Minha primeira semana de férias não estava sendo nem um pouco parecida com o que eu tinha visualizado durante o ultimo mês. Era quarta feira e eu ainda não tinha feito nada de interessante, então decidi fazer uma visita aos meus avós que eu não via a algumas semanas. Minha mãe pediu para que eu levasse o álbum de família para devolver a minha avó, pois ela tinha muito carinho pelo objeto. Talvez ele fosse o item mais valioso da nossa família, porque todo natal ele surgia durante a ceia para adicionarmos as novas fotos e rever as antigas.

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Vovó pediu a minha mãe para fazer uma copia do álbum depois que uma infestação de cupins quase o destruiu, só para evitar qualquer possível acidente como esse.

Saí de casa às nove e meia para poder almoçar e passar o dia com eles, para compensar a minha falta. Meus avós eram um casal muito bonito de se ver, longe do que foram os meus pais. Qualquer pessoa invejaria a união deles, pela cumplicidade e pela devoção que tinham um pelo outro. Vovô era um homem muito educado, daqueles românticos sem cura que só se vê em filmes de época. Ele conheceu minha avó ainda adolescente e levou dez anos para conquistar o coração dela e conseguir dar o primeiro beijo. Minha avó, tal como a minha mãe, era uma mulher a frente de seu tempo em muitos aspectos, começou a trabalhar muito nova e nunca saia por baixo em situações complicadas.

O metro atrasou por defeito e levei quase uma hora para chegar ao meu destino final que normalmente não tomava mais que trinta e cinco minutos. Meus avos moravam a uma boa distancia da estação do metrô mais próxima a casa deles e a caminhada não foi nada empolgante, porque eu ainda sentia dores no pé esquerdo do tombo que levei no cinema no domingo passado.

Lembrei-me da cena e sorri. Archie desceu na frente para pegar lugares e eu fiquei mais atrás com Charlotte e acabei torcendo o pé quando fui me sentar junto a eles. Eu caí no espaço apertado das poltronas e eles ficaram rindo ao invés de me ajudar. Não me pergunte como fiz, eu também não faço ideia.

Já a poucos metros da casa dos meus avós pude avistar meu avô aparando o pequeno gramado da frente, com Billy Rey deitado perto dele. Billy já devia ter uns seis anos, e também já estava se tornando um senhor em anos caninos. Ele era um Yorkshire de pelo curto, e muito preguiçoso.

A casa tinha um tom rosado escuro, cor de goiaba e uma escadinha de três degraus que dava acesso à porta da frente. Minha avó amava aquela cor, e então vovô decidiu pintar toda a parte externa da casa nesse tom. Em meio a tantas casas cor de creme, oliva e azul escuro, a deles se destacava por quebrar o padrão de casas canadenses.

Aproximei-me dele e o pequeno Billy Rey latiu para mim fazendo meu avô se virar.

Meu pequeno garoto. –sua voz cansada me acolheu.

Desde os quinze anos eu já era maior que o meu avô, mas mesmo assim ele ainda me chamava de pequeno. Era assim que ele me chamava desde que eu tinha cinco anos e ele ainda tinha disposição para me ensinar a andar de bicicleta. Vovô me deu um abraço e beijou minha cabeça.

Podia ter me ligado vovô. –o cobrei- Já disse para o senhor me ligar quando precisa fazer isso.

Ele arqueou as sobrancelhas e passou o punho pela testa.

Estou velho, não morto. –sorriu, cansado- Um velho tem que se ocupar com algo para não enferrujar, e além do mais, sabe que não gosto de incomodar vocês, jovens.

Rolei os olhos, também cansado pela caminhada.

Sabe que vocês nunca são um incomodo, vovô. –argumentei.

Certo, chega de questionar minhas decisões. –ele riu- Sua avó esta na cozinha vá dar um beijo nela.

Ele bateu no meu ombro ainda sorrindo e voltou ao trabalho.

Antes mesmo de abrir a porta da frente o cheiro de comida já adentrou minhas narinas fazendo meu estomago se mexer. Aquele aroma de comida da minha avó me fazia voltar a ser aquele Hart Milo inocente e bobo de seis anos de idade, que entrava pela porta correndo sujo de lama e ia direto para a mesa no quintal dos fundos, junto com uma família que hoje não existia mais.

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Deixei minha mochila perto da porta e fui em direção à cozinha onde minha avó estava, segundo o meu avô. Ela cantarolava baixinho, quase inaudível. Os cabelos grisalhos tinham um tom indefinível de prata com fios pretos que ainda resistiam ao tempo, dando a ela um ar de mulher sábia.

