I Still Believe

Flecha no coração


Dois anos antes da Maldição

O tiro no centro do alvo foi certeiro, arrancando aplausos de quem assistia. Regina girou o corpo e deixou ser elogiada pelos amigos. Segurava o arco com firmeza, as flechas cuidadosamente posicionadas em um suporte perto dela.

Ela, Emma e os amigos tiraram a tarde para treinar algumas lutas básicas com armas brancas, porque ninguém sabia quando algum vilão apareceria de novo, apesar de estarem há anos na paz absoluta em Storybrooke. Precisavam estar preparados caso algo saísse fora da linha, e aprender uma nova habilidade não era má ideia, principalmente sendo algo que a esposa e a sogra dominavam.

Emma veio de coro, batendo palmas animadamente.

— Parece que alguém está aprendendo rápido – ela disse.

— É claro! Eu tenho a melhor professora – Regina a abraçou, beijando-a docemente nos lábios.

— Professoras! – Branca de Neve surgiu atrás delas, rindo como se tivesse ouvido a melhor piada. – Não esqueça de mim.

— A Rainha Má esquecer da Branca de Neve? – Regina gargalhou, dando uma piscadela. – Nunca.

— Certo. Acertar a primeira vez o centro do alvo pode ser sorte de principiante – Emma falou, ajeitando outra flecha no seu próprio arco. – Você precisa treinar um pouco mais.

— Você está me subestimando, Sra. Swan-Mills? – Regina arqueou as sobrancelhas delineadas.

— Subestimar a Rainha Má? – Emma a imitou, balançando a cabeça. – Nunca.

Regina se posicionou novamente, erguendo os braços do jeito que tinham explicado. Segurou o arco com firmeza e observou o vento cortando a face. Se quisesse fazer aquela flecha alcançar o alvo outra vez, precisava de um impulso maior, considerando o movimento do vento.

Com cautela, esperou alguns segundos e arrumou sua posição, tomando muito cuidado na hora de disparar. Dessa vez a flecha não fincou o centro, mas parou muito próximo.

— Pelo menos acertou o alvo – Emma disse em tom de brincadeira. Regina abriu um careta, desafiando. – Não, sério. Isso foi um elogio. Para quem está começando, você está indo muito bem.

— Você diz isso para todas suas alunas? – Regina riu.

— Você é a minha única aluna – Emma revirou os olhos.

Uma outra flecha flamejante passou raspando na cabeça delas, indo em direção perfeita ao centro do alvo e colocando fogo na estrutura de palha. Branca de Neve tinha acabado de disparar, e um sorriso sarcástico pintava o seu rosto angelical.

— A sua mãe é muito metida – Regina abriu outro sorriso, observando os outros treinamentos.

David Nolan, o Príncipe Encantado, ajudava duas crianças a empunharem com cuidado e precisão suas espadas, Ruby cuidava dos alongamentos com outras crianças e Bella indicava no manual de instruções como deveriam montar uma armadilha perfeita. Outros também se faziam presentes ajudando de um lado para o outro, tanto no apoio quanto na comida e água, principalmente porque muito esforço cansava rápido.

O engraçado de observá-los era perceber que muitas crianças estavam dispostas a aprenderem com os heróis da cidade e, caso necessitasse, defendê-los um dia. Era uma nova geração empolgada, felizes e agradecidas pela calmaria da cidade, sem vilões, sem batalhas, sem guerra.

Regina pegou outra flecha, indo em direção a outro alvo inteiro. Emma vinha do seu lado, atenta nas outras movimentações também.

— Estive pensando – Regina começou, um pouco receosa. – Nós estamos casadas há três anos e temos uma boa vida, temos uma estabilidade. Eu sou prefeita, você é xerife, os seus pais são os maiores heróis da cidade…

Emma a encarou, imaginando que algo novo viria, mas sorria curiosa.

— E o que você está querendo?

