Debaixo do relógio que mostrava as 00:15, Marta começou a observar sua mesa e percebeu a bagunça que fizera em alguns minutos. Papéis, canetas e utensílios de medição estavam dispostos aleatoriamente, caídos e ocupando espaço. A luminária lhe proporcionava a única luz no quarto e mesmo sendo de um tom amarelado, era suficientemente boa. À Marta não importava, desde que ela conseguisse ter concentração. Os olhos moviam-se rápidos e precisos, as mãos auxiliavam mexendo nos papeis quando saíam de suas posições e isso era tudo o que importava.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Em exatas meia hora atrás ela sentou-se em sua cadeira e pôs-se a observar as contas que aparentemente estavam atrasadas. Marta havia organizado tudo quando percebeu as dívidas que seis meses de atraso acumularam. Ela notou que as primeiras contas, datadas em seu determinado mês, tinham um destaque verde no fundo. Elas davam as informações normalmente, com um anúncio no fim, e então davam o valor total. As contas que davam o primeiro aviso de atraso tinham destaques laranjas, com avisos ao invés de anúncios no fim, então davam o valor da primeira conta mais uma multa por atraso. Os terceiros avisos vinham vermelhos, com a palavra "urgente" usada várias vezes e, no fim, a multa, que era o valor da segunda multa mais a terceira. Antes de começar a entender como essa configuração funcionava Marta estava esperançosa de que não tivesse muitas vermelhas... Mas um sobressalto lhe subira pelo peito até a cabeça quando havia percebido que o amarelo da luminária junto ao vermelho das contas gerava uma luz laranja.

"Como eu fui irresponsável... Todos esses dias...", lamentou-se. Nem ela e nem o marido estavam conscientes do monte de papeis na estante da sala. Sempre estiveram lá, então por que o incômodo de ir lá e mexer? Tal incômodo coubera a Levi, seu filho de onze anos, que, usando os últimos resquícios da curiosidade infantil, fez uma excursão pela estante, procurando velhos cds de jogos pirateados (o pai sugerira a busca). Acabou achando muitos papeis e livros, antigos documentos rabiscados e velhos, amarelados, mas Levi também acabou achando as contas amontoadas perto de jornais antigos e, quando ele ia mostrar ao pai, Marta chegou.

"Sem querer Levi conseguiu evitar que perdêssemos a casa..."; eram dezoito contas, três para cada mês - contando as de aviso - e mais um alerta do governo, dizendo que, caso não fossem pagas as contas, a empresa iria confiscar a casa. Essa ordem estava para o fim de abril, no dia trinta; Estavam na última semana do mês, no dia vinte três. Ainda havia uma pequena chance se Marta conseguisse fazer uns contratos... Ou roubar. Nenhuma das possíveis soluções tinham cabimento, pois Marta não sabia nada sobre contratos e nem podia roubar. "Heróis não roubam". Fitou a marca verde em seu pulso para lembrar-se de quem era.

Atrás de si Eduardo gemeu, provavelmente virando-se na cama. "Esse aí sempre foi um preguiçoso...", pensou Marta, lançando um relance a Eduardo. "Mas bonito..."; ele tinha os mesmo cabelos escuros e brilhantes que antes. Seus olhos estavam fechados, mas ainda assim Marta conseguiu ver os olhos negros e divertidos. Na face de Eduardo sempre havia uma leve curva para cima, o que lhe dava a impressão de estar sempre sorrindo, e quase sempre sorria, mostrando o orgulho dele: os dentes brancos e perfeitamente alinhados. Nunca tive problemas bucais, dizia ele. Na cama ele se deitava espalhado, como se nunca tivesse espaço suficiente. Usava somente um daqueles calções que mais pareciam cuecas. Marta inclinou-se um pouco para ver seu abdômen levemente trabalhado, mas ele estava demasiado envolto nas coberturas.

Depois de um tempo observando-o, Marta decidiu que iria acordá-lo. Mudou o peso do seu tronco para as costas afim de empurrar silenciosamente a cadeira para trás; apoiou-se sobre os braços da cadeira e levantou-se. Ele tinha um sono que não era nem muito pesado e nem muito leve, por isso não precisou de muito esforço para manter-se silenciosa. Deu a volta para ir por detrás da cama e subiu nela, o colchão deformando sobre seu peso. Usando as perícias de discrição que aprendeu na RM, Marta Amélia Conceição moveu-se sobre a cama, mantendo os olhos fixos nas próprias mãos. Uma vez lhe disseram que se olhasse diretamente para os olhos de uma pessoa dormindo, seus instintos a acordariam. Ela se aproximou e quando estava suficientemente perto para morder sua orelha ele murmurou:

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

– Martinha Lutero... Hehehe... um, an... Aham... - estava no delírio de um sono quase desperto. Não havia oportunidade melhor. Marta encheu os pulmões...

E berrou no ouvido do seu marido.

Ele berrou com os olhos arregalados e assustado.

Ela voltou a berrar, mas o som virou uma gargalhada em sua garganta.

Eduardo estava deitado, tentando se acalmar. Marta ria descontroladamente ao lado dele, enquanto se lembrava da face dele.

