As caçadas começavam muito cedo, antes do raiar do dia, já estavam todos de pé prontos para partir. Na madrugada, o grupo de cavaleiros e amazonas animados se reunia no descampado diante da porta principal. Acordei com os cachorros indóceis, latindo furiosamente, para começarem a correr atrás de alguma presa. Eu não iria junto com eles, apesar dos protestos da minha mãe e do meu noivo, pois nunca gostei desse tipo de atividade esportiva. Detestava aquela correria, a perseguição ao pobre animal indefeso até a sua morte, achava muito cruel.

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Eu tentei, contudo, não consegui voltar a dormir, fiquei acordada, me revirando na cama, até o som cessar, como sinal que eles já haviam partido, então, sai da cama e me aprontei, fui para a sala de café, que como supus, encontrava-se vazia àquela hora. Uma criada surgiu rapidamente para repor o que faltava no bufê, sentei-me feliz, por ter esse momento de paz e liberdade, sozinha durante uma refeição. Como minha mãe não estava me vigiando, coloquei no meu prato, tudo que não era permitido para mim, a fim de manter minha boa forma, esguia e delicada. O meu prato transbordava com salsichas, ovos mexidos, torradas com manteiga, e na minha xícara havia café, em vez de chá.

— As senhoras estão no salão de jogos – a jovem criada me avisou, mas eu não tinha a mínima vontade de encontrar com minha mãe, minha sogra e lady Talbot, que adorava me azucrinar, já que Harold havia escolhido a mim e não sua filha, Serena. As famílias de ambos acreditavam que eles se casariam, até eu aparecer e acabar com os planos deles.

Durante a minha refeição solitária, eu devorava tudo, com prazer e muito concentrada, por isso, não o ouvi entrar, só percebi sua presença quando me disse um alegre bom-dia, bem junto a mim. Olhei para trás pasma, ao vê-lo.

— Bom dia – respondi, depois que engoli depressa o que enchia a minha boca.

Percebi meu olhar de interesse para o meu prato.

— Não sabia que futuras damas da nobreza inglesa podiam comer como trabalhadores braçais – falou com um ar sério, fazendo me sentir envergonhada, meu rosto queimou, devia ter ficado corada, mas, antes que eu me desculpasse, Charles começou a rir, aquele seu riso perfeito. – Por favor, não se sinta constrangida pela minha presença, eu estava apenas brincando. Não leve tudo tão a sério, senhorita Graham.

— Já que seremos primos, pode me chamar de Mary. Mas, por que não está na caçada com os outro?

— Esse é um costume muito inglês que não estou habituado, pois acho que seguir um animal até a morte, não seja a maneira que eu queira passar a minha manhã.

— Então, como prefere passar sua manhã, senhor Wells?

— Só Charles, por favor. Fazendo algum tipo de esporte, como correr – ele fez uma breve pausa, senti meu rosto queimar de vergonha, pois, tinha certeza que ele me pegou espionando-o quando se banhava nu, no rio. – Ou, talvez, conversando com uma bela garota. – Naquele instante, eu o achei muito impertinente, no entanto, bastante interessante. O que aquele homem teria a me contar?

— Então, senhor..., quero dizer, Charles, por que veio de tão longe para estudar na aqui? Pois, eu sei que no seu país há boas universidades.

— Devo confessar que meus motivos não são muito valorosos, porém, não tenho vergonha de dizer que vim para a Inglaterra a fim de evitar a minha convocação para essa guerra absurda. Não sou um covarde, contudo, não desejo colocar a minha vida em risco ou matar outros seres humanos por algo que não acredito. Eu quero ser médico, não um assassino.

— Você seria um soldado.

— Sim, um soldado em uma guerra que não é nossa e não acredito. Eu sei que vocês, ingleses, são orgulhosos de como lutaram por seu país, mas defendiam as suas terras, o seu lar. Faria o mesmo nesse caso. No entanto, ouvimos relatos terríveis do que está acontecendo na Ásia e não quero participar disso.

