Heartbeat

We worth it


No final da tarde daquele mesmo dia Regina voltou com Robin para o Maine, a viagem foi feita toda em silêncio. Hora ou outra a mais nova observava a tia fungar baixinho ou enxugar os cantos dos olhos, por certo a conversa entre ela e Emma não havia saído como o esperado, Robin pensava. Quando chegaram, o clima no Maine estava mais frio do que o que tinham deixado para trás em Boston, fora do carro, as lufadas de ar que saiam pelas suas bocas e narizes logo se transformavam em pequenas nuvens de vapor se assemelhando a fumaça. Já dentro da casa do patriarca dos Mills, encontraram os dois meninos brincando na sala de montando um quebra cabeça, enquanto Zelena, Robin e Henry se aqueciam próximos a lareira.

Henry foi o primeiro a se levantar e sair correndo aos tropeços em direção aos braços da mãe, que o pegou no colo, o abraçou forte e encheu a sua bochecha de beijos.

— Ai mamãe, você me babando todinho. — disse rindo e limpando as bochechas.

— Oh, que mocinho mais ingrato. — fingiu estar indignada e o colou no chão.

— Oi tia Gina. — Roland também se levantou e abraçou a tia e a irmã.

— Oi meu bem. — afagou os cabelos dele e lhe deu um beijo estalado na testa. — Viu Henry, o Roland não reclama dos meus beijos.

Rindo, Roland fez careta para o primo.

— Mamãe, você cuidou da minha amiga? — Henry perguntou quando seus tios e avô se aproximaram. Regina os encarou enquanto procurava as palavras mais adequadas para usar com o filho, sabia que eles também queriam saber.

— É... a Emma filho, é muito mais forte do que todos nós pensávamos, e no final eu nem precisei, ela ficou bem sem mim. Ela está melhor, e em breve vai estar 100%, está bem?

— E daí a gente vai poder andar de bicicleta?

— Isso, filho. —mesmo sabendo que aquilo talvez não pudesse mais ser possível, sorriu gentil para ele.

— Vem brincar com a gente, Robin. — Roland pegou na mão da irmã e saiu puxando para se sentarem no tapete e terminarem de montar o quebra cabeça, e Henry os seguiu.

Sem reclamar, Robin apenas foi, sabia que agora era hora de os “adultos” conversarem, e que ela teria que ficar com os meninos.

— Como ela estava? — se referiu a Emma — E como você está? — Henry perguntou um pouco mais baixo do que o causal.

Regina notou os olhares apreensivos e ansiosos vindos do seu pai, irmã e cunhado.

— Ela já estava acordada e estável quando eu saí, acho que logo ela deve ter alta. E eu... eu estou melhor do que eu achei que estaria. — com um sorriso brando nos lábios acenou em positivo com a cabeça.

— Isso é bom. — Robin afagou o seu ombro — Você precisa de alguma coisa, Regina, está tudo bem mesmo? — perguntou preocupado com a cunhada. Não se envolvia diretamente nas questões dos Mills, era Zelena quem cuidava daquilo, mas mesmo não sendo especialista em nada do que acontecia, sabia que não era um bom sinal uma mulher adulta e mãe de uma criança se esconder em um quarto escuro por dias na casa do pai.

— Eu estou, só preciso conversar um pouco com a minha irmã, vocês sabem — olhou para o próprio pai que a encarava com umas das sobrancelhas levemente erguida. Regina havia chegado completamente desestabilizada e saído atordoada após saber que Emma estava hospitalizada, e agora, ela parecia bem, bem até demais —, coisas de garotas. Vem!

Parecendo o filho, Regina subiu correndo as escadas, e lançando um olhar de dúvida para Henry e Robin, Zelena subiu logo atrás

— Fecha a porta. — de pé no meio do quarto, Regina disse assim que a sua irmã entrou.

— Tudo bem, qual é o assunto de garotas?

— Eu preciso que você me dê três, só três motivos para eu não passar mais uma semana deitava no escuro sem ver nem a luz dia ao menos.

Zelena piscou os olhos atônica, perdida no contexto do pedido e sem reação alguma.

— Oh, bem... certos três motivos. — passou a mão na nuca. — Primeiro, o Henry, o seu filho precisa de você, ele sempre, sempre nos terá, mas você é a mãe dele, durante esse dia que você passou em Boston, ele não parou de perguntar sobre você um instante, e insistia direto em que ligássemos para você, ele é só uma criança, ainda tem tanto para aprender, para desenvolver, e ver você dessa forma, com toda certeza, não vai fazer bem a ele. Segundo, o nosso pai, ele não mediu esforços para cuidar de nós quando a mamãe se foi, cuidou da Robin quando ela nasceu, do Roland e do Henry, e ainda assim continuou cuidando de nós duas, e agora, depois de tanto tempo, parece que ele finalmente começou a viver para ele mesmo, ele estava tão feliz com a Eva... e ela quase não pisou aqui enquanto você estava em crise. Terceiro, você, Regina você se privou de tanto nos últimos anos, deixou de fazer tudo que te tornava você mesma, abdicou da sua independência, do seu trabalho e do seu bom humor. Você estava indo tão bem, tudo que aconteceu foi só uma pedra no meio desse longo caminho, e você tem a opção de contornar e de passar por cima, então faça isso.

Regina soltou o corpo pesadamente sobre o colchão se sentando em uma das camas de solteiro do quarto, inspirava pelo nariz e soltava o ar pela boca.

— Serviram? Porque eu tenho mais, muito mais motivos.

— Ela... ela disse que não somos boas uma para outra agora, que não nos fazemos bem estando assim — suspirou. —, e mesmo não querendo aceitar ou acreditar, eu sei que é verdade. Porque eu ainda não estou completamente bem.

— É um grande passo admitir isso, Regina. — Zelena se sentou ao lado da irmã e a abraçou pelos ombros.

— Zel, você tem amigos de profissão que atendem ou que têm consultórios em Boston?

— Tenho alguns, dois ou três.

— Você pode passar o meu prontuário, que eu sei que você tem um em algum lugar, nem que seja dentro dessa sua cabeça, para alguns desses que trabalhem com o que tenho, já que você como minha irmã não pode fazer isso. Se for preciso, tomo até remédios dessa vez, antidepressivos, ansiolíticos, não sei, o que receitarem. Só quero ficar bem.

— Talvez eu tenha mesmo um prontuário com o seu nome. — afagou os cabelos de Regina quando a mais nova apoiou a cabeça em seu ombro.

— E você tem um diagnóstico? — pergunto fungando.

— Uhum. Você quer saber? Você nunca quis que eu usasse a palavra.

— Pode falar.

— Você tem algo que nós chamamos de depressão reativa, proveniente de uma tristeza aguda por causa da sua incapacidade em superar o seu luto quando você perdeu a Felicity. Você se isolou, veio embora de Boston de volta para cá, se sentiu insegura até mesmo em cuidar do Henry, não achou que era capaz de trabalhar para o Gold quando ele te procurou, perdeu o interesse em atividades diárias, normais do dia a dia, como comer, tomar banho, escovar os dentes, ficou apática.

— Porque você não me obrigou a fazer todas essas coisas?

— Porque não é assim que se faz, é difícil tratar pessoas da sua própria família, e é exatamente por isso que não fazermos isso. Acho que em relação a você, ninguém mais se sentiu tão impotente quanto eu. Me senti tão orgulhosa de você quando aceitou voltar para Boston e assumir a revista, e agora me sinto muito mais por você estar disposta a fazer mais essa coisa por si, buscar um acompanhamento.

Ficaram imersas em um silêncio confortável, interrompido vez ou outra por a respiração pesada de Regina, até que Roland e Henry entraram correndo e gritando no quarto.

— Eba! Eu ganhei. Eu cheguei primeiro. — Roland comemorou.

— Não valeu, a sua perna é maior do que a minha. — Henry disse com os braços cruzados e carrancudo por ter perdido a corrida para o primo mais velho.

— Ei, o que foi que eu disse sobre subir as escadas correndo? — Zelena ralhou. — Vocês vão acabar caindo e se machucando.

— Mas foi o vovô que mandou a gente subir. — Roland tentou se justificar.

