Como minha irmã Marian me pedira, comecei a investigar o paradeiro do amuleto que sumira em Ignikor. Por ser integrante dos Corvos, um grupo composto por ladrões e assassinos, não seria problema para mim rastrear algo roubado por um de meus colegas. Tendo isso em mente, segui para o lugar mais provável de encontrar Soris, nossa base em Yarzeth, maior centro comercial do reino de Mytra.

Yarzeth era o local perfeito para os Corvos se estabelecerem graças a grande circulação de dinheiro e mercadorias, além da proximidade com a Floresta Das Trevas, onde ficava um de nossos esconderijos. Nossas atividades variavam entre assassinatos por encomenda, vendas de informações, pequenos roubos, assaltos a caravanas, contrabando de mercadorias, entre outros. A base ficava bem debaixo do nariz da guarda local, mas sobre uma falsa fachada de casa de penhores, bem no centro da cidade. Embaixo da casa de penhores, havia alguns andares subterrâneos, o primeiro onde ficavam as mercadorias mais difíceis de transportar, o segundo onde ficavam as coisas mais fáceis, e o terceiro era onde ocorriam geralmente negociações de possíveis trabalhos com clientes em potencial e sobre vendas de material roubado ou contrabandeado. Já nos andares acima do térreo, havia quartos e salas de treinos.

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Havia dois tipos de pessoas comprometidas com a Guilda De Ladrões: Aqueles como eu, que tinham alguma dívida com os Corvos (dívidas essas que tinham enormes juros, e que eram quase impagáveis) e que pagavam com trabalhos para eles ou como Soris, que estava ali porque queriam estar ali. Aqueles que deviam aos Corvos não podiam fugir sem quitar o que deviam, e se tentassem, seriam encontrados e executados. Embora a sede principal dos Corvos ficasse ali, havia ramificações por todo o continente de Valora, tornando impossível para qualquer um fugir sem os Corvos os encontrarem, então traí-los resultaria em execução ou em ser arrastados à força para trabalharem em bordéis pertencentes aos Corvos, caso o fugitivo fosse jovem e bonito.

Soris como um bom membro dos Corvos, sempre ia para a base conseguir novos trabalhos(geralmente de assassinatos) e os completava de forma eficiente e rápida por conta de sua natureza nem um pouco empática e bastante sádica, então era só eu ir para lá e esperar por seu retorno, que chegaria ao meu alvo. Mas ao mesmo tempo eu não iria ficar sentada esperando, então resolvi ir para o primeiro andar do subsolo, onde ficavam os registros de vendas e aquisições recentes, que eram feitos para nosso líder, Vladimir, saber se nenhum dos membros estavam pondo a mão nos recursos adquiridos. Elanil discutia com alguém cujo rosto era desconhecido para mim dizendo:

— Eu estou dizendo, falta 3 peças de ouro do valor das vendas.

— Eu realmente não peguei, eu juro.

— Então você perdeu, e os Corvos não jogam dinheiro fora. Se for esse o caso, então eu terei que colocar na sua conta de qualquer maneira.

— Por favor, eu juro que não peguei. Na última vez que eu contei estava tudo certo, tem alguma coisa errada… Eu...Eu… - O rapaz começou a tremer e a ficar com a voz embargada. Devia ter uns 16 anos apenas, e devia ser novo aqui. - Eu peguei uma parte pois meus irmãos estavam passando fome e meu pai sofreu um acidente enquanto trabalhava nos moinhos e perdeu a mão, então não pode mais trabalhar. Por favor, me ajude. - No começo esse tipo de situação me comovia, mas se tornara tão corriqueiro esse tipo de coisa, que não me afetava mais, então apenas observei friamente.

— Sinto muito, mas eu não posso ajudar. Eu tenho minhas próprias responsabilidades e não posso por minha cabeça a prêmio por você e seus irmãos. Isso é entre você e Vlad, e eu tenho certeza que ele não vai ficar nem um pouco feliz em saber disso. - Respondeu Elanil, impassível. Eu imagino que ela estava se sentindo da mesma maneira que eu. Num ambiente como aquele, não podíamos simplesmente pegar os problemas dos outros para nós ou apenas nos condenaríamos junto. O garoto socou a estante e sacou uma adaga da bainha, empunhando ela com a mão esquerda e disse:

— Se você disser alguma coisa ao Vlad…. - Ele parou quando sentiu o frio do metal de minha adaga nas costas.

