Hogwarts: uma outra história

Capítulo 65. A sorte nos sorri


Capítulo 65. A sorte nos sorri

As formalidades seriam mantidas até o último suspiro de cada um, essa, afinal de contas, é a comitiva britânica, a mais pontual, organizada e... Bem, eu sou espanhol, então me vi no direito de pular todo o protocolo e tirar Sharam do chão, a girando no ar assim que a vi.

A angolana também não se fez de rogada, então a nossa linda quebra do cerimonial chato, seco e distante dos jogos apareceria em alguns jornais, se a quantidade de fotos tiradas do momento diziam algo.

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— John conseguiu vir? – A garota estava agora arrumando o cabelo no lugar, já que a recepção da nossa comitiva estava sendo no cume de Nova, lugar onde o dirigível ficaria aportado durante nossa estadia e onde o vento era inclemente.

— Quem diabos é John? Comigo aqui e você ousa pensar em outro macho? – Ela me deu um soco com ar divertido no ombro, mas não pôde me dizer mais nada, porque fui obrigado pelo treinador protagonista do filme “O Sobrevivente” a ir cumprimentar o capitão da equipe de Uagadou, já que ainda sou oficialmente o capitão de Hogwarts.

Infelizmente o cara que carregava o distintivo da escola africana não era Capitão K e nem de longe era tão simpático quanto ele ou Sharam, que tentava encontrar com o olhar seu “alguma coisa” John, agora que tinha sido colocada de volta na fila do time anfitrião.

O capitão africano me olhou de cima abaixo, do alto de seus quase dois metros de altura e eu nem precisava ter lido o Ocaso de anteontem para saber que se tratava de um dos batedores monstros que a escola metida havia conseguindo em uma tribo no interior da Namíbia.

Bem, eles são fortes, mas tenho certeza que Tony é mais rápido e preciso e O’Brien é... Ele é... Ele é narigudo, tenho certeza que isso vai servir para alguma coisa, tipo roubar todo o oxigênio do campo! Estou tentando ser otimista aqui, pra depois não dizerem que eu estou agourando o time.

Todos os protocolos foram seguidos, discursos feitos, fotos tiradas e quando finalmente fomos liberados para conhecer a escola, eu e Segundo fomos escoltados de volta para a prisão. Que mundo injusto, liberdade para uns, encarceramento para outros.

— Isso é tão injusto! – O grifinório me olhou irritado, do alto de sua posição despojada, uma das pernas por sobre o braço da poltrona refinada do pequeno salão/cela. Weasley II se dava muita importância, tenho certeza que em outras vidas ele teria sido um ótimo aluno de Vossa Alteza.

— Você fala como se tivéssemos sido colocados arbitrariamente de castigo...

— E não foi? – Ele me olhou cético, mas depois suspirou pesado.

— Suponho que essa seja a diferença entre grifinórios e sonserinos, nós ao menos nos arrependemos dos nossos crimes.

— Eu me arrependo de ter sido pego... - Agora fui eu quem suspirou pesado. O garoto jogou a cabeça para trás, entediado, já que nem mesmo nossa carcereira estava aqui para nos fazer companhia e nós não tínhamos muito assunto pra conversar. – Me arrependo amargamente.

Segundo levantou da poltrona e foi sentar no beiral da janela. Eu suspirei novamente, como uma garotinha apaixonada de livro para adolescente. “A que ponto você chegou, Fábregas?”, era o único pensamento que passava na minha mente.

— Quer dar uma volta por aí?

— Demorou, Segundo, pensei que não ia perguntar nunca!

***

“O destino conserta, o que o homem entorta.”, Cesc Fábregas, um grande filósofo contemporâneo.

Por “destino”, quero dizer as vassouras de treino da gente que responderam muito bem ao accio que eu e Fred II fizemos e o “homem” seria Harry Potter. Olha, foi até ofensivo o fato de não ter sequer um feiticinho de segurança nas nossas janelas e isso porque o treinador sabe que estamos em posse de nossas varinhas, quero dizer, é um decreto ministerial que todo aluno de Hogwarts fora de suas dependências, em ano letivo, esteja sempre com sua varinha.

