Identidade Homicida

Discussões alheias


Era de manhã, quando a estridente campainha de meu dormitório tocou. Abri a porta ainda de pijama e com olheiras profundas. Ainda não era horário de aulas, não tinha motivo para acordar.

— Bom dia, desculpe o horário. Sou Nathaniel, o presidente do grêmio.

Olhei-o de baixo para cima, a visão ainda turva pelo cansaço fazia enxergar dois garotos louros. A visão voltou ao normal, ambos os garotos fundiram-se.

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— Sei que chegou aqui já há alguns dias atrás... - continuou. -... Porém, durante esse tempo não tive oportunidade de lhe mostrar o colégio, o que é meu dever como representante. Então, desculpe-me por isso.

O representante? Então ele era um dos garotos da discussão no telhado? Parecia organizado e centrado demais para arranjar uma briga.

— Não se desculpe por essa bobagem. – respondi ainda sonolenta. - Há muitas outras coisas que ainda não conheço por aqui. Você apresentará agora?

— Por mim tudo bem.

Trajei um casaco para ocultar a pouca transparência do pijama, e pus-me a seguir o tal representante Nathaniel. Mostrou-me algumas salas nas quais ainda não tinha visto, incluindo a enorme biblioteca do térreo do prédio principal. Era muito simpático - não conseguia crer que ele era um dos geradores da discussão, entretanto, após os acontecimentos de Jade, confesso que deveria tomar mais cuidado com minhas definições.

Paramos de fronte a estufa de jardinagem. Algumas faixas listradas de preto e amarelo interditavam a entrada para o ambiente.

— Este é o Clube de Jardinagem, num momento está em reforma. Provavelmente daqui alguns dias esteja pronto.

Era isso que os demais alunos ficaram sabendo; uma reforma. Era óbvio que não saberiam da verdade, visto que não sabiam de nossa existência. Kentin talvez fosse o único, apenas porque Armin contou-lhe.

Retornamos ao dormitório feminino e descemos algumas escadas para uma sala subterrânea. Uma grande sala. Com assoalho de madeira, toalheiros e um enorme ofurô ao centro.

— Este é o ofurô feminino. Está disponível todos os dias apenas após as oito da noite, o horário do toque de recolher.

— Oh que incrível! – comentei admirada. Já fazia planos para a noite. – Então é por isso que a esse horário nunca escuto as garotas em seus quartos.

— Sim, os ofurôs do colégio são um grande hobbie noturno para os alunos. –sorriu. - Ah claro, antes que eu me esqueça. – entregou uma enorme folha para mim. – Estes são os clubes com vagas abertas, há uma grande variedade para escolher.

— São muitos, nem sei qual participar. – disse estufando as bochechas, observando o papel. – Você também participa de algum?

— Sim, o clube de Física, mas não acho que se interesse por exatas. – sorriu brandamente.

— Está mais que certo. – ri levemente. – Então, qual devo escolher?

— Tem até o final da semana para decidir pelo menos um. Tente encontrar alguma coisa que te satisfaça.

Seguimos com as apresentações finais, onde Nathaniel mostrou-me a piscina de uma das laterais do colégio, cercada por grades altas. A água estava suja, com o mesmo tom das folhas que nela flutuavam.

— Uma vez, um dos alunos se afogou na piscina. E a partir daí, a diretora achou melhor torná-la inativa. – comentou, simplesmente.

Uma pena! Seria ótimo ter uma piscina para os dias quentes.

Nathaniel levou-me de volta ao dormitório, nos despedimos.

Assim que regressei à cama para mais um cochilo, o sinal das aulas tocou. Maldição!

O tempo em que o representante me expunha o colégio seria uma grande oportunidade para dormir. Agora estava eu, entorpecida na aula de história.

— Castiel sente-se direito, por favor. – insistia o professor Faraize com sua voz trêmula.

O garoto retirou as pernas, nas quais alongava sobre a mesa.

— Lysandre, dê-me este seu bloco. Prestem atenção na aula, por favor.

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O outro rapaz entregou-lhe uma caderneta, receoso.

