Ghost

Dois - O Lobo


Anya respirou fundo. Suavizou o rosto e os pensamentos. As vozes atrás da porta era um sinal claro que para ela, apenas boa noite servia.

— Estão todos aí! — avisou Andrew, examinando pela janela e pondo as mãos ao redor dos olhos para ver além do seu reflexo.

Ao ver a audácia do amigo, puxou para si com uma força que quase o fez cair.

— Saia já daí! — ordenou, temendo que alguém tivesse o visto e pensasse ser um stalker.

— Espera! — Antony pôs as mãos em seu cabelo e desfez o coque.

Anya passou os dedos no cabelo como pente.

Os gêmeos são confiáveis para ela. Sempre a ajudam em esconder seu segredo e ela o deles, fingindo ser a líder do clube de robótica. Os pais mal sabiam o quanto que gostava de coisas diferentes das quais eles achavam que gostassem, o que fez ela estranhar. Ambos são inteligentes, então, por que Caitlin Snow, dona do mais recente laboratórios Mercury, não se orgulharia de ambos?

Anya nunca chegou a conhecer seus pais. Mas eles afirmam que preferem manter certas coisas entre eles, pois não queriam atrapalhar o trabalho deles. E, sempre que falavam sobre trabalho, Anya nunca entendia o porquê de sempre se olharem ao dizer tal palavra.

O que há de demais em uma cientista e um policial forense?

E foi aí onde começou tal amizade. Um ajudava o outro. Não eram lá melhores amigos ou apegados entre si. São apenas amigos, colegas. Das quais um tem mais afinidade com o outro. Até porque, os gêmeos não se misturam muito em ambientes sociais, apesar de abertos.

Após se despedirem, Anya respirou fundo.

Abriu a porta e adentrou a sua casa. Um enorme cômodo bem iluminado e decorado, de coisas simples e cores claras a itens pessoais nas paredes.

Naquele momento, ao invés dos rostos familiares com quem se dava bem, viu apenas Adam rodeado de seus amigos.

Ao encontrar o rosto da mãe, forçou um sorriso. Com ela, Anya sempre suavizava. O rosto da mãe era como um tranquilizante, e às vezes, era impossível de ficar brava com ela.

— Anya!

Infelizmente, ela atraiu a atenção de todos na sala e Adam a encarou.

— Anya! — Becky fingiu animação. — Adivinha só, Adam fez um novo recorde!

Anya assentiu, nem um pouco animada com a notícia.

— Chegou tarde! — percebeu Melissa.

— É! O clube de artes demora tanto assim? — sua mãe perguntou enquanto roubava uma batata-frita do grupo.

— Pois é! E falaram que hoje não iria ter! — Alexandra afirmou.

Aquele sorriso... Anya sabia que sorriso era aquele. Armava algo. E sendo os centro das atenções, não teve tempo para pensar nisso.

Anya não queria dar explicações a ninguém, mas, com sua mãe ali, era obrigada a abrir a boca. Infelizmente.

— Ficamos batendo um papo! — mentiu, seguindo para as escadas.

Ela assentiu e voltou sua atenção ao grupo, que conversava animadamente. Anya sempre conteve a vontade de perguntar onde seu pai estaria, mas já tinha suas possíveis respostas. Trabalho, pesquisa e planos para um possível laboratório de meta-humanos.

Fazendo perfeitamente seu papel, subiu as escadas sem ser vista.

***

Excursões escolares... Esse tipo de ódio não foi causado por nenhum amigo de seus irmãos.

Não gosta de estar cercada de seus colegas de classe em um ônibus minúsculo. Não importa se está sentando na frente ou no fundo, sempre terá algum tipo de bagunça.

A excursão ao museu de Central City seria longa. No banco de trás, Andrew e Antony conversam em voz alta, até que sentiu um cutucão.

— Você vai mesmo se apresentar?

Anya olhou para ele, surpresa pela audácia em pensar que iria mesmo dançar em um palco.

— Lógico que não! Vocês sabem muito bem que não vou! — protestou ela.

Andrew acompanhou o irmão.

