Hearts Of Sapphire

¨t h i r t y - e i g h t¨


A Senhora Rubi verificava a lista de novo.

E de novo.

E de novo.

Faria aquilo quantas vezes fosse preciso.

Todos estavam mais brandos, acreditando que o sinal na verdade não passara de um alarme falso.

Uma paranoia.

Contudo, o seu próprio fogo a queimaria viva se os seus instintos estivessem falhos.

Rexta tinha certeza que eles não estavam.

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Nenhum sinal dos procurados nas Terras Humanas.

Nenhum sinal deles no Setor Superior nem no Sacrifício.

Rexta não se daria o luxo de pensar que estavam mortos.

E, se ninguém estava se importando com a situação, ela faria tudo sozinha.

Os tônicos não haviam sido um plano tão inteligente e eficaz como esperava que fosse, mas por outro lado, realmente seria usado como reforço caso os malditos do Continente Sombrio resolvesse atacar.

Já não bastava a Profecia, ainda havia aquela outra ameaça que ninguém previra. Nem os infelizes extintos, muito menos os Oráculos de Excelsior.

Porém, a Governante nunca fora deixar tarefa nas mãos dos outros. Se seus aliados estivessem conformados de que o risco maior tinha passado, ela não se aquietaria tão fácil.

Tocando o rosto, ela se levantou da cadeira ao lado do leito do Escolhido de Fortuna.

Várias horas se passaram desde que ele havia ingerido o tônico e desabado no chão. Estava velando seu sono porque não confiava em ninguém mais para fazê-lo. Se o humano acordasse — se o tônico funcionasse — queria que o rapaz achasse que tinha um porto seguro nela.

Eles tinham um pacto selado com sangue desde o dia que se tornaram Simpatizante e Escolhido. Considerando a devoção que o garoto tinha pela namoradinha do mesmo vilarejo, Kallien seria de grande ajuda.

Rexta caminhou até o espelho mais próximo, ainda com a mão no rosto. A cicatriz — não tão visível como era de fato sem nenhum encanto — cortava o rosto da testa ao canto oposto do queixo.

Apesar de não interferir em nada sobre sua beleza, ainda assim era um golpe no seu ego e na vaidade, era um lembrete literalmente pulsante de que tinha uma dívida de vingança com quem lhe infligira o corte. E era uma dívida hereditária que ela fazia questão de cobrar com as próprias mãos.

Levantou o braço com a lista novamente e agora com uma caneta entre os dedos enquanto uma conversa alheia regressava aos seus pensamentos.

Estava impressionada pela Escolhida de Trevan estar tão despreparada, mas não era como se aquilo importasse a ela.

Era apenas a primeira luta do dia e Rexta já estava ligeiramente entediada. Os burburinhos entre os deorum sobre o próximo confronto, que seria com a Escolhida de Fortuna, já causavam uma certa impaciência na Governante.

Todos pareciam estar obcecados por ela.

A maioria dos deorum queria ver se a sua teimosia duraria muito confinada sem muito mais do que água no Galpão.

Os Governantes pareciam se dividir entre ter pena ou repúdio da garota.

O jovem Senhor Esmeralda só faltava lamber o chão para que a menina pisasse.

E ainda tinha Kallien que obviamente tinha um vínculo profundo com a humana.

Rexta só conseguia desprezá-la. Admitia o potencial da tal Corinna, mas desprezava a burrice de não aceitar o apoio oferecido.

Se não fosse pelos boatos de que ela já estava para concordar com a oferta de Athlin, a Senhora Rubi não daria muitos confrontos para vê-la estirada no meio da Arena.

Subiu as escadas para chegar na superfície do Galpão e em um dos corredores viu Trevan, o Senhor Granada, em uma conversa um pouco exaltada.

A princípio, achou que o rapaz estava apenas irado por perder uma participante, mas quando reparou bem nos seus olhos, eles pareciam perturbados com outra razão.

Estava prestes a dar meia-volta e seguir seu caminho.

Faria mesmo aquilo, se não fosse algo em seu âmago alertando-a. Foram poucas vezes em que ignorara seus instintos e aquela não seria uma delas. Caminhando como quem não queria nada, a Governante dispensou seus Escolhidos até o próximo confronto.

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Uma grossa cortina cobrindo uma passagem para um outro corredor era o local perfeito para se "camuflar".