Alguns minutos confusos depois ele finalmente estava mais calmo, assim como Marta. Ele se sentara na beira da cama, de frente para a mesa de Marta. Os lençóis haviam caído dele e agora ela conseguia observar sua barriga. Seus olhos famintos fitaram aquele abdômen, mas ela não passou disso. Quando estava acordado de noite Eduardo sempre ficava animado, o que dava a Marta uma noite de pedidos e palavras sensuais das quais ela já estava ficando sem paciência.

– Por que fez isso? - perguntou ele, olhando ela nos olhos com uma expressão confusa.

– Você estava dormindo - disse Marta, dando de ombros -, eu estava acordada, você gemeu. Que melhor porquê?

Ele parecia aborrecido, mas seu tom de voz estava calmo.

– Ainda tá vendo os papeis? - perguntou, olhando para outro lado do quarto.

– Estou. Você também devia olhar.
– Por quê? São só papéis.
– São contas.
– Piorou... Minha cabeça já começou a doer - fechou os olhos, a face transformada em um poço de raiva. - Que merda, Marta, mas que porra! NÃO me acorde mais! - virou-se, bufando, e enrolou-se nos cobertores.

"Que ótimo... Agora ele vai parar de falar comigo". Marta já ia aceitando sua condição, também ficando estressada, quando sua obstinação nata falou mais alto. O dia todo ela agia formalmente, como convém a uma mulher de verdade, mas agora ela estava à sós com a única pessoa no mundo que nada mais queria dela que não fosse a informalidade. E era isso que ela daria para ele.

– Tá certo - disse Marta, alterando a voz para que também parecesse estar com raiva. - Já que você não quer ver as contas... Eu vou pegar o seu videogame e quebrar!

Ele levantou-se lentamente, a incredulidade misturada com o medo. Marta sabia que Eduardo tinha um fascínio enorme por seu console e usar essa fraqueza para provocá-lo foi uma boa ideia. Eduardo trabalhava em uma empresa que criava jogos, ele era o responsável pelos efeitos sonoros. Ganhava o salário mínimo de mil e trezentos. Foi demitido por ter muitas faltas no trabalho e, desde então, estava desempregado. Não era um total desastre, pois agora não teriam de pagar uma babá e ele poderia aproveitar a adolescência do filho, que cresceria ao lado do pai.

– Não faria isso - disse ele, ameaçador.
– Você sabe que eu faria.
– Marta, eu estou estressado demais para suas contas, preciso dormir, me deixe em paz!
– Eu vou te deixar em paz, depois de olhar as contas.
– Cara, eu odeio você. Eu não vou olhar as contas.
– Então adeus, videogame!

Abriu a porta do quarto e saiu correndo, ignorando os berros do seu homem lá atrás. O corredor estava escuro, mas Marta soube imediatamente que o lado esquerdo a levaria para uma luminária encima de uma prateleira atrelada à parede próxima ao banheiro e que o lado direito a levaria para a porta do quarto de Levi - que provavelmente estaria acordado, fazendo as coisas que a maioria dos adolescentes homens fazem - e para o balcão que ficava na cozinha. Foi pra lá que ela correu. Atrás de si Eduardo veio, meio correndo, meio andando. Ela diminuiu o passo quando avistou o console de última geração, a terceira maior paixão de Eduardo. A luz da sala acendeu atrás de si.

– Olha, um videogame! - disse Marta, inocentemente. Desenhou em sua face uma expressão que o provocava. - Será que se colocar no modo avião ele voa? Acho que sim.

Eduardo estava realmente assustado agora. Marta abaixou-se e desconectou cuidadosamente os cabos traseiros. Não haviam cabos para os controles, estes funcionavam por laser. Eduardo olhava para ela, paralisado. Marta quis rir da cena pra lá de infantil, mas obrigou-se a manter o semblante sério. Ela precisava de Eduardo para verem as contas e se fosse fazer uma ameaça queria que ele a levasse a sério. "É tudo por nós, amor... Ah, céus, como eu tô amando isso!".

Ela ergueu a caixa azulada acima de sua cabeça e fingiu ter deixado escorregar, segurando agora por uma mão era até leve, "ou eu sou forte?". Eduardo estava apavorado, como se sua vida dependesse daquele console.

– Marta... não... - murmurou.

Ela deu um riso com o canto da boca e jogou o console para cima. Quando estava prestes a cair no chão, ela usou de sua velocidade anormal para pegar a caixa no ar e deixar Eduardo pálido. "Valeu por ter me forçado a desenvolver a agilidade, Gary.", pensou, recordando-se do antigo treinador de mutantes e em seu "treino inofensivo" de desviar de flechas.

Eduardo ainda não cedera, por isso Marta pôs o console no chão e pôs um pé encima. Olhou para ele e, quando ia transferir o peso do corpo, ele caiu no chão, de joelhos.

– Não faça isso - implorou olhando-a nos olhos. Ele realmente parecia triste. "eu mesma gosto de jogos, mas não nesse ponto". Ponderou sobre quebrar de verdade para acabar com o vício do marido. - Por favor, eu faço qualquer coisa.

– Qualquer coisa?
– Qualquer coisa!
Ela pôs o console de volta e disse para ele:
– Vamos para o quarto.

[...]