— Andie está suspeitando, Anya! Já não está na hora de contar a eles não?

— Você contaria aos seus pais? — Anya fitou os olhos azuis cinzentos dos dois, como forma de se renderem.

— Por que é tão estraga-prazeres? — perguntou Andrew, se jogando de volta no assento antes que a professora notasse.

Anya nunca se apresentou. Tanto por ter medo de palco, tanto por causa de seus pais. Eles iriam saber. De alguma forma ou de outra. Além de que, dançava para si mesma. E não para os outros. E não queria que seus pais fossem. Parte era para não atrapalha-los, parte era por vergonha.

Soube que quando criança, sua mãe foi forçada a ter aulas ballet. E detestava. Nem ficou uma semana. Não teria o menor interesse em ir a uma apresentação da filha. Iria achá-la uma estabanada por não domar todos os passos com perfeição como as outras dançarinas.

Ao adentrar o enorme museu, Anya reconheceu que o lugar tinha dado um upgrade. Tem coisas mais avançadas, aparelhos tecnológicos para facilitar o passeio.

Durante o passeio, com os gêmeos do seu lado, os ouvia falarem sobre tal exposição. Sabia que estavam fascinados e era a primeira excursão da qual não ficavam com fone de ouvido. Pelo menos com eles, poderia aprender alguma coisa. E ficar ao lado de Antony, garantindo a ele um pouco mais de conforto. Claro que o irmão conseguia o fazer se abrir mais, porém, ele continuava sendo um garoto com TDAH.

Atrás de si, Anya ouvia seu nome sendo pronunciado por Alexandra. Tiveram de unir turmas do oitavo e primeiro ano. Infelizmente, com a turma de Alexandra. Chegou a desejar Becky ao invés dela, já que pelo menos não faria um alvoroço para falar mal dela.

Na pausa, todos iriam para a praça de alimentação. Em excursões, Anya não se sentia a vontade de comer reunida de seus colegas. E, no momento, o banheiro era uma boa opção. No caminho, não imaginava que teria de correr pelo corredor contrário por causa de Alexandra e Becky.

Alexandra, usando de sua manipulação, podia facilmente convencer Becky a soltar umas ofensas à Anya quando ambas estão sozinhas. E o pior era o acompanhamento de Jeff. Algo pelo qual Anna gostaria de não enfrentar naquela manhã.

— O que está fazendo aí em pé? — Antony perguntou.

Anya diria a verdade ou uma mentira. Porém, Andrew comentou antes.

— Quer vir com a gente?

Mais uma vez, iria questionar. Mas Antony pegou sua mão e puxou-a sorrateiramente. O trio se afastava do ponto onde a professora exigia que todos estivessem.

— Aonde estão indo? — ela perguntou quando a trouxeram para uma sala que ainda não vira, tendo dificuldade de acompanhar seus passos. Eles eram incrivelmente rápidos.

— Explorar — respondeu Andrew — A professora não vai nos levar na parte Medieval e Pré-Histórica.

— Porque não faz parte do assunto que está dando! — argumentou Anya.

— Só queremos dar uma olhada. — disse Antony. — E se encontrarmos aquela taça que estão falando?

— Essa história é pura besteira! — comentou ela.

— Vamos voltar antes de terminarem a comida! — disse Antony. Anya não tinha lá muito interesse nessa história que estão falando. Aparentemente, uma nova peça que chegou ao museu se mexia e enlouquecia as pessoas a sua volta. Ela seria exportada novamente, o que gerou inúmeros boatos e mentiras acerca do assunto.

Anya sabia que sim. Afinal, os dois arquitetavam bem os seus planos, e por isso os seguiu. A forma como explicavam cada exposição que paravam era como se fosse uma peça grandiosa e valiosa.

Quanto mais os dois vagavam pelos corredores, mais Anya ficava receosa e checava o relógio. O fascínio de ambos cegava sua lógica.

Distraída e sem prestar atenção no que via na sua frente, Anya se assustou ao ver o desenho de várias pessoas com tochas contra algo que parecia ser uma mulher.