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A guerra faz as coisas mais estranhas com a sociedade. Enfim...

Fred Weasley II é mesmo um moleque de muita sorte, afinal ele não poderia ter escolhido um parceiro melhor para uma detenção em Uagadou. Eu, como um bom guia, estava tagarelando sobre as coisas que eu havia aprendido sobre Vossa Alteza, porque não era como se eu fosse ter oportunidade de usá-las em outro lugar, né?

Depois de darmos uma volta rápida pela face externa de Nova com as vassouras, descemos até a base da montanha pelo lado esquerdo, lugar onde NÃO ficavam a sala da governadora e de seus parceiros desocupados que adorariam nos dar algum tipo de detenção macabra.

Nossa primeira parada na descida foi lá no depósito/correio, onde, para minha sorte - sim, eu também tenho meus momentos disso - o jamaicano boa vida nos aguardava.

— De detenção ainda? – Ele jogou um de seus dreads compridos para trás do ombro, me olhando com um sorriso de reconhecimento.

— Maninho espanhol! Não esperava te ver tão cedo por essas bandas, a menina Sharam deu a entender que você já tinha voltado para sua terra...

— Eu fui, mas já voltei. – Entreguei nossas vassouras e alguns nuques no balcão para o guardador, olhando em volta a procura de uma coisa essencial nesse nosso passeio ilegal.

— Bem como minha detenção, bro. – Ele fez uma cara de sofrimento engraçada e Fred me olhou como se dissesse “Mais um que se sente injustiçado, mas provavelmente mereceu o castigo? ”. Fred Weasley II tem os olhares mais expressivos que eu já vi, principalmente os acusatórios. – Mas no que posso ser útil?

Ele disse isso já colocando metade dos nuques na boca do caixa leão e o resto no bolso, porque ele guardaria duas vassouras como se fosse uma e eu nem sequer posso reclamar disso, assim como um ladrão não pode chamar a polícia, caso seja roubado.

— Precisamos de duas daquelas capas de voo pretas que...

— Olha, maninho espanhol, você não pode ter capas de alunos de Uagadou, sendo você e seu amiguinho enferrujado de outra escola. – Fred não gostou de ter suas sardas apelidadas, mas Enferrujado será meu apelido mental para ele, de agora em diante. Olhei sério para o garoto mais velho, mas ele continuou com uma postura irredutível.

Não gostei dessa recém descoberta veia seguidora das regras de Gael.

— Quanto você quer pelas capas? – Ele coçou o queixo, avaliativo. Segundo me olhou, mas eu não o encarei de volta, estava no meio de uma negociação difícil, não podia explicar os pormenores disso para um grifinorio inocente.

— Vocês são nossos rivais agora, dar uma capa para o rival seria como traição. – O veterano me disse sofrido de novo e eu revirei os olhos. Bob Marley teria vergonha de seu compatriota.

— Quanto você quer pela sua lealdade então? – Ele me olhou ofendido, mas depois abriu um sorrisinho divertido e relaxado.

Ai meu bolso.

Não custou barato a suposta lealdade deste trambiqueiro do lado de cá, ainda mais que o trambiqueiro do lado de Hogwarts alegou que havia deixado a carteira no dirigível. Essa desculpa da carteira é mais velha do que o Barão Sangrento!

Eu e Segundo saímos por uma das entradas laterais da montanha, usada geralmente pelos visitantes, então não foi difícil, de cabeça abaixada, nos passar por alunos retornando de algumas voltas de vassoura pelas montanhas.

Infelizmente precisávamos mesmo das capas para circular despercebidos, uma simples transfiguração de Fred no uniforme não nos ajudaria, eu sendo branco feito um fantasma e Segundo sendo negro, porém ruivo e sardento.

Somos como dedões inflamados, chamando toda a atenção do mundo.

— Esteve aqui por quanto tempo? O grifinório não questionou nem por um segundo a rota que eu estava fazendo e foi me seguindo os passos como se não fosse nada de mais ir passando portais, cumprimentando certas estatuetas e dando um oi para o nada.