— Seus pais concordaram?

— Sim, meus pais pensam como eu. Eles só desejam melhorar a qualidade dos seus vinhos e competir com os europeus – Não pude evitar um sorriso de desdém. – Você não acredita? Pois nossos vinhos já cresceram muito no mercado interno, e acreditamos que em alguns anos poderão bater alguns dos melhores vinhos europeus.

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— Eu não estou duvidando – falo mesmo ainda descrente.

— Você deveria ver os vinhedos no verão, são lindos. Nossa casa fica no alto de uma colina onde a vista se estende por todo vale. Ele fechou os olhos relembrando, e eu o acompanhei, imaginando os campos verdes sob o céu de um azul intenso. – E você, quando se tornará a nossa lady Belfor?

— Na próxima primavera – disse, sem muito entusiasmo.

— Você não parece muito animada com isso?

— É claro, que estou animada – retruquei com veemência. - Toda garota desse país sonha em se casar com um homem notável como seu primo.

Ele apenas ergueu as sobrancelhas e me lançou um olhar divertido.

— Se você acha – Dá de ombros, como se não se acreditasse em mim, aquilo me irritou, penso em levantar e deixá-lo sozinho, mas não o faço, mesmo que já tivéssemos terminado de comer, apenas ficamos ali, sentados, na sala vazia.

Ouvimos barulho lá fora, os caçadores voltaram, felizes e barulhentos, sinal que a caçada foi bem-sucedida. Por pura educação, fomos recebê-los do lado de fora da casa, desmontando dos seus cavalos. Um belo cervo de grandes galhadas jazia morto em uma carroça logo ali adiante. Ver todo aquele sangue e sentir o seu cheiro acre me embrulhou o estômago e me deixou enojada.

— Teremos carne de cervo fresca para o jantar! – Harold anunciou, orgulhoso do seu feito. – Foi uma pena que não tenha caçado conosco, Charles – disse, colocando a mão sobre o ombro do primo, em um gesto de intimidade que não estava acostumada observar vindo do meu noivo.

— Foi o próprio Harold que o matou! Um tiro certeiro bem na cabeça! – Meu pai proclamou orgulhoso, dei um sorriso sem graça, pois achava aquilo horrível.

— Vamos nos aprontar para o almoço! – Alguém anunciou e o grupo desapareceu para dentro da casa. Assim, eu e Charles nos vimos outra vez, sozinhos.

- Gostaria de dar uma volta antes do almoço!

— Sim – falei agradecida, pois havíamos acabado de tomar o café da manhã. Ganhamos os caminhos do grande jardim.

— Eu já vim aqui algumas vezes durante minhas férias, principalmente, quando minha avó era viva. Eu e Harold corríamos e montávamos por esses caminhos, brincando de cavaleiros do rei Artur.

— Não consigo imaginar Harold como criança. Para mim, ele já nasceu mais velho e responsável – eu admiti.

— Não, pelo contrário, Harold era muito divertido e um bom companheiro de aventuras até entrarmos na adolescência, então... – ele parou de falar.

— Então o quê?

— Então, ele se tornou o que é agora, responsável e rígido. Por que você vai se casar com Harold, Mary?

— Casar com um homem como Harold é o sonho de toda garota. Ele é educado, de boa família e com um futuro brilhante na política do país.

— É por isso que vai se casar com ele? – Charles me observava pelos cantos dos olhos.

— Precisaria de mais motivos? – Abaixei a cabeça para o caminho de pedra, pois aquela resposta não vinha do meu coração.

— Talvez, por amor? – ele me questionou, nesse momento, eu o achei muito atrevido. Como ele podia supor que eu não amasse o meu noivo?

— Você está sendo muito impertinente, Senhor Wells. Eu amo Harold, ele é gentil, educado e um bom homem – rebati irritada.

— Perdoe-me, Mary. Eu não queria ofendê-la, nem duvidar da honestidade dos seus sentimentos.