— Santa Inquisição! — Andrew falou no seu ombro. — Período onde ocorreu várias acusações de bruxarias por...

— Eu sei o que é Santa Inquisição — interrompeu Anya, tentando ler um grande texto ao lado. Sua dislexia diminuiu pouco ao longo dos anos, mas com muito esforço, conseguia entender certas palavras e confundia suas ordens. Mas nada que a faça ficar atrasada na escola. — Só não entendo o que isso faz aqui! As exposições medievais são apenas do outro lado do museu.

— Mas parte dele está interditado! — dito aquilo, Antony pensou no que falou e encaixou as partes que faltavam.

Os três olharam ao redor e perceberam que apenas eles estavam lá. Caixotes decoravam os cantos e sinais de perigo eram estampados.

— Por que não nos avisou? — indagou Andrew.

— Eu estava distraída! Vocês que estavam explorando o local deviam ter percebido! — Anya disse. — E ainda tem coisas aqui para exposição!

— Exportação — corrigiu Andrew, focalizando em um pedestal no centro. — Deve ser a área onde iriam expor os novos artefatos, mas resolveram pôr antes no laboratório por causa de acidentes!

— Acidentes? — questionou ela.

— Não sei! É o que eu ouvi dizer! — afirmou.

Anya entendia seu interesse pelo pedestal. O maior que tinha ali, mas com uma fita amarela ao redor. Claramente ia ser exportado de volta pelo aviso. Uma grande taça repousava dentro. Anya supôs que na época que foi feita, estivesse brilhante e dourado. Ao contrário do estado atual; empoeirado e velho.

A taça parecia se mover. Como tremendo. Anya não detectou nenhum tremor abaixo deles.

— Será que essa é...

— O artefato que tento falavam? Que estava se mexendo? — Andrew explicou a Anya, sem medo de tocar o nariz no vidro.

Anya, Andrew e Antony encaravam a taça. Notavam sua tremulação e sabiam não ser impressão deles.

— Vamos logo sair da...

Vozes o interrompeu.

Vozes atrás de uma enorme porta de onde entraram. Elas se aproximavam, junto de seus largos passos.

Anya, Andrew e Antony só puderam correr e se esconder atrás de um caixote. Sabiam que se fosse notificado que três alunos daquela escola invadiram uma área interditada, trariam problemas. A escola tinha fama de não se dar bem com excursões escolares. Já teve casos de alunos que fizeram a maior confusão.

Quando as vozes passaram, Antony foi corajoso o suficiente para checar se havia mais alguém e sinalizou para que fizessem o mesmo. Andaram encostados na parede, a passadas leves e ouvidos apurados.

— Como não percebemos que viemos parar aqui? — sussurrou Andrew, notando que as paredes do lugar eram menos retocadas que as de guia turístico.

Anya teria percebido. Pode ter se distraído, sim. Mas teria percebido mesmo assim. E por que notaria que estavam no caminho errado em uma sala distante e restrita?

Anya encostou na parede e checou o outro corredor. Mais vozes. Puxou eles para uma porta e assim, ficaram dentro de um armário com produtos de limpeza. Anya espiava pela fresta da porta, ajoelhada. Os gêmeos, mais atrás dela, discutiam algo como o porquê daquela taça estar sendo exportada e ainda mantida ali.

Ao virar a cabeça para trás, não viu nada. Literalmente. Algo negro e envolto de uma áurea horripilante estava entre ela e os dois. O suficiente para Anya se calar.

Se manteve ajoelhada. Silenciosa. Tinha o porte de uma pessoa, mas usava uma grande máscara. Andrew e Antony ainda não notaram. Pegou um frasco pequeno em formato cilíndrico.

Quando os dois voltaram a olhar para Anya, seus olhares caíram na figura, da qual se assustaram.

— O que é isso? — perguntou Andrew em meio ao susto.

— Quem é você?

Nada falou. Encarava os dois e destampava o frasco. Com uma extrema rapidez, pressionou e saiu um spray. Direcionou em seus rostos e, pelo seu grito de susto, lhe trazia estranhas sensações. Eles se encolheram e bateram contra a estante.