Uagadou é extremamente caprichosa, cheia de manias, igual uma velha gata manhosa.

Sabia que no momento que eu chegasse aqui, meu Marduk voltaria a funcionar, já que o prazo final da minha brincadeirinha já havia se esgotado há muito tempo, mas estava estranhando os desenhos novos em alguns corredores e o jeito como os estudantes a nossa volta estavam se comunicando.

O símbolo ainda funcionava perfeitamente, havia sumido da pele no momento em que pus os pés fora de Uagadou e retornou no momento em que pisei aqui de novo, mas por algum motivo eu parecia o único a usar, já que todos agora falavam em inglês, como se essa fosse a língua mãe, mesmo que o efeito de dublagem de filme ruim continuasse na boca dos alunos que não sabiam o idioma de verdade.

Significava dizer que os africanos haviam superado o Marduk com outro feitiço de comunicação - talvez o inglês tenha sido escolhido como língua mãe por causa da visita de Hogwarts - o que era meio triste, já que eu gostava de ouvir e ler tudo em espanhol.

Agora, como eles estavam se virando com as dicas e localizações dentro da escola sem o feitiço? Argh, pela segunda vez em menos de vinte quatro horas eu senti aquela sensação horrível na boca do estômago.

Primeiro aconteceu quando vi a cara de decepção dos L. P’s ao contar que estava suspenso do time por enquanto, o que podia ser tanto um jogo como todo o campeonato, dependendo do humor de Harry Potter, a incerteza fazendo parte de sua punição tortuosa.

E agora isso!

Queria pregar uma peça em Vossa Alteza, não deixá-la um pouco menos mágica, já bastava Hogwarts com sua doença estranha e imprevisível, vide a volta ao funcionamento das Escadarias, que eu já tinha dado como mortas, diga-se de passagem.

Segundo me olhava esquisito e percebi que era porque estava devendo uma resposta a ele. Sacodi a cabeça tentando lembrar o que ele havia perguntado.

— Fiz um curso de férias com Westhampton... Três semanas. – Ele acenou afirmativamente pra isso. – O suficiente para não esquecer de alguns atalhos.

Sorri, mesmo não sendo completamente sincero, graças a esse horrível sentimento de culpa que minha mãe diz que melhorará quando eu parar de tentar pôr o mundo de cabeça para baixo. Olalla Fábregas não sabe o que diz, óbvio.

— Ele conseguiu voltar aqui também, não foi? – Olhei com uma sobrancelha questionadora para ele, porque Westhampton não é o tipo de ser humano que é notado nas rodas de fofoca dos populares. – Ouvi dizer que sua irmã deu o lugar a ele de caso pensado.

— Tudo que minha irmã faz é de caso pensado. – Sorri para ele, mas Fred me olhou sem entender. – Apesar de ter chegado no seu Salão algo como uma fuga dela de Lesmabotton, na verdade ela já ia fazer isso, pra John poder ver a namorad...

Não pude completar a frase, porque, como se conjurada do inferno, Sharam nos esperava sentada na boca do poço dos desejos, local que era meu destino final da aventura do episódio de hoje, amiguinhos.

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— Mas eu já não falei com você hoje? – O uniforme do time de Uagadou não era muito diferente da roupa do restante da escola - apenas a capa externa tinha um bordado com o símbolo oficial nele - o que ainda deixava as belas pernas da garota a mostra, naquelas fendas indecentes de sua saia customizada.

Ela olhou para nossa capa preta familiar, com o brasão de Uagadou no peito.

— Sabia que você daria um jeito de voltar na cena do crime, mas fico feliz de ver que John não está com você. – Eu a olhei com minha melhor cara de tédio. – Porque você está aprontando de novo.

— Isso foi uma pergunta?

— Pareceu uma? – Ela pulou irritada da mureta, apontando o dedo para o meu peito. – O. Que. Vocês. Estão. Fazendo. Com. Essas. Capas?

