Get Back

All Fall Down


Um ano inteiro de estudos custou a Claire, Ana e Bruno longos meses insuportavelmente tensos. Apesar disso, mal sabiam eles que o pior era esperar pelo resultado final. Era, na verdade, pior do que estudar enlouquecidamente por dias a fio. Mas, ao menos por agora, era uma brecha para largar os livros e se divertirem no fim de semana ensolarado. Porque sabiam que ou teriam que estudar para a faculdade ou, na pior das hipóteses, repetir o vestibular.
Estavam na doceteria de costume. Ana havia voltado do vestibular que prestou no Paraná e estava feliz. Ela tinha visto a mãe que morava em Curitiba e agora estava de volta ao lar. Tinha sido recebida no aeroporto como se não tivesse os visto durante anos, mas ela teve que admitir que três dias sem Claire e Bruno foram difíceis, até mesmo porque não se falaram por telefone, pois estiveram estudando. Claire começou a prestar vestibular quando Ana já estava prestando a sua terceira prova e os exames de Bruno começaram no dia seguinte ao retorno dela. Bruno não conseguia concentrar-se nos cadernos durante os dias em que teve prova, algo que Ana reparou muito bem.
Claire estava agora sugando o final do copo de milk-shake de sorvete de brigadeiro, fazendo barulho, mas ela não parecia importar. Ana a repreendia com o olhar, mas a loira estava demasiadamente ocupada com o resto da bebida e não a olhava. Philipe, que acompanhou o trio, se divertia com a situação. Bruno estava distraído, picotando um guardanapo.
- Pára de ficar amarrando mixaria e pegue outro! – exasperou-se Ana, puxando o copo de Claire.
- Eu não tenho dinheiro para outro. – esclareceu Claire.
- Eu pago para você, pelo amor de Deus. Você está ansiosa, nós estamos na metade do nosso ainda e a senhorita está iniciando o segundo. Vamos, Claire, você passou. Não precisa ficar desse jeito.
- Eu não tenho certeza e estatisticamente é impossível passar de primeira. – respondeu ela apreensiva. – Bruno, vai tomar o resto?
Ele negou com a cabeça vagamente, mas Claire voou em seu milk-shake antes que ele caísse em si. Bruno sabia que não tinha ido bem o suficiente para passar num vestibular tão concorrido e isso era péssimo. Ele tinha que ter passado, não queria ter que lidar com duas amigas mais novas que ele na faculdade e ele sozinho no mundo, sem ter exatamente para onde ir. Ele queria muito passar, principalmente porque queria se livrar do atraso para entrar na faculdade e deixar de vez seu passado para trás.
- Querido, você está bem? – perguntou Philipe a ele.
- Sim. Sim, por quê? Pareço preocupado?
- E muito. – tagarelou Claire. – É sobre o que Ana disse a mim?
- Não, sobre o vestibular.
Claire, Ana e Philipe entreolharam.
- Era sobre isso que falávamos, Bru. – falou Ana cuidadosamente.
- Desculpem. – murmurou ele.
Ana anunciou que ela e Claire iriam ao banheiro, mesmo que a companheira insistisse que ela não precisava ir. Bruno soube que ela conversaria com Claire para que ela não saísse falando sobre o assunto. Ana sempre sabia o que ele sentia, lia suas feições. A mesa deles era a última da doceria, escorado na parede, o que escondia mais o grupo. A doceria não era tão bem freqüentada, porém sempre iam casais lá e Bruno não gostava de se expor muito com Philipe. E ele percebeu que um casal os espiava desde que chegaram.
Philipe deu-lhe um beijo forte na bochecha e ele suspirou, frustrado. A garota do casal que assistia a ambos riu. Bruno se sentiu embaraçado. Ele amava Philipe e admitia isso, contudo odiava aquele tipo de gente. Lembrava-o seus irmãos debochando dele.
- Você não foi bem, não é?
- É. Não contei a elas porque não quero preocupá-las. Fora que Ana e Claire me mandaram estudar milhares de vezes e mesmo sabendo disso, saí com você e tudo mais. Eu tenho que passar, Philipe. Não quero ser um fracasso ambulante, quero provar para todo mundo que sou alguém!