— Tenho certeza que está viva, Raleigh! — Trevan bateu a mão aberta na parede, claramente exasperado. O homem não detinha um grande poder mágico da Ordem Granada, então para seus olhos aparentarem ser puro magma, ele estava minuciosamente perto do limite.

— Trevan, entendo que suas emoções estão abaladas por causa de Idah, mas não faz sentido. — O primo tentava acalmá-lo —Você estava lá quando deram a notícia há mais de uma década. Você assinou os termos de poder e responsabilidade, a magia não se engana.

Rexta arqueou uma sobrancelha. Ao menos, não era a única que estava alarmada com a proximidade do prazo proféticos.

O Senhor Granada se virou num impulso, os olhos inflamado e as mãos bem próximas de segurar Raleigh pelas lapelas.

— Eu senti. No meu sangue, no meu poder... — O primo apenas ficou calado, os dois se encarando no momento que a gêmea de Raleigh apareceu com a Escolhida restante a tiracolo. Trevan completou num sussurro. — Está aqui. E está perto.

Então fez um sinal com a cabeça para que Raeanna seguisse em frente com a menina de Amara. Raleigh ajeitou a postura.

Rexta acompanhou a humana com os olhos. A dúvida causava um leve incômodo na sua cicatriz e uma dor de cabeça. Mattia — a Governante lembrou o nome — tinha uma feição calma, mas os dedos entrelaçados em cima da saia do vestido mostrava uma tensão notável.

Poderia ser apenas o medo dominando as emoções humanas devido ao que tinha acontecido na Arena poucos minutos atrás, principalmente porque o confronto da jovem também aconteceria em breve.

Porém...

Está aqui. E está perto. Eu senti.

Rexta analisou a Escolhida de cima a baixo mais uma vez.

Saiu de devaneios quando Trevan passou com passos grosseiros bem na frente de onde ela estava. Por pouco, ele não a havia visto por ali.

Rexta olhou uma última vez para o espelho, chamou um criado e lhe passou algumas instruções.

Então circulou em vermelho um nome da lista.

Tinha por onde começar.

Mattia Brant.

Esquecera de fechar as janelas na noite anterior.

Então acordou com os raios de Sol atingindo seu rosto. Não lembrava de ter feito nada além de entrar no quarto e cair na cama.

Bem, as roupas, que ainda as mesmas da noite anterior, confirmavam a lembrança.

Caminhara com o Senhor Granada — por um caminho mais longo que o usual, ela percebera — até seus aposentos.

Sabia que os dele ficavam na ala oposta, próximos aos de Idah, então não pôde conter seu corpo de ficar tenso ao passarem bem em frente ao corredor que levava a ambos.

Era estúpido pensar que o deorum tentaria algo com ela logo após a morte da Escolhida por quem ele aparecia nutrir tanto carinho.

— Soube que gosta de ler. — Trevan comentou de repente, o que não ajudou em nada para a menina voltar a relaxar.

Será que ele sabia qual o tipo de leitura era vinha apreciando ultimamente?

Será que desconfiava do poder que se acumulava em suas veias?

Sua magia se agitava um pouco a cada castiçais que passavam e o Senhor da Lava os apagava com, de fato, um piscar de olhos.

— Gosto. Sei que muitos humanos não têm a oportunidades de se encantar com palavras. — Arrependeu-se de ter falado no mesmo instante que as palavras, um tanto acusatórias, saíram de sua boca, mas continuou. — Entretanto, a leitura foi um dos únicos presentes que já me foi dado na vida e gosto de me agarrar a ele.

Não era uma mentira completa. Valorizava o hábito como algo sagrado. Apreciava se perder nas histórias de mundos que não eram o seu e em lendas que não tinha presenciado.

— Confesso que não sou um grande fã da leitura que não seja obrigatória e essencial, mas posso enxergar o que você e muitas pessoas visualizam. — Trevan voltou o rosto para jovem com um pequeno sorriso nos lábios. Mattia percebera que seu aperto na ligação de seus braços se tornou um pouco mais firme.

E um pouco mais próximo.

— Bem, — Ela começou mimetizando o sorriso do deorum. — Considerar algo uma leitura obrigatória ou essencial é muito subjetivo. Se quer dizer que livros sobre assuntos como, por exemplo, estratégias de guerra são obrigatórios, me perdoe mas passarem a vida longe deles.