Ela pontuou cada palavra com um cutucão em cima do brasão de sua escola, o que me deixaria roxo, já que a batedora não é nenhuma dama delicada de mãos leves.

— Bem... Tudo resume-se a detenção e prisão domiciliar. – Ela me encarou com uma expressão desdenhosa. – A propósito, esse é Fred Weasley II, meu comparsa de hoje.

O afro-ruivo deu um passo a frente, pegando a mão de Sharam para beijar. Ela deixou, olhando para mim divertida.

— E onde você encontrou essa vítima aqui? - Fred sorriu ainda mais galante – na cabeça dele – o que fez a garota dar um de seus risos sem vergonha. – Sou Sharam Diniz, a propósito.

— Encantado. Vejo que Fábregas, mesmo sendo essa praga que é, continua tendo essa habilidade de andar ao lado das garotas mais charmosas. – Quê? Tipo quem? Rebeca? Louise? Lia? Heidi? Misericórdia, Fred Weasley tem um gosto estranho para garotas. Deve gostar de apanhar na cama!

— Chega de conversa mole, Segundo, essa é a namorada de Westhampton. – Sharam revirou os olhos ainda divertida, provavelmente não vendo nada demais em um flerte inocente, mas como eu conheço John e sua rabugice, melhor parar com isso, antes que ele leve essa história mais a sério.

Fred me olhou com uma cara de surpresa muito engraçada, completada com um “Essa gostosa é namorada de Westhampton?” sussurrado, que graças a Merlin Sharam não ouviu, ou então ela teria se irritado, já que é um questionamento direto ao seu gosto pessoal por garotos.

Um mal gosto, diga-se de passagem.

A batedora já tinha nos dado as costas, olhando para dentro do poço e era muito bom que ela estava com a capa, porque nessa posição e com a bunda que ela tem, o queixo de Segundo nunca mais voltaria do chão.

–Então, qual o plano, matumbos?

Me aproximei da borda do meu poço arqui-inimigo - gosto de pensar que mais alguém tem um poço como inimigo - medindo para ver se minha abordagem poderia dar certo dessa vez. Fred se aproximou do meu outro lado.

— Plano para quê?

— Os professores jogam as coisas dos alunos dispersos aqui e Cesc quer porque quer recuperar seu objeto perdido.

— Não se faça de inocente, repita comigo “Cesc quer recuperar o onióculos que EU perdi”. – Ela revirou os olhos, não repetindo o que eu disse. – É uma dissimulada, Segundo, só John mesmo para aturá-la.

— John veio? Ele não veio, não foi? Não vi o nome dele na relação dos alunos de Hogwarts lá em Nova, mas ele havia me dito que tentaria...

Aff, mas que coisa irritante!

Ao menos Sharam não era o tipo de garota que falava manhosa, quase chorando, como Louise ou Rebeca, ela falava tudo rápido e irritada, como se a culpa fosse minha do namorado dela não ter sido sorteado para vir para cá.

— Para de ser chata, seu garoto dos óculos azuis veio, mas provavelmente está te traindo com alguma garota com um cérebro do tamanho de uma goles australiana. - Ela me deu um tapa no braço, ainda mais forte do que os de Rebeca. Segurei ela pelo capuz da capa, antes que ela fosse em busca daquele loiro aguado. – Não, depois você vai busca-lo, agora você vai me ajudar aqui.

— Ai que inferno, a gente não já tentou de um tudo? – Apertei o nariz dela, o que a fez tentar morder minha mão. Essa menina é uma selvagem!

— Não, minha cara, não tentamos não!

***

No fim das contas eu estava em ótima companhia para pôr em prática o plano que estava desenvolvendo desde que soube que iriamos voltar para Uagadou. Precisava pegar de volta o onióculos que Enrique me deu, não por qualquer razão sentimental, mas simplesmente porque ele me disse na hora da mudança da escalação um “ao menos vamos conseguir ver o jogo com certa qualidade, não é? Admita, eu sou ótimo em dar presentes”, o que transformou uma mera ideia de um possível plano de resgate, numa necessidade real.

