Herança

Capítulo 24


\"- Sailor Terra! Venha dar uma olhada nisto\"
\"- Estou indo\"
Júpiter olhou na direção em que as crianças estavam. Era aproximadamente na metade da composição. Olhou novamente para os motoristas e, sem dar nenhum indicativo, deu um salto em direção as crianças, percorrendo cerca de trinta metros neste primeiro pulo. Assim que pousou aproveitou o impulso e deu outro salto, percorrendo a distancia até onde elas estavam em apenas doze saltos.
As duas a olharam impressionadas, e não era para menos. Nenhuma delas estava habituada a vê-la agindo já fazia um bom tempo – sua filha, na verdade nunca a viu agir – e não imaginava mesmo que podia dar saltos tão grandes assim. Como se portaria quando visse o que Urano podia fazer?
- O que vocês encontraram? – perguntou ela sem se importar com os seus rostos surpresos.
- Veja – sua filha apontou para a porta corrediça do vagão. O ponto de união dela com a parede metálica estava da mesma forma que as bordas de um pastel, como se uma pinça gigante comprimisse o metal unindo as duas partes.
- Parecem marcas de garras – murmurou ela ficando preocupada. Aquilo se revelou ser muito mais do que uma simples aventura não programada que Diana teria arrumado – qual o número deste vagão?
Sailor Moon voou para um dos lados para poder ler o numero.
- 12H3FF – respondeu ela, soletrando lentamente.
Júpiter olhou na prancheta e tentou localizar nesta o conteúdo daquele vagão. Ele possuía caixas e engradados vazios. Provavelmente uma encomenda de alguma casa de exportação do porto. Pelo canto dos olhos, ela reparou que agora estava chegando um dos motoristas, obviamente preocupado com o que iriam fazer.
- Pode me explicar isso? – perguntou para ele apontando para a comporta selada.
- Não... – murmurou ele impressionado – isso não estava assim.
- Suponho que não vai conseguir abrir isso com o comando na cabina principal – comentou mais para si mesma – sailor Terra, abra isso.
Ela parecia feliz por poder mostrar como era forte. Parou em frente a porta e com as duas mãos começou a força-la a se abrir. Ela nem se moveu.
- ungh isso... isso é mais do que sou capaz – disse ela surpresa – meus dedos estão doendo...
- Afaste-se - disse sailor Júpiter dando-lhe a prancheta para que ela a segurasse – veja e aprenda.
Ela cravou os dedos na porta, penetrando um pouco no metal resistente desta – o som do impacto ecoou por toda a região – e, posicionado o pé direito na base do vagão puxou com força, rasgando o metal e deixando uma abertura grande o bastante para uma pessoa entrar. O esforço que demonstrou na operação foi o mesmo que alguém faria ao levantar um fogão de cozinha.
Sua filha olhava abismada para aquilo, com os olhos arregalados e a boca aberta. Ela nunca tinha visto sua mãe atuar antes. Com certeza, jamais tinha imaginado que seria tão forte.
- Você... é mais forte que eu! Mais forte que eu e Titã juntas!
- De onde acha que herdou isso? – ela sorriu – afastem-se um pouco e fiquem preparadas para qualquer coisa.
As duas se afastaram ficando uma de cada lado do vagão, há uma distancia de uns cinco metros deste. Com cautela, sailor Júpiter aproximou-se do buraco que fez na porta e tentou perceber qualquer coisa lá dentro. Estava escuro obviamente, e ela após um momento ponderando sobre o que fazer, configurou o seu visor para uma visão noturna. Agora podia ver lá dentro, embora fosse uma imagem um tanto tosca. Era embotada, sem brilho, e claramente artificial.
Ela colocou a cabeça e os braços pela abertura e olhou rapidamente para os dois lados e para cima. Na verdade não precisaria se preocupar muito em haver algo perigoso lá dentro, pois a porta tinha sido fechada por fora. Porém talvez tivesse sido fechada para manter alguma coisa do lado de dentro. Ela esperava que essa alguma coisa fosse Diana, mas era melhor se precaver.
Nada a vista, exceto um monte de caixas. Ela se afastou da abertura e colocou a mão direita na borda esquerda desta. Com a outra mão ela agarrou um pequeno \"corrimão\" abaixo da porta – um encaixe desta, na verdade – e com um som de metal amassando, todos – as duas sailors e o motorista – viram este corrimão ser comprimido pela mão dela. Aquilo era só para dar firmeza. Logo depois ela empurrou a porta para a esquerda, formando rugas onde estava a sua mão devido a pressão exercida ali, enquanto o som de metal sendo retorcido mais e mais ficava evidente. Chegou a se parecer com o som de uma antiga porta necessitando de lubrificante em suas dobradiças, mas era muito agudo e feria os tímpanos. Logo, o motorista e as outras duas levaram as mãos aos ouvidos, tentando abafar um pouco aquele som tão irritante.