— Armin, quantas vezes eu tenho que falar para não trazer seu videogame para a aula? – respirou pesadamente e elevou o tom de voz. - Vocês praticamente MORAM no colégio, custa esperar só mais um pouco?

— Professor, é só um jogo. Eu consigo prestar atenção nele e no senhor ao mesmo tempo. – retrucou Armin ainda de olho para a tela do aparelho.

— Diga isso à suas notas. Vamos, me entregue isso. – estendeu à mão, sua face continuava com a mesma expressão afligida de sempre.

Armin fitou-o com descontentamento, suspirou fundo e entregou seu videogame.

O sinal tocou, anunciando o encerramento da aula. Todos corriam e atropelavam uns aos outros em direção à saída da sala. Com a aglomeração de pessoas na porta, derrubaram a pilha de folhas que o professor organizara outrora. Ninguém fora ajudá-lo. Todos saíram da sala, levando toda a algazarra para os corredores.

Sendo a última a sair da sala, por bom-senso, agachei-me para ajudar Faraize a recolher a papelada.

— Muito obrigado, Elsie. – colhia as folhas sem olhar em meus olhos. Suas mãos tremiam.

— Não precisa agradecer, professor. – sorri entregando-lhe os papéis. Levantamo-nos.

Faraize fitou seu relógio de pulso:

— Bem, tenho que ir. Até amanhã.

— Até!

Fui até a cantina onde encontrei, milagrosamente, Armin e Kentin sentados em uma das mesas conjugadas.

— Elsie, sente-se aqui com a gente! – chamou Armin enquanto apalpava um dos bancos ao seu lado. Apanhei a bandeja de lanche e fiz o que indicava.

— Onde você estava? –perguntou Kentin.

— Estava ajudando Faraize com algumas coisas. – respondi levando uma colherada à boca.

— Esse idiota pegou meu PSP. – Armin cruzou os braços, estufando as bochechas.

— Não fale assim, Armin. Você que errou em levar seu videogame para a aula. –retruquei. Kentin assentiu com a cabeça.

—Tá, tá. Entendi. – virou o rosto. – É a segunda vez que o perco essa semana, daqui a pouco vão acabar quebrando-o.

Após alguns minutos de silêncio, alguém exclamou:

— Aê galera! Acabei de ver o delinquente e o representante discutindo de novo! – exclamava um garoto em cima de uma das mesas conjugadas. Todos que passaram por perto se voltaram para ele. –Estão na retaguarda da escola, vamos lá!

De repente, uma multidão começou a seguir o garoto pela lateral do colégio.

— Por que os alunos daqui adoram discussões? –perguntei abismada com o conjunto de pessoas bisbilhoteiras.

— Em um colégio interno tudo costuma se tornar rotineiro. Qualquer coisa que quebre isso, se torna interessante. – explicou Kentin, rindo.

— Vamos lá, vamos lá!- exclamou Armin, entusiasmado, levantando-se.

Chegando à parte posterior do colégio, uma roda formava-se ao redor da confusão. Tínhamos de esticar o pescoço para visualizar melhor.

— Que merda! Por que você SEMPRE tem que se achar “o certo”?!- bradava um rapaz "ruivo". Qual era seu nome mesmo? Ah, “Castiel”, o garoto que recolheu suas pernas da mesa.

— Não falei isso em momento algum! Só disse que por SUA culpa eu tive de ficar na retenção!- retrucava Nathaniel.

— Isso não teria acontecido se você não fosse canalha o suficiente para assumir o que diz!- argumentava Castiel.

— Eu já disse o que queria. Falei que você é um imbecil, e se quiser eu repito!

— Você que é imbecil, querendo pagar de santo!

— É você que se acha o certo! Já estou farto disso! Acha que tudo deve estar ao seu favor!

Cada um possuía seu motivo para brigar. Jogavam justificativas por cima de ações, tudo para mostrarem que possuíam a razão, sucessivamente. E isso acabava por desfocar o motivo real da briga e o verdadeiro culpado.

