carregava e leu rapidamente.

— Mas o que... Você está detonando com o churrasco e desestimulando as garotas a irem! - exclamou irritado.

O folheto descrevia apenas os contras das festas, quem lesse teria uma péssima impressão e pensaria duas vezes antes de ir. Annie entregou os papéis a uma das garotas da campanha que chegara e amarrou o cabelo num coque frouxo.

— Se com detonar você quer dizer avisar às garotas para tomarem cuidado com os caras da nossa escola, pois nessas festas acontece consumo de drogas e álcool e as mulheres são mais suscetíveis a abusos quando ingerem tais substâncias, então, sim, estamos detonando geral esse churrasco.

— "As festas escolares tem um alto índice de uso ilegal de substâncias. Nós, mulheres, somos alvos fáceis de assédio e importunação sexual, a prevenção é a melhor opção.”— Finnick leu em voz alta um trecho do folheto - Você quem o diga, não é, Annieta? Na primeira oportunidade que teve se embebedou. - acusou-a, referindo-se a festa em que Annie caiu na piscina de short e sutiã.

O músculo da bochecha de Annie tremeu.

— Desculpe -me se uma mulher perde o controle de vez em quando. Mas a questão aqui - apontou para o folheto que ele segurava - é o que outras pessoas fazem quando esse controle é perdido.

Finnick passou as mãos no rosto, grunhiu e ergueu os braços em exasperação.

— Que seja. Devia ter me dito que fariam isso aqui na hora em que estou vendendo as entradas. Sabe, Annie, você não é nada diplomática. – ele estalou a língua - Talvez por isso a gente não tenha dado certo, já que nem escolha você dá às pessoas.

As palavras a atingiram em cheio. Surpresa com o ataque, Annie recuou um passo. Finnick não retrocedeu.

— Seu texto é muito subversivo, o comitê não promove festas com o intuito de banalizar a violência sexual. Pelo amor de Deus, não tenho nada contra você orientar as garotas, é uma atitude louvável, se quer saber, mas a forma como o faz é questionável. Se tivesse entrado em contato comigo ao invés de apontar o dedo na nossa cara, teríamos trabalhado em conjunto. - Finnick encerrou e, zangado, saiu do saguão.

Katniss viu a amiga diminuir diante daquilo, algo muito incomum para ela, uma pessoa vivaz e desafiadora. As demais integrantes da campanha chegaram e esperavam pela direção de Annie. No entanto, a líder as deixou ali e partiu na direção em que Finnick fora.

— O que acabou de acontecer aqui? – com uma pitada de diversão, Peeta indagou.

Sem se sentir a vontade para explicar os problemas da amiga, Katniss deu de ombros e dobrou as pernas em posição de índio, o livro apoiado nelas. De súbito, o loiro se arrastou para perto de Katniss e pôs a cabeça nas pernas dobradas, o corpo deitado no estofado do banco. Katniss teve tempo de tirar o livro de baixo, tamanha surpresa. Peeta parecia confortável, os olhos azuis piscando maliciosos para ela.

— Acorde-me quando for a hora de ir. – disse enquanto as pálpebras baixavam.

Sem acreditar, Katniss balançou a cabeça e soltou uma risada sardônica pelo nariz. Tentou, pelos minutos que se passaram, se concentrar na leitura, tarefa quase impossível quando se tinha um garoto dormindo nas suas pernas.

Internamente, acrescentou mais um item à coleção de particularidades de Peeta Mellark: aproveitador de garotas apaixonadas.

**

O domingo do churrasco chegou mais rápido do que Katniss gostaria. Sem opções animadoras no limitado estoque de peças praianas que tinha, teve que comprar uma ou duas roupas adequadas para a ocasião. Churrasco era só o pretexto para o que de fato interessava no evento: a gigantesca piscina do grandioso clube Sunshine Morning.

Antes da compra, Katniss possuía no armário um esquecido biquíni com desenhos de girassóis. À época, ela tinha quatorze anos, bem menos bumbum e um quase nada de peitos. Agora, ao experimentá-lo, descobriu que estava muito pequeno, de um jeito quase sexy se Katniss não fosse magricela. A parte de cima do biquíni mal cobria os seios, deixando -os a mostra nas laterais, o minúsculo tecido floral praticamente tampava só os mamilos. A calcinha era a pior parte, tão pequena que o bumbum furava os olhos.

O novo arranjo de peças era melhor e consideravelmente maior. A contragosto, Katniss aguardou, deitada na cama, a carona de Peeta, usando o maiô quase infantil de estrelas, lulas e conchas do mar e um short amarelo um tanto decente em comparação com os que encontraria no churrasco. Uma buzina a fez despertar do provável cochilo que tiraria caso Peeta demorasse um pouco mais.

Em frente de casa, a reluzente CB 300 chamava atenção na rua pacífica, um Peeta vestido de bermuda, chinelo e camiseta a aguardava. Desde que foram ao parque, Peeta a buscava com maior frequência de moto, pois, ela veio a descobrir mais tarde, o Corcel 72, o carro que a levava a imaginar lanchonetes, jukebox e cabines vermelhas, pertencia à Marcy, tia do garoto.

