Golpe de Estado

A segunda parte do roteiro


Quando Kakashi perseguiu Nana, oito anos antes, após a mulher atacar Danzou e o Sandaime numa viagem de ambos à casa do Senhor Feudal, o sentimento que dominava a mente do ninja era o ódio. Naquele momento, não estava apenas à caça de uma traidora, de uma criminosa. Apesar das ordens claras, não enxergava a kunoichi como uma missão. Liderar o time Anbu que deveria capturar Nana era apenas um detalhe a Kakashi. O que o consumia de fato era a raiva pelo que ela fizera aos dois. Como companheiros, como amigos e, principalmente, como casal. Eles tinham um acordo. E ela quebrara. Por algum motivo, aquilo doera mais ao Hatake que a traição da mulher quanto ninja.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Contudo, dias atrás, quando se despedia dela e de Aiko após anos mantendo-a trancada em algum lugar obscuro de seu cérebro, Kakashi podia, se fosse sincero consigo mesmo, afirmar que aquele ódio todo passara. O que ocupava sua cabeça naquele momento era um misto de sentimentos que variava da raiva à culpa, mas não passava pelo ódio. Até porque, em meio à descoberta da tentativa de golpe e, principalmente, de Aiko, tinha preocupações além do rancor que pudesse sentir de Nana. Não, não estava bem com o fato dela lhe ter escondido sua filha. Mas, de fato, sentia-se culpado por não ter acreditado nela quando lhe contou sobre o que Danzou e Orochimaru fizeram ao seu clã. E era Nana no fim das contas.

Esse era o problema. Era Nana no fim das contas. E, com ela, nada podia ser normal, simples, tranquilo. Por isso, ela tinha que morrer. Tinha que levar Aiko com ela. E fazê-lo sofrer tão profundamente a ponto de desejar a própria morte como remédio. Obrigá-lo a encarar a verdade que sempre negara: a de sentia algo por ela. Se despedir da pequena e inocente ilusão que nutrira tão escondida dentro dele que estava quase escondida de si mesmo. De que poderia, quem sabe, se tudo desse certo, conviver com ela e com Aiko. Ser pai da menina. Dar à criança uma família.

E, novamente, era Nana. Ali. À sua frente. Viva como sempre. Louca como sempre. Brincando com a cara dele. Como sempre. E Kakashi nem mais sabia ao certo o que sentia. Antes daquele momento, enquanto cozinhava e a esperava chegar, escrevera suas falas mentalmente, pensando em jogar contra a mulher todas as acusações que pudesse. Traidora, mentirosa, irresponsável, louca. Mas era Nana. E ela lhe sugava a energia. A única coisa que ele sabia, naquele instante, é que ele precisava botar pra fora. Não fazia ideia do que, mas precisava.

– Você podia ter me dito… - ele começou, a voz falhando grave em raiva, pela primeira vez, não contida. Eles estavam a poucos centímetros um do outro, desarmados, expostos. Os olhos amarelos da mulher o fitavam com sua típica insanidade. Mas não havia neles a mesma firmeza que Kakashi se acostumara em encontrar ali.

– Podia - ela concordou, fria - Mas não fiz. Tive que escolher e escolhi o mais seguro. E, sinceramente, Kakashi, não sei o porquê de tudo isso. Eu fiz o que você queria. Protegi Aiko, ajudando a vila…

– Existem várias maneiras de se fazer algo, Nana - cortou Kakashi, a insolência da mulher aumentando sua raiva - Você não precisava ter feito assim, sem considerar o que eu acharia de tudo isso…

– Ah, você queria que eu fosse pedir sua opinião, Kakashi? - rebateu Nana, a voz elevando a cada sílaba - Queria que eu perguntasse o que você achava de eu esconder de você que estava viva? Melhor, queria que eu pedisse sua permissão?

– Deveria, eu sou seu chefe…

– Não era quando eu…

– Dane-se, Nana! - interrompeu Kakashi, levando as mãos ao rosto, prevendo o argumento de Nana - pouco me ferrando pra se eu era ou não Hokage! É a minha filha! Se você quiser se fingir de morta, morrer, se explodir, eu não me importo, mas tudo relacionado à Aiko não é só sua…

– Para de falar como se você tivesse algum direito sobre ela!

– EU TENHO! - gritou o ninja, perdendo a calma - Ela é minha filha! Você ter escondido isso não muda o fato de que eu sou o pai dela!