Tentavam falar, mas era em vão. Quando ambos estavam ficando sonsos e sem o domínio de ações bruscas, ele pegou um pano e pressionou em seu nariz e boca. Um em cada um.

Andrew e Antony caíram inertes. E Anya, perdera a razão.

Perdeu a ideia de gritar.

Perdeu a ideia de abrir a porta e sair correndo.

Perdeu a ideia de mover um músculo do corpo e saltar em suas costas.

Com os olhos cheios de lágrimas, sabendo da situação que ocorria e do sequestro repentino, o ser guardava o spray e o lenço.

Anya prendia a respiração, temendo que esta fizesse barulho. Tocou na maçaneta, e forçava para baixo. Cada segundo ela baixava. O ar fazia falta. Não tirava os olhos dele, que nem via o rosto. Viu apenas um focinho. Era a cabeça enorme de um animal.

Teve de olhar para a maçaneta, não aguentando aquela cena.

Quando conseguiu baixar silenciosamente de vez, a fechadura fez um clique.

Anya girou a cabeça lentamente, como se até aquele movimento fizesse um ruído, e o ser com cabeça de um lobo acinzentado a encarava.

Os olhos eram de um cinza mais claro que a cor do pelo, mas continuava escuro. E as pupilas, finas como a de um gato, o que era uma estranha combinação. O formato de um lobo.

Não esboçava reação. Apenas a encarava. E o pavor a sufocou.

Seus ossos pareciam colados, mantidos naquela mesma posição.

Ela não esqueceria aquela imagem. O suor eram como suas lágrimas de pânico. As que ficavam nos olhos, embaçava sua visão. Imóvel, o ser calmamente, sabendo que não escaparia, pegou o frasco e o pano. Destampou a tampa.

Anya nem tentou. Paralisada, se jogou de braços abertos e facilmente foi pega.

***

Anya se lembrava de tudo.

De cada segundo.

Impossível apagar aquilo de sua mente.

Aquele lobo seria seu companheiro mais fiel.

Ficaria em seus pensamentos. Apareceria em seus sonhos. Assombraria seus pesadelos. Estará em todo local escuro e pequeno que ela olhará.

O lobo preencheria aquele espaço.

Mas só lhe traria pânico, desespero e medo.

E a mudaria.

Na verdade, já estava mudada. Quando acordou na ala hospitalar do museu, onde pensou estar sequestrada e em seu devido cativeiro, seu corpo já mudara.

E Anya sentia isso. Mas a que preço, já que estava assustada?

Voltando para a visão da assustada e confusa Anya, encontrou com os olhos seus amigos em outra maca.

— Ainda bem! — agradeceu o enfermeiro. — Graças a Deus! Sua professora estava desesperada!

O homem baixo se aproximou e lhe entregou um copo d'água.

— O que houve? — perguntou sonolenta.

— Encontraram os três desmaiados no corredor — "estávamos em um armário" — Suas pressões baixaram! — "um lobo nos sedou" — Sua professora quer falar com os três quando acordarem!

Anya não fez mais perguntas.

— Seus amigos vai ficar bem. Eles se recuperaram bastante rápido!

O enfermeiro se apressou a informar que uma de suas alunas estava acordada.

Ao se ver sentada, tentou pôr o pé no chão. Mas pelos poucos segundos em que se manteve em pé, a tontura voltou. Segurando na barra da maca, retornou a mesma contra sua vontade. Não se sentia bem ali.

— Eu não tentaria se fosse você! — aconselhou Antony, ainda deitado.

Anya pulou de susto e voltou a se deitar, aliviada por mais alguém estar vivo.

— Minha cabeça dói! — murmurou ele.

— Você está bem?

Ele assentiu. Menos outra dúvida. Mas ainda restavam muitas das quais fazia Anya ficar cada segundo com mais desejo de sair correndo.

— Você viu aquele lobo? — mais direta que Anya, impossível.

Também não querendo enrolação, Antony assentiu.

— E eu tenho certeza absoluta de que não foi um sonho!

Anya concordou.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.