Impressões Enganam, as
Ela tem intolerância a lactose
_ E aí, cara! Que que você tá fazendo aqui?
_ Robinson!
Cumprimentei o antigo colega que surgiu na minha baia.
_ Pedi transferência. E você? Faz tempo que está por aqui?
_ Quase um ano. E aí, já conheceu a Veri?
Ele indicou a jovem que acabara de me ceder o telefone com a cabeça.
_ Sim, ela me... Deu o telefone. - ergui o aparelho.
_ Legal. E aí, vem almoçar comigo na galeria?
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!_ Vou sim cara, preciso conhecer o lugar.
_ Então vou indo lá. Passo aí na hora do almoço.
_ Beleza.
Depois de ficar sozinho novamente, voltei a trabalhar. Agora mais do que nunca tinha que mostrar serviço. E um bom serviço.
*
_ Diz aí, já conhece todos os chefes mais influentes da área? - perguntei em tom bem humorado ao terminarmos o almoço.
_ Os que me importam, sim.
_ Como é o Carlos Barasal? Ele me pareceu meio impaciente quando tentei falar com ele pela manhã...
_ Ah, esquenta não. Ele tá sempre sem tempo. Basta não atrapalhá-lo que acaba caindo nas graças dele.
_ E quem cuida do ITIL geral?
_ Não conheço. Mas acho que é o chefe do Barasal.
_ Será tão chato ou pior?
_ Não tenho ideia.
_ Pô, e que colega que eu arrumei hein... Como vai ficar quando eu precisar de ajuda?
O Robinson riu ao se lembrar da minha colega.
_ Não fala com ela, que ela também não vai te incomodar. Só não se assuste quando ela começar a falar sozinha.
Fiz uma careta de susto, o que fez com que meu colega risse ainda mais.
_ Ela foi pra lá achando que finalmente ia ficar sozinha, e aparece você para incomodá-la...
_ O que eu posso fazer? Me mandaram ficar perto do Barasal, e era o único lugar vazio! Diz uma coisa, ela não preenche vaga de funcionário especial, preenche?
_ Sinceramente eu não sei, cara...
_ O que é que ela faz?
_ Também não tenho certeza, mas acho que é especificadora...
Terminei de tomar meu suco, e decidi mudar de assunto:
_ Mas e como é a mulherada aqui? Tem mulherada, né?- ri.
_ É difícil, mas até tem, só que são meio metidas viu...
_ Só porque você não conseguiu pegar ninguém?
_ Ei! Tá me estranhando meu?
Continuamos conversando sobre assuntos sem importância até voltarmos a nossos postos de trabalho.
O andar estava praticamente vazio quando voltei para o meu lugar.
Decidi navegar um pouco na internet antes que alguém voltasse, pois a prática era proibida na empresa.
_ Oi...
Fechei rapidamente as janelas que tinha aberto e ergui a cabeça.
_ Não estou conseguindo acessar a internet... Você entende alguma coisa sobre isso?
Aquela criatura esquálida jazia parada em frente à minha mesa, estática.
_ Ahn...
Por que ela estava me pedindo algo que era proibido? Bem, eu estava usando...
_ Posso dar uma olhada.
Levantei-me e fui até a mesa dela sem esperá-la.
Tinham alguns bichinhos que balançavam a cabeça com o movimento da superfície onde estavam, e um porta canetas peludo. Tudo ali inspirava jardim de infância.
Tentei acessar a rede, mas não deu certo, então alterei algumas configurações e... Nada. Queria sair logo dali, pois a garota me encarava insistentemente. Talvez fosse apenas parte de seu comportamento estranho, mas me incomodava muito.
_ Deve ser o fio. - eu disse sem graça para tentar desviar a atenção incômoda.
_ É... Pode ser. - concordou vagamente, ainda sem deixar de me encarar.
Abaixei-me e apertei alguns fios. Pelo menos ali em baixo ela não podia me ver.
Ledo engano. Senti um salto no peito com o susto que o rosto dela me deu ao surgir em baixo da mesa.
_ Quer ajuda? - ela sorriu parecendo empolgada.
_ Não, não. Já terminei.
Arrastei-me para fora do compartimento, tomando o cuidado de manter-me bem longe dela.
_ Quer tentar agora?
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Ela também se levantou e mexeu no micro.
_ Ah... Que bom! Está funcionando!
Ela voltou a me encarar e sorriu.