Um terrível estrondo encerrou a tortura sônica. A porta soltou-se das \"trancas\" feitas por aparentemente pinças gigantes e bateu violentamente no batente oposto, ficando curvada e enrugada. Em resumo: a porta já era, estava destruída!
- Meu Deus! – gritou o motorista com as mãos na cabeça – como vou explicar isso para a empresa! E como vou poder tirar este trem daqui? ele não anda com a porta aberta!
- Não anda? – perguntou sailor Terra surpresa.
- Não... não anda – confirmou ele, como se achasse um absurdo ela questionar aquilo.
- Então... – ela sorriu – como essa porta ficou assim? É evidente que alguém a abriu na marra, quebrando os lacres magnéticos e a fechou depois.
Ele levou a mão ao queixo, matutando sobre a pergunta. Júpiter chegou a se esquecer de olhar dentro do vagão, agora com a porta escancarada. Sua filha até que prestava atenção nas coisas. Seria mera osmose por estar quase sempre junto de Anne?
- Quando estávamos passando próximos a Cristal Tóquio – disse ele lentamente – o trem começou a parar, e um aviso de porta aberta apareceu no painel... mas... logo ele se apagou, e tudo voltou ao normal.
- Não acharam isto estranho? – questionou Júpiter.
- Na verdade, não – ele deu de ombros – costuma acontecer as vezes. Os relês de controle ficam confusos quando passam próximos a grandes fontes elétricas.
- Vocês ouviram isso? – perguntou sailor Moon, olhando preocupada em direção a porta escancarada do vagão.
Eram sons de batidas, mas fracos. Alguém, ou alguma coisa estava fazendo barulho lá dentro. Um barulho rítmico demais para ser alguma criatura.
- Será que é um rato? – perguntou o motorista.
- RATO! – as duas mais jovens se entreolharem e deram um passo para trás, deixando sailor Júpiter levemente corada.
- Vocês duas são sailors, portem-se a altura! – recriminou-as - Muito bem, sailor Terra... entre lá dentro e veja de onde vem esse ruído.
- EU! – ela começou a chorar – não! Por favor... eu não... pede para ela, está nesse negócio há mais tempo!
- Ela pediu para você – sailor Moon deu um sorriso um tanto maroto – acho melhor obedecer... ela é a mais graduada inner por aqui.
- Mas... mas... – ela estava tremendo – e se for um rato?
- Está com medo de um ratinho? Pise nele, oras.
- AI QUE NOOOOOOJO!
- Pare de enrolar. Você é uma inner senshi! Entre lá agora e cumpra com a sua obrigação.
- Eu... tá... mas me esclarece uma coisa primeiro. Por que você mesma não vai dar uma olhada?
- Sailor Terra...
- Tá bom! Estou indo. Ai, por favor... que seja um camundongo bonitinho...
Ela se aproximou devagar. Os sons de batidas continuavam, e, virando a cabeça de um lado para o outro, ela tentava determinar a sua origem. Estava a sua direita, um pouco acima de sua cabeça. Ela subiu no vagão e, tremendo, aproximou-se da origem do som. Tocou em uma caixa como se estivesse preparando-se para levar um choque, mas, nada aconteceu. Não era essa que fazia barulho. Tocou na caixa ao lado e pulou para trás assustada.
- É esse aqui! – disse ela tremendo.
- Ótimo – disse Júpiter – abra.
- O QUE!
- Quer parar de enrolar? – ela estava ficando nervosa – você é uma sailor! Como espera salvar o mundo se nem pode encarar um rato? Alias, um possível rato...
- Eu... – ela engoliu em seco. Estava na cara que ainda era uma adolescente, cujas piores desgraças que podia encarar seriam algumas espinhas na face, namorados chatos, notas ruins na escola e, uma ou outra ocasional cólica menstrual – eu... mam... sailor Júpiter... por favor...
Ela apenas olhou feio para a filha. Foi o suficiente para lhe dar forças, ou melhor, para entender que tinha mais medo de sua mãe do que de um ratinho qualquer.
A temerosa Sailor terra pegou a pequena caixa com as duas mãos, e, lentamente a ergueu. O som então mudou, passando de batidas para algo próximo com arranhões em uma superfície de madeira. Sailor Terra começou a tremer quando isto aconteceu. Ela estava lá, segurando a caixa com alguma coisa dentro, que, pelo tamanho, não poderia ser algo humano – era muito pequena, e tinha até aberturas nos seus lados, para permitir que, o que quer que estivesse lá dentro, pudesse respirar. Deviam ser caixas para transportes de animais pequenos, possivelmente de estimação. Talvez alguém lá na empresa que fez o carregamento tivesse posto um ratinho lá dentro, para fazer alguma brincadeira.
