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Tora estava sentado atrás de um balcão, sua mente imersa em pensamentos confusos existencialistas, coisa que um Bugbear não deveria ter. Lembrou-se do acidente que tivera há cinco dias atrás e levou os dedos grossos como punhos fechados ao queixo barbado. Estava fazendo o famoso quebra-cocos* quando acertou a cabeça de um filósofo, e uma explosão de idéias invadiu sua mente.

* Quebra-cocos é uma famosa brincadeira entre Hobgoblins que consistia em quebrar cascas de cocos com a cabeça, porém Bugbears levavam mais a fundo, quebravam crânios e tudo que achassem possível só para mostrar quem era o mais cabeça-dura. Literalmente.

O Filósofo tinha sorrido antes de desmaiar e parecia feliz por ter uma consciência a menos em sua cabeça. E agora Tora, meio que começava a entender o porquê. Palavras se juntavam em sua mente e formavam extensas conversas sobre tudo. Algumas ele não entendia como "Massa de Manobra", "Emergentes" e "Revolução", mas sua mente pensava nestas palavras correspondendo as conversas dos Humanos à sua frente. Como se tivesse habituado ao modo de pensar "humanizado", inclinou-se para frente e pediu mais uma cerveja desamanteigada* e prestou mais atenção no que os dois humanos falavam.

* Você pega o Tonel de Cerveja, mergulha duas vezes a manteiga fresca e a retira. Fica simplesmente uma porcaria.

– Tô te falano Clarence, olha - um dos homens, o mais gordo de cara de bolacha carcomida falava para um homem baixinho, de aparência frágil e cabelos escovadinhos - O baguio tá tenso! Tem gente demais nessas ruas, sabe, escória verde que acha que pode ir e vir em nossa cidade. Tô te falano, o baguio tá tenso.

– Eu te entendo Jarbas Ferreomundo, eu te entendo. - A questão é que, enquanto a cidade for governada por uma mulher, estaremos sujeitos a seguir nossa Khonstituição. E ela preza para que todas as raças tenham direito do ir e vir em Riven-Dell.

– O povão tá com medo de sai por aí. Tão roubano, sumino com nossas galinhas, inté nossas torta que deixemo na janela pra esfriá. - Jarbas deu dois goles em sua cabeca e continuou a falar mesmo com um grotesco bigode de cerveja destacado no rosto achatado - Ninguém aguenta mais - sua pronúncia soou como maissssss – não pode mais nem deixá as torta esfriá em páis, o baguio tá tenso. Tô te falano.

– Eu te entendo meu caro. Escute daqui a algum tempo vamos dar um jeito nisso, você vai ver. Vamos fazer algo tão mirabolante que iremos causar uma revolta em Dell tão turbulenta que o povo de Riven terá que acatar nossas reivindicações. - Disse o baixinho bebendo um pouco do que parecia ser leite.

– Como o quê? - Perguntou Jarbas aproximando o rosto claramente embriagado.

– Você verá, você verá. - Clarence não era bobo e já percebera aquele ponto que estava sendo vigiado. Estivera muito tempo trabalhando com gente espreitando, então desenvolveu meio que um sétimo sentido* para esta coisa.

* Após um estudo profundo na Universidade Labirinto, foi descoberto que o sexto sentido seria o Sono, pois ele pode reger influência em todos os outros sentidos. E mesmo assim só atrapalha.

Olhou para trás rapidamente e observou de relance o enorme Bugbear observando atentamente os dois. Franziu a testa por um breve momento pensando se estava enganado e pôs-se a rir, quando viu o primeiro anão sair voando janela à fora.

Tora tinha percebido a inquietação do homem baixinho. E notou o olhar desconfiado que dera, um olhar dissimulado que o Antigo Tora não teria percebido, e sua mente logo eclodiu em pensamentos não-abstratos de perigo.

Tora levantou-se e rapidamente agarrou as pernas de um anão marrento e tacou-o pela janela recém-remendada. Deu um rugido alto e olhou para um guerreiro bárbaro que tomava seu drinque. O homem prontamente subiu em sua mesa e desembainhou sua espada. A tensão subiu rápido a partir daí, as garçonetes saíram pelas portas dos fundos, o barman desceu uma cúpula de grade grossa para proteger as bebidas e preparou um drinque de Rum. Tora estava louco para quebrar alguns cocos, e quem sabe fazer as palavras saírem de sua cabeça.

– É Peleja! - Gritou alguém.

Não demorou para alguém dar o primeiro soco.