Ele havia se sentado na cama novamente, mas desta vez Marta fingiu que não ligou. Começou a mostrar-lhe todas as contas que precisavam de atenção. Destacou a dívida que ela havia calculado até aquele momento, então começou a puxar rascunhos de cálculos que estavam para os cantos. Enquanto movia a mão um dos lápis caiu e ela inclinou as costas. Lembrou-se de algo sobre postura, o que a fez empinar o traseiro e deixar as costas eretas. Quando agitou a mão embaixo da mesa, não achou o lápis, mas ouviu um movimento na cama. Quando voltou a se erguer Eduardo estava sentado na cama, fitando sua costa. Ela fez uma cara de desconforto, lembrando-se de sua fraqueza quanto às seduções de Eduardo. Obrigou-se a manter o foco.

– Você fica aí me olhando, não faz nada! - disse, em um tom irritado - Venha me ajudar, sua mão é mais larga.

Ela não queria ver a cara dele, por isso voltou a se inclinar. Estava demasiado escuro para ver qualquer coisa, mas Marta tinha uma certa habilidade para essas coisas. Tinha uma visão melhor que a maioria dos humanos, melhor que Eduardo. Também obtivera isso do treinamento com Gary. Ela teria de desviar das flechas de novo, só que dessa vez no escuro. Tinham quatro Heróis com o poder de cura rodeando-a, e quando ela estava prestes a morrer, era curada. Lembrava-se muito vagamente da sensação de cura, tudo o que lhe vinha à mente era uma sensação de que estava nas nuvens.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Eduardo abaixou-se, logo atrás de si. Sua face ficou próxima a seus quadris. O homem esticou os braços e apalpou o chão, não encontrando nada, falou para Marta:

– De manhã a gente procura.
– Não. Vamos achar agora - ele realmente estava começando a irritá-la, agindo daquela maneira infantil e imatura. Levantou-se, junto dele, e fitou seus olhos negros - Se você não achar comigo eu quebro o...
– Eu vou achar sim - ele disse, tranquilamente -, mas eu quero achar outra coisa.
– O que é? - perguntou Marta, agora quase fervendo.

Ele não falou, mas nem precisou. Inclinou-se para a frente e beijou longa e profundamente os lábios raivosos da sua esposa. Marta quis espancá-lo no começo, mas depois de uns pequenos segundos, entregou-se toda. Envolveu-o com seus braços e apertou-o contra si, sentindo uma energia poderosa por todo o corpo.

Era o poder de Marta, irradiando com uma força que ela raramente sentia.

Marta sentiu o volume de Eduardo embaixo de si. Foi fácil sentir, tinham a mesma altura. Ela sabia onde isso ia terminar, mas isso não importava: deixou fluir. A boca de Eduardo tinha um gosto de menta, mas de maneira tênue. E ele sabia beijar. Seus lábios moviam-se avidamente. Pareciam ter ingerido todo o energético do mundo, mas com o fogo que havia crescido em Marta, ela não ligou para isso. Ergueu a perna direita para deixar o membro dele ainda mais perto de si e, pouco depois, a perna esquerda. Ainda demoraram um pouco ali, mas quando Eduardo percebeu que estava na hora, deu uma risada. Jogou as mãos em suas nádegas e a ergueu no ar. Caminhou até a cama, girou e caiu, deixando-a por cima dele.

Ficaram ali por mais alguns minutos, até que ela sentiu que se não fossem logo iria molhar a cama. Tirou a camiseta folgada que usava para dormir e tirou o pequeno calção rosa ainda mais leve. Por baixo ela agora usava somente a roupa íntima e Eduardo teve o privilégio de despi-la por completo.

Estavam agora ambos nus e Eduardo fez o que era certo. Havia muito tempo que Marta não sentia um êxtase tão forte quanto o que sentiu quando ele a penetrou. Os músculos da sua coxa se contraíram e o prazer pareceu aumentar. Ela estava agora com uma ferocidade que nunca achou capaz de sentir. Eduardo riu mais uma vez quando ela movimentou-se ainda mais rapidamente.

– Assim eu não aguento por muito tempo, Martinha - disse ele, a malícia tão forte na voz quanto lá embaixo.
– Não se preocupe, Dudu - ela voltou a beijá-lo.

Passaram uns segundos indo e voltando, para cima e para baixo, cada vez mais forte e cada vez mais rápido, entretanto Eduardo nunca chegava. Ela atingiu várias vezes, e quando o fazia. Eduardo dava uma pequena pausa, para ela desfrutar totalmente, então retomava ao movimento.

Depois de alguns orgasmos, Eduardo começou a movimentar sua língua diferente na boca dela. Ele parecia estar acariciando seus lábios. Marta demorou um pouco, mas por fim entendeu o recado. Não sorriu, não lhe agradava sorrir à toa, simplesmente murmurou:

– O que está esperando, seu lerdo?

ELE riu, então começou a abaixar, lentamente. Impaciente, ela pôs as mãos em sua cabeça para forçá-lo a ir mais rápido. Quando ele chegou lá, Marta começou a se contorcer, tamanho prazer que sentia. Pensou que se pusesse mais força nas coxas iriam explodir, por isso agarrou um travesseiro e começou a apertá-lo. Lá embaixo Eduardo ria ainda mais.

Ele era um especialista nisso, devido ao número de vezes que praticaram quando ainda não tinham Levi. Sua língua era enorme, mas Marta era pequena, o que a deixava ainda mais entorpecida. O movimento nunca ficava repetitivo, ele sabia alternar entre lábios menores, maiores, clitóris ou até a cavidade em uma sincronia perfeita. Não lhe surpreendeu quando atingiu mais vezes.