Isso cheira como ensopado, mas eu sei que é chili. –minha voz capturou a atenção dela.

Hart! –ela se assustou um pouco- Que saudades meu querido!

Fui ate ela e a abracei, tendo os cabelos bagunçados e as bochechas enchidas de beijos. Minha avó era uma pessoa amorosa e não tinha vergonha de expressar seu amor pela família, diferente da minha mãe que não era muito de demonstrar afeto.

Venha aqui. ­­–ela me puxou para perto do fogão e pegou um pouco da mistura da panela. Ela assoprou para esfriar e colocou na minha boca me fazendo soltar um som de satisfação incontrolável. Se essa não era a melhor comida do mundo, eu não sabia qual poderia ser.

Como esta sua mãe?

Rolei os olhos.

Como sempre, ocupada com o trabalho.

—Então não poderia estar melhor. –ela sorriu.

Ajudei-a por os pratos a mesa e fui chamar meu avô para o almoço. Vovó encheu o meu prato e então serviu ao vovô só então colocando o próprio prato. Seguramos as mãos e fizemos a oração antes da refeição, como era do costume deles.

Após o almoço ajudei o vovô a lavar a louça e então fomos para os fundos para comer a sobremesa debaixo da única arvore do quintal. Era uma torta de morangos, muito saborosa, como tudo que a vovó fazia. Conversamos sobre a família e os planos para o natal, mesmo que esse fosse só dali cinco meses. Nesse ano eu não sabia com quem iria passar, porque meu pai me convidou no ano passado de ultima hora e eu disse que talvez nesse ano eu fosse passar com ele, mas não confirmei.

Eu nunca fui à casa nova do meu pai em São Francisco e a ideia de reencontrar meu irmão não parecia muito animadora. Não nos víamos há alguns anos e eu sabia que nosso reencontro podia ser uma experiência estressante. Mesmo quando ele ligava para a minha mãe e era eu quem atendia nossas conversas eram breves e estranhas porque nenhum de nos sabia bem sobre o que conversar. Na verdade eu o evitava, porque meu pai sempre reclamava que Josh era desobediente e era difícil de lidar e eu não queria estragar minha relação já difícil com o meu pai por causa dele.

Depois de algumas horas jogando conversa fora eu ajudei meu avô a consertar algumas coisas pela casa como a torneira quebrada do jardim, trocar a lâmpada do quarto de visitas e da garagem, e depois organizamos a bagunça que estava o lugar. Meus tios estavam transformando a garagem dos meus avos em um armazém de tranqueiras e fiz uma nota mental de falar sobre aquilo com a minha mãe.

Quando terminamos o serviço eu estava coberto de pó ate os olhos e precisei tomar um banho para me livrar da sujeira colada no corpo misturado ao suor. Minha avó serviu o café para eles e fez chá de hibiscos para mim, junto com biscoitos amanteigados que eram os preferidos do meu avô. Só então me lembrei do álbum que estava na mochila e deixei minha xicara sobre a mesinha de centro indo pega-lo. Um sorriso aliviado brotou no rosto da minha avó ao ver que ele estava intacto.

Quero te mostrar algo, Hart.

Engoli um biscoito inteiro com aquelas palavras. Sempre que minha avó abria aquele álbum para ver uma única foto ela o mostrava inteiro. Lancei um olhar assustado para o meu avô que olhou para mim do mesmo jeito e se dirigiu a minha avó tocando sua mão.

Elizabeth querida, tem certeza disso? –ele tentou soar engraçado.

Vovó afirmou com a cabeça.

Se lembra deste dia, querido? –ela me mostrou uma foto.

Comecei a falar, mas pausei um pouco incomodado.

Foi o ultimo natal dos meus pais juntos.

A foto me trouxe memorias tão boas quanto ruins, memorias que eu nem recordava mais. Naquele pequeno pedaço de papel estava reunida toda a minha família materna, ate mesmo meus primos que ainda eram recém-nascidos na época. Meus pais posavam um ao lado do outro com Josh e eu, mas eles não se tocavam, apenas sorriam.

Na manha do dia vinte e seis depois do natal o meu pai saiu de casa com o meu irmão, e então eu só voltei a vê-lo nas minhas férias de verão. Durante toda a noite de natal a única palavra que meus pais trocaram foi Feliz Natal, e nada além disso. No dia seguinte estávamos apenas minha mãe e eu naquela casa. A parte estranha era que por ironia do destino, aquele tinha sido o melhor natal da minha vida. Ninguém ficou bêbado, não houve discussões e nem nada, foi um dia muito especial. Eu não sabia qual era o intuito da minha avó em mostrar aquela foto, apenas algumas horas após nos conversarmos sobre isso.