— É, ele disse que era pra gente vir chamar vocês pra tomar o chá e chocolate quente lá na lareira. — Henry completou.

— Vão descendo na frente que nós descemos daqui a pouco. — a voz de Regina saiu lenta e arrastada.

— Você doente de novo, mamãe? — Henry se aproximou da mãe com a expressão preocupado, a testa enrugada e as sobrancelhas unidas.

— Não — Regina se apressou em dizer —, eu só estou cansada, só isso. Lembra que acabei de chegar de viajem? — Henry afirmou em positivo com a cabeça. — Então. Vou tomar um banho e desço já para ficar com você.

Regina deu um tapa de leve na bunda do filho que saiu correndo com Roland.

— Sem correr nas escadas. — Zelena gritou de dentro do quarto.

Ouviram os meninos rirem alto.

Como havia dito a Henry, Regina tomou um banho quente. Enquanto a água caia em seu corpo, sentia os seus músculos relaxarem, havia passado os últimos dois dias tensa sem saber o que aconteceria com Emma, se ela melhoraria, se o tratamento imunossupressor daria certo, que só agora percebia o quão travada estava. Quando terminou, Zelena ainda estava no quarto a esperando para descerem juntas. Deitada em uma das camas de solteiro, mexia no celular.

— Viciada. Não foi você mesma quem disse que usar os celulares por muito tempo dava retardo mental. — Regina zombou enquanto se trocava.

— Na verdade eu só dizia isso para fazer você sair do celular, e depois para fazer a Robin, que não cai mais nessa, e agora uso no Roland, só que é com ele é o vídeo game. — Zelena suspirou.

Já tinham tido bastante conversas de mãe para mãe, principalmente quando Regina e Felicity decidiram tentar a inseminação. As conversas entre as irmãs Mills já duraram tardes e tardes, iam desde a vontade de morder os pequenos de tanto amor, até a vontade de trancá-los dentro do armário quando começavam a bagunçar a casa inteira. Então Regina conhecia bem aquele suspiro.

— O que foi? — Regina se deitou na cama do lado depois de se trocar.

— Será que agora poderíamos ter aquela conversa de garotas? — não queria encher a irmã com os seus próprios problemas, uma vez que Regina já estava soterrada neles, mas Zelena não queria conversar com os pais irritantemente compreensíveis que Robin e o seu próprio pai, Henry, eram.

— Uhum.

— É a Robin.

— Vai brigar comigo por eu ter levado ela para Boston?

— Bem que eu deveria, mas não é isso. É que... ela sempre foi mais próxima do Robin, parece que dividir o mesmo nome tem esse efeito, mas nos últimos meses ela está ainda mais distante de mim, ela não me falou da Alice quando percebeu o que estava sentindo por ela, ela nunca nem mencionou que gostava de garotas. Sou psicoterapeuta, é o meu trabalho ouvir as pessoas, e a minha própria filha não quer conversar comigo.

— Deve ser exatamente por isso que ela prefere falar com o Robin, você não acha?

— Isso é um pouco frustrante, e em breve ela vai se mudar, ela fez questão de passar isso na minha cara quando voltou depois de ter fugido, nada agressivo, ela não é disso, mas deixou claro que eu logo não teria mais nenhum poder sobre ela, não perante a lei.

— Foi uma irresponsabilidade enorme, eu sei. Mas você precisa ver como ela ficou radiante quando fomos ao parque e ela e a Alice conseguiram passar um tempo divertido juntas. — pensar naquele momento trouxe a Regina lembranças dela e Emma na roda gigante, no clima de romance e no toque aveludado da fotógrafa. — Você ainda tem tempo de tentar acertas coisas, ela só vai Boston depois das férias de verão.

— Espero que sim.

— Ah, porque que ela decidiu ir para os dormitórios da universidade em vez de ir morar comigo? O meu apartamento é tão ruim assim?

— Ela disse que assim se sentiria mais independente, e o pai dela, claro, concordou na hora. As vezes tenho vontade de dar um sacode no Robin para descobrir se ele ainda consegue perder a paciência com alguma coisa.

— Aquilo lá é um caos, talvez ela mude de ideia antes do primeiro semestre acabar. — riu lembrando dos seus tempos na graduação. — Sobre o Robin, é exatamente por isso que os meninos gostam tanto de brincar com ele, ele é um buda.

— Pelo menos o Roland gosta de mim. — Zelena se sentou na cama rindo fraco. — Acho que o Henry também.

— Ei, esse é meu. —— também se sentou. — Você é a melhor mãe que conheço, é em quem me inspiro, quem tenho como exemplo. Fez um ótimo trabalho com a Robin quando tudo estava tão difícil para nós, tínhamos perdido a nossa mãe e você estava no meio da faculdade, ela só está passando por uma nova fase, está se tornando uma jovem adulta.

— Eu não fiz nada sozinha, você e o papai ajudaram muito a mim e ao Robin, por isso que ela também gosta tanto de você. Espero que essa fase passe logo.

Regina. Zelena.

Ouviram o seu pai as chamarem da escada.

Quando desceram para sala, encontraram os meninos sentados no tapete com as suas xícaras de chocolate quente com marshmallow, enraivados por ainda não terem conseguido montar o quebra cabeça, Robin sentada com o seu chocolate em uma das poltronas próxima a lareira, Henry e Eva, que havia chegado a pouco tempo, ocupavam o sofá de dois lugares, e Robin no sofá de três lugares, onde Zelena também se sentou depois de se servir do chá que estava no bule sobre a mesinha de centro. Regina cumprimentou Eva antes de se servir de chá, e depois, com a sua xícara em mãos, sentou na poltrona ao lado da sobrinha.

Os meninos brincavam, os casais conversavam, e Regina e Robin se mantinham em silêncio com as suas bebidas quentes. Regina observou quando o celular da sobrinha vibrou sobre o braço da poltrona. Robin o pegou, digitou rápido e bloqueou.

— Alguma novidade? — perguntou baixinho enquanto sorvia o seu black tea.

— A Alice disse que está estável, e que pode ter alta em três dias.

Regina sorriu de leve para a sobrinha e depois mudou o seu foco. Seu pai e Eva. Henry mal conseguia manter a boca fechada, sorria enquanto falava, sorria enquanto a ouvia, e podia apostar que ele também sorria por trás da xícara enquanto estava bebendo o seu chá. Depois Zelena e Robin. Juntos desde o final do ensino médio, primeiro filho muito cedo, o segundo um pouco mais tarde, era ela quem trabalhava com pessoas, mas era ele quem tinha a completa sutileza. Ele tinha o braço envolta dos ombros dela e ela a cabeça apoiada nele.

Com um aperto no peito, Regina sentiu a falta de mais alguém ali, do seu lado.

Quando ficou mais tarde, a própria Robin estava quase a cochilar na poltrona, Roland pulou para a acento livre do sofá onde os seus pais estavam e Henry pediu o colo da sua mãe. Regina o aninhou sonolento em seu colo e afagou os cabelos dele até que ele caiu no sono.

Logo depois Zelena e Robin foram com os filhos para casa, esse último levando o Roland adormecido nos braços, Henry levou o neto para a cama, e Regina com a ajuda de Eva, ajeitaram a sala e colocaram os móveis no lugar.

— Eva.

— Sim? — ela apanhou a bandeja com o bule de chá e as xícaras de cima do criado mudo.

— É... sei que não tivemos o primeiro contato que você esperava. — se agachou para pegar as peças do quebra cabeça que os garotos haviam deixado espalhadas pelo chão. —, e também não conseguimos conversar muito bem nesses dias em que estive aqui. Eu só gostaria de dizer que eu fico feliz que o meu pai tenha encontrado alguém que faz com que ele se sinta tão bem, que o faz feliz, que o faz rir com o vento. Então eu não vou bancar a filha ciumenta, só quero que sejam felizes.

— Eu fico muito feliz em saber disso, de verdade, isso me alegra muito, e ao seu pai também. É muito importante para ele, para nós.

— Espero que em um futuro próximo possamos nos aproximar mais, você conquistou o meu pai, o meu filho e os meus sobrinhos, acho que há algumas coisas que preciso saber sobre você. — brincou e Eva riu. — Me visitem em Boston.