Trevan gargalhou com gosto tanto que os dois tiveram que parar a caminhada enquanto o rapaz jogava a cabeça para trás.

— Você tem razão. — disse ainda rindo.

Eles voltaram a andar.

Mattia só se deu conta da proximidade de seu quarto quando estava poucos passos dele.

De certa forma, estava feliz por ter deixado que o deorum acompanhasse até ali. Poderia sentir que a breve companhia o deixara mais leve e sem parte da sombra de luto que cobria seus olhos mais cedo.

Muitas vezes as pessoas lhe interpretavam como insensível, mas poderia sentir e se importar mais do que várias delas.

— Acho que fiz a escolha certa então. — Trevan disse ao chegarem ao destino e desvencilharem os braços. A Escolhida de Amara inclinou a cabeça um pouco confusa. Mas então, ele tirou de um dos bolsos internos de seu traje um objeto retangular.

Um livro.

Parecia ser do vermelho da Ordem Granada, mas a jovem não poderia afirmar. Tanto de um lado quanto do outro do corredor apenas os castiçais que cercavam sua porta estavam acesos e ainda assim, estavam fracos.

O resto do ambiente era um puro breu.

Trevan o estendeu em sua direção e ela o pegou.

— Esse não é sobre estratégias de guerra ou exércitos, mas pode ter alguns conflitos. — Tinha uma insinuação de sorriso na sua voz.

— Acho que consigo aguentar.

Segurou o exemplar na mão, sentindo a magia se acalmar e ronronar dentro dela. A apreensão sobre o deorum desconfiar de alguma coisa era constante, mas já não fazia tanto sentido.

Duvidava que ele estaria sendo cordial se soubesse de algo.

— Muito obrigada.

Trevan inclinou a cabeça para frente em resposta.

— Espero que goste e me diga o que achou depois. — Ele pegou a mão vazia da menina e depositou um beijo. A Escolhida se esforçou para não se retrair com o gesto. — É um dos meus poucos favoritos. — disse a centímetros da pele dos dedos de Mattia e então endireitou a postura.

Era reconfortante saber que o Senhor Granada esperava que ela vencesse no dia seguinte para lhe contar o que achara do livro. Pela quantidade de páginas, era improvável acreditar que ele supunha que a jovem poderia lê-lo em uma noite.

— Tenha um bom descanso. — O deorum desejou, pronto para voltar pelo caminho do seu quarto.

— Voltará no escuro? — A humana se viu dizendo quando Trevan adentrou as sombras. Esperava que sua fala não tivesse soado sugestiva ou insinuante.

Era tudo tão mais fácil quando ficava calada.

O rapaz retornou apenas o suficiente para encará-la e para que suas feições ficasse visíveis pelos castiçais acesos restantes.

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— Conheço o caminho. — afirmou dando de ombros, mas com um sorriso no rosto.

Naquele momento, para Mattia, ele parecia um anjo — se eles fossem reais —, algo divino.

— Claro. — ela disse dando um passo em direção à porta e abrindo-a ainda de costas. — Boa noite, Trevan.

Ela observou o deorum dar as costas com relutância e então seus castiçais moram apagados.

Mattia se ergueu nos cotovelos ainda cheia de sono.

Tinha razão sobre a bebida lhe proporcionar uma ótima noite, mas ela também lhe deixava lenta demais.

Num momento de energia, bocejou e jogou os lençóis para o lado de uma vez. Seu confronto seria naquele dia e ela deveria estar o mais acesa possível.

Foi até ao conjunto de sinetas atrás da porta e puxou o cordão de uma correspondente ao banho para que em minutos alguém viesse preparar o seu.

Despiu-se das vestes e dobrou o vestido com cuidado, colocando-o em um lugar remoto no armário. Os criados não costumavam deixá-la manter a maioria das roupas que usava, a menos que a menina as tirassem de vista.

Não demorou muito para que as criadas chegassem e deixassem tudo pronto e ela também não se prolongou na água.

As criadas eram silenciosas enquanto trançavam firmemente seu cabelo. Sempre ágeis e silenciosas.
Sua pele estava macia quando colocou a camisa de linho branca com mangas longas. Um colete de couro marrom avermelhado ia por cima, uma calça que desenhava suas pernas e botas firmes e confortáveis como se ela fosse caminhar por horas.

Bem, ela não sabia que desafio a esperava na Arena. Trevan a avisara que seria um confronto misto, mas não era uma revelação tão grande assim e...