Regina se preparou, usando esse tempo de pura concentração para selecionar as melhores palavras a fim de convencê-la. Ela disparou de novo, a flecha rasgando o ar e parando no centro. Abriu um sorriso vitorioso, voltando-se novamente para o assunto tão esperado.

— Olha essas crianças – Regina deu um pulinho animado e fez questão de abraçá-la pelas costas, guiando-a pelo espaço. O sol esquentava deliciosamente. – Tão animadas e dispostas. Alegres e enérgicas.

— Sim, motiva qualquer um – Emma sorriu contra a luminosidade do sol, ainda sem entender o destino daquela conversa.

Regina a girou outra vez. Elas ficaram frente a frente, saboreando a respiração desregulada da outra, próximas o suficiente para outro beijo caloroso.

— Por que não podemos ter o nosso próprio bebê?

Emma mordeu os lábios e olhou a volta, procurando por alguma resposta ao vento. Embora não tivesse demonstrado estranheza na pergunta, talvez por saber que o pedido seria feito em breve, ainda carregava dúvida e surpresa na expressão.

— O nosso bebê? – a xerife abriu um sorrisinho.

— Sim. Indefeso e pequeno: o nosso bebê – Regina aproveitou a deixa para abrir um sorriso doce e prosseguir na conversa. – Nós podemos fazer os exames ainda esse mês e preparar tudo para a inseminação. Decidimos quem engravida primeiro e depois…

— Quem engravida primeiro? – Emma soltou uma risadinha, cortando-a.

— Bom, sempre quis ter irmãos e não tive nenhum antes de Zelena aparecer. Companhia para o nosso filho mais velho vai ser bom – Regina não conseguiu deixar de rir também.

— Zelena. Ótima companheira – Emma zombou, mas continuava sorrindo. – Certo. Parece uma excelente ideia.

— Então você aceita? – Regina a abraçou, depositando inúmeros beijos no rosto dela.

— Eu sempre achei que a nossa casa era grande demais para nós duas – Emma deu de ombros e tornou a selar os lábios nos dela.

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ATUALMENTE

Emma levantou devagar da cama a fim de não acordar Regina, e rastejou para fora do quarto como se nunca tivesse estado no cômodo antes. Ainda usando uma calça de moletom e uma camiseta antiga de banda, desceu a escada que lavava para cozinha e entrou na mesma, atrás de um café forte para acalmar os ânimos, cuja manhã já não começava bem.

Entrou na cozinha e encontrou o filho sentado na mesa deliciosamente arrumada com pães e frutas. Henry segurava um jornal e parecia atento na leitura, as sobrancelhas franzidas.

— Então você gosta de ler – Emma falou, sentando em uma cadeira próxima.

Henry levantou os olhos pela primeira vez, encarando-a com carinho. Ele sorriu, aquele mesmo sorriso fofo no qual dera no hospital, e novamente a encheu de alegria por dentro. Era a melhor das magias.

— Eu gosto de ler muitas coisas. Principalmente os contos de fadas. Os originais – ele falou rapidamente, puxando para cima da mesa um livro velho muito conhecido.

Emma ficou quieta alguns segundos, analisando o livro com muito cuidado. Passou a mão sobre a capa, analisando as letras e constatando que tinha sentido falta do objeto.

Era uma vez” se lia logo em cima.

— Eu esperava que você fosse ler um dia – ela sorriu, um pouco emocionada.

Henry enfiou um pedaço de pão na boca, muito animado, abrindo o livro em seguida.

— Antes de você chegar, essas páginas estavam em branco – ele mostrou algumas páginas ilustradas e escritas, mas ela não conseguia lê-las com clareza. – Mas agora elas estão preenchidas. Você entende?

Ela o olhou um pouco desconfiada, tomando posse de uma xícara de café. Henry realmente tinha preparado tudo naquela manhã, e tinha feito um excelente trabalho. Aproximou-se do garoto, olhando com mais atenção para o livro.

— O que isso significa?

— Quando você chegou em Storybrooke, o relógio voltou a funcionar. Não foi?