— Pode perguntar o que quiser. — riu. — Vou falar com o seu pai, o levarei pela a orelha se for necessário.

Na manhã do dia seguinte Regina acordou bem cedo, enquanto Henry ainda dormia apanhou as roupas que estavam no banheiro e espalhadas pelo quarto, dobrou elas e organizou tudo dentro da bolsa de viajem que tinha levado com as suas coisas.

Depois da sua higiene matinal Regina desceu para começar a fazer o café da manhã e preparar os lanches para Henry comer enquanto estivessem no carro, mas tomou um susto quando encontrou o pai na cozinha passando geleia em algumas torradas.

— Caiu da cama hoje, pai? — pegou uma maçã na fruteira e se encostou no balcão. Prestando atenção no que ele fazia, percebeu uma bandeja sobre a mesa — Achei que ela tivesse ido para casa depois que subi. — disse mordendo a fruta.

— Já estava tarde, não quis que ela saísse daqui sozinha, e... — Henry começou a se justificar.

— Tudo bem, pai. Está tudo bem. Ela é a sua namorada, vocês já são maiores de idade, já entendem como a vida funciona e sabem se cuidar. Mas nunca esqueçam de se prevenirem. — riu.

— Regina! — Henry jogou o guardanapo nela. — Sou o seu pai, você não pode falar essas coisas para mim.

— Ah, mas você me falou tudo isso, e muito mais. Enquanto eu te ouvia só queria rir e dizer “pai, eu não vou passar perto de nenhum peru”. — gargalhou enquanto o seu pai a olhava corado e descrente.

— Vejo que você acordou bem—humorada hoje, não foi?

— Um pouco. — mastigou outro pedaço da maça. — Agora, se eu fosse você, subiria logo com essa bandeja, ou a Eva vai acordar e você vai perder a oportunidade de surpreendê-la com esse suntuoso café da manhã.

— Vou fazer isso mesmo. — Henry se apressou, colocou mais algumas frutas na bandeja e começou a sair da cozinha — Ah — parou a porta. —, tem café quente na cafeteira.

— Vai logo, pai.

Quando o seu pai sumiu quase que saltitando pela porta, Regina preparou o restante do café da manhã, esquentou o leite, fez panquecas e fritou os ovos e bacon. Henry logo acordaria e Zelena ou Robin traria Roland para tomar café antes de leva-lo para a escola, mas se surpreendeu quando os quatro entraram pela porta da cozinha, Roland correndo com a irmã vindo atrás, e os pais entrando em seguida. Com toda a conversa alta no andar de baixo, Henry acabou acordando, e desceu a escada aos pinotes assim que ouviu a voz do primo. Depois do café, Regina, quando a sua irmã, cunhado e sobrinhos saíram, subiu com Henry para ajudá-lo com o banho, porque ele sempre esquecia de lavar atrás das orelhas e o umbigo, a se vestir, pois ele ainda não conseguia discernir qual era a parte da frente e a parte de trás das cuecas e de alguns shorts, e a pentear o cabelo, claro, pois se deixasse que ele fizesse aquilo sozinho, passaria apenas a mão no cabelo puxando ele para frente.

Prontos para sair, Regina se despediu com um abraço afetuoso no pai, e de Eva e Robin também, que prometeu que logo se veriam quando ela se mudasse depois das férias para os dormitórios da faculdade. Henry também abraçou e beijou todos eles.

Por volta de meio dia Regina chegou em Boston com Henry, pediu almoço em casa, e como Henry pareceu disposto, o levou para creche quando foi para revista. Quando entraram no saguão do prédio o garoto soltou da sua mão e saiu correndo até as portas da creche, Regina riu, sabia que ele estava com saudade daquela rotina, dos amigos e da professora. Quando a diretora o recebeu, ele acenou entusiasmado e saiu em disparada até a sua sala, naquele momento a diretora também aproveitou para conversar com Regina, pois Henry estava ligeiramente atrasado em relação aos outros alunos devido aos dias que tinha faltado, e logo chegaria as férias de verão e ele iria precisar da aprovação nos testes finais para que pudesse ir para uma escola. Regina se prontificou a ajudá-lo em casa com qualquer dificuldade que surgisse, e assegurou que ele não faltaria mais nenhum dia letivo.

Quando chegou no andar da revista, encontrou Gold apoiado no balcão da recepção conversando Belle. Eles falavam baixo e pararam assim que Regina se aproximou.

— Boa tarde. — disse também se apoiando no balcão.

— Olha só quem está de volta. — Gold se virou para ela.

— Eu disse que estaria. — falou convicta.

— Que bom, porque você faz falta, e agora eu vou poder voltar e ver netflix em casa na minha cama. — Gold brincou e Belle riu.

— É bom ter você de volta. — Belle afagou o ombro de Regina. — E como eu já te conheço, sobre o que tanto você vai querer relatórios dessa vez?

— Calma. Dessa vez só do que foi feito no restante da tarde de ontem e nessa manhã, e que agende uma reunião para amanhã de manhã.

— Certo. — Belle anotou na sua agenda. — Algo mais?

— Sim, por favor peça ao Jekyll que vá a minha sala.

— Ele ainda não voltou do almoço, mas aviso assim que ele subir.

— Obrigada, agora se me dão licença, eu preciso cuidar da sua revista. — deu uma piscadela para Gold e saiu.

A sua sala estava impecável como no seu primeiro dia na revista, limpa, os móveis lustrados, nem um grãozinho de poeira evidente sequer. Permitiu se sentar e relaxar na cadeira, e girando lentamente de um lado para outro, percebeu o quanto de fato, era bom estar ali, se sentia útil, produtiva, bem consigo mesma.

Pouco mais de meia hora depois, Jekyll bateu a porta de sua sala e ela pediu para que ele entrasse.

— Porque você não se senta? — com a mão indicou a cadeira a frente da sua mesa enquanto o olhou por cima dos óculos de leitura.

Jekyll puxou uma das cadeiras e se sentou ereto.

— Ao que devo essa convocação?

— Recebi os relatórios de venda da revista nas últimas semanas, nas que estive ausente. — viu Jekyll se mexer desconfortável na cadeira. — Ao que me pareceu, você passou mais tempo selecionando o casting de modelos dos seus sonhos e estando com elas no estúdio, do que preparando as edições propriamente ditas.

— As escolhas do casting é uma parte muito importante na montagem de uma edição. — disse se justificando.

— Sem dúvidas que é. — Regina aproximou mais a sua cadeira da mesa. — Mas não é tudo. Um texto bem escrito, um layout pensado de forma inteligente e matérias não fúteis, em sua maioria, também tornam uma edição um bom número semanal. Achei que você já soubesse de tudo isso, afinal, você é o funcionário mais antigo daqui, não é mesmo? Você já viu outras pessoas irem e virem, mas só você permaneceu.

— O que você realmente quer, Mills? — bateu na mesa perdendo a sua banca.

— Houveram inúmeras críticas à sua primeira edição, e os comentários online foram impiedosos, e não era para menos, só mulheres loiras espantando a capa da revista, “supremacia racial a gente ver por aqui”, “capa ariana?”, “alguém devolve a editora da Gold’s Magazine por favor”. Faltou um pouco de bom senso seu, você não acha?

— Eu dei o que as pessoas queriam.

— Quem queria? Homens brancos héteros e sis?

— Eu definitivamente não me importo com o que você faz da sua vida, mas você não pode impor isso a outras pessoas através da revista do Gold, que ele lutou tanto para construir. Ditadura gay, corpos cheios de buracos e listras... as pessoas têm preferências, e vai desde comidas até a mulheres, aceite isso, Regina. E pelo que me parece, o padrão loira e magra também agrada você, então não me venha com hipocrisia.

