Ele pareceu se divertir com meu constrangimento. Senti a irritação crescer dentro de mim.

— Não tem que se desculpar com nada. Eu conheço as minhas qualidades, mas obrigado.

— Argh! Eu havia esquecido que você era prepotente.

Estranhamente, Cassian adquiriu o poder de me fazer esquecer. E então, por alguns momentos, eu havia esquecido do seu Fernando e de tudo que havia me ocorrido.

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O sentimento sadio é vida para o corpo, mas a inveja é podridão para os ossos. — Provérbios 14:30

LETÍCIA PADILHA SOLÍS

Minha noite tinha tudo para ser perfeita até meus pensamentos voltar-se para minha desgraça. Antes que pudesse dar conta, estava bêbada e me lastimando.

— Minha vida está parecendo um daqueles best-sellers cheios de drama com um final insatisfatório e clichê — as palavras na minha boca saíram um pouco emboladas. Nós havíamos conversado absolutamente sobre tudo; mas infelizmente regressamos para a estaca zero porque eu era incapaz de pensar articuladamente sobre qualquer outra coisa que não fosse minha própria desgraça.

Cassian respirou pesado depois de sorver seu uísque suíço. Acho que ele está cansado disso.

Um pensamento surgiu na minha garganta e foi tomando forma conforme eu estudava a expressão dele.

— Você acha que a culpa é minha.

Ele suspirou e me fitou pelo que pareceram longos segundos antes de afirmar com a cabeça.

— Acho.

Desvio o olhar para as minhas unhas ruídas esperando as lágrimas, mas me sinto aliviada quando a única coisa que me assola é a familiar pontada aguda no peito.

— Não teve um dia sequer que não tenha me sentido horrível.

Cassian meneou a cabeça concordando lentamente enquanto me estudava. Eu estava consciente que ele procurava as palavras certas para me repreender.

— Isso não é o suficiente. — declara com seriedade, puxando delicadamente a taça de vinho dos meus dedos. — Chega de beber.

Eu pondero suas palavras.

— O que quer dizer?

— Você sabia que Fernando Mendiola era um homem comprometido. Sabia que estava se envolvendo com um homem que pertencia à outra.

Fecho os olhos.

— Estou decepcionado para ser honesto, porém... Consigo compreender porque aceitou tão pouco. Porque fora tão ingênua. Está acostumada a ter pouco porque acredita que não merece ser amada tanto quanto acredita que estou bem aqui na sua frente.

Não quero ouvi-lo, machuca. Resisto ao desejo de escapar dali; escapar para o meu lugar de vítima, para meu refúgio.

— Mas isso tem que acabar, Letícia. E sentir-se horrível, ter culpa... Não é suficiente. O dano que fez a você mesma e a Márcia Villarroel não pode ser justificado com sentimentos tão rasos.

Trinco o maxilar.

— Antes que cogite, não estou dizendo que você não é uma vítima, longe de mim dizer isso. No entanto... — ele suspirou e franziu a testa. — você permitiu que fizessem isso com você.

— Então está dizendo que fui enganada por culpa minha?

Cassian manteve-se impassível quanto a minha reação. Sinto minhas bochechas queimarem de raiva.

— Estou dizendo que você tem uma grande parcela de culpa. Não vou passar a mão na sua cabeça; no fundo você sabia que poderia ser magoada, mas aceitou ser a amante mesmo assim. E além do mais, manchou o próprio caráter.

Enfio as unhas na minha palma com tanta força que sinto arder.

— Vamos lá, querida. Você realmente pensou que ele seria diferente com você? Se um homem é capaz de mentir e enganar os próprios pais, é capaz de fazer isso com qualquer um.

Eu seguro a respiração.

Ele tem razão.