Fosse o que fosse, estava deixando Sailor Terra com os nervos a flor da pele. Esticando os braços ao máximo, para manter a caixa o mais afastada possível de si, ela saiu lentamente do vagão, aproximando-se de Júpiter, que, apenas observava a cena impaciente e com os braços cruzados.
- Eu falei para abrir!
Ela a olhou, e seus lábios tremeram. O motorista olhava divertido para a situação. Ela virou a caixa para encontrar o lado certo onde estava a tranca. Quando a tocou, o som parou, e uma pata escura, com unhas afiadas a mostra, surgiu por uma das fendas, quase tocando na mão da sailor Terra.
- AIIIIIIII! – gritou ela em pânico ao ver aquilo. Ela jogou a caixa para cima e saiu correndo, ficando atrás da sailor Moon, que, pelo visto, também estava assustada.
Maneando a cabeça, sailor Júpiter deu um pequeno salto em direção aonde a caixa estava caindo e a aparou no ar, impedindo um dolorido impacto para o que quer que estivesse lá dentro. Olhando com recriminação para sua filha, que não estava com nenhuma vergonha de ficar atrás da sailor Moon, ela abriu a caixa sem pensar duas vezes, e olhando o seu conteúdo, sorriu.
- É disto que vocês estão com medo? – perguntou ela pondo a mão na caixa e, com delicadeza, retirando a pequena criatura lá de dentro. Uma gata cinza, com uma meia lua na testa.
- Diana! – disseram ambas ao mesmo tempo, e, rapidamente foram até ela, disputando quem iria segura-la no colo.
A coitadinha, obviamente, sabia que tinha alguém mais ali com elas, por isso que não dizia uma só palavra. Mas, ser puxada por aquelas duas seria demais para ela.
- Um gato? – disse o motorista incrédulo – destruíram um vagão no valor de sete mil cristais por um gato vira-lata fedorento? Isso é GAGH ...
Sailor Júpiter agarrou o seu pescoço e o apertou suavemente, fazendo-o calar a boca.
- Volte já para a cabina e espere o sinal de que a comporta se fechou para partir. Se tiver alguma queixa, faça-a ao governo de Cristal Tóquio.
Ela o soltou e, sem dizer uma só palavra, ele foi correndo até a cabina. Ela se voltou para a Diana – e para as duas que estavam prestes a parti-la ao meio – e a agarrou, colocando no seu colo. As duas ficaram um pouco reticentes com isso, mas ficaram caladas. Satisfeita por agora voltar a ter um pouco de tranqüilidade, ela se sentou na abertura do vagão escancarado, com Diana ainda em seu colo, e começou a conversar com ela.
- Tudo bem com você?
- Sim – disse aliviada – foi terrível! Fiquei presa ali, naquela caixa apertada por horas! Não podia me mexer, me virar, nem fazer quase nada! AQUELE DESGRAÇADO VAI TER QUE PAGAR POR ISSO! NINGUÉM PODE FAZER UMA COISA DESTAS COMIGO! VOCÊS TEM QUE...
- Já chega, Diana – Júpiter falou em voz alta para ela, como se fosse sua mãe – nós veremos isso depois. Agora, vamos levar você para casa e, lá, você nos conta o que aconteceu.
- Mas...
- QUIETA! – Júpiter estava inflexível. Diana nada mais podia fazer a não ser ficar em silêncio – Sailor Terra, feche esta porta. Sailor Moon, pegue Diana e a mantenha no seu colo. E, em silêncio.
Ela se levantou e entregou Diana para sailor Moon. Observou sua filha puxar a porta corrediça, e, parar por alguns instantes, observando alguma coisa dentro do vagão. Ela fez um movimento com as mãos, como se estivessem tocando em alguma coisa – alguma configuração no teclado virtual de seu visor, sem dúvida – e ficar com o olhar perplexo.
- O que foi?
- Tem... uma coisa no teto do vagão. Parece um tipo de cristal...
Júpiter se aproximou e olhou na direção que ela indicou. Era um tipo de caixa pequena, com, algo próximo a uma lente em uma de suas faces, colado no teto do vagão. Ela entrou lá dentro, e, com cuidado, arrancou o estranho objeto do teto. Parecia um tipo de mini câmara, mas, feito inteiramente de um material translúcido. Nunca tinha visto nada parecido antes. Ficou olhando para o vazio por alguns instantes e, tomando uma decisão, colocou o pequeno objeto no decote de sua roupa – que chato não ter bolsos.
