"Jared! O que está fazendo?" ouvi uma voz urgente ao longe, enquanto meu corpo perdia todas as forças.

Eu estava de joelhos e Jared segurava meu braço com suas mãos em chamas. O fogo não mais se concentrava apenas ali naquele ponto onde ele me agarrava, mas já havia se alastrado por todo o meu corpo. Eu sentia queimar por dentro. Minha língua ficou seca e o ar em meus pulmões estava envenenado com o que parecia ser fumaça. Já não tinha mais energia pra gritar. Perdendo o foco da minha visão, avistei Isaac se aproximando com um olhar alarmado, ele corria em minha direção.

De repente, meu corpo se rendeu à gravidade e eu tombei. A última coisa que vi, foram os olhos de Jared me encarando com a fúria devastadora de lava fervente.

Despertei sentindo uma dor intensa na cabeça. Meu corpo estava febril e eu estava suada. Tentei abrir os olhos, mas assim que o fiz me deparei com uma visão dos olhos de Jared me encarando com aquele mesmo olhar. Fechei os olhos rapidamente, encolhendo-me na cama como se isso fosse me proteger dele. Senti meu corpo tremer, ainda fraco. Eu estava com medo do que eu ia encontrar quando abrisse os olhos. Mas ainda assim eu fiz. Lentamente abri meus olhos e meu alívio foi maior que a minha surpresa. Estava tudo escuro, as luzes apagadas, mas eu reconheci o meu quarto na casa da tia Jenna. O melhor de tudo era que Jared não estava lá. Soltei o ar que eu havia prendido e respirei fundo, deixando o ar frio ventilar todo aquele calor interno que eu estava sentindo.

Virei-me de costas e encarei o teto tentando relaxar. O que havia acontecido? Tudo estava fora de ordem na minha cabeça. Então ouvi uma voz do lado de fora do quarto. Uma não, duas vozes. Havia um feixe de luz debaixo da porta ainda fechada e algumas sombras que se moviam. Por alguma razão meu coração acelerou e eu fiquei apreensiva.

"Você não vai entrar lá." Reconheci a voz de Isaac. Sua voz mantinha um tom baixo, porém firme e autoritário. Continuei ouvindo. "Não vai chegar perto dela até que aprenda a se controlar. Você é instável, Jared. Não vai entrar."

Meu coração deu um salto quando ouvi o nome de Jared. Engoli em seco e esperei, torcendo para que Isaac não o deixasse entrar. Eu estava com medo, com muito medo. Encolhi-me um pouco mais, meus dedos enterrados em um dos travesseiros.

"Eu preciso entrar, Isaac. Eu preciso vê-la." Ouvi Jared dizer em protesto.

"O que você fez foi grave, Jared! Não sabemos ainda como a Kate vai reagir a isso e não acho que seja uma boa ideia você ficar aqui para descobrir por conta própria." Isaac rebateu.

"Não é você quem dita as regras por aqui." Jared rosnou e meu medo cresceu, como se ele fosse entrar a qualquer momento.

"E você muito menos! Se eu não tivesse chegado a tempo, você teria as cinzas da Kate no chão daquela sala." O volume na voz de Isaac não se alterou, mas ele estava mais tenso. Ao ouvir aquilo, senti um arrepio na espinha, meu corpo ficou rígido. "Você sabe exatamente o efeito que o fogo tem nas bruxas e ainda assim perdeu o controle das coisas. Não sei até que ponto posso confiar em você e por isso você não vai entrar nesse quarto."

Alguém socou a porta com força e eu dei um salto. Algumas sombras de baixo da porta se moveram e então sumiram. Depois disso, não houve nada além do silêncio. Jared havia se afastado. Eu precisava digerir o que eu havia acabado de ouvir. Eu sabia do que se tratava. O fogo para nós, bruxas era um perigo extremo. Porém o que realmente me feria naquilo tudo é que Jared sabia disso e ainda assim usou fogo contra mim. Se não fosse pela intervenção do Isaac, Jared teria mesmo me matado.

Sentindo um súbito frio, enrolei-me entre os lençóis e fiquei ali, perdida nos meus próprios pensamentos cada vez mais conturbados. Mordi meu lábio pensando no quanto eu havia sido estúpida. Eu queria machucar Jared, pagar com a mesma moeda, mas não era tão simples assim. Parte de mim queria vingança, outra parte queria simplesmente distância dele. Distância total. Eu já não me sentia mais segura. Desde o começo eu soube que Jared não é do tipo que presta. Não é como se ele mesmo não tivesse me avisado, mas como ele chegou a tal ponto? Eu não conseguia entender. Fechei os olhos novamente, com força, me impedindo de chorar. Eu não queria chorar. Não por ele. Ele não merecia.