Claro que Enrique é ótimo em dar presentes, ele é rico e entende de Quadribol... Na verdade, o mais provável é que ele seja bom em dar presentes apenas para mim, o que me fez pensar assim que ele disse isso:

Quais as chances de Enrique Dussel levar numa boa o fato de que eu perdi um de seus preciosos presentes em um buraco esquecido por Deus em Uagadou? Infelizmente o garoto não era um poço de bom humor e esse trocadilho com a palavra poço nunca poderia ser usado na presença dele, o que é verdadeiramente uma pena.

Quando toquei meus pés no fundo do buraco, ouvi um estalar de coisa se quebrando, mas infelizmente não pude ver o quê, já que um lumus aqui não funcionaria, a magia era inútil nesse lugar.

Mais alguns craques do lado direito e outros no lado esquerdo e soube que nem o grifinório idiota, muito menos a batedora energúmena haviam ficado para me dar cobertura lá em cima. Quem em sã consciência escalaria uma parede de pedras velhas e descascadas, enfeitiçada para não funcionar com magia, sem ter um bom motivo pra isso?

Sharam e Fred, pessoal!

— E agora o quê? Como enxergamos nesse breu? - Revirei os olhos mesmo sabendo que Sharam não veria, apesar de que ela estava certa, o lugar estava realmente mais escuro do que eu esperava, mas não admitiria isso em voz alta nunca!

— Como assim escuro? Quer dizer que você não está vendo esse corpo cheio de vermes em que você está pisando? – Ela deu um grito e saltou, pelo barulho de mais coisas quebrando sob seus pés. Eu me abaixei, porque convivendo anos com garotas agressivas como Rebeca e Lia, eu sabia o que estava por vir.

— Aucht! – Segundo gritou ao receber da menina o que deveria ter sido um tapa colossal. Viram? Eu aprendo sim com meus erros. – Mas que merda, Fábregas, seus planos são realmente todos uma bosta ou só os que eu tenho o azar de participar que são ruins?

— Independente da resposta, o mais interessante é que mesmo sabendo disso você continua aqui, né? – Levei um soco no ombro, mas dessa vez não pude desviar, já que o grifinório havia ligado uma lanterna bem na minha cara.

— Para a sua sorte sou um homem prevenido e entediado em igual proporção e só por isso estou aqui! - Ele iluminou o chão do lugar, que, como eu esperava, se espalhava para os lados em câmaras sombrias cheias de pedras úmidas e brinquedos de pobres crianças como eu. – Consegue localizar seu onióculos?

Tentei pegar a lanterna da mão dele, mas o garoto foi mais rápido e era mais alto do que eu, o que resultou em uma tarefa impossível. Me coloquei a procurar o objeto perdido, me recusando a acreditar que um de nós havia pisado nele, porque isso seria uma puta falta de sorte, apesar de que um reparo o deixaria em perfeito estado.

Sharam quebrou nossa busca com um grito empolgado.

— Achei! – Corri para o lado dela, que segurava uma coisa enlameada que preenchia completamente as palmas de suas mãos. – Deve ter tomado um pouco de chuva, mas nada que uma boa limpeza não resolva, está intacto.

Ela me entregou com cuidado e eu sorri ao constatar que ela estava certa. Fred havia nos iluminado o suficiente para ver se estava tudo bem mesmo, mas agora ele havia voltado o facho de luz para o chão de novo.

— Hey, já achamos, não precisa mais procurar!

— Fale por você, eu estou achando uns negócios bem interessantes por aqui... – Para provar seu ponto, ele colocou alguma coisa em uma bolsa que parecia ter o mesmo feitiço ampliador que Claire me ensinou no início do ano passado.

— Nós não temos tempo pra isso, Segundo, infelizmente você vai ter que deixar suas compras para outra hora, porque aquele feitiço confundidor na maçaneta da cabine não vai segurar o treinador para sempre.

Ele suspirou decepcionado com a perspectiva de deixar tal tesouro para trás, mas nos acompanhou para a saída mesmo assim.

— Para onde estamos indo?

— Para uma saída segura.

