I Never Learn

On a lonely highway


Quando eu era pequeno, minha mãe me presenteou com um cachorrinho na data do meu aniversário de 7 anos. Eu já tinha pedido inúmeras vezes a ela que me desse um, e jurava que cuidaria dele da melhor forma possível, pois antes mesmo de tê-lo, eu já o amava. Não sabia como isso era possível, mas era exatamente o que eu sentia. Por isso, quando mamãe chegou em casa com um pug minúsculo e gordinho, com um laço branco enrolado no pescoço. foi como se meu coração saltasse do peito. A única coisa que eu senti vontade de fazer foi envolvê-lo num abraço apertado, para que pudesse sentir como era tê-lo comigo, guardar aquela sensação para sempre. Eu o chamei de Spike — me parecia um nome que ele gostaria de ter. Se você visse a cara dele, saberia do que estou falando.

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Foi um dia que eu jamais esqueci. Talvez por isso que, dez anos depois, quando ele foi atropelado por um carro bem na frente da minha casa, eu tivesse sentido como se eu devesse estar no lugar dele. Eu sei que pode parecer exagero, mas sentia que a morte dele era minha culpa. Mesmo que eu estivesse na escola quando aconteceu, mesmo que ele tivesse escapado de casa quando meu pai fora abrir o portão para ir trabalhar, mesmo que ele já estivesse velho e lento. Eu odiei tê-lo perdido. Chorei o dia inteiro, lamentei a morte de Spike como se ele fosse uma pessoa de verdade. De fato, muitas vezes eu não sabia dizer qual era a diferença entre ele e uma pessoa de verdade, pois era um cão inteligente, carinhoso, sempre gostava de estar perto de mim ou da minha família. Ele fora meu companheiro, meu amigo, e eu o amava.

Eu queria que Spike estivesse vivo até hoje, mesmo sabendo que seria algo impossível de se conseguir. Se estivesse, não teria forças sequer para se levantar, estaria paralisado, doente e sofrendo. Talvez mais do que sofreu no dia de sua morte. Porém, com o tempo, percebi que não valia a pena me culpar por aquilo. A culpa não tinha sido nem minha, nem do meu pai, nem do motorista que o atropelou. Muito menos do Spike.

As pessoas morrem, os animais morrem, as coisas morrem, os sentimentos morrem. É a naturalidade do universo. O mundo se transfora, o fluxo muda de direção. O que era incerto se torna certo. O que não acreditávamos vira nossa lei máxima. O que era inquestionável torna-se frágil.

*

A chuva caía leve do lado de fora. Eram 2 horas da tarde de sábado, e eu estava sentado no sofá, bebendo uma lata de refrigerante enquanto via uma maratona de The Walking Dead na TV. Não tinha vontade nenhuma de sair, sobretudo por causa do clima.

Eu ainda pensava no que acontecera entre mim e Carol, entre mim e Rafa. E sabia que uma coisa precisava ser feita, e eu precisava fazê-la. Não adiantava mais me culpar. Isso não resolveria absolutamente nada. É como se eu estivesse em uma fronteira, com um pé em um lugar, e outro em outro. As coisas com Carol tinham acabado, e não voltariam a ser como antes. Precisava escolher um lugar para ficar, precisava tomar uma decisão.

Paulo me chamara pra outra festa, e dessa vez eu iria. Novamente, ele havia se oferecido pra me buscar, mas com a chuva, meu ânimo persistia em não aparecer. Mas mesmo assim, com chuva ou sem, eu estaria lá. Estava rezando para que à noite o tempo melhorasse. Tinha convidado Rafa para ir comigo, e ele aceitara. Porém, novamente, eu sentira algo estranho entre nós. A culpa, que antes estivera isolada em mim, agora parecia estar nele, e eu não sabia o porquê. Perguntei-me se eu fizera algo de errado, se aquilo era por causa da pequena discussão que tivemos.

O fato era que naquela noite eu iria falar pra Rafa o que realmente sentia por ele. Iria fazer com que as coisas começassem a dar certo para nós, depois de tudo o que acontecera. Eu acreditava naquilo. Era a coisa certa que eu deveria ter feito há muito tempo.