"Deus, me deste o melhor poder de todos!".

Mais tarde, quando ambos já haviam chegado, Eduardo estava com um sorriso enérgico no rosto. Marta estava cansada, muito cansada. Não conseguia mais sequer saber de voltarem o ato... Mas todo esse cansado evaporou no instante que Eduardo falou:

– Puta merda, me casei com a melhor mulher do mundo. Eu te amo com todas as minhas forças... Se eu tivesse alguma agora... - fez uma pausa, respirando fundo, querendo sorrir. - Foi uma das melhores noites da minha vida.
– Sim... - murmurou ela, em resposta. - Mas eu me casei com o homem errado.
Ele pareceu terrivelmente ofendido.
– Por quê? - a voz perdeu metade da malícia, estava agora melancólica.

Ela virou-se, pegou em seu pescoço e mordeu o lábio. Não sabia ser sensual, mas imaginou que ele devia estar ficando doido agora.

– Porque este tonto aqui acha que acabamos.

[...]

O amanhecer chegou subitamente. Ainda estavam no ato quando o despertador tocou. Marta quis quebrá-lo, mas sentiu que, agora, de fato, não aguentava mais. Toda sua energia se esvaíra. Ela sabia o que viria agora: um sono de três dias. Suas pálpebras começaram a pesar e ela só teve tempo de dizer, com multa dificuldade, mais três palavras:

– Três... Energéticos... Rápido...

Quando ele voltou ela sentiu que poderia bater o recorde de mais energéticos tomados em meio minuto. Desceram fervorosamente por seu corpo abaixo, lhe revigorando o poder e dando energia extra. Quando bebia o terceiro, partilhou a energia com Eduardo. Como simples humano, ele ficaria terrivelmente exausto durante o dia se ela não lhe desse a energia.

Tomaram banho, vestiram-se e, enquanto preparavam o café, Levi surgiu na cozinha. O coração de Marta acelerou. Casada com Eduardo, Levi era seu primogênito. Concebera ele na noite do casamento e ele nasceu oito meses mais tarde. Tivera um crescimento rápido em seu ventre e nascera forte e saudável. Desde seus quatro anos Marta ficara especulando quanto a possibilidade de ele ter ou não um poder. Geralmente os poderes eram herdados do pai, uma parte do cromossomo carregado no gameta masculino tinha uma carga extra que daria o poder para o indivíduo... Mas Eduardo não tinha poderes.

"Senhor Jesus, proteja meu filho. Coloco nossas vidas suas mãos", orou.

Levi olhou-a. Ele havia acabado de acordar, estava com os olhos enevoados e pesados. Usava uma camisa totalmente verde e tinha a toalha vermelha com desenhos de um videogame envolvendo-o cintura abaixo. Levi tinha um corpo forte, seu tronco tinha uns músculos incomuns para alguém da idade dele. Ambos os braços tinham o mesmo tamanho, com os bíceps levemente alterados. A pele estava com o natural tom mesclado - o que em até certo ponto era estranho, considerando que nem Marta nem Eduardo eram negros. Ele tinha feições grossas, ainda sem espinhas, com os olhos pretos pequenos fitando com um tom de raiva. Marta previu que ele estava zangado. Ouviu-o em sua voz ainda infantil quando ele falou:

– Mãe, hoje não tem escola.
– Eu sei, é domingo.
– Então? - fez uma pausa, talvez esperando que ela compreendesse o que ele falaria - Por QUE me acordou?
"Droga, esqueci de desativar o despertador... Não posso confessar-lhe isso."
– Porque, você... eu acho que você já tem idade o suficiente para saber que não é só a escola que lhe diz quando acordar.

Ele ficou em silêncio por uns segundos, até que pareceu pensar em algo:

– Me diz o que eu deveria ser capaz de ficar fazendo ACORDADO de MANHÃ em uma porcaria de domingo? - o tom de voz sugeria que ele falava a uma criança que fizera algo de errado. "uma fala de criança que se dirige a uma criança".
– Você sabe que vai à escola dominical.

Ele suspirou, como se fosse um velho e chato assunto, do qual ele odiava falar... E Marta tinha essa suspeita. "Não deixe meu filho seguir os caminhos errados, Jesus, eu te imploro..."; esperou para ver a reação que ele ia ter.

– Mãe, eu estudo. Tenho DOZE anos. Acordo cedo de segunda a sábado, todos os meses, e vou para o colégio, fico lá até duas, três horas da tarde! Quando chego em casa a única coisa em que penso é tomar um banho e me sentar com meu pai para jogarmos um pouco. Aguardo toda semana para chegar o sábado e o domingo, para assistir TV até tarde... Mas quando é de manhã a senhora vem, me acorda, me deixa com uma dor de cabeça infernal...
– Não OUSE comparar dores terrestres com as dores do inferno! - aumentou o tom de voz, querendo indicar um pouco da consternação que sentia.
– Mãe, me escuta! - berrou, ainda mais alterado - Pelo amor de Deus, qual seu problema?! Deus não vai me mandar para o inferno porque eu disse que a dor é infernal! Eu disse isso para a senhora ter só uma ideia do que fez comigo!
– Levi, eu não vou autorizar que você me dê aulinhas de literatura! Você já deve saber que fui EU quem lhe ensinou as figuras de linguagem.
– Não importa quem ensinou ou "deixe" de ensinar. Se a senhora entendeu o que eu quis dizer quando disse infernal, por que fez deu tanta importância?