– Fala baixo que ela dormindo! - ralhou Nana, tentando tapar a boca de Kakashi com as mãos, mas ele a afastou.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

– Isso, por sinal, era outra coisa que você deveria ter me contado - continuou Kakashi, abaixando a voz para não acordar a filha. Já que começaram, ele iria largar do início. De oito anos atrás - Que você tava grávida! Você não tinha o menor direito de…

– Eu tentei te contar…

– Marcando um encontro numa ponte? - cortou Kakashi, irado - Você sabia muito bem que eu não iria.

– Azar o seu! - debochou a mulher. Kakashi teve gana de enforcá-la. De fato, ele chegou a erguer as mãos, mas só as permitiu apertarem o próprio rosto, tentando se recompor. Sentia tanta raiva de Nana que não sabia como ainda conseguia se controlar diante dela. Seu estômago queimava, sua boca estava amarga. Ele já enfrentara centenas de inimigos, mas a raiva que sentia da mulher estava em outro nível. Ela não era pura. Nela havia tantos outros sentimentos que pensar além deles, ignorá-los e agir racionalmente, era algo completamente fora de questão.

– Azar o meu? - ele repetiu por entre os dentes - Azar o meu? ELA É MINHA FILHA, NANA! MINHA!

– Ela dormindo!

– Você poderia falar isso se fosse só nós dois! - prosseguiu Kakashi, abaixando o tom da voz ao se lembrar do sono de Aiko - Não era simplesmente um término de namoro! E você sabia disso, mas não voltou pra me dizer! Eu fiquei aqui, achando que era só mais um laço que eu perdia, só mais um pra eu juntar à coleção, e você foi embora, grávida de mim, sem me dizer! Eu achava que você era estéril!

– Eu também…

– Você tinha que ter me procurado! Me encontrado de qualquer maneira! - exclamou o Hatake, sem permitir que Nana falasse - Mas você assumiu, confortavelmente, a posição de um fraco “eu tentei” e me deixou aqui…

– Confortavelmente uma…

– Me deixou pra trás levando as únicas chances que eu tinha de ser feliz! Me deixou na miséria que sempre foi a merda da minha vida, naquela escuridão doentia que é ser um assassino da Anbu e foi embora…

– EU TENTEI TE AVISAR! EU FALEI PRA VOCÊ DO DANZOU, DO OROCHIMARU! - interrompeu Nana, aos berros, o rosto deformado em fúria, empurrando Kakashi - E VOCÊ ME IGNOROU, ACHOU QUE EU TAVA LOUCA, COMO SEMPRE! Aliás, essa era a explicação de praxe, né? “É uma Hikari, ela tá louca”.

– Você é louca! Completamente instável, como eu poderia acreditar numa história mirabolante de que eles envenenaram a água do seu clã durante décadas? Especialmente com você dizendo que o Sandaime sabia e não fez nada!

– Você tinha que ter acreditado em mim…

– E, logo em seguida, você tentou matar os dois, lembra? O Danzou e o Sandaime? Eu implorei pra você esquecer essa merda toda, mas, como sempre, você tacou o foda-se e atacou os dois! E quer que eu te ache normal?

– O que você teria feito, Kakashi? - ela perguntou, segurando o rosto do Hatake com a mão, chacoalhando-o enquanto ele empurrava o braço dela pra longe. O corpo da mulher tremia em fúria, os olhos amarelos indicavam que a porteira da velha loucura de Nana estava se abrindo - Se tivesse descoberto que seu clã foi extinto silenciosamente durante anos? Envenenado para que as mulheres se tornassem estéreis, enviados em missões suicidas durante a Terceira Guerra? Você teria ficado de boa com isso? Feito porra nenhuma?

– Eu teria pensado em você! - Kakashi respondeu, sendo mais sincero do que gostaria de admitir, culpa de um impulsivismo que não lhe era comum. Mas, uma vez que admitira, não voltaria atrás - Teria considerado sua opinião! Mas você não o fez, não é verdade? Nunca considera porra nenhuma que não seja você mesma! Do mesmo jeito que não considerou quando se fingiu de morta, quando fingiu a morte da Aiko! Que tipo de pessoa joga blefando até pros aliados, hein, Nana? Que tipo de mãe mata a filha?

– EU NÃO MATEI MINHA FILHA, SEU CRETINO! Era a forma mais segura, eu não me arrependo de absolutamente nada - afirmou Nana, levantando a sobrancelha em desafio - Eu não fiz pra sacanear você, Kakashi. Fiz porque achei o certo.