— Eu nem vou me dar ao trabalho de tentar te explicar de quantas formas isso é diferente, Jekyll. — naquele momento a única vontade que Regina tinha era a de virar aquela mesa por cima dele. Emma não era como nenhuma daquelas modelos, e muito menos significava para Regina o que elas significavam para Jekyll, se é que elas de fato significavam alguma coisa — A questão é que, você disse que somente os leitores poderiam julgar qual de nós era o melhor profissional, o que de fato eles fizeram, pois você não satisfeito como a sua primeira edição, o seu segundo número trouxe uma lista, extensa diga-se de passagem, sobre roupas e acessórios que mulheres usam e homens odeiam. E sabe o que de fato os leitores odiaram? As suas edições, que tiveram os números de vendas mais baixos de todo o ano até então. Acho que já temos a nossa resposta. — recostou na cadeira. — A verdade é que você pode estar aqui a mais tempo do que eu ou qualquer um, mas esse cargo aqui, por muitas questões, inclusive por capacidade profissional mesmo, você não merece.

— E quem é você para dizer o que eu mereço? — se pôs de pé — Você sumiu, abandonou tudo, o Gold tem uma confiança inabalável e estupida em você, e você fez o que? Cagou para ele, saiu em um dia e voltou mais de quinze dias depois. E talvez a única razão para que ele continue te dando tanto crédito, seja porque você tem mais a oferecer do que eu. — falou com mais entonação do que o necessário. — Será que Belle sabe disso? Como a pobre coitadinha reagiria aparentando ser tão frágil quanto uma rosa?

— É isso que você faz — como muito esforço, se manteve sentada apenas o encarando. —, você desce a conversa ao seu nível, porque somente assim você tem a chance de ganhar. O que você supôs é desrespeitoso a mim enquanto profissional, e de uma demonstração de machismo e misoginia nauseante. Se fosse um homem no meu lugar, você jamais suporia algo assim, que ele precisou dormir com o chefe para poder conseguir um cargo. Mas como sou uma mulher, é óbvio que fiz algo. Você me enoja. Até cheguei a considerar que o que eu havia falado sobre a sua esposa no outro dia tinha sido demais, que eu havia passado dos limites, mas quando eu lembrei que você certamente não deveria sentir nem uma centelha de arrependimento pelo que me disse, qualquer culpa sumiu completamente. Assim como eu, você está aqui porque o Gold nos quer na revista, mas acredite em mim, qualquer motivo que eu tenha para apresentar uma justa causa, você cai fora daqui.

— É o que nós veremos, Regina. — Jekyll saiu batendo a porta da sala.

Na manhã do dia seguinte tiveram a reunião como o agendado, Gold participou antes de voltar a se afastar. Nela Regina fez questão de mostrar em seus slides, gráficos do rendimento financeiro das edições anteriores, e ressaltou como concepções machistas e de soberania masculina não eram mais bem vistas pelos leitores, que por mais que velado ou suavizado, o sexismo não passava mais despercebido, e que nenhuma matéria ambígua sob esse ponto de vista passaria sob a sua revisão. No final daquela semana a edição do dia das mães foi liberada para as bancas de revista com o marco da volta da editora chefe.

As notícias sobre Emma ficaram escarças no decorrer dos dias, mas alguns dias depois de voltar à revista Ruby lhe disse que David havia passado na redação para deixar o atestado de Emma no RH, ela teria trinta dias de licença. Regina quis perguntar a Ruby se ela tinha mais notícias sobre ela, mas sabia que não, mesmo Ruby sendo amiga de Emma, ela havia preferido não contar sobre o seu histórico.

Nesse meio tempo, Henry não podia estar mais feliz por ter voltado a creche, estava com saudades de todos os seus amigos, em especial de Violet, e animado, sempre contava para a sua mãe todo o seu dia enquanto iam de carro para casa. Depois do jantar e antes do sono o alcança-lo, Regina passou a tirar um tempo para revisar algumas coisas básicas com Henry, ele de fato havia perdido algumas aulas, mas o ajudaria a estar pronto para quando os testes finais chegassem e ele enfim pudesse ingressar em uma escola de meninos grandes, como ele mesmo dizia.

Com a indicação de Zelena, Regina havia visitado um terapeuta. De início se sentiu em desvantagem, estava ali exposta, sendo instigada a falar sobre coisas da sua vida que considerava serem demais para serem proferidas em voz alta até para si mesma. Começou frequentando o consultório três vezes por semana durante os seus horários de almoço, a quantidade de dias era em resposta ao bloqueio de Regina, que sempre respondia as perguntas com outras perguntas ou com respostas evasivas, mas com o passar das sessões em que iam progredindo e se aprofundando em suas questões pessoais, e ela se permitia à abertura, reduziram para duas vezes por semana. Ao final de cada uma das sessões, Regina sentia a sua escuridão se dissipar dando lugar a luz e a ânsia em tê-la novamente.

Os dias que se sucederam em que Emma esteve internada, foram regidos por baterias de exames diários, eletrocardiogramas e hemograma completos com foco na contagem de linfócitos e oxigenação sanguínea. Precisavam saber se haviam arritmias cardíacas e se os anticorpos haviam voltado a subir indicando um possível caso de rejeição do coração novamente; Também foram feitos exames de esforço físico, afim de descobrir o quanto a saúde física de Emma estava debilitada, então ela precisou pedalar em bicicletas ergométricas e caminhar em esteiras enquanto inúmeros fios ligados ao seu corpo transmitiam às máquinas o que o seu organismo dizia; E saudade.

— Bom dia. — Kristin disse entrando no quarto fazendo a visita matinal.

Acompanhando Emma, estava apenas o seu pai, David, que estava revezando as pernoitadas com Mary.

— Bom dia. — Emma respondeu afundada na cama. Após ao café, sem graça alguma, daquela manhã, assistia televisão. Estava entendida e cansada o tempo inteiro.

— Já saíram os resultados dos exames, doutora? — David perguntou depois de aperta a mão dela a cumprimentando.

— Já sim. — virou algumas páginas na prancheta. — Vamos lá. Os resultados deram negativos para qualquer arritmia, isso quer dizer que o coração dela bate de acordo com o esperado em estado de repouso, e os anticorpos estão estáveis e controlados em uma taxa adequada para alguém que possui um órgão transplantado.

— Então eu já posso ter alta? — Emma perguntou se ajeitando na cama, menos entediada do que estava no início da conversa, pelo menos agora sabia que não teria que passar por mais uma bateria de exames.

— Calma. — Kristin se adiantou. — Mesmo com bons resultados nesses exames, os seus de esforço físicos não foram tão bons assim, não é? Você nem chegou a correr na esteira, foi praticamente só uma caminhada, e foi o suficiente para te deixar bastante debilitada.

— Foi só uma caminhada, mas parecia que eu tinha corrido o estado inteiro. A sensação era que o meu coração iria sair pela boca de tão ofegante e cansada que eu fiquei.

— Bem similar à quando você estava recém transplantada, lembra? — Emma afirmou com a cabeça. — Bom, sobre a alta, você tem sim condições de ir para casa, contando que siga à risca todas as minhas orientações.

— Ah, ela vai seguir sim, doutora. — disse com a certeza de quem garantiria que Emma faria tudo o que fosse mandado.

— Imagino que assim como da outra vez, você saia da cidade para ficar com os seus pais, o que é bom, sei que assim será muito bem cuidada. Você vai precisar voltar para a fisioterapia, e sem esforços desnecessários fora dela, voltar ao trabalho antes de o seu atestado acabar, por enquanto, nem pensar. Ficará de repouso e só fará as atividades pedidas pelo fisioterapeuta, então voltar a andar de bicicleta só com a alta dele. Também precisaremos repetir os exames periodicamente.

— E agora você diz que estou de alta. — Emma sorriu amarelo.

— Você está de alta, Emma, vai poder ir para casa. Tem só mais uma coisa que eu gostaria que você fizesse.

— Eu já sei, e vou fazer, sinto que preciso de uma reunião.

David ligou para Mary avisando que Emma estava de alta e que em breve estariam no apartamento, e enquanto a filha tomava banho e trocava de roupa, ele apanhou todas as coisas que tinham levado para tomar a estadia de Emma no hospital o mais agradável possível, e as roupas sujas, que tinha quase certeza absoluta que seria incineradas por Mary na lareira de casa. Como transplantada Emma precisava de um ambiente limpo e livre de possíveis superbactérias, e roupas que haviam passado dias dentro de um hospital nãos entravam nessa categoria.