A Escolhida se desequilibrou com um objeto e se apoiou na parede antes de cair no chão.

Era o livro que o Senhor Granada havia lhe dado no meio do caminho.

Abaixou-se para pegá-lo. Acabou por se lembrar que tinha ficado com ele nas mãos até adormecer, quando provavelmente tinha escorregado de seus dedos direto para o chão.

O tomo tinha realmente a cor da Ordem onde estava e no centro da capa tinha cravada, do tamanho de uma moeda, a pedra granada autêntica. Seus dedos pareciam ser atraídos magneticamente para o local e ela estava louca para descobrir sobre o que se tratava aquele livro que Trevan lhe dera, mas no momento seguinte, Raenna apareceu na porta, de maneira incomum, trajando um vestido vinho. Tinha caído perfeito nela.

— Bom dia, querida. — A garota caminhou até a Escolhida lhe dando um beijo na bochecha. — Vejo que resolveu se preparar cedo, o que é ótimo já que tem uma visita peculiar aparentemente querendo saber mais sobre você.

Mattia franziu a testa.

Não conseguia imaginar ninguém que quisesse visitá-la.

Seguiu Raenna descendo as escadas e ainda pensando.

Talvez fosse Conall, embora ela não soubesse como se sentir se o rapaz realmente tivesse arriscado ir até ali.

Ao chegar na base da escadaria, porém, não foi o Escolhido de Nix que avistara.
Na verdade, ela nunca pensaria naquela pessoa.

Não deveria ter se preocupado a toa.

Ou talvez, devesse ter se preocupado muito mais.

Porque sentada no meio do saguão da recepção estava a Senhora Rubi, com um sorriso largo no rosto.

Conall estava paralisado da melhor maneira possível.

Num gesto de mão suave e pronunciando uma magia falada — "denarro" —, Thad fez com que as páginas do antigo livro chacoalhassem até se desprender da capa e contracapa. Então elas formaram um redemoinho de folhas amareladas, para segundos depois se enfileirarem em ordem bem diante dos olhos de Conall.

Em um instante, parecia que uma aura escura tinha caído sobre o grande salão e apenas Conall, as folhas à sua frente e Thaddeus — que estava parcialmente escondido atrás das páginas — estavam visíveis pela luz.

— Nos primórdios de quando o mundo começou o processo de se tornar o que é hoje, — O menino começou, com sua voz ecoando nas paredes e no interior do Escolhido. — os humanos governavam o plano terreno.

Conall arqueou a sobrancelha.

— Os deorum não existiam, mas o deuses já habitavam o céu. Os deuses detinham, como até hoje detém, de todo o tipo de magia. Água, Fogo, Terra, Ar e tudo que estivesse entre ou fosse derivado disso. — Uma das folhas flamulou diante do humano. Nela havia várias representações do deuses de quem Thad falava. Fazendo a terra florescer, as ondas ficarem imensas e muito mais. — Eles eram inúmeros, mas viviam a maior parte do tempo em harmonia. Um deles era chamado de Onir, que apesar de conviver com tantos semelhantes e com tanto poder, se sentia sozinho e deslocado. Ele era um dos mais joviais e, enquanto os experientes eram permitidos de fazer visitas ao plano terreno e habitar durante alguns poucos dias entre os humanos, Onir era considerado ingênuo demais.

Enquanto a página anterior pousava cuidadosamente na mesa, outra entrava no campo de visão de Conall. Agora um jovem rapaz era retratado com detalhes minuciosos. Sua pele escura parecia um céu noturno e as estrelas que faltavam nesse céu pareciam habitar em cada um dos seus olhos.

Conall se ajeitou na cadeira quando a figura pareceu mudar, por um breve segundo, sua expressão. Thad apenas deu um risinho e continuou:

— Os deuses visitavam os humanos para operar milagres, dar-lhes presentes, restaurar-lhes a esperança, mas naquele tempo as coisas não andavam mais as mesmas. A humanidade estava cruel e arrogante. Enquanto a empatia era decrescente, a violência era inversamente proporcional. A humanidade se afastou dos deuses e eles se afastaram dos humanos.

Outro papel mostrava guerras sangrentas, queimadas, mortes.