Às oito horas da noite, Rafa bateu na minha porta. Estava cheiroso, todo arrumado, a barba feita, um sorriso modesto.

— Oi — falei, retribuindo o sorriso. — Você tá lindo.

Desde aquela discussão, nós ainda não havíamos nos beijado. Aproximei-me da boca dele, que exalava um hálito refrescante...

... E ele me impediu com o indicador de chegar mais perto.

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— Eu tô com uma baita ferida na boca — disse ele, colocando o dedo sobre o lábio superior e abrindo um sorriso constrangido. — Foi mal.

— Por quê? O que aconteceu?

— Nada, eu sempre tenho essas coisas. Nem liga.

Fiquei olhando de forma desconfiada pra ele. O que estava acontecendo?

— E então, que horas o Paulo vem buscar a gente? — quis saber Rafa.

— Daqui uns quinze minutos. Pode ficar aí na sala, só vou pentear o cabelo e pegar minha carteira.

— Ok.

Tinha parado de chover, felizmente. Depois de algum tempo, Rafa e eu saímos até a frente do meu apartamento, esperando que Paulo chegasse. Quando ele estacionou na nossa frente, entrei na porta da frente enquanto Rafa se ajeitava no banco de trás. A música estava alta, mas Paulo abaixou logo que entramos.

Eu queria fazer uma surpresa a Rafa, queria que tudo aquilo fosse especial. Na verdade, eu não estava nem me importando se as outras pessoas vissem que eu e ele estávamos juntos. Queria resolver tudo aquilo do jeito que era pra ter feito. Queria que a nossa instabilidade se tornasse algo certo, que nossas incertezas desaparecessem para dar lugar ao que sentíamos um pelo outro.

A festa era na verdade apenas um churrasco que um colega meu estava fazendo, porém o fato de haver muitas pessoas qualificava o evento como algo mais próximo da agitação do que do descompromisso. Quando chegamos, havia mais música alta do lado de dentro, com muita bebida e alguns corajosos pulando dentro da piscina. Não estava frio, mas nem tão quente a ponto de eu querer me molhar.

Assim, Rafa e eu decidimos ficar separados em um canto, sentados em um banco perto de uns arbustos. Outras pessoas tentaram se juntar a nós — Paulo, inclusive, mas depois uma amiga cochichou algo no ouvido dele que o fez se afastar —, mas a nossa aura sempre se voltava para nós mesmos, excluindo qualquer coisa que pudesse chamar a atenção para algo que não fosse a nossa proximidade.

— Eu não me importo mais, Rafa — falei. — Não me importo com os outros. Não quero desperdiçar o que existe entre nós por causa disso.

Ele abriu um sorriso sincero.

— É sério?

— É sim. Você queria saber o que nós éramos aquele dia, não queria? O que eu sentia por você. Pois bem. — Eu me aproximei até encostar a boca no ouvido dele. — Não vou demorar mais pra te falar. Mas agora sei. Agora eu tenho certeza. Em tão pouco tempo, eu me apaixonei por você, mas fui além disso. Eu te amo.

Quando me afastei, eu sentia como se vários fogos de artifício tivessem explodido dentro de mim, libertando uma parte que eu sempre mantivera presa. Eu sabia que aquilo era o certo, aquilo era a coisa pela qual eu estivera esperando desde o começo.

Porém, ao encarar a expressão de Rafa, foi como se esses fogos se dissipassem. Ele não parecia estar nada contente com o que eu dissera. Não parecia sequer sentir as mesmas coisas que eu tinha mencionado. Meu estômago começou a se revirar.

— O que foi? — perguntei. Senti minha voz impregnada de decepção.

— Kevin... — ele olhou para baixo, para as próprias mãos. Com uma delas, segurou a minha. — Não vou mentir pra você. Não vou esconder. Não posso fazer isso.

— Esconder o quê? Fazer o quê?

Ele ficou em silêncio por um instante que pareceu durar anos pra mim.

— Eu quero reatar com meu ex-namorado.