Ela desligou o fogo que aquecia o café. Começou a limpar a garrafa e alinhou o crivo acima da boca do recipiente.

– Porque eu não gosto que fale isso. Diz como se fosse uma dor qualquer - agora seu tom de voz estava relativamente calmo.
– MAS FOI A DROGA DE UMA FIGURA DE LINGUAGEM! - berrou. Eduardo, na sala, não lançava um relance à cena que desenvolvia atrás de si.
– É isso o que a palavra de Deus significa para você? Não passa de... figuras de linguagem?

Levi calou-se diante a calmaria de Marta. Olhava para ela, totalmente perdido. Pensava no que falar, mas quaisquer pensamentos que lhe ocorreram, manteve-os consigo, mas ainda assim seu olhar denunciava o que a mente escondia. Apenas um murmúrio indelicado que Marta se recusou a acreditar que pairava no ar: "Claro, pois Deus não passa de um mito".

O café deslizou por dentro do crivo. A fumaça com o cheiro invadiu a cozinha, mas nem mesmo o aroma delicioso do café pôde diminuir a tensão de uma discussão. Mesmo Eduardo ter ligado a TV no outro lado, na sala, a atmosfera da cozinha pareceu, por um instante, excluir quaisquer sons que não fossem o do café enchendo a garrafa.

Quando ela tampou e apertou a garrafa, Levi ainda estava ali, em pé, fitando o nada. Marta pôs a garrafa no lado esquerdo da pia, puxou a louça que usara para fazer o café e pôs-se a lavar. O sabão em barra estava acabando, por isso levou a mão para debaixo da pia e apalpou a mesinha onde colocava os utensílios de limpeza. Achou um sabão novo, molhou-o, passou na esponja e começou a esfregar as louças.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

– Mãe, eu não quis dizer que a palavra de Deus é uma figura de linguagem - Levi pareceu ter o orgulho ferido quando resolveu pedir desculpas.
– Não... - disse Eduardo, atrás de si. Marta não se mexeu, nem soltou um pio. Queria ver a reação do filho quando o pai que ele tanto amava lhe dava um sermão - Mas gritou com a sua mãe do mesmo jeito. Você sabe que deve respeito a sua mãe.
– Por quê?
– Por que nós seguimos uma tradição, a de que filho desrespeitoso deve levar surra - o rosto de Levi não vacilou... Mas seu súbito desconforto no pé, junto ao subir e descer do nó de sua garganta, lhe denunciaram. - Mas nós não vamos lhe dar uma surra. Não agora - Eduardo olhou em seus olhos, e a perfeição com que ele não vacilou encantou Marta. - Se voltar a fazer isso de novo, EU vou lhe dar uma surra.

Marta pôs as louças no escorredor e levou o café para a mesa. Não ouviu o que Eduardo disse em seguida, mas quando voltou a olhar para a cozinha Levi havia saído para o banheiro. Eduardo veio para a sala.

– Então, Martinha... - foi interrompido pelo toque do telefone fixo - Eu atendo. Alô? Quem? Lucrécia? Não te conheço. Ah... Sim... Desculpa não reconheci... Tá, peraí. Marta! Sua amiga, Lucrécia.

"Lucrécia" era o nome que Chico usava para falar com quem não fosse Marta. Ele quase nunca ligava para Marta, eram raras as vezes... Mas talvez porque não tinha necessidade. Marta simplesmente olhava algumas câmeras na Parte Três, em áreas que nem precisavam da atenção que as outras. Mesmo assim ela conseguiu evitar vinte assaltos e quatro estupros naquele beco. Assim que via a ameaça mandava o sinal para os Heróis, que, efetivamente, evitaram todos os crimes.

Foi com nervosismo que Marta pôs o telefone no ouvido e falou:

– Chi... Lucrécia?
– Você é a... Senhora Marta Amélia Conceição... Araújo? - respondeu uma voz tocante. Ele falava de maneira alegre e isso dava a impressão de que ele gostava de transmitir as ordens que Kevin lhe passava.
– Sim... O que eu fiz? - seu nervosismo deve ter chamado a atenção de Eduardo, que lhe lançou um olhar. Chico, no telefone, a censurou.
– Mantenha controle sobre o que você fala, Marta. Essa é uma ligação secreta, seu marido não faz ideia de quem seja Lucrécia, mas você sabe que ela é uma grande amiga de seu emprego. Não a melhor amiga, mas uma grande.

Marta controlou o nervosismo. Era fácil, sempre fazia isso. Fez uso de sua máscara facial quando jogou a cabeça para trás e deu a gargalhada mais natural que conseguiu. Eduardo olhou estupidamente para ela, como se estivesse totalmente consciente das verdadeira identidades que tanto Lucrécia quanto a Senhora Marta escondiam.