— O que dizia garoto?

— A quanto tempo você chegou aqui…? - Perguntou ele, tremendo da cabeça aos pés e com os olhos arregalados.

— O suficiente pra ver todo o seu teatrinho. Escuta aqui, pirralho, todos aqui já temos problemas o suficiente mesmo sem você fazendo merda e quebrando as regras. Então a menos que queira que eu mesma arranque a sua cabeça e leve numa bandeja para o Vlad, que vai ficar bastante agradecido por isso ao descobrir que você desviou fundos dos Corvos, baixe essa adaga AGORA! - Ele se encolheu e abaixou lâmina.

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— Obrigada Milene. - Agradeceu Elanil, enquanto endireitava a postura. - E quanto a você garoto, arranje as 3 peças de ouro em uma semana, ou contarei ao Vladimir, e você precisará lidar com os juros.

— Eu não tenho como conseguir isso em uma semana!

— Não é problema meu. Agora vaza, pois eu tenho trabalho a fazer e acredito que Milene tenha algo a tratar comigo.

Emburrado, o garoto saiu pisando com força no chão. Olhei para Elanil, que se sentou em sua cadeira e suspirou. Ela era uma meio-elfa baixinha, com mais traços élficos do que humanos, seu cabelo era liso cor de palha, os olhos eram grandes e verdes, e vestia vestes com capuz verde musgo. Geralmente animada, era estranho vê-la com uma expressão tão sombria.

— Você poderia ter acabado com ele num instante se quisesse, mas não parecia que você iria reagir.

— Ele me lembra de mim mesma quando cheguei aqui. Ah Milene, será que um dia sairemos desse inferno? Eu só queria ser livre...

— Isso eu não sei, irmã. Mas não podemos perder a esperança.

Todos os Corvos se referiam aos demais membros como irmãos, mesmo sem parentesco, exceto pelo nosso líder, Vladimir, ou Vlad, como ele preferia ser chamado. Ele no entanto, se referia a nós como suas crianças, suas crianças da noite.

— Você precisa de alguma coisa? - Perguntou com um ar desanimado.

— Se não foi um bom momento eu… - Comecei. Não queria causar mais dor de cabeça para a pobre Elanil.

— Não, não, não tem problema. E eu preciso ocupar a cabeça com algo.

— Eu estou procurando um amuleto que pode ter sido trazido por Soris para cá.

— Que tipo de amuleto seria?

Retirei um desenho feito por Marian do meu bolso e o entreguei para Elanil.

— Este aqui.

Ela foi até a estante e retirou um livro de registros, abriu-o e procurou por algo.

— Eu me lembro de ter recebido esse amuleto, me chamou a atenção de que ele parecia valioso e mesmo assim Soris me pediu para colocar no nome de outra pessoa.

— De outra pessoa? - Perguntei intrigada.

— Sim, de Silas Müller. Eu me lembro dele, mas faz muito tempo que ele não vem aqui. Achei que tinha fugido sem pagar a dívida e Vlad estivesse atrás de sua cabeça. Mas eu não entendo… Por que Soris faria esse favor a alguém? Ele não faria algo assim nem por mim ou por você, que somos as pessoas mais próximas dele.

— Faria, se tivesse algo a ganhar. Soris tinha sido capturado pela Guilda Do Alvorecer e alguém o soltou, pode ter sido o tal Silas, que deve ter feito isso em troca de Soris entregar isso para os Corvos. Você sabe alguma coisa sobre esse Silas? - Embora isso não fosse agregar em nada em minha busca, eu acho que poderia ser relevante para Marian.

— Ah, Silas… - Começou Elanil com os olhos brilhando. - Ele era tão lindo, bem apessoado, e bastante charmoso. Um verdadeiro pedaço de mau caminho! Pena que era comprometido, ou eu teria….

— Por favor, poupe-me dos detalhes sórdidos.