No fundo... Eu sabia. Sabia que poderia ser ferida, que poderia acabar com o coração machucado. Que o que estava fazendo era errado... Respirar dói. Existir dói. Suporto a verdade dolorosa com dificuldade. Engulo meu orgulho com sofreguidão. Cassian está certo. Além de ter cavado minha própria cova, sujei minha integridade — me tornei cativa da imoralidade. Outrora cuidei do meu caráter com esmero, mas o desejo ilusório de ser amada me cegou completamente. Cegou minha capacidade de pensar com sensatez.

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— Mas... — após um momento em silêncio, ele reflete — jamais negaria que Fernando Mendiola é um homem de péssimo caráter. Cretino e cruel, no mínimo. Almejei acabar com a raça dele, ainda almejo para dizer a verdade.

Preciso de outro gole de vinho e é isso que eu faço. Cassian estala a língua.

— Chega, Letícia.

Odeio ter que encarar a minha realidade, e odeio a mim mesma por ter sido tão estupida. Queria me jogar de um precipício e o faria se estivesse à beira de um. Ignoro a reprimenda de Cassian e esvazio a taça.

— Quer saber de um segredo? — perguntei com um riso seco.

Cassian apenas me encarava.

— Se eu dissesse que não existiram momentos em que me senti vingada cada vez que dona Márcia me humilhava, seria mentira. Era prazeroso me recordar que a assistente que ela tanto odiava era a amante de seu noivo — sussurrei fitando o nada.

Eu espero que Cassian sinta-se ainda mais decepcionado ou no mínimo enojado com a minha afirmação, mas me surpreendo quando sua mão envolve a minha. O gesto me encoraja e sem me dar conta prossigo em confessar minha sujeira.

— Márcia é tão arrogante, e as pessoas que compõe seu círculo de amigos são idênticos a ela. Essa mulher acredita veementemente que sou inferior porque vim de um lar humilde e que sou... feia. Mas é tão revigorante que sua empáfia seja grande o suficiente para não enxergar algo que está bem abaixo do seu nariz empinado.

Percebo então qual é a minha verdadeira face. Escondia-me atrás da culpa porque nunca reconheci quão maldosa eu também poderia ser. A prova estava bem ali. E eu detestei ter sido capaz de abrir mão da minha pureza por causa daquele homem.

Sorri tristemente.

— No fim... Acho que a odiei. Pelas humilhações, mas também...

— Por ser a noiva do Fernando.

Eu assinto.

— Sim. Senti inveja e... Quis tanto estar no lugar dela. E reconheço o quanto isso é errado. Mas não consegui evitar, ela tinha tudo o que eu queria. Beleza, riqueza e, o mais importante... O homem que eu amava.

Quando ergui o rosto para encarar Cassian não consegui decifrar as emoções transbordantes no seu olhar.

— Lamento por isso. — ciciou ele.

Não consigo sorrir desta vez, mesmo quando seu polegar toca meu rosto. Eu estava fraca e quebrada demais para esboçar qualquer outra reação, então não afasto seu gesto. Expulsei a culpa e permaneci parada quando o polegar escorregou para meu lábio e eu me resignei a minha insignificante força de vontade quando eu percebi a mensagem por trás daquela carícia. Eu estava bêbada, mas não o suficiente para não perceber...

Cassian me encarava como se eu fosse alguém que merecesse sua atenção. Como se eu fosse algo que valesse a pena lutar. E foi muito desconfortável notar que não me incomodei com isso.

No entanto... Usei a cabeça e fiz o certo; afastei-me de seu toque abruptamente e o meu amigo de faculdade despertou seja lá do que for a coisa quando seus lindos olhos claros tornaram-se indiferentes.

— A-Acho que já está na hora de ir para casa. — gaguejo totalmente tonta com os meus próprios pensamentos. Devo estar louca. Que homem com sanidade lutaria por uma feia? — P-Pode me levar?

— Claro — concorda com um sorriso leve.