– Assim está melhor - ele pareceu dar uma risadinha, orgulhoso, - Kevin quer te ver - O sorriso no rosto dela conseguiu, pelo menos, evitar que ela se desesperasse. A face sorria, mas o cérebro começava a entender as palavras de Chico. - Fique calma, Senhora, não fizeste nada de errado... - a voz assumiu um tom de suspeita - Ou fizeste?
– N-não, eu acho que não...
– Então está tudo bem. Ele quer uma audiência com você daqui a pouco. Logo Tiago vai chegar em sua casa. Tenha um bom dia.

Quando Marta desligou o telefone, encaixando-o à parede, seus pensamentos voavam. Voltou ao sofá, como se estivesse em transe, especulando sobre o assunto que o líder da RM quereria com ela.

"Refúgio Mutante, não! Sociedade de Heróis!". O nome mudara após aquele dia. "O Dia 43", era chamado. Aconteceu quando um grupo dos mais letais Heróis da RM resolveram fazer uma revolução. Foram assassinados os principais sub-líderes da RM, incluindo Ashley Santos; essa era como uma filha para Gary. Ouvira dizer que fora perseguida brutalmente durante duas horas na pequena região florestal que havia no lado oeste da Parte Um. Quando a mataram trouxeram seu corpo de volta e o colocaram para exibição dentro de um caixão de vidro. O cheiro era contido, junto ao corpo. Estava ali havia pelo menos duas semanas, mas ainda não fora decomposto. Vários Heróis reclamavam da visão cruel e totalmente desumana que um cadáver exposto proporcionava, mas Kevin os silenciara com um cerrar de olhos, o resto da face tão estático quanto podia. Depois disso desaparecera de volta a sua sala, onde passava a maior parte do tempo.

Marta, durante a hora que tinha para darem uma pausa e conversarem, escutara alguns boatos acerca da localização de Gary e Gustavo. Uns murmúrios diziam que eles estavam em uma área secreta da RM, que nunca ninguém tivera acesso; lá eram realizados interrogatórios sobre tudo. Outros diziam que eles tinham sido mandados para um outro planeta, talvez Marte ou Saturno. Marta achou essa possibilidade extremamente imbecil... Mas os mais terríveis boatos diziam que Gary e Gustavo estavam sendo brutalmente torturados para revelarem a localização geográfica do Refúgio Mutante. Só os legítimos líderes tinham acesso a essa informação e Kevin não era um legítimo líder. Estava na regra número seis da RM: somente um legítimo líder faz outro. O documento tinha de ser assinado e exibido na mesa de quem havia sido nomeado. Marta não vira nenhum documento, mas também ela ainda não se apresentara ao líder.

Até agora.

– Marta? O que foi? - a voz de Eduardo acordou-lhe do transe.
– Nada, não, amor.

Ele fez uma cara de desapontamento, como se já tivesse ouvido essa desculpa e estivesse cansado.

– Você não me chama de "amor" nunca, Marta. O que aconteceu?

Marta mudou sua face, pronta para improvisar, quando ouviu-se um bater na porta. Eduardo já estava com o calção jeans e a camisa laranja que costumava usar. Marta usava uma camisa branca com gola e os traços vermelhos da faculdade, junto a um "short longo". Eduardo começou a levantar quando Marta soube quem estava na porta. Disse a Eduardo que atenderia a porta.

Levantou-se e abriu.

[...]

Sentia-se melhor agora que estava vestida com sua roupa de trabalho. Não era uma roupa de trabalho, de fato, pois todos na Sociedade de Heróis usavam a roupa que queriam. Ela não era exceção. Não gostava muito dessa mistura de roupas, de modo que pegou algumas peças no armário e as separou para usar sempre que voltasse à Sociedade. Chamou-as "roupa de trabalho".

Tiago caminhava ao seu lado. Outrora sua face fora bela, pensou Marta, mas a barba preta junto ao seu olhar de raiva lhe roubaram isso. Marta sentia que o homem andava mais raivoso que calmo ultimamente. Já não falava com ela tanto quanto antes. Murmurava cumprimentos automáticos e se limitava a fazer o seu trabalho. Sua pele lembrava a Marta um homem que passara o dia inteiro se bronzeando, menos o cabelo, tão preto quanto seco. Hoje ele usava uma camisa preta cujo tecido lembrava um daqueles ternos de executivos. A calça era jeans branco, tão limpo que parecia brilhar, e essa roupa era acentuada por um sapato de couro marrom simples.

Quando ele caminhava os Heróis desviavam dele e abriam caminho. Alguns se chocavam uns nos outros e acabavam tendo uma briga rápida para esquecerem imediatamente após voltarem a andar. Marta não sabia de onde vinha tanto respeito por parte dos Heróis. Tiago era quase sempre ignorado por todos e era ele quem saía da frente na maioria das vezes. " Deve ter sido Kevin. Ele mudou totalmente as coisas".

Estavam passando agora pela área em que os Heróis chegavam de suas missões. Era uma área pouco movimentada naquele dia, mas Marta sabia que normalmente um fluxo inextinguível e constante de Heróis indo e chegando desenrolar-se-ia naquela área. Os sons lá eram de conversas ruidosas e gritos de comemoração. Alguns escutavam música e outros simplesmente ficava lá por ficar. Subitamente um outro "táxi" da Sociedade apareceu e sumiu quase no mesmo momento. O Herói que viera era uma mulher, com os seios e a parte traseira tão grandes que pareciam a ponto de explodir. Os outros Heróis fixaram seus olhares nela e começaram a assobiar. Um deles chegou perto dela e ergueu a mão para dar-lhe um tapa e Marta desviou o olhar. O vento assobiou, e um pé foi fortemente de encontro com o chão. Quando Marta voltou a olhar a mulher tinha uma faca apontada para a garganta do outro Herói e um olhar de censura.

