Impressões Enganam, as

Ela dirige muito bem


Então ela tinha um carro... Logo, ela dirigia. Óbvio. Mas eu não conseguia fazer essa associação...

E claro! Por isso evitou a cerveja...

_ Ah, sim! Então vamos até lá...

_ Se você não se incomodasse, eu queria te dar uma carona... Está tarde. E frio.

_ Não, não precisa se incomodar... Eu também estou acostumado! - ri sem graça.

_ Ahn. Eu só achei que seria mais confortável... E passaríamos mais alguns minutos juntos.

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Depois disso evitou olhar para mim e percebi que estava muito envergonhada.

_ É verdade. Eu adoraria isso.

Ela voltou a me encarar, e apesar do constrangimento, sorriu timidamente.

Voltamos a caminhar, dessa vez na direção oposta, enquanto uma brisa mais gelada brincava em nossas faces.

Tentava imaginar um carro que combinasse com ela, mas nada parecia nem chegar perto.

Começava a formar a imagem de um pequeno carro engraçado e cor de rosa, quando ela diminuiu a velocidade e por fim parou.

Abriu sua bolsa e procurou pela chave, em seguida apontou-a para o veículo e desarmou o alarme.

Eu jamais teria imaginado aquele carro.

Parecia muito robusto para ela. E muito caro. Uma Tucson como aquela já havia sido meu sonho de consumo por algum tempo.

_ Vamos? - perguntou desajeitada ao dirigir-se para a porta do motorista.

_ Hum-hum. - murmurei também me sentindo meio alheio à paisagem.

_ Pode entrar.

Assim que avisou, ela embarcou, e eu fiz o mesmo.

Analisei o interior bem trabalhado do carro, enquanto sentia meu corpo afundar no banco confortável.

Seria uma boa motorista? Provavelmente dirigia com a cautela de um idoso, afinal, era sempre tão preocupada e responsável.

Fiquei assistindo-a, enquanto dava a partida e engatava a ré. Ela me sorriu antes de olhar pelo retrovisor. Deixou a vaga com cuidado e dirigiu até a cancela eletrônica.

Parou para colocar um ticket no aparelho, e quando a trava eletrônica se abriu, voltou a acelerar.

Continuei observando suas manobras desenvoltas, suas agilidade com o câmbio, enquanto achava que toda aquela destreza não condizia com o tipo de pessoa que ela era.

E decidi parar de imaginar o que combinava ou não com ela. Eu sempre errava.

Parecia cautelosa sim, mas longe de dirigir como um idoso. Seu pequeno e delicado pé parecia ser de chumbo...

_ Hum... Acabei de me dar conta que não sei para onde ir... - riu sem graça.

_ Ahn! É verdade! Eu moro bem próximo ao centro, perto do museu. Já foi lá?

_ Uma vez... Eu vou pela rodovia, tudo bem? Tem menos obstáculos, acaba sendo mais rápido...

_ Claro, Veri. Nem precisa se justificar.

Ela sorriu angelicalmente e voltou sua atenção para o trânsito. Engatou outra marcha mais uma vez e pegou o acesso para a rodovia.

_ Então... Você gosta de carros grandes, não é? - puxei assunto.

_ Ah... Sim... Não que isso signifique que eu queira compensar alguma coisa... Ou talvez signifique... Não sei mais... - riu sozinha enquanto falava, ainda sem desviar sua atenção da direção.

_ Compensar alguma coisa?

_ É... Você já ouviu dizer que as pessoas que têm carros grandes na verdade querem compensar alguma coisa? - ela voltou-se para mim, e fiquei apreensivo por ter deixado de olhar para frente – Mas deve ser apenas uma lenda urbana né...

_ Deve ser. Ou você quer mesmo compensar alguma coisa?

_ Hum... - ela pareceu ficar pensativa - Não. Pelo menos conscientemente... Estou satisfeita. Por enquanto.

_ Por enquanto?

_ Hum-hum. - ela confirmou me encarando brevemente – A gente está mudando constantemente. Nossos objetivos também mudam. Por enquanto, atingi os meus. Mas logo vai aparecer outro. Né?

Será que eu fazia parte dos objetivos dela? Ou era apenas um brinde?

Acabei rindo de tal pensamento.

_ Não ligue. Às vezes eu imagino cada coisa...

_ Imaginar coisas é legal! - sorriu.

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Ela parecia entender mesmo disso. Mas nela, essa imaginação toda lhe caía bem.