— Sim – ela ainda continuava receosa, mas muito curiosa com o destino da conversa. – E agora que eu voltei de novo, as páginas em branco ganharam vida.

— Exato! – ele sorriu, feliz por ela ter entendido rápido. – Antes eu ficava me perguntando o que tinha acontecido, mas tudo está sendo explicado de uma forma melhor por aqui. Minha mãe não explicava bem, nem meus avós, nem August, nem ninguém. Mas o livro me disse a verdade.

— Talvez eles não quisessem te magoar, Henry – Emma falou de forma calma, embora o assunto ainda a machucasse.

— Eu sabia que você tinha sido atingida pela Maldição e levada para outro lugar pelo portal. Mas eu não sabia como tinha acontecido. Veja – ele virou o livro na direção dela.

Emma tomou cautela ao pegar o livro e começar a ler mentalmente as palavras e analisar todas ilustrações. Embora não se lembrasse de quase nada daquele dia, certamente a tentativa de tentar entender a machucava de forma doentia. Ela segurou as lágrimas, lendo aquilo o mais rápido possível para se livrar da tortura.

Ela estava à frente da família, os outros heróis caídos no chão, parecendo derrotados. Ela empunhava a antiga espada de seu pai, reluzente ao sol. Mantinha com firmeza em mãos, a jaqueta vermelha nos pés de uma Regina arrasada, enquanto o rosto e braços estavam lotados de ferimentos.

Na outra página tudo estava em preto e branco, exceto os olhos lacrimejados dela. Ela tinha sido atirada para longe, toda fumaça avermelhada tomando conta da cidade, cada centímetro do lugar. As pessoas também eram engolidas. Nos seus olhos havia medo, mas ela parecia saber o que fazer.

Ela se atirou em um buraco branco, deixando tudo para trás: a espada, a família e o desespero das pessoas. Na descrição, soube que muitos gritos soavam de canto a canto, uma canção de agouro.

E mais nada. Apenas a escuridão.

Emma precisou voltar algumas páginas, sentindo o formigamento subindo pelas pontas dos dedos e tomando posse do restante de seu corpo. Ela precisava urgentemente descobrir o que tinha acontecido antes dessa cena, precisava saber quem tinha sido o causador de todo o sofrimento.

Mas também não havia mais nada. Páginas em branco repousavam em sua mão. Ela se sentiu um pouco mais agoniada, sentindo-se tola por pensar que as respostas mais tenebrosas de sua vida seriam encontradas naquele livro velho.

— Não fala sobre o culpado? O que aconteceu antes? – ela precisou perguntar para ter certeza.

Henry a olhava com preocupação, e balançou negativamente a cabeça. Ele tocou a mão dela.

— Sinto muito. Eu também queria descobrir quem é o culpado.

— Regina, meus pais… Ninguém contou para você? – ela indagou, frustrada.

— Eles sabem, mas eles não contam de jeito nenhum. Parece que algo os…

— Prende – Emma concluiu antes do garoto.

— Isso – ele se animou. – Você também percebeu isso?

Emma suspirou, colocando o livro longe do seu alcance. Ela deu outro enorme gole no seu café, sentindo o líquido quente descer livremente pela garganta.

— Infelizmente. Eu não consigo entender. Eles ainda são os mesmos, mas não podem falar sobre o que aconteceu.

— Podíamos descobrir. Eu e você. Se algo estiver acontecendo, vamos descobrir. Talvez conseguiremos fazer aparecer o restante das páginas.

Ela precisou abrir um sorriso.

— E você está preparado para entrar nisso comigo?

— Sim! Eu sempre quis trazê-la para casa. Sabe? Ser o herói que salva a mãe. Agora que você está aqui, posso ajudá-la a ajeitar o resto das coisas. Somos uma família de novo – ele dizia com muita convicção. – Podemos chamar de Operação Cobra.

— Operação Cobra? – ela achou interessante, mas engraçado.

— É nossa missão secreta. Podemos ter um codinome também. Assim ninguém nos descobriria – ele abriu outro sorriso.