- Esse "todo mundo" é sua família?
- Bem, - ele encolheu os ombros – é.
- Como você sabe, meus pais me mandaram para o Brasil com meus tios, os pais de Claire, e desde então eu nunca os vi. Eu pensei o mesmo que você quando fiz meu vestibular. Mas mesmo depois de ter passado em terceiro lugar, eu não consegui preencher o vazio. Enquanto fazia o curso, cheguei à conclusão que tenho que primeiramente valorizar que sou para depois enfrentar o resto das pessoas. Se você não passar, vai repetir e vai passar, Bruno. Que mal há nisso.

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- Eu só queria fazer alguém se orgulhar de mim. Claire e Ana ficariam felizes por mim, eu só quero isso. Elas me tiraram do poço, era o mínimo que poderia fazer.
Enquanto isso, Claire e Ana estavam no banheiro feminino. Claire arrumava o cabelo enquanto Ana retocava o delineador.
- Eu não ligo se ele não passar, mas vou me sentir culpada porque mandei ele pegar firme nos estudos – admitiu Claire – Mas não, ele preferiu se agarrar com o meu primo, sair para a balada ao invés disso. Ele devia ter sido mais responsável, poxa.
- Ele tem vinte anos, só quer curtir a vida. Se você tivesse um namorado, faria a mesma coisa. Claire, ele só tenta fugir do passado dele.
- Já bem dizia o Simple Plan: deixe o passado no passado e vá procurar o futuro. Que a família dele se ferre, ele tem uma família nova agora, o namorado dele é um graça e ele não tem uma mãe que acha que ele tem uma doença mais! Meu Deus, que dificuldade.
- Claire, o pai dele quase o jogou numa clínica psiquiátrica por conta disso, ele perdeu um ano na escola, se envolveu com drogas, é muito fácil falar. Escute, não podemos julgá-lo mais. Ele não estudou, tudo bem, não tem nada o que possamos fazer agora. Ele não passou, iremos ficar do lado dele. E não diga nada além de sinto muito quando saírem os resultados. Nós somos tudo o que ele tem e você sabe muito bem disso.
Claire cruzou os braços e escorou-se na parede. Ana agora refazia o rabo de cavalo que havia afrouxado. A loira suspirou e disse:
- O que vou fazer quando você for embora?
- Eu não sei se passei.
- Até parece que não passou. Ele vai sentir muito sua falta e eu sou o ser mais imprestável para dar conselhos. Você toma conta de nós. Quando ele tem recaídas, você consola ele, eu vou dizer algo como para de chorar e eu te dou um chocolate.
Ana riu e Claire abriu um sorriso. Mas sinceramente ela não sabia o que seria da dupla sozinha. Antes eu as duas pensassem melhor no assunto e chorassem, Anna convidou Claire para voltar ao restaurante. Ana e ela passaram por um casal que se beijava alucinantemente. Bruno e Philipe estavam conversando baixo quando elas chegaram. Elas sentaram de costas para o casal e Claire virou-se na cadeira e reparou que eles ainda não tinham se separado.
- Por que vocês não fazem isso? – perguntou Claire ao casal em frente.
- Qual é, Claire. – muxoxou Bruno.
- Qual é o problema? Só porque são um casal gay? Pelo amor do Senhor, vocês se amam, qual a diferença entre um casal hetero e um casal homossexual se pegando? Hey, vocês se gostam mais do que eles dois, porque aquela ali parece uma p...
- Claire! - riu Philipe.
Ana e Claire também riram, porém Bruno só abriu um sorriso. Os outros três souberam que já era hora de voltar para casa. Durante o percurso, ninguém falou nada. Philipe tinha um bom carro, que comprou com o dinheiro que seus pais mandaram após ter passado no vestibular. Ele estava no terceiro período de Comunicação Social e estava feliz. Philipe deixou-os na porta do prédio. Ele desceu e abraçou as garotas e beijou o namorado em despedida.