— Enfim, ele vem de uma família de comerciantes, e fez um empréstimo com Vlad para salvar a loja da família, aqui em Yarzeth. Eu lhe alertei sobre os juros altos, mas ele disse que em breve conseguiria o dinheiro para pagar. No entanto, bem na época começou a Revolta De Yarzeth. A colheita fora prejudicada pelo clima mais frio que o normal nessa época, e por conta disso o preço dos alimentos ficou altíssimo na região. A maioria das famílias não tinha condições de pagar, mas a realeza na capital seguia vivendo bem. A população se revoltou e começou uma guerra civil que durou em torno de seis anos. Com as mercadorias a um preço absurdo, a família dele precisou reduzir drasticamente a margem de lucros para conseguir vender algo, não podendo pagar a dívida e colocando ele na mesma situação que nós. Ele trabalhou para nós e também assumiu uma posição importante na revolta, ao lado de seu amigo William Wood, ou Will e mais alguém que não me lembro. Ah Will, ele não era tão bonito quanto o Silas, mas sabia como agradar uma mulher. Tivemos um breve caso por uns dois meses. - Revirei os olhos, o que a fez rir.

— Me pergunto se existe alguém em Yarzeth que você não tenha se envolvido ou desejou tê-lo feito antes de conhecer a Ayla. - Comentei, rindo. - Aliás, onde ela está? Não a vejo a um bom tempo.

Sussurrando, ela me disse:

— A Guarda Real a mandou para guardar os portões de Yarzeth.

— Oh, entendo.

— Tem sido difícil vê-la já que tecnicamente…

— Você trabalha para os ladrões e ela é da guarda.

— Sim. - Concordou ela desanimada. - Ela estaria em apuros se fosse vista comigo. Ah, sobre o Silas, eu acho que tenho um desenho extra de um cartaz que Vlad enviou para alguns dos nossos por toda Mytra quando ele fugiu. - Ela abriu um outro livro de registro e tirou de dentro um pergaminho dobrado antigo. - Esse aqui.

Aquele rosto, não pode ser…

— KEIRAN! - Exclamei um pouco alto.

— Quem? - Perguntou-me Elanil, confusa.

— Keiran Olsen, um membro da Guilda Do Alvorecer. Eu estava com ele em Ignikor recentemente. Eu nem sequer imaginava que ele era um dos nossos! Por isso ele conseguia abrir as trancas das celas, ele deve ter aprendido a arrombar quando fez parte dos Corvos. Eu sabia que tinha algo estranho na reação dele ao falar sobre isso! Ele ainda deve algo para os Corvos?

— Não, com o amuleto ele quitou tudo. Ele foi bem esperto em ir pra Guilda do Alvorecer, pois é o único grupo que Vlad se nega a provocar, já que compram muita informação nossa. - Observou Elanil.

— Saberia me dizer se o amuleto ainda está aqui?

— Sim, mas ele e mais outros itens mágicos foram comprados por um servo da rainha da Sunaria e serão retirados amanhã.

— Espera, você disse da Sunaria?

— Sim, eu disse isso. - Respondeu ela, levantando os olhos e olhando para mim. - Algum problema?

Me lembrei de tudo que Marian me dissera. Sunaria estava se aliando a Vorsêris e provavelmente se voltaria contra Mytra e a Guilda Do Alvorecer. Se a Sunaria estava comprando equipamento mágico…

— Milene, sua expressão está me assustando. - Falou Elanil, tensa.

— Eu tenho que ir. Agradeço por tudo. Ah, meus deuses, preciso alertar Marian, agora, ou todos poderemos estar condenados. - Falei e saí às pressas dali enquanto Elanil ia atrás de mim pedindo para eu explicar o que diabos estava acontecendo.

—____________________________________________

“Querida irmã Marian!

Temos um problema. Sunaria está adquirindo mercadoria mágica com os Corvos, entre eles o amuleto o qual você me pediu para rastrear.

Sobre ele, ele não foi roubado pelo Soris, e sim por Silas Müller, ex-membro dos Corvos, que também deve ter soltado Soris. Ele está aí na Guilda Do Alvorecer sobre o nome de Keiran Olsen. Tome cuidado e não confie nele.

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Da sua irmã mais velha, Milene.”

FIM DO CAPÍTULO 17