A saída a qual me referia não era a boca iluminada e sem dentes do poço dos desejos, porque eu fiz meu dever de casa ao investigar as salas subterrâneas de Vossa Alteza e sabia, com a experiência com Arthur, que não havia jeito de voltarmos por onde viemos.

O Marduk também estava sendo muito útil, porque apesar dele não ter sido projetado para guiar alunos por catacumbas no subsolo, ele sabia exatamente como chegar a sala aquática de feitiços sem maiores problemas, esta sendo a missão de hoje.

Estava fazendo Sharam rir com algumas histórias minhas e dos L.P’s, quando o sem graça do Weasley nos interrompeu.

— Isso lembra um pouco a câmara de treinamento, não é? – Segundo não precisava me lembrar disso, porque a semelhança do que estava por vir e o Lago Negro próximo a ex câmara secreta era muito grande. Todo meu bom humor foi embora aí.

— Chegamos.

Meus companheiros de aventura pararam ombro a ombro comigo e encararam o pequeno lençol freático, escuro, parado e aparentemente inofensivo logo a frente.

— Sério, Cesc, pra que lado agora? – Sharam falou um pouco nervosa, olhando para os lados, tentando encontrar alguma rota secreta, mas não havia nenhuma.

— Acredite, eu não estou nada feliz com isso, mas essa é a rota mais segura de volta a superfície, através do lagoa dos ancestrais, na sala de feitiços. – Sharam me deu um tapa no braço. – Com sorte a água estará quente e límpida igual a da aula, calma!

— Mas a sala é no segundo pavimento, a gente teria que nadar não sei quantos metros pra cima e pra dentro das entranhas da montanha, no escuro, sem direção e sem ar! – Ela falou exasperada e com razão, as chances não pareciam boas por esse ângulo. – Não foi a toa que você acabou sendo pego na sua vingancinha contra a garota magricela, você é muito inconsequente!

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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Maldita hora que resolvi contar a história, desde o início, sobre Tony, Tracy, a cabeça iluminada, o fogo nas vestes, o pó de mico, o javali, culminando na minha mais recente detenção.

— Eu sei de tudo isso, normalmente não sou eu que planejo as coisas, mas se acalme, eu tenho uma... O que diabos você está fazendo, Weasley?

O garoto havia colocado a lanterna na boca e estava se despindo como se fosse entrar numa piscina qualquer de um parque aquático. Ele pegou a luz de volta para poder me responder, já tendo tirado a capa de Uagadou do corpo.

— Para a sua sorte eu sou um excelente nadador e essa lanterna é a prova d’agua. – Olhei para ele como se estivesse ouvindo um maluco saído do manicômio declamando o hino de Hogwarts de trás pra frente. – Frank e James me zoaram por carregar um kit de segurança a prova d’agua para todo o lado, mas quem está rindo agora?

Ele voltou a colocar a lanterna na boca, o que foi o suficiente para ver a expressão desesperada de Sharam, com as mãos na cabeça.

— Isso é loucura! Vocês estão loucos, eu não vou ficar aqui nem mais um segundo, eu vou voltar para o poço. – Eu a segurei novamente pelo capuz e ela me deu aquele olhar assustado, de quem havia acabado de descobrir que tinha se jogado de uma vassoura em movimento sem magia.

— Calma, garota. Calma, vocês dois! – Segundo já estava descalçando uma das botas oficiais do torneio. – Eu sou maluco, mas nem tanto! Nós temos luz, direção e ar, confiem em mim!

— Como?

Saquei a varinha, iluminando meu rosto e recebendo dois sorrisos em retorno.

— Samara, querida, não estamos mais no poço, ou seja, já podemos fazer magia!

***

Queria poder dizer que foi tudo de acordo com o plano, que eu havia guiado todos nós de volta para as Montanhas em segurança, mas a verdade é que a água ainda era escura, traiçoeira e gelada, o que ativou algum gatilho sinistro no meu subconsciente.

— Apenas, respire, já chegamos. – Era realmente uma sorte que Segundo havia vindo, ele era mesmo um excelente nadador e muito bom com uma varinha, porque ele foi o primeiro a perceber que algo estava errado quando já estávamos no meio do caminho.