Ela pensou um pouco. Era bom descobrir o que tinha acontecido e o que a família estava escondendo, mas não sabia se era saudável trazer o filho nisso, porque ela não sabia dos perigos envolvendo a missão.

— Tudo bem – concluiu, antes de mudar de ideia. Sabia que uma resposta negativa o deixaria triste; ele estava muito animado com aquilo. – Mas primeiro eu quero conhecê-lo. Você pode ter lido tudo sobre mim no livro, mas eu ainda não tive a oportunidade de saber tudo sobre você também.

— Nós podíamos ir ao cinema. Eu conto algumas coisas, você conta outras e podíamos até dividir segredos! – ele parecia maravilhado. – O que acha?

— E depois podemos tomar sorvete – Emma piscou.

Regina surgiu na cozinha, beijando o topo da cabeleira castanha de Henry e aproximando-se para abraçá-la pelas costas, como amava fazer. Ela também estava de camisola, o rosto amassado graças a uma ótima noite de sono.

— Alguém não me acordou. Eu podia ter perdido a hora – Regina brincou.

— Você nunca perde a hora – Emma lembrou, sorrindo de lado.

Era bom poder estar em casa novamente e lembrar dos pequenos detalhes nos quais, naquele momento, eram os mais importantes do mundo.

— Isso é verdade – Henry veio na ajuda, rindo. – Mas eu já arrumei tudo isso.

— É mesmo. Está delicioso! Você fez um ótimo trabalho. Obrigada – Emma agradeceu, fitando-o com todo amor possível.

— E hoje nós temos planos – Henry anunciou.

Regina sentou ao lado da antiga xerife da cidade, pegando alguns pãezinhos e servindo-se com suco de laranja.

— Ah, é? Posso saber o que vão fazer?

— Não. É segredo – Henry falou, levantando-se. – Mas outro dia você pode vir com a gente.

Regina pareceu não ligar, sorrindo abertamente. Emma a encarou, aguardando algum contra-argumento, mas nada veio. Elas sorriram uma para outra, mais uma vez falando sem soltar nenhuma palavra. Sabiam, naquele ato, que as coisas voltavam devagar aos respectivos lugares.

— Tudo bem, Sr. e Sra. Segredo. Podem ir enquanto eu como e termino de arrumar aqui. Preciso resolver algumas coisas hoje – Regina deu um gole no seu suco. Ela pegou uma mão de Emma. – Henry vai ser uma ótima companhia.

— Tenho certeza que sim. Então vou tomar um banho e saímos juntos, garoto – ela piscou para o filho e saiu do ambiente.

Subiu novamente as escadas e entrou no quarto. Precisava de roupas limpas se quisesse sair de casa com uma aparência decente. Abriu o armário e procurou por alguma de suas roupas.

Sentiu o coração parar duas vezes ao ver uma peça diferente entre as roupas de Regina. Tirou uma camiseta masculina amassada do fundo do armário, olhando-a com muita atenção.

Ela sabia exatamente o que aquilo significava: Regina esteve com alguém. E, para a roupa estar no seu armário, significava que a pessoa tinha ficado por bastante tempo ali.

Perdeu um pouco da respiração, precisando sentar na cama, ainda com a roupa do desconhecido em mãos. Ela tinha sido tola ao pensar que voltaria para casa após dez anos e tudo estaria como antes. Era óbvio que nada era a mesma coisa. A peça de roupa era a prova disso. Quem ficaria dez anos sozinha?

Sentia-se pior por todo mundo saber sobre aquilo, exceto ela. Todos estavam mentindo, escondendo algo tão importante quanto aquilo. Sabia que Regina tinha de seguir em frente caso ela tivesse realmente morta, mas se sentia traída. Ela a amava como nunca tinha amado ninguém, e tendo a prova em mãos que a mulher esteve deitada com outra pessoa a deixava terrivelmente mal.

Chorou novamente, embora tivesse pensado que não derrubaria uma lágrima de tristeza tão cedo.