Finalmente em casa, Emma pensou quando se deitou na sua cama. Você só sabe quanta falta sente de casa até precisar passar dias longe dela.

Não queria, mas adormeceu tão facilmente quanto a passagem do dia para noite. Quando acordou tudo já estava escuro, e a única luz dentro do quarto era a que vinha dos números do rádio relógio sobre o criado mudo, que lhe dizia já ser noite. A luz azul se dissipada difusa através do vidro do pote de moedas de sobriedade do NA, iluminando sutilmente o quarto. Emma se sentou na cama debilmente ainda sonolenta e pegou o pote, as moedas de dentro chacoalharam e tintilaram ao baterem umas nas outras.

Através da luz azul do rádio relógio ficou observando as moedas, lembrava das primeiras, dadas mês após mês, que foram conquistadas com muito esforço diante das crises de abstinências, frustrações e as limitações devido ao transplante recente, as seguintes vieram porque era o certo a se fazer, era o melhor para sua família, para as pessoas que amava, e posteriormente, por a sua vida, porque agora sabia que ela valia muito mais do que as pessoas pensavam quando lhe viam caída no canto escuro de alguma boate no subúrbio da cidade, alucinando e tendo psicoses, vomitando em si mesma e querendo brigar com qualquer um que se propusesse a ajudar, depois de dançar, subir em mesas e beber como se o amanhã nunca fosse chega, porque era a assim que metanfetamina agia, lhe dava a sensação falsa de bem-estar e muita energia, depois lhe tirava até a sanidade. Enquanto olhava o pote, se perguntava por o que seria agora. Tinha uma resposta tímida para isso, mas não queria se enganar, criar tantas expectativas e vê-las naufragarem na imensidão do oceano.

Quando Alice abriu a porta do quarto, tirou Emma do seu transe.

— Está tudo bem? — acendeu a luz do quarto.

— Uhum. — Emma se virou. — Estava só criando coragem para me levantar mesmo.

— A mamãe está chamando para jantar.

Exceto pelos talheres batendo nos pratos, o jantar foi feito quase que inteiramente em silêncio, e enquanto comiam, Emma observou a expressão no rosto dos seus pais. Eles estavam visivelmente cansados, o que despertava nela o sentimento de culpa misto com gratidão, mais uma vez eles não haviam poupado esforços para estarem com ela nos momentos em que mais precisava.

— Pai e mãe, eu queria contar para vocês uma coisa que eu já estava pensando há um tempo. — Alice quebrou o silêncio da mesa.

Mary e David se entreolharam.

— Para o semestre que vem, eu estou pensando em ir morar no campus da universidade.

— Você tem certeza disso? — seu pai perguntou.

— Você não pode, Alice. — Mary disse enfática. — Você não pode deixar a Emma sozinha, você faz companhia a sua irmã, e mais, quem vai cozinhar para você?

Emma não sabia de nada daquilo, imaginou que a sua irmã mais nova tivesse decidido isso enquanto ela estava internada, mas falou em socorro a Alice quando essa lhe lançou um olhar de ajuda.

— Mãe, a Alice já é maior de idade, já tem dezoito, ela não é mais uma criança e já pode se virar sozinha, porque é quase sempre isso que ela tem feito enquanto morava comigo, e quanto a mim, também posso ficar só. Cuidamos uma da outra durante esse tempo, mas já está na hora de cortarmos esse cordão umbilical. Você vai vir aos finais de semana para casa, não vai Allie? — respirou fundo tomando o ar de volta.

— Sim, vou! A Emma não vai mais precisar gastar gasolina tendo que ir me deixar, e nem vamos mais precisar gastar com metrô, porque não vou precisar voltar todos os dias.

— Se a Alice realmente quiser fazer isso, nós não podemos impedi-la, Mary. — David sorriu fraco para a filha.

— Promete que vai se cuidar, que vai comer direitinho, que não vai aprontar nas festas da universidade e que vai me mandar mensagens pela manhã e me ligar a noite?

— Ai mãe.

— Promete Alice Swan!

— Eu prometo, mamãe. Vou ligar para você, para o papai e para Emma. Ligo para todo mundo.

Depois do jantar, Mary se dedicou em arrumar as malas para voltarem para Norwood, e quando Emma se ofereceu para ajudar ou pelo menos fazer a sua própria mala, sua mãe mandou que ela ficasse bem quietinha onde estava, porque se até mastigar o jantar a deixava cansada, quem diria se fizesse mais esforço físico.

Na manhã do dia seguinte se despediram de Alice, que ficaria em Boston por causa da faculdade, e partiram para Norwood. As casinhas quase todas iguais do bairro residencial indicavam que tinham chagado em casa, onde Emma cresceu. David descarregou o porta-malas e ficou ao telefone resolvendo coisas do trabalho, e Mary foi preparar o almoço. Em quanto a sua mãe cozinhava, Emma se manteve em seu antigo quarto, nele haviam fotos cobrindo praticamente todas as paredes, na prateleira que ficavam de frente para cama de solteiro, estavam as câmeras que já tinha tido, a mais velhinha delas era uma polaroide azul pastel, a primeira que o seu pai lhe deu. Lembrava de querer tirar fotos de tudo, de Alice ainda bebê, dos pais, das formigas do quintal e das árvores da pracinha, ali era o seu museu pessoal, mas com a polaroide não era possível, uma vez que o filtro instantâneo era muito caro, então usou a sua câmera apenas para momentos especiais, como as visitas anuais a vovó Ruth, as idas ao parque de diversões e quando a sua irmã nasceu. Todas essas fotos faziam parte da decoração da parede.

— Já resolveu tudo no trabalho, pai? — Emma perguntou enquanto almoçavam.

— Já sim, amanhã volta tudo ao normal.

— Acho que preciso ligar para revista, avisar que estou de atestado.

— O seu pai já viu isso, filha. — Mary respondeu.

— Já?

— Uhum. Antes de você ter alta eu fui e levei o atestado para o RH.

— Ah. E você viu... viu o Gold?

— Não, a Ruby me disse que ele ainda não tinha chegado, e também vi ela. Ruby também me disse que ela estava trabalhando e eu não quis atrapalhar.

— Claro que não queria. — disse aérea.

— Porque você não sobe para descansar, filha? — Mary sugeriu após terminarem o almoço. — Mais tarde subo com um lanche para você.

Emma não queria ter que ir para o quarto, estava entediada, mas após subir as escadas, ficou muito feliz por a sua cama estar a sua espera. Deitada de costas, fico olhando para o teto, pensando em talvez ligar para Regina, só para avisar que já tinha recebido alta e que estava bem, sem risco de rejeição, e também queria saber sobre Henry. Mas o pedido de afastamento agora havia sido seu.

Depois de um cochilo, saiu da cama e foi se sentar na poltrona próxima a janela, dali, no inicio da tarde, viu as crianças do bairro voltarem para as suas casas depois da escola, e depois saírem no início da noite para brincarem de pique ou andarem de bicicleta pelas calças. Lembrava que durante a sua infância aquilo era tudo que mais queria fazer, voltar com os amigos para casa e depois brincar com eles até a hora de dormir, mas normalmente voltava para casa sozinha, e da janela da sala de estar, sem ter ninguém para brincar, assistia às outras crianças.

Quando as crianças e adolescentes certinhos da vizinhança não quiseram se aproximar, as problemáticas quiseram.

Dar início a fisioterapia foi o ponto alto da sua estadia em Norwood, fazer esteira, bicicleta ergométrica e alguns outros exercícios aeróbios, todos com pouquíssimas repetições, claro, era ótimo, e só o fato de poder sair de casa já era motivante. Dava o seu melhor, só sentia por ele ser tão pouco, uma vez que praticamente qualquer esforço lhe deixava ofegante e sem energia. As primeiras sessões lhe arrasaram ao ponto de que tudo que queria fazer quando chegasse em casa era se jogar na sua cama, e uma vez feito isso, o sono era certo, apagava e quase sempre só acordava com Mary a chamando para comer alguma coisa.

Com Alice em Boston e David trabalhando, a maior parte do tempo ficavam apenas Mary e Emma em casa, então era a mais velha quem preparava as refeições, cuidava da atividades domésticas e levava e trazia Emma da fisioterapia, de modo a deixar com que a única preocupação da sua filha fosse se recuperar.