A lembrança do meu afogamento no ano passado me fez ter uma espécie de ataque de pânico agora, me deixando tão sem rumo que mal consegui ouvir as orientações do Marduk na minha cabeça.

Fred havia me estuporado, quando comecei a ficar desesperado e de alguma forma ele e Sharam tinham encontrado o caminho para o lago de águas quentes e relaxantes sozinhos. Eu respirei fundo mais uma vez, tendo sido reanimado já na borda da piscina natural familiar das aulas de Criação.

— Eu est... Eu... – Não consegui terminar a frase, ainda estava com medo e desorientado, exatamente como na noite em que eu e Aidan havíamos caído no Lago congelado. O toque em círculos da mão de Sharam nas minhas costas também não estava ajudando na minha recuperação.

Engoli em seco, porque quanto mais você é consolado, mais vontade de se deixar desmoronar você tem. Toda vez que eu me machucava com meu pai por perto, ele fingia que nada demais tinha acontecido, mesmo quando precisei levar treze pontos na sola do pé ao pisar no vaso quebrado de minha vó, o que me fez criar uma grande resistência para dor e medo.

Eu nunca chorava com ele, porque ele sabia exatamente o que eu precisava ouvir para me recompor, minha mãe por outro lado... Ela fazia igual a Sharam estava fazendo agora, agia como se fosse o fim do mundo e isso me deixava desconfortável além do limite, como se eu tivesse voltado a ser uma criança assustada e chorona!

— No fim das contas seu plano deu certo! - Ela me disse consoladora e eu dei um riso meio fungado, me sentindo um pouco mais como eu mesmo agora, já que estava quase seco graças a um feitiço de secagem muito mal feito improvisado por Segundo. – Estamos de volta a Crescente!

— Meus planos são sempre brilhantes, sua descrença foi ofensiva. – Minha voz saiu tremida, mas alta o suficiente para ser ouvida. – Quanto tempo eu apaguei?

— Menos de cinco minutos. – Fred me olhou de cima da pedra onde normalmente ficavam empilhadas as bandejas flutuantes usadas na aula. – Esse seu... Isso aí que você teve ainda foi por causa do Lago?

Fechei melhor a capa de Uagadou ao redor do meu corpo, feliz que ao menos a parte de cima dela, onde meu excelente feitiço bolha havia sido aplicado, estava completamente seca. Foi muito perspicaz da parte de Fred associar meu pânico ao episódio do Lago negro, devo admitir.

— Experimente carregar um amigo inconsciente, cheio de roupa pesada no meio de um lago congelado, enquanto tenta se salvar. – Ele não desviou o olhar curioso de cima de mim. – Não é tão divertido quanto soa e certamente não tão fácil de esquecer quanto parece.

— Não parece ser o tipo de coisa fácil de esquecer. – Ele olhou para algum ponto distante, antes de me encarar de novo. – Uma vez minha irmã Roxie se afogou no lago da casa dos meus avós ao tentar resgatar um filhote de ganso que estava se afogando, não sei bem o porquê... Em todo o caso, ela não pisou os pés na água por todo o verão e Merlin sabe o quanto Roxie gosta daquele lago.

— Eu não fiquei com trauma de água, só tenho problemas com as geladas e sombrias. – Ele me olhou divertido. – Teria te vencido, como prometi, em qualquer piscina aquecida desse planeta!

— Que específico, vou guardar essa promessa no lado esquerdo do peito. – O garoto enferrujado disse, enquanto se levantava da pedra e espanava a poeira das vestes. – Agora é melhor voltarmos, antes que nossa aventura ganhe contornos dramáticos novamente.

Eu e Sharam fizemos o mesmo, nos ajeitando para deixar aquela sala de aula maluca e com um pouco de sorte, esse momento vergonhoso para trás também. A menina, que assim como eu não devia ser fã de silêncios, mesmo os confortáveis como esse, começou a tagarelar um assunto inofensivo qualquer.