Passei a noite em claro. Repassei inúmeras vezes os acontecimentos dos últimos dias na cabeça, assim como também as minhas conversas com Cassian. Ao sair do banho, me fito no espelho. É difícil encarar meu rosto sem sentir desconforto, porém pondero. E se Cassian estiver certo? E se na verdade... Não sou o que as pessoas dizem que eu sou? Não faria sentido ele mentir, certo? Não ganharia nada ao me convencer que sou... Bonita. Que há qualidades em mim que podem ser apreciadas... Eu engulo em seco e desisto da ideia repentina de mudar o penteado.

Depois de pronta, seguro o colar que o seu Fernando me deu e após um longo momento de martírio costumeiro, eu o ponho no pescoço e vou para o trabalho.

Não foi exagero dizer que meu coração quase saiu pela boca – como todas as manhãs – quando o meu impecável porém cretino chefe surgiu na minha sala.

— Bom dia, Lety.

Ele veio até mim com aquele rosto arrasador e beijou os meus lábios com a mesma facilidade que se rouba doce de criança. Meu corpo reagiu por instinto; eu o desejava enlouquecidamente. Já havia entendido que não dava para lutar contra — apesar da intensa pontada no coração.

Usei toda minha força para sorrir.

— Bom dia, seu Fernando. Espero que tenha dormido bem.

Ele não sorrira em nenhum momento, ao contrário, parecia perturbado.

— Não consegui. Não parava de pensar em nós dois.

Não contenho a ironia.

— Ah, é mesmo? Enquanto dormia ao lado de dona Márcia?

Seu Fernando me fitou por um longo mesmo e suspirou.

— Eu não tenho escolha, Lety. Não me lembro quantas vezes repeti para você que é necessário que eu continue com essa história até o dia da reunião.

Meu peito se comprime, mas não sinto aquela tristeza genuína e sim uma dormência. O único sentimento que se mantém fortemente ativo é a raiva que quase me sucumbe.

Quero bater nele, quero machuca-lo, feri-lo de inúmeras maneiras possíveis. Como pode ser tão terrível comigo? Como pode achar que nessa altura do campeonato eu vou engolir essa história? É grotesco. Contenho minha frustração. Se quero me vingar... Eu preciso atuar. Preciso controlar meus sentimentos, preciso controlar minha fúria. Eu suspiro dramaticamente, e assinto com uma expressão solene.

— Está bem, então.

Seu Fernando agarra meu rosto e me encara nos olhos, prometendo mais uma enxurrada de coisas que não cumprirá e me beija. É desorientador como consegue transbordar paixão e desejo num beijo tão avidamente. Seu Fernando é um ator nato. E eu sou patética por nunca resistir aos seus beijos e suas carícias. Meu corpo fica em chamas cada vez que ele me toca. E meu coração bate acirradamente forte no meu peito.

— Por favor, confia em mim — implora ao descolar os lábios dos meus. — Eu sei que no fundo você não acredita em mim, mas eu prometo por meus pais, por mim mesmo, que quando tudo isso acabar, eu terminarei meu relacionamento com a Márcia.

Eu concordo com a cabeça, mas não consigo sorrir. Ele suspira e beija meus lábios novamente antes de partir.

Trabalhei duro no balancete, cada vez mais disposta e obstinada e cumprir com meu objetivo. Fernando Mendiola pagaria por me ferir. Por volta das duas horas, seu Humberto liga para mim.

— Olá, Letícia, boa tarde. Como vai?

— Olá, seu Humberto, boa tarde! Estou bem, e o senhor? Como vai seu dia? — o cumprimento cordialmente enquanto trabalho no balancete. Falta pouco para ficar pronto.

— Vai tudo muito bem, muito obrigado. Na verdade, Letícia, eu liguei para avisar que estou de volta. Cheguei de viagem ontem à noite, e se quiser, podemos jantar e conversar essa noite. O que acha? Estou curioso para saber da tal coisa importante e urgente que quer tratar comigo.

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— Acho ótimo! Onde iremos jantar, então?

Meu coração pesa no meu peito e controlo minha respiração acelerada. Algo me diz que vou me arrepender, no entanto... Ignoro a voz.