Nesse meio tempo Emma também voltou as reuniões do NA, todas elas sempre começavam do mesmo jeito.

— Oi, eu Emma, sou dependente de metanfetamina e estou sóbria há três anos e meio, e quase perder a minha vida e a minha família são os meus principais motivos para me manter sóbria. Mesmo com esse tempo de sobriedade ainda me chamo de dependente porque recentemente descobri um gatilho muito forte, que me fez reconsiderar a minha sobriedade e ter muita vontade de jogar tudo para o alto.

— Oi Emma. — todos responderam em coro no círculo formado pelas cadeiras brancas de plástico.

— Seja bem-vinda Emma. — o mediador lhe sorriu gentil. — O importante é que você não cedeu, que pôr o seus motivos e razões se manteve forte e sóbria.

— Seja bem-vinda, Emma. — todos respondiam coro.

Sentada na cadeira de plástico, Emma ouvia a todo os outros, havia quem estivesse sóbrio há cinco anos, assim como também havia quem estava há um dia. Cada vivendo as suas lutas diárias contra os seus demônios. O conforto de contarem os seus relatos no NA, era porquê de fato, ninguém ali era perfeito, e nem fingiam ser.

Em quinze dias de fisioterapia Emma já conseguia sentir diferenças no seu condicionamento físico, ainda não podia andar de bicicleta como costumava fazer todas as manhãs, mas subir as escadas de casa não era mais tão penante, no final da tarde quando as crianças estavam voltando da escola aproveitava o movimento para se distrair e caminhar um pouco no quarteirão na companhia de Mary. Os vizinhos sempre acenavam para Mary, que sorridente acenava de volta, enquanto Emma sorria pouco por pura educação, já os vizinhos mais antigos que a reconheciam, paravam as duas para dizer o quanto a loira estava bonita e crescida, reclamavam pelo fato de há tempos ela ir lá e ainda diziam ela e Alice estavam muito parecidas.

Alice por sua vez, pouco afim de ficar no apartamento de Emma sozinha e querendo ficar um pouco mais perto da irmã enquanto essa recuperava, pegava o ônibus e o metrô e ia para casa dos pais nos finais de semana.

Em quinze dias na casa dos pais Emma estava prestes a sucumbir ao tédio, as caminhadas no quarteirão já não eram mais suficientes, ver as crianças voltando da escola pela janela do quarto era angustiante e a monotonia do bairro onde os pais moravam era de querer cortar os pulsos. Havia se acostumado do ritmo de Boston, com aos carros buzinando logo cedo pela manhã, a pressa na qual todo mundo da capital parecia viver, sentia falta da sua rotina, e a prova era que, mesmo não podendo, o seu relógio biológico ainda estava programado para acordar às 05:50 a.m e começar a preparar o café da manhã e sair para pedalar, e agora, acordava cedo para ficar olhando o teto do quarto e as fotos na paredes, lembrando nostálgica de algumas coisas e se arrependemos por outras. E por essas razões, enquanto jantava com os pais e Alice na noite de um sábado, expressou a sua vontade de voltar a trabalhar antes que a sua licença acabasse.

Seus pais prontamente foram contra a ideia, acreditavam que se a médica havia estipulado 30 dias de atestado médico, era porque ela precisaria desse tempo para de fato se recuperar, e olhe lá. Mas não era assim que Emma se sentia. Se sentia melhor e mais disposta, e terrivelmente entendida, então depois de conversar com o fisioterapeuta, de mais uma avaliação física, ele e a sua médica, em concomitância, concordaram que ela poderia voltar a revista, mas foram claros que ela ainda não poderia voltar a rotina de uma vez, teria que ser aos poucos, e que a fisioterapia continuaria no hospital.

Feliz como criança quando ganha presente, voltou para Boston com Alice no final da tarde de domingo prometendo aos pais que viria em casa ao menos de quinze em quinze dias, e Mary e David garantiram que iriam visita-las nesse meio tempo.

Na segunda, depois de deixar Alice no campus da Universidade, estacionou no estacionamento externo da revista, se demorou alguns minutos dentro do carro antes de abrir a porta e sair, afinal, não era só o seu trabalho que lhe esperava lá dentro. Quando saiu do seu carro, o de Regina chamou a sua atenção por estar estacionado em uma vaga com uma placa que dizia: reservado a editora chefe.

Ok, isso é novo.

No saguão do prédio, sua atenção se deteve às portas da creche, via algumas crianças lá dentro, as mais novinhas brincavam sobre o tapete de recreação com duas professoras. Ficou parada olhando elas correm e caírem sentadas rindo e engatinhando de um lado para o outro, como se a pilha nunca acabasse, até decidir entrar lá.

Pediu a diretora um minutinho com ele, e quando ela voltou com Henry, o garoto disparou em uma corrida ao seu encontro e se jogou nos braços dela.

— Emma. — soltou um garotinho agudo quando ela, com um pouco de esforço, o colocou nos braços.

— Oi Henry. — o abraçou sacudindo ele de um lado para o outro.

— Você melhor? A minha mamãe cuidou bem de você? Ainda dodói? — a bombardeou de perguntas.

— Eu estou bem sim, e não estou mais doente. — assegurou ao garoto. — E você, está bem? Está se comportando?

— Sim! — respondeu animado.

— Isso é muito bom.

Ainda nos braços de Emma e suspenso do chão, Henry segurou o rosto dela com as suas mãozinhas, e ficou a encarando. Emma também o olhou, os cabelos lisos e castanhos insistiam em cair por sobre a testa e por cima dos olhos, os olhos amendoados e a expressão de contemplação que ele tinha no rosto enquanto a olhava.

— Você é mesmo o Hulk. — ele soltou, e só restou a Emma rir.

— Você precisa voltar para a aula e eu preciso ir para o meu trabalho. — o colocou no chão.

— Emma?

— Sim?

— Eu não vou mais deixar a minha mamãe ir embora. — assegurou.

Sem saber exatamente o que fazer ou o que dizer, Emma sorriu gentil para ele.

— Não quero que perda aula. — deu um beijo na testa dele que abraçou as suas pernas.

Emma esperou que ele entrasse na sala de aula para que pudesse sair. Na redação, fora recebida por um abraço mata leão de Ruby, que surgiu correndo pelo meio da redação assim que a viu, e logo os demais se juntaram.

— Como assim você se interna e não avisa nada a ninguém? Fiquei preocupada achando que era a Alice quem estava cuidando de tudo sozinha. — Ruby disse em exasperação.

— Ficamos todos preocupados, love. — Killian disse se a aproximando e passando o braço em volta da cintura de Cruella, que se afastou do repórter com um olhar de desprezo.

— Aqui só encosta quem tem pedigree. — todos riram. — O que foi que aconteceu, darling?

— O que você está fazendo aqui antes da sua licença acabar? — Belle deu a volta no balcão de atendimento e se juntou a eles.

— É... — esfregou a nuca — eu tive uma complicação com o meu transplante e precisei ficar internada. — viu o queixo de todos caírem.

— Que transplante, Emma? — Ruby perguntou com cuidado.

— O meu coração, ele transplantado, eu recebi de uma outra pessoa há alguns anos.

O frenesi causado por sua chegada cedeu e deu lugar a um clima mais pesado.

— E você está bem? — Belle perguntou tocando o ombro de Emma.

— Estou, agora eu estou. — suspirou. Sentia que um peso, que nem sequer sabia que estava carregando, havia se dissipado. — E estou pronta para trabalhar, mas ainda tenho umas ressalvas médicas. Inclusive Belle, vou precisar de assistente nesses primeiros meses.

— Vou fazer o requerimento agora. — voltou para de trás do balcão e colocou o arquivo modelo para ser impresso.

Os outros se despediram de Emma e voltaram as suas atividades, afinal, mais uma edição semanal estava sendo prepara a puro vapor. Percebeu que eles haviam voltado a trabalhar com o mesmo fulgor de quando Regina chegou a Gold's Magazine.

— Pronto. — Belle entregou o requerimento a Emma. — Agora só precisa da assinatura do Gold ou da Regina.