Depois, ela saiu de dentro do vagão e fechou a porta deste, torcendo o encaixe como antes, para firma-la. A parte rasgada foi emendada da melhor forma possível, e soldada com um Trovão de Júpiter cuidadoso.
Depois de ficar satisfeita com o resultado, aguardou alguns instantes. O trem voltou a flutuar e a se locomover. Missão cumprida. Diana foi resgatada e estava a salvo. Mas, agora, começava a dura tarefa de saber o que tinha acontecido.

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-x-

Quanta decadência... ali estavam eles, os \"generais\" de Klarta, reunidos em um... o que era aquilo? Uma latrina de criaturas não civilizadas? Não passava de um mero cubículo com chão de terra batido, que ficava abaixo de uma casa de pedras – ou outro material qualquer, mas de dureza similar – abandonada nas cercanias da cidade.
Quando encontraram o local, decidiram – os outros decidiram, bem entendido – usa-lo como base, ao menos, temporariamente. Seu subsolo era ótimo para manter prisioneiros ou tortura-los com o mau cheiro e a visão desagradável de paredes cobertas de limo e algumas prateleiras rachadas e em ruínas. Mas, usar o mesmo subsolo para reuniões... isso era um grande ultraje para ela.
Mas tinha de aceitar aquilo. Sozinha, não poderia enfrentar as criaturas poderosas daquele mundo, que, ao contrário de outros, era numa quantidade assustadoramente grande – porque não estavam em seus próprios planetas? Alias, o que tinha ocorrido com a população dos outros planetas? - Mesmo com os outros cinco, as chances de vitória eram duvidosas.
Pelo menos, limparam o lugar, ou melhor, retiraram as tralhas, e criaturas daninhas que o transformaram em sua toca. Colocaram alguns equipamentos que trouxeram com eles do mundo de onde tinham partido – uns poucos monitores e dispositivos de vigilância – e, terminavam de ver a sailor Júpiter pegar a pequena câmara que Djogor tinha deixado para vigiar quem iria resgatar a jovem malviana.
O problema era assistir de pé, em um local fétido e úmido, que lhe causava coceira na pele, e, com certeza, estava arruinando seus cabelos. Nos bons tempos, em uma época quando nem sabia que o planeta Klarta existia, ela jamais toleraria sequer a idéia de ser \"convidada\" para um lugar assim. Na verdade, ela teria matado quem ousasse comentar tal coisa.
Quanta decadência...
Todos ficaram em silêncio, observando apenas o monitor escuro, sem imagem alguma, agora que a câmara estava destruída. Ela achou melhor tomar a iniciativa.
- Por que simplesmente não arrancou a cabeça dela e escondeu o corpo em algum lugar? – inquiriu furiosa.
- Era uma criança, e com certeza - respondeu mansamente Djogor - não é órfã. Se eu fizesse isso, os pais poderiam farejar o que tinha realmente ocorrido, e, agora teríamos duas dúzias de criaturas poderosas atrás de nós com sede se vingança. Você viu as imagens. Foram as próprias sailors que se encarregaram de procura-la, o que indica que ela é importante para elas. Agora... o que me intriga é o nosso caro Kyrrathur não ter mencionado outros seres de sua raça por aqui.
- E porque eu deveria saber? – cortou um gato grande, da cor amarela, deitado com um certa displicência em uma prateleira gasta e muito maltratada pelo tempo – acha que eu teria farejado ela? Seu faro é tão bom quanto o meu, e, até seu caminho cruzar com o dela, você também não imaginava que aqui houvesse seres de outros planetas, além de nós.
- Isso não muda nada – disse uma voz tão gutural quanto a do primeiro klartiano – vamos continuar recolhendo os fragmentos, e, reduzir os incidentes ao mínimo. E isso, Prismey, inclui não tirar a vida de ninguém, por enquanto.
A mulher olhou com fúria para ele. Para ela, aquilo era algo muito sem sentido. Já tinham devastado mundos bem protegidos antes. Por que aquele devia ser diferente? Só porque lá havia uma tal de rainha Serena? Só porque essa tal rainha havia vencido a sailor Galáxia uma vez? Só havia uma criatura ali que deviam realmente temer, e esta não era a rainha.
- Então... o que faremos com os intrometidos? – questionou a mulher chamada de Prismey.
- O mesmo que Djogor fez. Afasta-los do caminho, nos dando tempo de prosseguirmos com a tarefa. Não é preciso mata-los e invocar, antecipadamente, a fúria destes defensores. Além disso, com a volta de Saturno, eles começarão a ter melhores informações a nosso respeito.
- Muito bem, Modul. Faremos do seu jeito. Por enquanto...

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