Sara não sabe quanto tempo ficou parada em pé ali, imóvel, encarando os dois cadáveres a sua frente. Pode ter durado um único segundo, como uma eternidade. Naquele momento a mulher, no entanto, não saberia o que responder.

Alguma coisa nela havia mudado.

Ao apertar o gatilho, ao matar aqueles dois seres humanos – as primeiras pessoas que ela matara na sua vida – seu coração parecia ter endurecido, encoberto por uma camada de pedra inquebrável. A mulher não conseguia sequer piscar, apenas fitava os dois homens caídos a sua frente, ela mal conseguindo respirar.

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Foi um barulho atrás de Sara que fez seu coração disparar outra vez.

Mais uma vez, ela ouvia passos.

Aturdida, a mulher virou subitamente na direção do som e mirou a arma na direção dos invasores.

— Para trás! – ela gritou, quase apertando o gatilho.

— S-Sara... Somos nós. – uma voz feminina disse, dando um passo para trás e levantando as mãos.

Demorou um momento para a ficha de Sara cair e ela perceber quem eram aqueles indivíduos que estavam agora parados a sua frente. Sim, eram Iara, Mike e Tom. Esfregando os olhos e respirando fundo, ela baixou a arma.

— Me desculpem. – ela murmurou, ainda com o coração aos pulos.

Iara correu ao encontro da amiga e envolveu Sara num abraço.

— Você está bem? – Iara perguntou.

— Estou... – Sara disse, um pouco hesitante. Respirou fundo e retribuiu o abraço de Iara – Agora estou.

Enquanto as duas se abraçavam, Tom caminhou até onde estavam os dois cadáveres e tirou uma faca da cintura. Sem dizer nada, perfurou fundo o crânio de cada um dos mortos. A cena durou um segundo. Depois, ele limpou a faca ensanguentada num pano que estava guardado em seu bolso.

— De onde surgiram esses desgraçados? – Mike disse, aproximando-se das duas e segurando a mão de Sara.

— Eu não sei, realmente não sei... Eles simplesmente disseram ter visto vocês saindo de dentro da casa ao lado e resolveram invadir. Eles achavam que não teria ninguém aqui.

O grupo ponderou em silêncio.

— Onde está Sabrina e Gabriel, vocês conseguiram encontrá-los? – Sara perguntou, com um fio de esperança na voz.

No entanto, pela expressão dos amigos, ela percebeu que a busca deles havia sido em vão. Reuniram-se num canto da casa e contaram a Sara todo o ocorrido dentro do antigo complexo da Ressurreição. Falaram dos quartos vazios, mostraram as mochilas cheias de comidas e outros mantimentos e então revelaram o instigante final. Como esperavam, Sara arregalou os olhos, ficando completamente sem palavras diante daquilo.

— Mostre a ela, Mike. – Tom disse, olhando para o amigo.

Ainda um pouco hesitante, Mike levantou o braço e deixou a mão mordida visível bem na frente de Sara.

A mulher olhou para ele e tocou de leve a sua mão, virando-a com cuidado, como se o mais frágil toque pudesse fazer a pele de Mike apodrecer e se despedaçar.

— Está cicatrizando completamente. – Sara murmurou, sem acreditar – O que isso quer dizer?

A trupe se entreolhou antes de Iara tomar a iniciativa:

— Significa que Mike é um imune. – a mulher revelou, olhando com admiração para o amigo – Ele pode ser mordido quantas vezes for, seu corpo é capaz de produzir anticorpos para esse vírus zumbi e ele jamais se tornará um desses mortos-vivos.

Sara fitou Mike, sem saber o que dizer. Sua cabeça estava a mil... E havia ainda um detalhe que ela não havia revelado os amigos – e nem sabia se teria coragem de revelar.

Enquanto Sara absorvia tudo aquilo, Iara começou a andar de um lado para o outro pelo cômodo e puxou Tom de repente.

— Eu não consigo ficar sem fazer nada diante dessa descoberta. – ela disse ansiosa e preocupada – Nós já voltamos.

Sendo assim, sem ninguém entender nada, ela e Tom seguiram para dentro de casa atrás de alguma coisa que nenhum deles sabia o que era.

Agora sozinhos, Sara e Tom entreolharam-se. A mulher sabia que havia chegado a hora.