— Ele está aqui?

— Não, ele está jogando golfe.

— E desde quando o Gold sabe jogar golfe?

— Bom, ele não sabe, mas disse que agora estava disposto a aprender tudo que ignorou ou que achou que seria perda de tempo enquanto ele estava criando a revista.

— Ele está aproveitando mesmo, não é?

— Bastante. — Belle riu.

— E vocês, estão bem?

— Melhor impossível. — suspirou enquanto as suas bochechas ficavam rosadas.

— Que bom que estão bem.

— Eu espero que vocês também fiquem. — Belle disse um pouco mais baixo.

Sem reação, Emma apenas sorriu em agradecimento, pensou que seria muito ingênuo da sua parte achar que ninguém ali na revista havia percebido que entre elas acontecia algo.

— Ela está aqui?

— Uhum — balançou a cabeça. —, quando fui na sala dela ela estava escrevendo uma matéria.

Com o requerimento em mãos, Emma foi até a sala de Regina, bateu duas vezes na porta com o nó dos dedos, e só entrou quando ouviu um “pode entrar”.

Distraída, Regina tinha os seus olhos fixados na tela do computador enquanto digitava rapidamente, e quando finalmente levantou a cabeça para ver quem tinha entrado em sua sala, Emma a viu a boca dela gesticular inúmera vezes em busca das palavras que lhe faltavam.

— Bom dia. — Emma disse fechando a porta e se aproximando da mesa. — Espero não estar atrapalhando o seu trabalho.

— N-não, você não estar. — Regina se levantou de pressa. — Achei que estivesse licença, Ruby me disse que seria de um mês.

— E eu estava, mas fui liberada para voltar antes.

— E você está bem?

— Estou. — sorriu um pouco.

— Mesmo? Porque você pode ficar de licença todo o tempo que for necessário para sua recuperação.

— Eu estou bem, acredite em mim, e se eu não estivesse, meus médicos não teriam me liberado.

— Que bom então. Fico feliz que esteja bem. — tentou se conter o máximo que podia. Não sabia bem a que pé estavam, e não queria se precipitar e invadir o espaço pessoal de Emma.

— É... eu tenho um requerimento para você assinar. — estendeu a mão com papel a Regina que o pegou. — Eu vou precisar de um auxiliar nos próximos dias.

— Eu achei que você estivesse bem. — disse preocupada.

— E eu estou, mas ainda tenho algumas limitações, vou precisar de alguém que suba em escadas para pegar os ângulos superiores e que manuseei os cenários e os materiais mais pesados.

— Ah, eu acho que a pessoa que estava te substituindo pode fazer isso. — Regina assinou e devolveu o requerimento a Emma.

— Obrigada.

— Não há de que.

Estavam as duas cheias de dedos quanto a como deveriam agir uma com a outra, sem saber se deveriam ir direto ao ponto e falarem sobre o que tinha acontecido e sobre o que precisaram fazer para lidarem com os seus sentimentos, mas somente o silêncio se pronunciou. Ficaram se olhando até que Emma desviou o olhar.

— Eu passei na creche hoje quando eu cheguei para ver o Henry, eu estou dizendo porque a diretora talvez vá te contar e eu não quero que você seja pega de surpresa com isso.

— Passou? — perguntou surpresa — Tudo bem, é... tudo bem. Ele estava sentindo mesmo muito a sua falta, nós estávamos. — confessou.

Emma suspirou.

— Eu também estava. — falou rápido — Até parece que ele cresceu uns centímetros a mais nesses dias. — mudou de assunto e riu um pouco para descontrair.

Ali estava a Emma que Regina conhecia.

— Eu vou... vou subir para o estúdio, vou me inteirar do que está acontecendo aqui e de todas as campanhas. — falou levando a mão a maçaneta da porta.

— Claro, é... tenha uma boa volta. Você fez falta aqui, acho que todos sentiram.

Emma sorriu em agradecimento e saiu.

Do lado de fora da sala da editora chefe, contou até cinco e respirou fundo de olhos fechados, quando os abriu, Jekyll a encarava do outro lado da redação. Acenou com um sorriso escancarado nos lábios e deu um tchauzinho mexendo apenas os dedos, quando na verdade o que queria era que ele se mancasse. Agora se perguntava quantos atritos deveriam ter acontecido entre ele e Regina ao longo dessas semanas, e algo lhe dizia que não haviam sido poucos.

No estúdio um ensaio acontecia, então o assistiu enquanto esperava até o intervalo do almoço para conversar com Walsh, o fotógrafo que estava a substituindo. Almoçaram juntos no estúdio enquanto ele atualizava Emma do que estava sendo feito e os temas dos próximos ensaios e editoriais, durante aquele dia foi Emma quem o auxiliou, uma vez que já era ele quem estava coordenando o ensaio.

Quando o ensaio terminou com o final do expediente, Emma permaneceu no estúdio vazio, sozinha, deu um giro 360º observando tudo a sua volta, sabia que estava sentindo falta dali, do trabalho e da rotina, mas só agora percebia o tanto. De fato, era maravilho estar de volta.

Quando terminou o seu giro nostálgico, se assustou ao encontrar Regina parada próxima a porta lhe observando.

— Desculpa, eu não quis assustar você. — se aproximou.

— Tudo bem, eu que estava distraída. — se recompôs.

— Como foi o seu primeiro dia de volta?

— Não fiz muito, o Walsh é quem vai cuidar das fotos dessa edição e eu o ajudei como pude, mas estou feliz por estar de volta.

— Que bom.

— É. Hum... eu não perguntei mais cedo como você estava. — enfiou as mãos nos bolsos de trás da calça que vestia.

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— Também estou bem.

— Com tudo? — Regina acenou em positivo com a cabeça.

— Eu estou fazendo terapia, duas vezes por semana, mas não para entender o que aconteceu entre nós — acrescentou rápido. —, é mais para lidar com essa escuridão oportunista.

— Isso é bom, eu também voltei a ir mais frequentemente as reuniões do NA, é importante ser relembrada de algumas coisas. Então quer dizer que você... que agora entende o que aconteceu, Regina?

— Entender o que aconteceu, eu entendo, Emma, e sei que por aí tem pessoas vivendo com outras partes que antes eram dela dentro de si, e eu permiti que isso acontecesse, mas quanto a eu saber a razão do que existe entre nós, eu nem sei existe alguém que de fato saiba, então eu prefiro acreditar que era o que tinha que acontecer e que era assim que tinha que ser. O que falei no dia hospital era tudo de coração, a minha perda foi horrível, mas uma vez que ela aconteceu, possibilitou que você continuasse existindo aqui, o que me deu a oportunidade de poder te conhecer, e eu não voltaria atrás nem se pudesse. Eu pensei em tantas coisas surreais e sobrenaturais no último mês, que nem soube mais no acreditar. Acho que você também passou por algo assim.

— E no que é que você acredita hoje? — Emma perguntou temendo a resposta, já sentindo os seus olhos começarem a arder.

— Depois de todos os destroços, da poeira asfixiante, do tumulto e do barulho alto em nossas cabeças, ainda é a sua voz que eu escuto quando fecho os olhos, é som da sua risada, é a sensação de arrepio e da eletricidade percorrendo a minha pele quando você me toca. Hoje, se eu acredito em algo, eu acredito em nós, Emma.

Emma mordeu o seu lábio inferior se esforçando para impedir que qualquer lágrima caísse.

— E o que você sente por mim, Regina? E o que você acha que motiva esse sentimento, qual e o porquê? — acrescentou rápido.

Se depois de tudo, depois de todo o tempo que tinham dado uma a outra, depois de imergirem de volta aos seus demônios e emergirem do mais completo caos de suas almas em busca de um sopro de vida que as fizessem despertar, se depois de mais uma vez terem cruzado a linha tênue dos seus limites, Regina ainda se questionasse o que a levava a sentir o que de fato sentia por Emma, Emma saberia que todo o trajeto havia sido feito em vão, e nesse momento esse era o seu maior medo.

— Eu amo você, Emma Swan. — respondeu sem pestanejar. — E o que me motiva a te amar é você ser exatamente quem você é — se aproximou mais um pouco encerrando a distância existente entre elas. Agora respiravam o mesmo ar.