_ Obrigada!
_ Hum! Disponha!
Aliviado, voltei para o meu lugar. Senti medo de talvez ela tomar a liberdade de conversar comigo por causa do favor, mas felizmente ela fez silêncio por toda a tarde.
*
Por toda a semana trabalhei sem receber nenhuma orientação, então continuei apenas fazendo o que estava habituado a fazer no outro prédio.
Continuava recebendo ligações procurando pela Veridiana, mas a frequência foi diminuindo até o fim da semana.
Sempre que eu chegava, ela já estava a postos, digitando muito agilmente, mas sempre parava para me cumprimentar com aquele sorriso vago.
Ela parecia muito assídua e comprometida com o trabalho que fazia, qualquer que fosse ele. Por causa disso, estranhei sua ausência na segunda-feira seguinte, o que se repetiu na terça-feira.
Na quarta-feira quando cheguei, o lugar dela ainda estava vazio e comecei a achar que havia sido mandada embora.
_ Mas os bichos continuam aí... - murmurei para mim mesmo quando vi uns cachorrinhos balançando as cabeças medonhamente por causa do movimento da minha mochila sendo colocada sobre a mesa.
Pouco antes da hora do almoço, a porta de vidro se abriu, e como habitualmente procurei ver quem era.
_ Bom dia... - ela me cumprimentou avoada.
_ Oi, bom dia, Veridiana.
Ela sorriu mais abertamente e propôs:
_ Pode me chamar de Veri... Todo mundo chama.
Quem? Nunca havia visto ninguém falando com ela... Senti pena de sua carência.
_ Tá.
Ela continuou mais algum tempo me encarando, sem dizer nada.
_ Hum... E então... Foi bem de fim de semana? - me vi obrigado a perguntar.
_ Hum-hum. - ela confirmou sem dizer mais nada.
E continuou na mesma posição. Será que queria alguma coisa?
_ Você aproveitou para emendar? - tentei.
_ Ah, não... É que eu tenho intolerância a lactose.
Não entendi chongas...
_ Ahn, claro.
_ E comi pão de leite no domingo.
_ Hum-hum. - voltei minha atenção para o computador, na tentativa de dispersá-la.
_ E ontem eu trabalhei fora mesmo.
_ Ah, tá explicado. - continuei me concentrando no meu trabalho.
_ Alguém ligou para mim? Digo... Nesses dois dias?
_ Não. - continuei sem encará-la.
_ Ahn. Tá, obrigada, então.
_ Não tem por onde.
Ela riu, o que me fez voltar a encará-la.
_ Ah, não é nada. É só que me lembrei do Chaves...
Ergui uma sobrancelha em estranhamento.
_ Você conhece, não é? - ela perguntou séria.
_ Claro. É só que... Eu tenho uma coisa importante para fazer... Não me leve a mal... Podemos falar mais depois... Quem sabe no almoço, não é?
_ É? - perguntou esperançosa.
Pronto, arrumara uma situação constrangedora. Será que ela não entendia o que eu queria dizer?
_ É, talvez...
Então seu sorriso se apagou lentamente e eu já não sabia se ainda estava olhando para mim, ou para o vazio logo atrás de mim.
_ Ah... Mas hoje não vai dar... Tenho tanta coisa pra fazer...
Por que ela queria fazer parecer que eu a estava chamando para sair? E pior, que estava me dispensando?
_ Não tem problema.
Voltei-me outra vez para o micro. Será que ela não iria embora nunca mais?
_ Talvez outro dia.Vítor, né? - perguntou confirmando meu nome.
Encarei-a curioso.
_ Ah, as notícias correm... - e riu divertida.
_ Hum-hum.
_ Então eu tenho que ir Vítor... Bem... Mas vou estar aqui do lado, né? Então, estou indo para o lado.
Ela acenou e finalmente foi para a sua mesa.
Bufei irritado e voltei a trabalhar. Fiquei apreensivo quando vi o Robinson se aproximando para me chamar para o almoço. Não queria ter de convidá-la de verdade.
Mas por sorte ela não estava lá. Talvez tivesse ido ao banheiro, por isso saí feito um fugitivo.
O Robinson me encarou curioso enquanto aguardávamos o elevador.
_ Ih cara, nem queira saber... - aconselhei.
Naquela mesma noite tive um pesadelo, com grandes olhos cinzentos e arregalados.
Continua
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