Thiago percebeu que ela olhava.

– Paulo é um dos nossos melhores soldados. Tem uma agilidade muito aguçada e consegue assumir a forma de outros... E também consegue dar um toque extra pra esquentar as coisas - ele falava de maneira orgulhosa, como se o herói fosse seu filho.

Marta manteve-se em silêncio. Estava nervosa.

Quando passavam pela sala dos generais - Kevin a chamara de "Salão de Guerra" - Marta notou que haviam muitas cadeira vazias. O Salão tinha um tamanho razoavelmente equilibrado. A primeira impressão de Marta era de que o lugar era grande, mas logo depois ela percebeu que a arquitetura parecia ter sido feita sob uma medida perfeita, em qualquer sentido da palavra. O teto, assim como a maioria das coisas ali, se perdia no escuro acima dela, mas ainda sim a iluminação era favorável.

Ela passou por uma fileira de cadeiras de escritório, algumas estavam vazias, mas duas delas estavam ocupadas. Eram duas mulheres, que nem sequer ergueram os olhos quando Marta passou. Ignorando-as, ela voltou sua atenção para a porta dupla afrente, com a superfície tão branca e lisa que parecia dar um novo sentido à cor branca.

– Siga direto e respire fundo -disse-lhe Tiago. - E se acalme, ele não vai lhe matar.

Virou-se e saiu, os sapatos se encontrando ao chão sonoramente.

Kevin estava sentado de costas para a entrada principal quando Marta entrou. Imediatamente um telão se apagou, mas ela ainda processou um vulto avermelhado. Ficou ponderando sobre isso por uns segundos, até que ele se girou na cadeira e a encarou.

– Marta... Amélia, certo?
– S-sim, Senhor.

Marta forçou-se a olhá-lo nos olhos. "Sou forte, ele não me assusta".

Mas os olhos eram vermelhos. As íris tinham um fascinante tom vermelho, com a pupila tão parada que parecia congelada. Ele a olhava profundamente, muito provável que estivesse avaliando qualquer defeito ou qualidade que visse. A pele era de um tom branco, quase pálida, e o cabelo totalmente seco, aparentemente sólidos ao toque. Seus lábios mostravam a mesma expressão de uma pessoa que dormia, não deixavam passar nenhuma emoção. O coração de Marta acelerou, ao passo que o medo crescia dentro dela. Ela não sabia o quão perigoso Kevin era, apenas ouvira histórias muito fantasiosas, mas agora, vendo-o de perto, começou a questionar o nível de fantasia das histórias.

"Ele não pode me fazer mal, eu sou mais forte que ele".

– Qual seu maior medo? - a voz dele era dura e subitamente cheia de emoção. Ele parecia estar cheio de coragem, prestes a partir na maior aventura.

Marta ponderou. Não havia nenhum medo do qual se lembrava, quase absolutamente nada. Lembrava-se de quando era criança, e a porta defeituosa do guarda-roupas amarelo abria durante a noite. Sempre que ela ouvia ficava receosa de olhar para trás, com medo de que haveria algum monstro. Outra ocasião foi quando ela era adolescente e foi em um restaurante com robozinhos para crianças. Ela estava no outro lado, por isso não viu, mas OUVIU quando um tumulto e uma gritaria jorraram da sala infantil. Surgiram rumores de que um dos robôs animados haviam mordido o braço ou a cabeça de uma criança. Nunca mais Marta havia chegado perto de uma maquina que movesse por conta própria.

– N-não me lembro de nenhum medo, Senhor.
– Se não disser o seu medo, eu posso achar um para você - sugeriu.

Os pés começaram a revelar o nervosismo que a voz há muito tempo tinha.

– N-não, eu... Não sei, é... Não me lembro, eu, é... Talvez tenha esquecido...
– Parece uma justificativa plausível... - interrompeu ele, olhou-a nos olhos - O que eu disser aqui, está dito, e não poderá ser anulado. Você me entende?
– É-é, sim, eu... Entendo.
– Eu sei que você tem problemas. Eu sei das suas... Recentes dificuldades.
– Minhas...
– Dificuldades. Sua família não colaborou muito nos últimos seis meses, não é? Se não fosse o seu filho...
– Como o Senhor sabe disso?
– Câmeras. Tão escondidas que não há como achá-las. Você acha que os antigos... LÍDERES... Sabiam das coisas porque eram bonzinhos e todos contavam seus segredos?
– Não, mas eu não imaginava que haviam câmeras.
– Não, as câmeras não importam. Importa o destino que essa conversa está tomando. Que sua vida está tomando - ele fez uma pausa, olhou-a profundamente. Seus olhos passavam uma mensagem: "cale-se". - Todos têm dificuldades e problemas. Trabalham aqui pensando no dinheiro no final do mês e como vão moldá-lo para encaixar na diversão e nas contas. Todos aqui são adultos, com mais de dezoito anos. Não há nenhum adolescente imaturo, todos aqui sabem que têm responsabilidades que precisam ser cumpridas.
– M-mas eu...
– Você ignorou a existência de cinco intimações da prefeitura, seis contas de energia e do prejuízo colossal que acumulava. Durante seis meses. Você trabalha aqui e ganha exatos quinhentos reais. Suas contas de energia custam menos de cem e o seu filho gasta quase cento e cinquenta com jogos, bebidas, lanches, cinema e passeios, por mês. Seu marido usa trezentos nos jogos e utensílios da casa em geral. Isso faz sobrar quase cinquenta reais para você. Sua vida é estável, vocês são organizados e quase perfeitos... Então como é que IGNORA as contas de eletricidade? - a voz nunca alterou o tom.
– Senhor, eu não...
– Você não é responsável.