Com a boca entre a aberta, Emma inspirava pelo nariz e soltava o ar pela boca, o seu peito subia e descia em frenesi, o perfume de Regina invadia as suas narinas e os seus olhos esquadrinhavam o rosto dela, primeiro na tentativa de perceber qualquer sinal de hesitação, e depois, apenas para matar a saudade que sentia de todos aqueles traços. Como se qualquer movimento brusco pudesse quebrar aquele equilíbrio conquistado a tantas lágrimas, lentamente Emma ergueu as suas mãos e as colocou cada uma do lado de rosto Regina, com o polegar da mão direita afagou a bochecha dela e a viu fechar os olhos e inclinar a cabeça para o lado em busca de mais contato, assim como um gato quando ronrona ao receber carinho. Quando Regina tornou a abrir os olhos, uma de suas mãos também foi em direção ao rosto dela, mas para enxugar uma lágrima solitária, que teimosa, insistia em cair e escorrer pelo rosto de Emma. Regina sabia que era exatamente aquilo que Emma esperava ouvir, que não era um órgão, um amontoado de células organizadas que fazia com que sentissem o que sentiam.

Anulando agora qualquer distância ainda existente, Emma uniu os seus lábios aos de Regina, suas línguas se tocaram em uma sincronia de velhas amantes, sem afobações ou exasperações matavam uma saudade latente, as mãos de Regina desceram apertando a cintura de Emma e a trazendo para ainda mais perto do seu corpo. Emma queria mais, muito mais, queria se entregar e apenas viver aquilo, mas a necessidade de ar fez com que encerrassem o beijo. Se mantiveram com as testas coladas enquanto Emma arfava.

— Está tudo bem? — Regina perguntou preocupada.

Em resposta Emma acenou levemente com a cabeça e sorriu.

— Eu também amo você, Regina. — sussurrou em segredo para logo em seguida receber um beijo de cálido de Regina.

— Você me descongelou, Emma — disse entre os lábios dela. —, e sei que vale a pena, sei que podemos fazer isso funcionar, não vou mais fugir, vou ficar e sentir toda essa horda de sentimentos. Tive tanto medo de perder você, tanto medo... só houveram duas vezes em que senti tanto medo assim na minha vida, e uma delas foi quando você estava internada.

— Talvez possamos fazer melhor na segunda vez.

— Podemos, claro que podemos.

Emma a abraçou e recostou a sua cabeça no ombro de Regina, e enquanto inspirava o perfume dela, tinha os seus cabelos afagados, e quis se desmanchar dentro daquele abraço quando Regina cantarolou baixinho:

— Há uma energia quando você me abraça, quando você me toca, é tão poderoso, eu posso sentir quando você me segura, quando você me toca, é tão poderoso. Acho que nunca passei tamanha vergonha em toda a minha vida. — se referiu a quando cantaram juntas no karaokê do pub em comemoração a sua primeira edição solo, organizada inteiramente por ela.

— Mesmo ali, eu já me sentia completamente presa e fascinada por você. — suspirou — Tanta coisa aconteceu depois daquilo que perece que foi em outra vida. — se afastou um pouco. — E a sua vergonha não foi maior do que a minha dançando na sua frente naquela noite.

— Digamos que você tem um jeito peculiar de dançar. — riram.

— Só vou relevar o fato de você ter dito que não danço bem enquanto estamos nos reconciliando, porque lembrei que quando passei na creche o Henry me perguntou se eu estava melhor. Porque você contou a ele que eu estava doente? Ele é só uma criança, eu não queria que ele se preocupasse com nada daquilo. — tirou os seus braços de Regina os deixando paralelos ao corpo.

— Quando eu fiquei sabendo que você estava internada, voltei imediatamente para Boston Emma, e ele quis muito voltar comigo, bateu o pé porque não queria ficar com o meu pai, mas eu não podia trazer ele, então eu disse que você estava doente e que eu vinha para...

— Cuidar de mim. — Emma completou.

— É, e como vimos, não deu muito certo, mas em fim.

— Eu acho que deu, afinal, estamos aqui, não estamos? — pegou as mãos de Regina nas suas.

— Estamos sim. — Regina a puxou novamente para dentro dos seus braços e a beijou. Se perguntou se algum dia se cansaria de fazer aquilo, e a resposta era não, nunca se cansaria.

— Ah — Emma afastou um pouco a cabeça —, hoje ele disse que sou o Hulk. — riu.

— E de onde você acha que ele tirou a incrível amiga?

— Sabia que já tinha ouvido isso em algum lugar! E como ele está na creche? Com tudo que aconteceu ele acabou perdendo algumas aulas.

— Ele está indo bem, tenho dado um reforço em casa, aliás, eu preciso descer para pegar ele, a creche já deve estar fechando. — bateu na própria testa.

— Não seria a primeira vez que isso acontece. — Emma zombou.

Depois de pegar as suas coisas no estúdio Emma e Regina pegaram o elevador, e na recepção, encontraram Henry sentado em uma poltrona balançando as pernas que ainda eram muito curtinhas para tocar o chão, e do lado uma das professoras da creche esperava que a mãe dele chegasse.

Assim que as viu, Henry pulou da cadeira e saiu correu, quando as alcançou, abraçou as pernas das duas.

— Ela está mesmo melhor, mamãe. — disse saltitante. — E você me esqueceu de novo.

— Claro que estou, a final, eu sou o Hulk. — Emma brincou.

— Eu não esqueci, só estava com muito trabalho lá em cima. — Emma olhou para ela com um olhar que dizia saber que aquilo não era verdade e Regina deu de ombros.

Henry se despediu da professora e então saíram para o estacionamento.

— Essa placa foi ideia sua? — Emma perguntou se referindo a placa de “reservado a editora chefe”.

— Não! Isso foi coisa do Gold — respondeu enquanto prendia o Henry na cadeirinha. —, chegue um dia e ela estava aí.

— Tchau Emma. — Henry acenou antes que a sua mãe fechasse a porta do carro.

— Tchau meu bem. — disse mandando um beijo no ar para ele, e então Regina fechou a porta.

Sem saberem o que dizer, ou como se despedirem, Emma enfiou as mãos nos bolsos de trás da calça e Regina se encostou no carro.

— É... — as duas começaram a dizer ao mesmo tempo.

— Você primeiro. — Regina pediu.

— Então... — se aproximou dela. — é só que fiquei feliz por termos conversado hoje, quero dizer... eu nem sabia se nos falaríamos hoje ou nos dias seguintes, quanto mais que... você sabe.

— Você tem sempre tantas coisas para falar, que chega até a ser engraçado te ver assim. — Regina pegou uma das mãos de Emma.

— É só que por mais que eu quisesse muito que isso acontecesse, eu não queria criar tanta expectativa assim quando nada era certo. Mas o que era que você ia dizer?

— Que eu estou mais feliz do que consigo dizer por você estar bem, fora de perigo e se recuperando, e que é muito bom ter você de volta aqui na revista, mesmo achando que fugiu dos seus médicos e que não foi liberada coisa nenhuma. — brincou e a puxou para um beijo rápido.

— Juro que me liberaram, e para ter certeza, sinta-se convidada a ir na minha próxima consulta.

Emma que tinha uma das mãos na cintura de Regina, teve a sua atenção tirada dela para algo atrás de Regina. Quando inclinou a cabeça para o lado para ver o que era, e com o vidro baixo, Henry tinha os cotovelos apoiados na janela e o queixo apoiado nas mãos.

— Veja só quem está mais curioso do que o normal.

— Henry. — Regina se virou e levou o dedo indicador até os lábios, o garoto reproduziu o mesmo gesto, e gargalhando, subiu o vidro da janela. — Agora a última pessoa que precisava saber já sabe.

— Será que ele não foi a primeira pessoa a saber?

Levando em consideração o quanto o seu filho gostava de Emma, aquilo fez todo o sentido para Regina.

Se despediram com beijo que deixou Emma corada e ofegante, e pelas janelas e retrovisores dos seus carros trocaram olhares até se perderem de vista no meio do trânsito da cidade.