Ouvi leves batidas na porta e abri os olhos subitamente, assustada. A porta se abriu sem que eu desse uma resposta e meu corpo relaxou quando Fleur entrou. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo e ela sorriu pra mim, um sorriso de piedade. Fiz uma careta.

"Ei," ela pôs a mão gentilmente em meu braço e se sentou na beira da cama, ao meu lado. 'Jared está aí fora."

"Mande-o embora. Não quero vê-lo." Falei bruscamente. Eu não havia dito nada até então e só agora percebi o quanto minha garganta doía.

"Minha mãe já quebrou três vassouras nele tentando expulsá-lo." Ela deu um risinho baixo, mas parecia estar falando sério. "Até Isaac já tentou leva-lo, mas ele... Sabe ser bastante insistente."

Pensei por um momento. Será que ele estaria preocupado? Arrependido do que fez? Não, eu não queria acreditar nisso. Jared não tem coração e agora eu sabia. Precisei estar a um fio de perder a vida nas mãos dele pra perceber isso. Minha raiva por ele se inflamou outra vez e meu corpo enrijeceu com a dolorosa negação e a consciência da verdade.

"Eu preciso sair daqui." Eu disse e tentei me levantar.

Fleur me empurrou de volta para a cama e não precisou de muita força para fazer isso.

"Não, você não está em condições de sair ainda, Kate. Está em observação." Ela disse me repreendendo. "Seu corpo está muito fraco, não se alimentou direito e o incidente foi forte."

"Por quanto tempo fiquei apagada?" perguntei me colocando em meus cotovelos.

"Dois dias." Ela disse olhando nos meus olhos.

Arquejei com a notícia. Só então meu estômago roncou e eu vi o quanto eu estava faminta. Pus uma mão na altura da barriga e Fleur deu um risinho.

"Vou pegar alguma coisa pra você comer." Ela disse se levantando e em seguida saiu do quarto.

Sentei-me pondo as pernas para fora da cama e suspirei. Prendi o cabelo em um coque frouxo e resolvi desafiar minha força tentando me levantar. A princípio hesitei, mas depois consegui firmar meus pés no chão frio de madeira. Caminhei lentamente em direção ao banheiro e me olhei no espelho. Meu rosto estava pálido, meus olhos estavam pesados de cansaço e sem brilho. Abri a torneira para lavar o rosto e depois me sequei sem pressa com a toalha branca e macia. Dei uma última olhada no meu reflexo e ouvi o barulho da porta do quarto se abrindo.

"Que bom que você voltou, Fleur." Falei saindo do banheiro. "Eu estou morrendo de f..." minha voz se perdeu em minha garganta.

Jared sorriu para mim, escorado à porta, braços cruzados e um joelho dobrado apoiando o pé na madeira da porta do quarto.

"O que faz aqui?" perguntei secamente e sem perceber recuei um passo atrás.

"Eu tinha que ver você." Ele disse sem se mover. O sorriso ainda estava em seu rosto, estampado com descaramento, mas havia alguma coisa diferente. Sua postura era de exaustão e olheiras negras marcavam seus olhos.

"Por quê?" meu tom era firme e frio. Ergui o queixo para mostrar que eu não tinha medo dele, embora eu tivesse. Eu não estava preparada para vê-lo. Queria ele longe de mim e não sabia o que ele faria comigo, mas tentei me manter controlada.

"Para ver esse exato olhar nos seus olhos." Ele disse descruzando os braços e se afastou da porta, caminhando lentamente na minha direção. Ele vinha e eu recuava. "Medo. Ódio. Era disso que eu precisava."

"Fica longe de mim." Falei entre os dentes. Seus olhos dançavam sobre mim com um divertimento insano. O sorriso debochado não estava mais lá. Minhas costas bateram na porta fechada do banheiro, mas minhas mãos tremiam e eu não consegui abrir a porta. Jared deu mais um passo e eu gritei: "Fica longe de mim!"

Ele parou e olhou para trás quando Jenna e Isaac entraram correndo no quarto. Jenna segurava um rolo de massa na mão e estava suja de farinha, assim como Isaac.

"Chega! Saia já da minha casa!" ela gritou para ele, apontando o rolo de massa em direção à porta. "Saia!"

Jared olhou para mim outra vez.

"Faça o que ela mandou, Jared, ou não me obrigue a tirar você daqui eu mesmo." Isaac o ameaçou.

Jared respirou fundo, trincou os dentes e foi embora, caminhando pesadamente para fora do quarto. Quando ele saiu da minha visão, meu corpo finalmente relaxou e eu pude respirar outra vez. Deslizei sem força para o chão e abracei meu próprio corpo enquanto Jenna vinha me ajudar. Isaac trocou algumas palavras com ela antes de ir embora atrás de Jared, mas eu não entendi o que ele disse. Nem mesmo me importava. Eu só queria que aquele pesadelo acabasse.