Ana convidou Bruno para ficar no apartamento delas durante o final da tarde de sábado, mas ele preferiu subir. Claire e Ana respeitaram a escolha dele e ficaram em casa escutando alguns CDs de Britney Spears que Bruno trouxera para que avaliassem. Quando deram oito e meia, Claire estava de cabeça para baixo no sofá, lendo a letra de uma música que gostara no CD que acabara de ouvir. Normalmente ela decorava a música e ficava cantando-a para Ana durante duas semanas. Ana estava lendo uma revista para descobrir o que aconteceria na novela das oito, que na verdade começava às nove. Então alguém bateu na porta. Na verdade, o ideal seria esmurrar a porta. Ana abriu-a e Bruno anunciou pálido:
- Saíram os resultados!
Claire soltou um guincho e desabou do sofá. Ana correu até a mesa de centro e ligou o laptop. Bruno ligou a televisão. O apresentador do telejornal ainda citava o nome das universidades que divulgaram os resultados e uma lista aparecia atrás dele. Ana ficou histérica quando achou a Universidade Federal do Paraná na lista. A USP era a primeira da lista, e não demorou para que a PUC de São Paulo também fosse citada. Claire socou o laptop para que ele ligasse Após uma certa dificuldade para conectar a internet, Ana digitou rapidamente o nome da Universidade no Google e clicou em um link que redirecionou para uma página do vestibular. Ela tremia e a abriu a página de classificação. Ele escolheu o seu curso e fechou os olhos, nervosa, quando a página abriu.
- Você passou! – gritou Bruno.
Ana parou de respirar. Ela abriu os olhos e arregalou-os ao ver seu nome na página. Sua classificação tinha sido quinto lugar em odontologia. Ela tremia tanto e sua tão frio que Claire pensou que ela iria desmaiar. Ela levou as mãos a boca e não sabia o que fazer mais. Quinto lugar. Ela começou a chorar e Bruno a abraçou, enquanto Claire fechou a janela e procurou pelo site da PUC de São Paulo. Ela já tinha seqüestrado o computador. Mordia o canto da boca e fez o mesmo percurso que Ana, esta se apertou com a amiga na tela do laptop e Bruno fez o mesmo pelo outro lado. A página se abriu e Claire rolou a barra lateral a procura de seu nome. E, finalmente, encontrou-o. Passara em Medicina! E de primeira! Ela soltou um berro e os outros dois gritaram com ela. Ana abraçou com força e Bruno bagunçou seu cabelo.
- Octogésimo nono lugar. – resmungou ela. – Isso é estar fora da lista dos dez piores por uma posição.
- Agora é a vez do Bruno, vamos! – Ana incentivou a loira.
Claire entrou no site da Fuvest e repetiu o processo. Bruno sentia o estômago revirar. Elas haviam passado muito bem, talvez não tivesse ido tão mal assim... uma terceira página carregou e logo procuravam por Bruno Perez. Ao chegarem em B, acharam outros Brunos, mas não ele. Claire segurava o mouse e ficou enjoada. Ela apertou os olhos, procurando o nome do amigo, mas foi inútil. Ana não acreditou, estava chocada. Ele não estava lá. Não havia passado.
Bruno engoliu em seco. Pensou que tinha passado por breves segundos, mas a verdade era que ele sempre soube que não havia sido aprovado. Mas ter a certeza disso o destruiu. Sentiu-se tão frustrado, tão angustiado. Queria acordar daquele pesadelo. Ele escondeu o rosto com as mãos, pressionando os olhos lacrimejados. Ana se levantou e assentou-se do outro lado dele e apertou seu ombro com a mão. Para ele, ter passado naquele vestibular teria significado uma vida inteira. Claire passou o braço em seu ombro e ela e Ana se olharam. Era horrível vê-lo assim. Então ele começou a chorar. O coração de Ana partiu.
- Sinto muito. – murmurou Claire. – Você vai tentar de novo, vai passar, Bru. Não fique assim.
Isso só o fez chorar ainda mais forte. Claire resolveu se calar e deitou a cabeça no ombro dele. Na verdade, agora ele passaria os dias sozinho, Ana ia embora e Claire estudaria tanto que não teria muito tempo para dar-lhe atenção. O trio ficou sentado no chão da sala por horas. Foi uma melancólica despedida.

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