Histórias Cruzadas

Ninguém pode prever o futuro


— Já está pronta? – Ao abrir a porta, Olivier aparece de cabelos molhados, e como eu, usando as mesmas roupas do dia anterior, olhei para ele desconfiada, imaginando se houve algo, digamos, mais íntimo entre nós, ontem à noite. Será que ele é o tipo de homem que se aproveitaria de uma mulher alcoolizada e inconsciente? Meu Deus! Eu estava tão bêbada, isso nunca aconteceu comigo antes em toda a minha vida. E se Samuel descobrisse, ele morreria de desgosto.

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— Sim, só falta colocar os meus sapatos – respondi, depois de um tempo. Eu comecei a procurar meus sapatos pelo quarto e ele ficou impaciente e não me esperou, simplesmente, vira-se e sai andando pelo corredor. Tive que colocar os sapatos, apressada e segui-lo correndo. – Para aonde vai com tanta pressa? – indaguei, assim que consegui alcançá-lo.

— Para estação, temos que pegar um trem de volta para Paris – ele respondeu, sem olhar para mim.

— Não vamos tomar o café da manhã antes? – perguntei, mesmo estando enjoada, mas com fome. Ele estancou e me olhou, surpreso.

— Pensei que estivesse com pressa?

— E estou, mas, também estou com fome – respondi, ele deu um longo suspiro.

— Podemos tomar o café aqui mesmo no hotel – sugeriu, concordei com a cabeça.

Em seguida, estávamos no mesmo salão da noite anterior, algumas das mesas estavam ocupadas, a maioria por casais conversando baixinho com ar de apaixonados, algumas poucas com famílias que falam animadas.

— Espero que tenha dormido bem – ele disse de um modo corriqueiro.

Outra vez, tentei decifrar nas entrelinhas e o seu olhar a espera de uma resposta do que aconteceu na noite anterior, quando tomei o meu lugar à mesa, carregando um prato guarnecido por pão de chocolate, croissant, uma fatia grossa de queijo camembert e geleia caseira de morango, além de uma grande xícara de café com leite. Acho que exagerei, mas tudo parecia tão gostoso!

— Sim, eu dormir inacreditavelmente bem – respondi, de modo falsamente casual, observando-o devorar seus ovos mexidos com salsichas e torradas e uma grande xícara de chá, sem pressa, e ele, também, pareceu não querer ir embora. - Não imaginaria que eu conseguisse dormir assim dessa maneira, depois de tudo que aconteceu ontem – confessei, levando a minha xícara a boca, ele deu um sorriso malicioso, meu sangue gelou nas veias, imaginando porque estaria sorrindo assim.

— Sim, foi um dia e, principalmente, uma noite surpreendente – declarou, olhando para o seu prato, cortando sua salsicha e levando um pedaço a boca de maneira displicente.

— Por quê? – perguntei, preocupada com a resposta.

— É inimaginável que algumas taças de vinho podem fazer a uma pessoa – ele continuou a cortar e comer, sem parar, então não pode ver que fiquei pálida e um nó na garganta quase me sufocou.

— Verdade? – Minha voz saiu baixa e hesitante.

— Sim – Olivier balançou a cabeça para enfatizar sua resposta. – Realmente, uma noite surpreendente. – Ele parecia querer me torturar e estava conseguindo, mal podia respirar. O delicioso e crocante croissant e queijo cremoso ficaram presos na minha garganta, não conseguia engolir, estava apavorada, só de imaginar que podia ter traído Samuel com um completo estranho e não me lembrava de nada.

— O que afinal de contas aconteceu ontem à noite? – questionei, com um fio de voz, inclinando-me para frente, a fim de escutar melhor a resposta, já me preparando para o pior.

Olivier levantou a cabeça, apoiou os cotovelos nos braços da cadeira e cruzou os dedos na frente do rosto, ergueu um dos cantos da boca em um sorriso cínico, ele estava gostando de me fazer sofrer.

— Você ficou completamente bêbada e falou um monte de bobagem, então tentou me beijar – relatou, sem alterar o tom de voz.

— Eu tentei beijar você?! – Minha voz saiu esganiçada e alta demais, as pessoas da mesa ao lado nos olharam, curiosas. – Eu tentei beijar você? – repeti a pergunta em um tom mais baixo, ele confirmou com a cabeça. – Não acredito! - Desabei na cadeira, inconformada. – E você me beijou?

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— Claro que não! – Ele reagiu, ofendido, com se aquela ideia fosse absurda.

— Por que você não me beijou?! – Fiquei confusa e ressentida.