Inesperadamente, Castiel fechou o punho e mirou-o cuidadosamente no rosto de Nathaniel. Este caiu no chão contorcendo-se enquanto cobria a face com a palma das mãos. Todos da “plateia”, assim como eu, ficaram boquiabertos e pasmos.

— Agora só falta a pipoca. – Armin cruzou os braços com um sorriso arteiro.

Embora eu não soubesse o pretexto da briga, achava errado que as coisas resolvessem-se desta forma. Apenas se fosse muito necessário, o que não parecia o caso.

Castiel abriu um sorriso travesso. Pôs um de seus pés para trás e impulsionou-o para frente, chutando o estômago de Nathaniel sucessivas vezes. Uma grande humilhação.

Fitei Armin, desta vez, nem ele parecia estar contente com o rumo da briga.

Minha consciência dizia que eu deveria intervir aquilo antes que a situação piorasse. Outra parte advertia-me, dizendo que caso fizesse isso, com certeza receberia sem motivo e que a briga não era minha. Esse impasse resultou em uma paralisia corporal.

Para encerrar com a discussão, Castiel agarrara a gola da camisa de Nathaniel e pendurou-o no ar, pronto para dar um golpe final. Pela boca ainda sorridente do louro, escorria-se sangue pelas laterais.

— O que está acontecendo aqui?! –um ralho soou à nossas costas. A multidão virou-se assustada.

Passos pesados e porte grande: o temido inspetor Jack. Andava com as mãos atrás das costas, assemelhando-se a um líder militar.

Parte do conjunto de pessoas deu passagem para que ele intervisse ao centro da confusão. Sua bota de borracha rangia ao friccionar com o solo. Um silêncio fúnebre instalou-se. Kentin engoliu em seco.

Ambos os rivais que discutiam também se viraram para o inspetor. Castiel franzia as sobrancelhas, impaciente. Nathaniel já se encontrava debilitado, para abrir os olhos, esforço parecia necessário.

— Posso saber por que os dois idiotas estão brigando de novo? - disse em tom autoritário. – Castiel, solte o garoto.

O rapaz hesitou por um momento, fitou-o com desdenho e largou Nathaniel como um objeto. Este caiu sem apoio ao solo.

— Você, venha comigo. – referiu-se à Castiel.

Não suportava ter de ver o representante sendo humilhado daquela forma. Estourei.

— E você tam...!

— Espere! – interferi. Todos se viraram em minha direção, tarde de mais para fingir o silêncio.

— O-o que você está fazendo?! – sussurrou Kentin.

Armin colocou a palma da mão sobre o rosto.

— Por favor, não o puna! – adentrei o centro e corri para socorrer Nathaniel. Coloquei um de seus braços ao redor de meu pescoço. – Não sei qual o motivo certo dessa discussão, mas pelo o pouco que ouvi, não justifica a agressão de agora pouco.

— E o que você sabe sobre esse canalha, novata?! Não tente dar uma de boazinha também, ou vai acabar que nem ele! – bradou Castiel.

— Epa, epa! – Armin colocou-se à frente do ruivo, esbracejando enquanto sorria para tentar amenizar a situação. - Vamos nos acalmar, certo?

— Castiel, venha comigo! – o inspetor tomou a voz. – Você, novata, leve o representante à enfermaria!

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Assenti com a cabeça, tudo parecia estar resolvido.

Ou quase tudo.

— E VOCÊ. – Jack apanhou uma das orelhas de Armin, que já estava de saída. – Você vem comigo pra cumprir sua dívida de outro dia. – começou a puxá-lo para fora do círculo de pessoas. –E não pense que vai fugir da sala como da última vez!

— Espera aí, inspetor. A-acho que o senhor está apertando de mais. –forçava um sorriso franzindo as sobrancelhas. Sua voz tornava cada vez mais longínqua. – A-ai! Desculpe, desculpe.

Todos observavam atentamente Castiel e Armin sendo levados pelo inspetor Jack, até saírem de nossa linha de visão. Aos poucos, o tumulto foi desmanchando-se.

Kentin veio em minha direção, apanhou o outro braço de Nathaniel e contornou-o em seu pescoço.