Senti que estávamos indo um pouco mais rápido, e sem querer, uma das minhas mãos se agarrou no assento do banco.

_ Você também dirige? - ela perguntou, e achei que fosse para quebrar o silêncio.

_ É... Só quando meu pai deixa...

Ela riu por um instante e trocou outra vez de marcha.

_ Mas isso significa que às vezes ele deixa. E isso já é muito legal da parte dele, não é?

Pensei que fosse impressão, mas estávamos mesmo cada vez mais rápido.

_ Sim... Meu velho é bacana sim... É que nem sempre ele pode liberar o carango né... Veri, esse é o velocímetro?

_ Ah, sim! Ele é digital...

_ Então estamos mesmo a 125 por hora?

_ Hum-hum.

_ Mas... Estamos 15 km/h acima da velocidade máxima da rodovia...

_ Uh... Ahn, me desculpe...

Ela pareceu ficar nervosa, e a velocidade começou a baixar.

_ É o hábito... Hee!

_ Hábito? Como assim?

_ Na Alemanha, a maioria das autobahns não tem limite de velocidade... Ou melhor, as auto-estradas... Me desculpe mesmo! Eu sempre me esqueço!

_ Não, que isso... Eu que devo tê-la deixado sem graça! Eu só me preocupei por você poder levar uma multa... Mas... Você disse mesmo que era um hábito?

Ela balançou a cabeça positivamente, agora visivelmente preocupada com o que velocímetro mostrava.

_ Mas, você não disse que nasceu aqui? Você chegou a morar lá?

_ Sim... Voltei há três meses.

_ Uau! Sério mesmo? Mas... Então eu não entendi... Você foi morar lá com quanto tempo?

Ela manteve silêncio e eu preferi não insistir. Fiquei apenas observando a paisagem através da janela, já que agora eu conseguia distinguir alguma coisa.

_ Então, quando meu pai foi embora, minha mãe não sabia ao certo o que fazer, então voltou pra Alemanha quando eu tinha só três anos para não ficar sozinha... Mas ela quis voltar pra ele quando eu tinha nove e viemos novamente pra cá... Quando completei quinze anos ela quis voltar outra vez para lá...

Estava implícito que a inconstância da mãe dela estava intimamente ligada aos surtos de esquizofrenia. Como a Veridiana podia ser tão forte?

_ E voltaram para cá novamente por vontade dela? - perguntei.

_ Não... Dessa vez foi a MH. - riu descontraída – Eu estava trabalhando na matriz da Alemanha, até me mandarem pra cá...

_ Então é temporário? - quase a interrompi.

Novamente ela negou com um aceno de cabeça.

_ Meu objetivo era ficar definitivamente. E por enquanto, está atingido...

Me aliviei com essa perspectiva. Fui acometido com um inesperado frio na barriga quando a imaginei voltando para a Alemanha.

_ É aqui que eu tenho que virar, não é mesmo?

_ É sim.

Depois de sairmos da rodovia, dei mais algumas instruções para ela sobre como chegar à minha casa, até finalmente chegarmos de fato.

_ Então... Parece que chegamos. - comentou parecendo constrangida – Me desculpe mesmo... Por tudo.

_ Pelo quê, Veri?

_ Ah... Oras... A direção... A conversa um pouco maçante... Às vezes acontece!

Meneei a cabeça, quase não acreditando no que ouvia. Destravei a porta e desembarquei. Contornei a frente do carro e fui até a porta dela. Fiz sinal para que ela destravasse a porta dela, e a abri.

_ Eu tenho é que te agradecer.

_ N-não... Imagina...

Alcancei sua mão, e a puxei para perto de mim. Ela deixou o carro, me encarando de forma curiosa.

Abracei-a afetuosamente.

_ Você é incrível, Veri.

_ De uma forma boa? Ou de uma forma má? - perguntou com a voz abafada no meu braço.

_ De uma forma maravilhosa.

Senti que ela ajeitou-se, e eu fiz o mesmo, para podermos ficar mais tempo abraçados de forma confortável.

_ Não quero atrasá-la. Sua mãe deve estar te esperando, não é?

_ É sim... Tenho mesmo que ir.

Afastei-me dela, mas me inclinei para beijá-la mais uma vez. Ela pareceu surpreender-se, mas permitiu que eu fosse adiante.

Em seguida, ela embarcou de forma desajeitada no carro e partiu.

Fiquei observando-a, até que não fosse mais possível ver as luzes vermelhas de seu carro.

*

Eu estava gostando mesmo da Veridiana.

Continua