— E como vai aquele jornal que você e John escrevem, Cesc? Ocaso, não é? John não gosta de falar nele..

Pena que o assunto escolhido não era nem um pouco inofensivo!

— Do que você está falando, Sharam? Eu e John não escrevemos o Ocaso, você mesma viu quando ele apareceu pra gente inesperadamente, não escrevemos nada!

Falei tentando soar despreocupado, mas ainda estava um pouco fora de forma depois do meu ataque de pelancas há alguns minutos. Nem sequer tive coragem de encarar Segundo, porque ele até que estava sendo legal e seria uma pena ter que bagunçar com a memória dele.

— Sim, mas me lembro muito bem de você e John conversando alguma coisa sobre feitiços de segredo e... Ai meu Merlin, é um jornal secreto! – Sharam tapou a boca com os olhos arregalados para Weasley, que caminhava calado do meu lado e eu apenas revirei ao olhos, vencido.

— Não se preocupe, minha bela, eu sou muito bom em guardar segredos...

A voz de Fred soou um misto de sarcasmo com diversão e eu me vi obrigado a falar a próxima frase com um aperto no coração.

— Em uma escala de 0 a 10, o quanto você estaria disposto a deixar isso pra lá e nunca, nunca mesmo contar o que viu ou ouviu hoje para alguém?

— Numa escala de 0 a 10, o quanto você estaria disposto a me colocar no time dos Iconoclastas? – Ele retrucou bastante satisfeito, provavelmente feliz por me ter nesse lugar indigno e vulnerável.

— Você não tem como provar nada, até onde eu sei, essa suposição de Sharam não passa de um delírio de uma garota apaixonada que quer que seu namorado seja mais interessante do que ele realmente é.

— Hey!

— Você se enrola tanto que eu ainda não sei como sobreviveu tanto tempo sem a ajuda de um especialista em dissimulação.

— Acontece que eu tenho um dissimulado e outro planejador comigo, do contrário não teria ido pra frente, como você bem disse. – Falei ofendido, quem ele pensa que eu sou? Algum burro grifinório que prefere trabalhar e se ferrar sozinho?

— Eu tenho outras habilidades além dessas, ninguém no mundo pode dizer que Fred Weasley II é um homem sem recursos. – Eu o olhei irritado e ele completou. – Não se arrependeria de me ter na equipe.

Eu não disse mais nada, apenas me despedi de Sharam linguaruda, que ainda me olhava com um olhar de desculpas e peguei nossas vassouras na mão de Gael. Quando voltamos para a nossa cela, respirei fundo e encarei a cara sem vergonha do grifinório a minha frente.

— Tá, Weasley, você venceu. Falarei com o restante do pessoal para ver o que eles acham, mas com uma condição. – Ele levantou a sobrancelha, desconfiado, porém sorridente. – Você não vai falar disso para ninguém!

— Não falar o quê para quem? – Eu arregalei os olhos, porque aquela voz maldita tinha que aparecer logo agora! Minha sorte é que eu estava de costas para a porta e Fred continuava ostentando seu sorriso satisfeito para o primo intrometido.

— Supostamente não devo falar ao mundo que Cesc realmente sente muito sobre a nossa suspensão no jogo e que ele fará todo o possível para que voltemos para o time o mais rápido, mesmo que isso signifique ter que se comportar como um anjo. – Eu o encarei sério, ouvindo James se aproximar de onde estávamos sentados. Quando o dito cujo chegou no meu campo de visão, notei que ele estava um pouco corado. – Desculpa, cara, sem segredos para a família.

Fred continuou sorrindo dissimulado e, apesar de todas as óbvias diferenças entre seu cabelo ruivo escuro, pele negra e diversas sardas em contraponto com o cabelo preto, bagunçado e olhos verdes do primo mais novo, Fred Weasley II nunca se pareceu tanto com Severus Potter como parecia agora.

— Eu sinceramente não entendo vocês... – James se sentou na mesa entre minha poltrona e o sofá de Segundo, olhando de um para o outro, tentando identificar se estávamos falando a verdade. – Vocês Weasley são todos muito estranhos.