Sabe Hart, eu sei que passar o natal aqui conosco todos os anos talvez não seja a melhor coisa do mundo, mas eu queria te pedir uma coisa.

Vovô tentou para-la, mas ela pareceu não se importar.

Que seria? –indaguei.

Ela guardou a foto no álbum e o fechou, respirando fundo.

­-Não vemos o seu irmão há anos. Seu avô e eu estivemos pensando em Josh nos últimos meses, pensamos em convidar ele e o seu pai para passarem o natal conosco esse ano.

Demorei um tempo para processar o que ela tinha acabado de dizer. Talvez fosse a idade avançada ou a inocência, mas eu acho que ela não tinha pensado sobre o quão difícil seria aquilo. Seria mais fácil ver minha mãe dentro de uma igreja do que vê-la no mesmo ambiente que o meu pai. Quando ele vem me visitar fica na casa de um tio que mora na cidade, mas ele e minha mãe nunca se encontraram, ela evita qualquer tipo de contato com ele.

Suspirei e cocei a cabeça, por costume.

Eu posso falar com o meu pai, mas a senhora sabe, acho que minha mãe não vai concordar.

Vovô olhou pesadamente para o chão, encarando o nada. Havia algo errado nessa historia e eu sabia que não adiantaria questionar porque nenhum deles ia me contar nada. Eu queria me aprofundar mais nisso, mas não iria dar em nada, teria que ser paciente e esperar que algum deles decidisse me contar.

Certo, vou pensar no que fazer. –ponderei- Ainda temos bastante tempo, não é?

—Sim querido, não faça disso uma prioridade. –ela sorriu de forma gentil.

Logo o vovô mudou de assunto e terminamos o nosso café. O relógio na parede marcava cinco e meia, e decidi ir para casa antes que ficasse muito tarde. Eu adorava passar o tempo com os meus avos, eles me faziam esquecer todos os meus problemas pessoais e minha presença também os fazia bem. Não que eu fosse o neto preferido entre todos os oito, mas eles sem duvidas gostavam mais de passar o tempo comigo.

Enquanto eu pegava minhas rupas sujas para guardar na mochila minha avó pediu para que eu esperasse alguns minutos porque ela iria pegar algo para mim. Fui caminhando junto com o vovô em direção à porta da frente com o braço sobre seu ombro.

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Diga a Margot que estamos com saudades. –ele cobrou­- Sei que ela vive ocupada com o trabalho, mas sentimos muito a falta dela.

—Sabe vovô, eu também não a vejo muito ultimamente. Nem parece que vivemos na mesma casa.

Olhei para trás e vi que minha avó ainda estava na cozinha, então me aproximei dele e falei baixo para que ela não escutasse.

Mudando de assunto, eu percebi que está chateado com alguma coisa. —vovô pareceu incomodado- Sei que nenhum de vocês vai me contar o que esta acontecendo, mas não importa o que for, quero que me liguem caso aconteça algo, entendeu?

­Seu olhar cansado encarou meus olhos por alguns segundos, como se ele quisesse me contar o que estava acontecendo, mas não tivesse coragem o suficiente para fazê-lo.

É complicado filho. –sua voz tremulou- Mas prometo que será o primeiro, a saber.

Uma sensação estranha me acertou no estomago, mas não tive mais tempo para questionar porque vovó já estava de volta à sala com dois potes médios em mãos. Era comida, eu presumi.

Não coma, é para sua mãe. –ela brincou.

Não posso prometer nada. –respondi no mesmo tom.

Dei um abraço apertado em cada um deles e me despedi, com eles me agradecendo pela companhia e pela ajuda. Billy Rey latiu para mim com ciúmes e mostrei a língua para ele, que se escondeu atrás das pernas do meu avô, rosnando.

Volte sempre que quiser querido. –vovó disse sorrindo.

Pisquei para eles e sai pelo gramado acenando, vendo os dois abraçados na porta acenando de volta. Era uma imagem bonita de se ver, eles pareciam um jovem casal apaixonado, ainda no começo da relação. No ano que seguinte eles fariam quarenta anos de casados, e eu me sentia feliz por eles, por estarem a tantos anos juntos.

Não era algo muito comum hoje em dia, e também não me dava muita esperança.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.