– O Danzou não matou seu clã pra te sacanear, Nana - rebateu Kakashi, querendo atingir Nana da forma como ele fora atingido - Fez porque achou o certo.

Nana não respondeu. Kakashi viu os olhos dela brilharem em ódio, viu-a morder o lábio inferior tentando se controlar, puxar o ar fortemente. Se fosse outro ninja diante da fera que Nana era, provavelmente sentiria medo. Mas Kakashi estava pouco se importando se ela iria ou não o atacar.

– Você age no impulso, é irresponsável, instável, não considera a opinião dos outros, o sentimento dos outros. E é louca - continuou Kakashi, diante da mudez da mulher - Quando essa merda toda acabar, se você quiser sair de Konoha, fique à vontade. Mas a Aiko nunca mais sai de perto de mim. Você entendeu?

– Ninguém me afasta da minha filha - Nana sibilou entre os dentes, a respiração forte indicando toda a força que a mulher fazia para se controlar.

– Então é melhor você ficar em Konoha, porque não existe a possibilidade de eu deixá-la levar a minha filha daqui - falou Kakashi, também tentando se controlar. Ela apertou os olhos e Kakashi viu seus cabelos vermelhos se moverem de leve às suas costas. Estava prestes a explodir - Que foi, Nana? Se arrependeu de ter voltado? De não ter fingido sua morte e partido pra fora do País do Fogo? De não ter me deixado passar o resto da vida achando que vocês duas ESTAVAM MORTAS?

– Não - respondeu Nana, e Kakashi estranhou. Estava fria novamente. Ela caminhou até a pia e, abrindo a torneira, deixou a água correr. O Hatake virou-se e viu-a encher as mãos de água e molhar o rosto. Quando a água cessou, ela continuou, sem se virar para encará-lo - Não porque você não tinha a menor chance nessa porra toda sem mim. Tudo o que você sabe sobre a Raiz, sobre o Golpe, eu descobri. Cada relatório decente que você tem, eu escrevi. E só pude fazer isso porque eles acham que eu morta!

Kakashi foi até ela e puxou-a pelo braço. Queria que ela o encarasse. Ela se desvencilhou do apertão dele e o fitou, ofegante. Ele sabia o quão difícil era para a mulher se controlar. Sabia da tensão emocional, da pressão, da dor. Inúmeras vezes, após missões especialmente estressantes, acordara com a luz do banheiro acesa e ela vomitando, o corpo em absoluta exaustão diante do esforço. Pegou-se com pena dela. E sentiu raiva de si mesmo por isso.

– O Uchiha teria morrido se não fosse pela minha irresponsabilidade em me esconder de você - argumentou ela, a voz firme e fria como geralmente era. Kakashi tentou ponderar contra, mas havia verdade demais no argumento da mulher para ele ignorar - Você também.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

– Você não podia ter escondido isso de mim, Nana - afirmou Kakashi, tentando se manter calmo, uma vez que até ela estava - Nada disso. A Aiko… você não tinha o direito de escondê-la de mim…

– Eu não vou te pedir desculpas por isso…

– Ah, eu nunca esperei que pedisse - riu-se ele, desolado, sem esperança. Queria ter se vingado dela pelo que fizera mas, ao invés disso, simplesmente a deixara acabar ainda mais com ele. Agora, que a briga acabara, que falara o que queria, não se sentia leve como achara que se sentiria. Pelo contrário. Estava mais angustiado do que antes. Seus sentimentos ainda mais misturados. E ainda havia uma estranha sensação de que não despejara tudo - Eu falei sério sobre a Aiko. Você não vai levar ela pra longe de mim.

– Boa sorte tentando me impedir - ela provocou.

Kakashi respirou. Fechou os olhos Precisaria muito mais de paciência do que de sorte, pensou cansado. Ele sentiu os dedos de Nana fecharem em seu punho e, surpreso, abriu os olhos, pousando-os sobre eles. O que significava aquilo?