Enquanto Peeta pilotava pelas ruas vazias da Filadélfia, na garupa, Katniss xingou mentalmente a si mesma por não ter depilado as pernas.

**

Pelo que notara a garota, a arrecadação para o fundo de formatura foi um sucesso. Finnick não cabia em si de tanta felicidade, o episódio com Annie distante e esquecido. O capitão da natação andava de um lado para o outro cumprimentando as pessoas e bebendo refrigerante batizado, já que, apesar da organização ter ficado a cargo dos alunos, os professores monitoraram do início ao fim. E, céus, como havia gente.

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Brincadeiras, música, banho de piscina, e muita comida embalaram um domingo agitado e alegre. Katniss até se aventurou nas águas duvidosas do Sunshine Morning. Havia a lenda de que alguns casais gostavam de fazer coisas nos cantos da piscina quando havia festas noturnas por lá. Katniss nunca viu, mas preferia não se arriscar.

Quando contou a Peeta, ele riu e preguiçosamente comentou:

— Há uma lenda de que esperma faz bem para a pele.

— Onde ouviu essa mentira? – Katniss questionou.

— Tenho quase certeza de que alguém disse. – dando de ombros, respondeu com um sorriso meio cínico e quase fatal.

Katniss fez uma careta de nojo e riu da falta de noção.

Gale e Madge se juntaram a eles na mesa redonda. Traziam consigo uma caixinha de Uno, o que os entreteu por bons quarenta minutos, até decidirem jogar frisbee na grama do campo de futebol.

Annie apareceu no clube por volta de meio dia, acanhada como nunca antes. Prestes a chamá-la para jogar com os amigos, Katniss desistiu ante a interação entre a ruiva e Finnick. Em clima de harmonia, o rapaz ofereceu refrigerante para uma Annie desconfiada. Finnick tentava puxar conversa, embora a hesitação de Annie pairasse sobre eles.

Depois do episódio no saguão, Katniss soube, pela própria amiga, que Annie fora conversar com Finnick. Sem querer pedir desculpas, o fez mesmo assim. Engoliu o orgulho e deu o braço a torcer. Assim, após uma conversa constrangedora e necessária, em que fatos passados foram mencionados e implicâncias deixadas de lado, acordaram em tentar conviver em paz, como colegas ou, quem sabe, amigos. A decisão funcionava até então, e Katniss estava feliz pelo progresso.

A morena pensava que o domingo corria prazeroso e festivo, tudo em ordem. Encharcados, Peeta e ela comiam picolé no chão de grama, mousse de creme para ela, chocolate para ele. Muitos alunos banhavam, outros jogavam bola, comiam, ou se bronzeavam em espreguiçadeiras.

Katniss não saberia dizer em que instante da conversa desejou beijá-lo. O cabelo molhado e bagunçado o deixava desastrosamente atraente, as gotinhas de água que escorriam pelo abdômen tão convidativas quanto o picolé de trufa que Katniss comia. Peeta não era o tipo de cara com músculos, não fazia academia, muito preguiçoso para isso. Preferia a boa e velha caminhada, eventualmente arriscava uma corrida. Os braços tinham o tamanho certo, nem demais, nem de menos. O tronco magro e pouco definido dava-o a languidez ideal e necessária para ser interessante de olhar.

Enquanto Peeta falava sobre uma história envolvendo picolé e lama e uma garota estrábica, Katniss tomou coragem e o beijou, assim, de supetão. O beijo teve gosto de chocolate e mousse de creme e uma pitada da força de vontade que compeliu a garota. Nada atrasado, Peeta agarrou a cintura dela com força, os lábios mostrando a experiência adquirida ao longo do tempo, um contraste equivalente a total imperícia de Katniss.

À medida que a boca de Peeta a instigava a mais, ela se pegou pensando se aquele beijo fora melhor que o primeiro. Considerando que não se lembrava do outro, optou por fazer daquele o primeiro e o melhor.

Às quatro da tarde, Katniss se viu na varanda de casa com um garoto que a beijava, e beijava, e beijava. Agradecia a Deus por Haymitch não estar em casa, ele dissera, de manhã, que iria resolver algumas pendências na rua. Não seria nada decoroso flagra-la aos beijos com Peeta. A diferença de altura a empurrava para mais perto e ele a puxava para si, para cima, nunca bastante, tornando o contato íntimo além da conta.

A porta da frente se abriu e Katniss e Peeta bruscamente interromperam o beijo. Um som estrangulado escapou-lhe da boca, ao passo que seus olhos viam e não compreendiam a pessoa que os encarava com expressão tomada de surpresa divertida, a qual Katniss não via há quase uma década. Invasores e especulativos olhos azuis avaliaram a situação, depois passearam pelo corpo da garota até o escrutínio pousar no rosto dela. Hiperventilando, a morena inspirou. Effie abriu o mais bonito dos sorrisos.

— Não vai dizer oi para a mamãe, Katniss?