— Porque, apesar de você considerar ao contrário, sou um cavalheiro e nunca me aproveitaria de uma mulher que estava quase inconsciente – disse, em um tom formal, respirei aliviada.

— Como cheguei ao meu quarto?

— Eu a levei até lá.

— E foi você que tirou as minhas roupas? – Novamente, fiquei alarmada.

— Não, você tirou suas roupas sozinha, nem esperou eu sair do quarto – ele respondeu com um sorriso travesso, achando graça da minha expressão de terror. – Mas, não se preocupe, mesmo gostando do espetáculo, eu não fiquei até o final.

Respirei um pouco mais conformada, não foi tão ruim como imaginava, não havia acontecido nada, a não ser eu ter ficado completamente bêbada e tentando beijar um estranho.

— Você já terminou? – Sua pergunta me trouxe de volta ao presente.

— Sim – Olhei para o meu prato quase intocado. Só queria voltar para Paris, pegar meu anel e retornar para Londres e esquecer que essa história toda aconteceu comigo.

Assim, deixamos o hotel e andamos em direção da estação de trem, em silêncio, por algum tempo.

— Se conseguirmos pegar o trem das 10, estaremos em Paris ao meio dia e você poderá estar em Londres antes do fim da tarde? – Olivier previu.

— Poderei ir ao jantar de ensaio da minha amiga.

— Essa sua amiga deve ser muito especial, para você atravessar um oceano por causa dela.

— Sim, ela é. Somos amigas desde crianças, apesar de sermos muito diferente – confirmei, ele olhou para mim, esperando uma explicação, sorri ao relembrar. – Luana é linda, espontânea e corajosa, do tipo que é capaz de largar tudo e atravessar um oceano para viver um grande amor, como fez com William.

— Talvez, porque ela saiba que seja a sua única chance de viver o grande amor da sua vida e não passar a vida toda sofrendo e se lamentando de deixá-lo para trás por puro medo. Dizem que só teremos um ou dois grandes amores durante toda a nossa vida.

— Ainda bem que já encontrei o meu! – falei, com um sorriso de satisfação, ele me deu um olhar indecifrável, sei que não acreditava em mim, mas o que importa é que eu amo Samuel, nós nos casaremos e serei muito feliz ao lado dele

Entramos na estação bem cheia a essa hora do dia e fomos direto para bilheteria, ele comprou as passagens e me informou que o trem chegaria em 15 minutos. Esperamos na plataforma, observando o vai e vem das pessoas à nossa volta.

— Ninguém pode prever o futuro – ele declarou como se lesse meu pensamento. – Às vezes, tudo parece estar certo, no entanto, mais adiante percebemos que estava tudo errado, e o contrário também pode acontecer, imaginar que está tudo errado, um verdadeiro desastre, mas, no fim, nossa vida muda para muito melhor.

Eu revirei os olhos, descrente.

— Minha vida já é perfeita e não quero que nada mude – reafirmei.

Por que ele acha isso se mal me conhece?

O trem chega a estação, ocupamos nossos lugares, é uma parada curta, logo ele parte.

— E você, já que parece tão entendido em relacionamento, por que ainda está sozinho? - desafiei, petulante.

— Quem disse que estou sozinho? – Ele me encara, abismado.

— E não está? – Fui pega de surpresa. Será que estou enganada e ele não é um solitário? Que em algum lugar de Paris ou Londres ou qualquer outro lugar do mundo, haja alguém o esperando pelo seu regresso, ansiosamente?

— Sim, estou sozinho – ele confirmou minha suspeita. - Ainda procuro pelo meu outro grande amor, mas nunca o encontrei. Vivi outros amores que deram certo por algum tempo, mas não eram para toda vida.

— Nunca achou alguém que o fez se sentir como Sarah fazia? – instiguei, ele confirmou com a cabeça. – É impossível competir com uma lembrança, pois ela será eternamente perfeita, bem diferente de uma pessoa de carne e osso. – Não sei porque falei isso, eu não entendo o porquê estava discutido relacionamento com esse cara, algo que nunca fiz com ninguém, nem mesmo com o meu noivo, talvez, para passar o tempo dessa longa e tediosa viagem.

— Ela me perdoou – disse de súbito.

— Quem? Sarah? – É uma pergunta retórica, ele concorda com a cabeça.

— Eu li a carta dela antes de dormir, e ela confirmou que David é mesmo nosso filho e, que apesar de tudo que passou, ela me perdoou por tê-la abandonado. Conta que foi feliz ao lado de Jean Pierre e pediu-me para ajudá-lo na criação do garoto, quem dizer, de David.

— Fico realmente feliz por você, Olivier – falei a verdade.