— Tenho que te contar uma coisa... – ela começou, segurando a mão de Mike e guiando-o até a cozinha.

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Levou o homem até a mistura que ela havia começado a preparar naquela manhã e apontou para a água e a canela. Mike, entretanto, não entendeu absolutamente nada.

— Eu achei que você iria reparar hoje de manhã, mas vocês tinham assuntos mais importantes em mente. Então... então, diante desse caos em que estamos vivendo, decidi tomar uma decisão sem te consultar, mas não consegui concluir o plano porque aqueles dois canalhas invadiram a casa.

Um brilho escuro lentamente começava a preencher os olhos de Mike. Seu semblante, por um instante, ficou completamente indecifrável.

Agora era a hora. Sara olhou dentro dos olhos de Mike e revelou a verdade:

— Eu estou grávida, Mike... Não sei nem como isso é possível, eu tenho 41 anos, nunca achei que ficaria grávida outra vez.

Sara esperou o amado homem a sua frente digerir tudo aquilo. Para a surpresa dela, ele teve a reação completamente oposta ao que ela esperava.

— Sara, você está grávida...? Vamos ter um filho ou filha?! Isso é maravilhoso!

E então o homem abriu um sorriso exuberante e abraçou Sara com vontade, rindo e gargalhando como se aquela fosse a melhor notícia do mundo.

— Vamos ter um filho! – ele repetiu ainda mais alto, completamente em êxtase.

Sara, por outro lado, tinha uma reação completamente oposta a tudo aquilo.

—Espera, Mike. – ela libertou-se do abraço de Mike e olhou fixo para ele outra vez – Olha o mundo em que vivemos, não podemos ter um filho num planeta assim... cheio de zumbis!

A mulher olhou para a pia e fitou a canela mais uma vez. Sua voz saiu amarga:

— Mais cedo, eu estava tentando abortar— ela disse quase chorosa. Iria dizer mais alguma coisa, no entanto, foi pega de surpresa quando sentiu lágrimas doídas querendo escapar do canto de seus olhos.

Sem dizer nada, Mike deu um passo até a amada e a abraçou com força. Até aquele momento, ele não havia percebido o quanto Sara estava em frangalhos.

— Que bom que você não concluiu isso, Sara. Ei... e olhe para nós, somos sobreviventes nesse mundo apocalíptico. Não somos pessoas que desistem.

Então, num gesto inesperado aos olhos de Sara, Mike colocou gentilmente a mão no ventre da mulher e murmurou:

Aqui está o futuro, Sara. Aqui está a esperança.

A mulher olhou para o próprio ventre e sentiu o calor da mão de Mike espalhando-se por todo o seu corpo.

— Também, descobrimos agora que sou imune... Ou seja, pode ser que nosso filho venha a ser como eu também. Vai dar tudo certo, eu acredito em nós dois.

Pela primeira vez naquele dia, o coração de Sara se aquietou. E ela, então, conseguiu finalmente sorrir. Um sorriso que foi, sim, completamente genuíno.

Sara fitou Mike e os dois ficaram se encarando em silêncio. Um silêncio que se mostrou calmo e realmente acolhedor.

Foram passos apressados que tiraram de repente os dois do transe.

— Desculpe interromper os dois pombinhos. – Iara disse, aproximando-se apressada deles juntamente com Tom ao seu lado. – Mas agora com a descoberta de Mike ser um imune, não acho certo ficarmos quietos... Nós precisamos fazer alguma coisa.

Então, como se segurasse um troféu, Iara levantou o rádio e colocou-o no centro do grupo.

— Coordenadas 27° 17' 00" S, 48° 22' 00" O. Repito, coordenadas 27° 17' 00" S, 48° 22' 00" O.

O que é isso? – Sara perguntou confusa. Mike olhou para ela e ele tinha a mesma cara de dúvida estampada na face.

— São as coordenadas do laboratório onde se encontram os médicos que estão trabalhando na cura. – Tom disse, com um brilho distinto nos olhos.

Ele olhou para Iara, trocando um olhar mudo com ela.

— Isso é perto daqui. Teremos ajuda assim que chegarmos na costa. – Iara disse, olhando para todos os três antes de revelar o seu plano: – Nós precisamos levar Mike até lá.