– Você me perguntou por que eu voltei - ela começou, ainda segurando o punho do ninja - Qual era a minha…

– Hum…

– É bem simples, na verdade… - ela continuou, prendendo os olhos dele nos dela. Ele se odiava quando ela fazia aquilo - Eu sabia que você não tinha chances sem mim… Quando vi a oportunidade de te ajudar, o fiz…

– Você podia…

– Não me arrependo de não ter te contado - ela o interrompeu, sem desviar o olhar - Como disse, faria de novo. Eu sou instável, Kakashi. E, muito provavelmente, sou clinicamente louca. Mas, ao contrário do que você disse, eu não sou irresponsável. A vida da Aiko, a sua vida vieram em primeiro lugar. Vieram antes da tristeza que eu sabia que você ia sentir.

Kakashi não conseguiu responder. Definitivamente, não esperava aquilo de Nana. Mas ela era imprevisível. Ela continuou o prendendo com os olhos de loba e ele, sentindo-se cada vez mais idiota, não conseguiu desviar. Pelo contrário. Parecia, a cada segundo, mais preso naqueles vórtex amarelos.

– Por isso, não vou te pedir desculpas. Não fiz errado - ela continuou - Mas, por não ter te avisado da gravidez… - ela suspirou - desculpa.

Ele continuou mudo. Sentiu a raiva diminuir dentro de si, a angústia dissipar-se aos poucos. E, então, sentiu-se ainda mais idiota. Depois de tudo que ela fizera, um pedido de desculpas e estava tudo bem? Contudo, antes que pudesse avaliar a própria idiotice, Nana o atingiu:

– Você nos descrevia como amigos, lembra? Mesmo pra nós dois. Você costumava falar que éramos necessários um ao outro para sairmos da nossa solidão. E eu concordava porque não queria admitir que era unilateral. Mas eu não me sentia assim por você, Kakashi. Eu gostava de você. E, porque eu sou babaca desse tanto, eu ainda gosto de você. Eu voltei por você.

– Nana… - sussurrou Kakashi, desmontado. Mas travou depois de chamar o nome dela. Não sabia o que dizer, o que sentir e muito menos como se portar depois daquilo. Sequer se lembrava do que gritaram um para o outro minutos antes. Só sabia que não conseguia desviar os olhos dos delas.

– Eu vou continuar na vila até desmantelarmos o golpe. Depois, veremos o que faremos. Mas eu preciso saber de algo, Kakashi. Não vai mudar nada do que eu disse, ou do que eu pretendo fazer. Mas, e eu me sinto uma completa idiota por isso, eu preciso saber mesmo assim. O que você sente por mim?

Ele continuou calado. O que sentia por ela? Não fazia ideia. Não era amor. Ou era? Havia raiva ali, certamente. E desconfiança. Um pouco de medo talvez? Receio? Decepção? Mas, mais que aquilo tudo, havia uma sensação esquisita. Algo que potencializava e, ao mesmo tempo, anulava qualquer coisa. Sobrepunha-se. Um tipo de desejo, de fogo, que fazia o coração dele bater diferente perto dela, como batia agora. Algo que estava acima do que ele podia controlar, que o fazia ter relances de superproteção em relação a ela. Que o fizera chorar por ela quando achou que a perdera. Mas ele não sabia o que era. Então, respondeu como ela o faria. Por impulso:

– Eu sinto como se você fosse uma batida prestes a acontecer. Um caco de vidro na areia. Uma armadilha preparada. Quando eu estou com você, parece que nós estamos acelerando em direção a um muro. Você é perigosa, você parece um vórtex me sugando… E, aí, eu sinto como se estivesse girando pro fundo, como se eu fosse me afogar, como se eu estivesse preso. Parece que tudo que você faz, pra mim, é impossível. Você abre portas que eu não consigo fechar, você me coloca fora de alcance, você me joga no fundo do mar. E, quando eu estou sufocando, você me puxa de volta, me deixa respirar, me dá vida, e me afunda de novo - Kakashi fez uma pausa e Nana soltou seu punho. Ela desviou o olhar, lentamente, e ele, liberto do magnetismo dos olhos da loba, sentiu-se estranho. Incompleto. Então, ainda por impulso, esquecendo o porquê de estar ali, os motivos da briga, o Hatake deixou a mão pousar na cintura da kunoichi e puxou-a para perto, afundando o rosto dos cabelos de fogo dela, a boca próxima ao ouvido da mulher. E continuou - Mas, o maior problema, é que eu quero me afogar nesse mar. Eu quero correr pro muro, eu quero ser sugado pelo vórtex. O que eu sinto por você? Eu não sei, Nana… Mas, depois de tudo o que você fez, e eu me sinto um completo idiota por isso, eu simplesmente não quero mais sair de dentro dessa sua loucura.