— Porém, Onir, que era conhecido como Senhor dos Sonhos, nunca desistiu de querer ir para o plano terreno. Os deuses costumavam abençoar alguns humanos com ensinamentos como alquimia, soluções naturais de cura e até pequenas doses de seus poderes, mas, com a rebeldia, os casos eram cada vez mais raros. Não havia quase nenhum humano com um coração puro o suficiente para receber uma benção.

Thad fez uma pausa. Conall estava completamente compenetrado na história e lançou apenas um ríspido e curioso:

— E então? — Thad se recostou na cadeira como se fosse sua parte favorita.

— E então, ele encontrou alguém. Alguém que mudou tudo.

Corinna geralmente acordava encolhida de frio na cama ou então esparramada pelo colchão suado.

Naquele dia, porém ela apenas acordou. O que era uma melhoria.

As luzes do Galpão já estavam acesas, mas o fato de que ninguém ainda tinha vindo despertá-la significava que não fazia muito tempo que elas tinham acendido.

Estava sozinha e...

Sentou-se rapidamente ao lembrar da pequena visita que recebera do Senhor Ônix na noite anterior. Contudo, ao olhar para a cama ao lado, constatou o mesmo que havia feito segundos antes de cair no sono: Theodor não estava mais ali, nem o carrinho prateado repleto de comidas.

Só de pensar nelas, no aroma delas, seu estômago reclamava.

Suspirou fundo pensando que deveria ter aproveitado enquanto pôde, mas sabia que lamentar sobre o que poderia ter feito nunca foi muito o seu estilo.

Entretanto, um segundo atrasada, notou um pedaço de papel no chão com uma caligrafia admirável mesmo com a distância.

Sua pulsação acelerou.

Olhou para os lados pronta para encontrar o Governante em um dos cantos do recinto pronto para caçoar dela.

Bem, ele não estava ali, mas pelo visto ainda assim conseguia cumprir a parte do "caçoar".

Não pareça tão decepcionada por não me encontrar. Sei que adora minha companhia tanto quanto aprecio a sua, mas esses colchões desconfortáveis são um preço muito alto a pagar, creio que entende melhor do que ninguém.

Olhe sob a sua "cama".
— Você definitivamente sabe quem.

Corinna bufou com a arrogância que exalava do bilhete, mas algo lhe chamou a atenção.

Não era só arrogância que estava exalando no Galpão. A Escolhida escondeu o bilhete e olhou debaixo de onde dormia.

Uma pequena cesta coberta estava escondida ali.

Com cuidado e silenciosamente, a menina a pegou colocando sobre o colo e revelando a pequena, mas valiosa quantidade de pães, frutas e queijos no interior.

Ficou atenta a qualquer barulho que poderia indicar que alguém viria checá-la naquele momento, e sem cerimônias começou a devorar a singela refeição. Seu estômago parecia estar contente com o novo cuidado e aceitava tudo com gratidão, contudo o paladar da menina não teve tanto tempo para apreciar a novidade já que Corinna deveria ser rápida em se livrar das evidências.

Estava digerindo o último pedaço quando ouviu a voz de Laeni e Marjorie se aproximando e quase teria se preocupado em criar uma explicação para a cesta em suas mãos se ela não tivesse desaparecido no ar assim que o último pedaço foi ingerido.

Como se nunca tivesse estado ali.

A Cerimônia para o início da segunda etapa seria dali a dois dias. Ali mesmo, Athlin seria oficializado como seu Simpatizante na frente de todos.

Vinha evitando pensar em toda atenção que receberia quando o momento chegasse. Na primeira leva de Simpatizantes e Escolhidos, eram vinte e uma pessoas ao mesmo tempo. Daquela vez, seria só ela.

Marjorie havia assumido o comando do vestiário para ocasião surpreendendo tanto Laeni quanto a humana. Corinna deixara bem claro que não queria nada que atraísse mais olhares do que os que ela já receberia.

A Examinadora apenas a dispensou com um gesto de mão o que não era bem uma confirmação de que atenderia ao pedido da caçadora.

Depois de aprontarem a menina como em qualquer dia de confronto, as três se direcionaram para a Arena onde aconteceria a luta de Mattia e a última da primeira etapa caso a garota de Amara vencesse.

Não tinha tanto contato com Mattia como gostaria, mas não podia perdê-la. Corinna tinha o sentimento que ela e os dois aliados eram parte de um quebra-cabeça muito maior, um que só faria sentido com os três juntos e vivos. Parara de pensar que o encontro com eles fora por acaso, que os dons que compartilhavam eram pura coincidência.