Marta ponderou, pensando sobre sua vida. Todas as vezes que, durante o colégio, liderava as apresentações dos trabalhos, trazia as atividades no dia e cumpria seus objetivos. As memórias levaram Marta em ocasiões do antigo emprego; ela trazia, enviava, formatava e entregava todos os papeis que o seu chefe pedia, cada um de acordo com o que estava escrito .

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

– E-eu estava focada no meu filho...

Ele não a interrompeu, esperou ela falar sobre o filho e Deus, sobre seu medo de que ele viesse a desacreditar no em Deus. Quando terminou, Kevin a olhava do mesmo jeito, como se ela dissesse algo totalmente irrelevante.

– Você acredita em Deus? - perguntou ele, calmamente.
– Eu acredito sim... Senhor...
– Eu achava que nenhum Herói acreditasse... - ele hesitou um rapidamente. - Como você explica os poderes? Você acha que foi Deus quem lhe deu?
– Eu acho que... - Marta nunca pensara muito profundamente sobre aquilo. Preferia ignorar - Deus nos enviou esse presente pra gente... Pra nós... Pra nos preparar para algo maior.

Kevin olhou-a profundamente, o olhar indicando nada. Marta desviou o olhar e fixou os olhos na mesa. Haviam dois monitores em modo de espera, os teclados talvez escondidos. A mesa era um arco gracioso de madeira - o brilho indicando que alguém a havia polido - que tinha dois metros. Marta suspeitou que debaixo da beira da mesa haviam alavancas ou botões que ativariam diversas coisas.

Na parte mais à esquerda haviam papeis amassados, rabiscados e rasgados, juntamente à folhas impressas cujas letras estavam deformadas e apagadas. "Por que ele não joga no lixo?", pensou Marta. Na parte mais direita havia uma pilha media de mais papeis, todos eles pareciam importantes demais para ignorar, mas ali estavam, ignorados. Marta não duvidava que logo iriam para o lixo. Na parte central estava o monitor de Kevin, com, provavelmente, as informações que ele usava para mandar na Sociedade.

– A destruição do mundo e a conservação da humanidade, por exemplo?
– Maior...
– O que poderia ser maior que isso?
– N-nós não conseguimos imaginar, Senhor. A glória de Deus é m-maior que todos.
– Já que você diz, eu não te chamei para falar sobre isso - ele esperou um pouco, antes de falar. - Eu vou lhe dar um aumento, Marta. Não vou fazer isso pelo que você disse agora, mas sim porque eu notei seus feitos quando observou o bairro Lâmpada na Parte Três. Aquele bairro é o mais seguro de todo o lugar e raramente achamos delitos lá, mas você ainda conseguiu evitar assaltos e estupros. Qual seu poder?
– E-eu tenho resistência maior que os humanos e até c-consigo compartilhar essa resistência.
– Bem, você agora é a líder do time de Observação. Quando sair daqui você vai pra casa e só vai voltar amanhã, quando for o dia 1 de maio de 2014.
– M-mas...
– Silêncio! - olhou para ela como se estivesse prestes a matá-la, Marta se encolheu. - Eu já vou ter dado a notícia para os outros.
– E-Eu, como vou saber onde me sentar?
– Venha aqui novamente e eu vou lhe dar a senha do monitor do antigo líder e, lá, vão estar as informações necessárias para você conhecer cada nome sob o qual estará seu comando.

Marta ficou parada no chão, olhando para o nada e olhando para o tudo. "Um aumento... Deus, muito obrigada, tu és digno de toda a glória". Todos os pensamentos de abandonar a casa e fugir haviam saído de sua mente. Eduardo a abraçaria com tanta força que a esmagaria. Ela iria gastar o último centavo que tinha em um banquete digno de ricos. A vida financeira de Marta agora mudaria, e então ela poderia se concentrar e fazer Levi voltar a adorar o mesmo Deus que a dera tudo aquilo.

– Preciso que assine aqui.

Kevin pegou uma caneta preta do porta-lápis e entregou na mão de Marta. Ela inclinou-se, empinando novamente o traseiro, e começou a escrever seu nome, em uma caligrafia caprichada e graciosa, com uma empolgação que não sentia há muito tempo.

"Marta Amélia Conceição Araújo". Ao lado dessa linha havia uma frase. "Como novo(a) líder dos Observadores."

Logo após foi lhe dada a ordem de sair, e ela caminhou, entorpecida, ignorando tudo e todas ao seu redor. No salão principal o movimento havia ficado mais denso. O barulho estava muito alto, mas felizmente tudo fora projetado para ecoar para fora.

– Mas eu não... - pensou ela. - Eu agora vou ficar.