Tia Jen me levou de volta para a cama e eu me entreguei às lágrimas. Ela afagou o meu cabelo, me deu comida quando Fleur voltou e ficou ali comigo até que eu finalmente caísse no sono, exausta.

Acordei no meio da noite, pelo relógio digital na parede, eram três da manhã. Levantei e cambaleei até a porta. O corredor estava vazio, escuro e silencioso, mas isso não me impediu de ir até a cozinha para beber água. Jen e Fleur haviam deixado uma garrafa para mim no quarto, mas eu acabei com ela em poucas horas depois de uma série de pesadelos onde eu sempre acabava morta por fogo. Ou pelas mãos de Jared ou numa pira. Eu simplesmente não conseguia mais suportar aquelas imagens e não quis mais dormir.

Desci as escadas com cuidado e olhei para todos os cantos, prestando atenção em qualquer sinal de movimento. Talvez Jared estivesse ali ainda, apenas esperando. Mas não. Nenhum sinal dele. Talvez ele realmente tivesse ido embora. Firmei isso na minha mente e fui beber água. Por um breve momento relaxei apoiada sobre a pia. Olhei pela pequena janela na parede à minha frente e vi que ventava forte lá fora.

No vidro vi meu próprio reflexo pela metade. Minha visão ficou turva de repente e eu me deparei com o reflexo de Jared. Abafei um grito pondo as mãos na boca e me virei para encará-lo atrás de mim, mas ele não estava lá. Respirei fundo várias vezes e olhei novamente para a janela. O reflexo de Jared ainda estava ali, mas era apenas o reflexo. Fechei os olhos com força e uma lágrima escapou. Eu precisava tirar ele da cabeça, mas o que aconteceu foi exatamente o oposto.

Quando olhei novamente para o vidro da janela, Jared encarava o vidro como se olhasse no espelho. Ele abaixou a cabeça, seu rosto contorcido de dor ou raiva, eu não sabia dizer. Então ele grunhiu e seu punho cerrado foi pra frente dando um soco no vidro da janela. Dei alguns passos para trás esperando ver o vidro quebrar, mas nada aconteceu. Pelo menos não o vidro da janela da tia Jenna. O espelho que Jared encarava se dividiu em longas rachaduras e alguns pedaços caíram deixando a imagem dele estilhaçada. Continuei observando, mas ele deu as costas e saiu.

Na minha cabeça, o cenário continuou. Eu estava dentro dos pensamentos de Jared outra vez, mas estava fora do meu controle. Eu não podia nem mesmo usar isso para machuca-lo, mas eu acho que não seria preciso. Por si só, a mente de Jared se inundou com pensamentos vívidos. Memórias sangrentas se passavam por sua cabeça, imagens horrendas e muitas mortes provocadas por ele. Então de repente tudo ficou desfocado e os pensamentos mudaram para um lugar diferente.

Os pequenos Jared e Katherine estavam debaixo de um lençol branco. Estava escuro ali, a não ser pela fraca luz prata azulada da lua. O pequeno Jared cochichava algo no ouvido da pequena Kate. Seus olhinhos violetas estavam arregalados e o pequeno Jared escondia um sorriso. Meu coração automaticamente se apertou em meu peito. Repreendi minhas emoções prontamente e então os pensamentos de Jared ficaram totalmente desorganizados virando uma bagunça enorme. Imagens passavam furtivamente em questão de segundos, uma mistura sem nexo de figuras, rostos, sensações, e uma raiva que brotava a cada respiração. Lutei para sair de sua mente, aquilo estava me dando uma dor de cabeça muito forte. Pus as mãos nas minhas têmporas tentando me concentrar e reassumir o controle. Então num suspiro arfante tudo voltou ao normal. Abri os olhos e eu estava ali na cozinha de Jenna, um copo de vidro vazio sobre a pia.

Saí de lá caminhando com passos desorientados e me peguei indo em direção ao Sarcinulis no fim do corredor. A porta se mostrou para mim e eu a abri cambaleando para dentro. Fechei a porta atrás de mim e encostei-me nela, cobrindo o rosto com as mãos. Eu precisava me desprender de Jared. Seria uma tarefa difícil por causa da nossa ligação de sangue. Resolvi me concentrar em outras coisas para ocupar minha mente com coisas úteis. Procurei alguns livros na estante do Sarcinulis para tentar aprender coisas sobre mim mesma. Quanto mais eu soubesse, melhor. Nenhum treinamento que Jared pudesse me oferecer seria o suficiente. Nada do que eu aprendi com ele, foi o bastante para me proteger dele. Eu precisava aprender a me proteger com bruxaria, porque era parte do que eu era.