A Arena já começava a encher. A cada confronto, o contraste na quantidade de deorum e humanos era mais visível. A Escolhida de Fortuna não conseguia evitar o mal estar de visitar aquele lugar menos de vinte e quatro horas depois da sua última luta.

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Era como se pudesse assistir de fora toda seu embate com Nyota. Como se pudesse ver seu rosto nas paredes, sua voz em seus ouvidos, seu sangue em suas mãos...

Mal notou que durante aquela série de lembranças encarava a fila de Governantes que se direcionavam para seus lugares — seus tronos —, encarava mais especificamente a sua companhia da noite anterior.

Ambos perceberam o fato do mesmo instante. Enquanto Theo lhe lançou um aceno irônico de cabeça, Corinna fez o possível para desviar o olhar o mais rápido possível, mas não o suficiente para que ela não visse a insinuação de dentes brancos do Senhor Ônix.

Seus olhos então encontraram, de maneira involuntária, Athlin que parecia encará-la desde que entrara na Arena. Ele tinha um sorriso aberto e ela respondeu com um tímido.

Continuou andando até chegar no lugar onde costumava sentar e Conall logo apareceu ao seu lado cutucando seu braço imperceptivelmente antes de se sentar no espaço adjacente.

Não demorou muito para que o Senhor Granada entrasse com Mattia e Albernaz com seu Simpatizante.

Todos se posicionaram, então o confronto começou.

Sentir seus dedos queimarem não era tão assustador como senti-los derretendo pele e carne.

Bile subia em sua garganta e adrenalina percorria suas veias.

Ninguém era capaz de ver o que ela estava fazendo com Albernaz, nem ela mesma. Entretanto, ela conseguia sentir.

O que, de certa forma, era mil vezes pior.

O rapaz sibilava, mas não conseguia falar. Aquilo também era efeito dela.

A sua mão, a que não estava sobre estômago do oponente, estava rodeando a garganta dele, embora fosse apenas pela exibição.

Na verdade, estava matando-o de dentro para fora, porém ninguém além dela e o infeliz poderia perceber aquilo.

Nos primeiros minutos de luta e ele conseguira encurralar a menina e destilar seu ódio com palavras sujas em seu ouvido devido ao último confronto dos dois.

Naquele momento, Albernaz estava pagando por aquilo.

Ele estava prensado contra uma parede de pedras, o rapaz caíra na exata armadilha que ele armara primeiro, como o grande imbecil que era.

A Escolhida de Amara não gostava do fato de que ele tinha que pagar com a vida, mas naquela situação era ou ele ou ela.

E depois de tudo que ouvira daquela boca imunda, deveria mesmo ser ele.

Albernaz tinha a vantagem da altura, mas Mattia tinha a força. Uma força crescente a cada dia.

Nunca se sentira tão poderosa.

Quando percebeu o oponente um pouco mais rígido, a suave fumaça que subia junto com sangue pela sua garganta, Mattia sabia que era hora de fechar o espetáculo da forma mais convincente possível.

Tirando a mão escaldante do contato com o corpo do Escolhido de Fortuna, ela pegou a pequena faca que Trevan lhe fornecerá antes do confronto e cravou na barriga do rapaz, que soltou um suspiro clamando por misericórdia.

Mas já era tarde, nem se ela quisesse poderia voltar atrás. O interior de grande parte dos órgãos dele já deviam ser uma massa flamejante e incandescente.

Foi um trabalho repulsivo de se fazer, mas cuidadoso.

Num último golpe, ela pôs as mãos no pescoço de um Albernaz meio-morto e o quebrou, como Raenna ensinara nos primeiros treinos.

Mattia deu um passo para trás depois do estalo e o corpo dele desabou no chão.
Inconscientemente, seus olhos encontraram o de Conall na plateia. Ele parecia embasbacado e a menina desviou o olhar envergonhada de si mesma.

O olhar do garoto de Nix não tinha só choque, mas julgamento de quem sabia — ou sentia — exatamente o que ela tinha feito.

Logo, seu olhar foi atraído pelo de Trevan, que, apesar de surpreso, tinha um brilho de satisfação.

Não conseguia ouvir nada além de um zumbido incômodo no ouvido enquanto erguiam sua mão anunciando a vitória.

Estava acabado.

Pelo menos por enquanto.

Era oficialmente uma assassina.

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