Quando acordei naquela manhã, eu era um nada. Meu corpo estava muito pesado e mal conseguia abrir os olhos em um primeiro momento. O cansaço mental foi tanto na noite passada, que agora havia um vazio dentro de mim e de minha mente. Uma escuridão, um vácuo me corrompia, como se as palavras ouvidas por mim ontem à noite tivessem se apoderado de mim e me corroessem a cada instante.

Ao sair do quarto, pude ver nos olhos de Macquarie que a preocupação se transformara em pavor ao me olhar. Não foi pela minha aparência, já que eu estava vestida normalmente e mostrava uma expressão facial normal. O motivo de tanto temor fora o meu olhar. Ao me ver no espelho anteriormente, percebi um olhar vazio e medonho, mas não refleti sobre ele, como normalmente faria se eu estivesse em sã consciência. No entanto, pude senti-lo piorar sua escuridão quando Macquarie, receosa, soltou em súbito o pedido que Yuri a fizera na noite anterior. Meus olhos fitaram os dela, fazendo-a petrificar de medo. Mas, ao invés de ser rude tanto quanto meus olhos, respondi-lhe um simples \"ok\" e saí de minha casa, rumo ao Kaleido Star. Afinal, a minha idéia era justamente ir até lá. Estranhamente, minha mente começou a pensar somente em coisas novas com relação à nova peça do Kaleido e em relação à minha técnica, e eu gostaria de começar a colocá-las em prática naquele mesmo segundo.

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Junto à escuridão do meu olhar podia-se notar, no entanto, determinação. Macquarie não soube explicar o que sentiu além do medo e da preocupação, mas eu parecia saber exatamente o que fazer dali em diante, como se nada tivesse acontecido há algumas horas atrás.

Não consegui dormir mais do que 3 horas naquela noite. Eram 5 horas da manhã e eu já estava no Kaleido Star, treinando apenas com o intuito de esperar por Layla. A busca pelos motivos que me levaram a não ficar em sua companhia na noite anterior não saíam da minha cabeça. E se aconteceu algo nesse meio tempo... Eu jamais me perdoaria.

Felizmente - ou talvez não -, não demorou muito para que eu a visse... Ou, pelo menos, visse parte dela, já que a mesma não parou na sala de treinamento nem para me dar bom dia. Apenas vi louros cabelos passando reto pela porta e os passos de seus saltos se afastando. Resolvi segui-los, é claro. Não tive outra escolha, na verdade. Meu coração palpitava ao vê-la ali, mas estava acelerado e cheio de dúvidas em relação ao seu estado. Estaria ela melhor?

Por conta dos meus pensamentos, demorei mais do que devia para segui-la. Quando percebi, ela havia entrado na sala de Kalos. Obviamente, eu não entraria ali sem permissão, nem que batesse na porta. Portanto, esperei-a sair.

O coração parecia querer sair pela boca quando ouvi o barulho da porta se abrindo, mais ainda quando a fitei diretamente nos olhos. Senti uma energia terrível ao mirar aqueles olhos vazios, sem fim e determinantemente desafiadores, e sua postura me trouxe uma certa angústia, não sei de onde. Aquela era mesmo a Layla...?

- Siga-me - disse-me rudemente, quebrando qualquer pensamento que eu poderia ter aquela hora. Nunca havia me tratado de forma tão estranha e, pelo visto, não tinha sido o único, já que antes que ela fechasse a porta do escritório de Kalos, pude ver a expressão perturbada do mesmo.

Era quase impossível que ela estivesse \"tão bem assim\". Não parecia ter sofrido o que sofreu ontem, muito menos ter ligado. O que teria acontecido com ela? Estava irreconhecível, mesmo tendo dito apenas uma palavra até agora. O que perguntar a ela? COMO perguntar a ela...? Acho que minha mente nunca esteve tão cheia de dúvidas como nos últimos dias...

Ao chegar à sala de treinos, ela mal me esperou. Tirou a sua jaqueta de sempre, colocando-a em uma cadeira e virou-se para mim de um jeito imponente e forte, não do jeito \"Layla\" de sempre, mas um jeito, no mínimo, estranho. Enquanto se alongava, dirigiu-me a palavra.

- Falei com Kalos a respeito da nova peça. Eu não estava nem um pouco contente com a técnica proposta pela Mia, por isso, resolvi fazer algumas mudanças. Tive várias idéias e Kalos me autorizou a colocá-las em prática. - ao me dizer isso, pensei que \"talvez\" ela tivesse imposto essa condição ao Kalos, e não pedido autorização, mas enfim... Apenas a observei dizer aquele monte de palavras, as quais não tinham nexo algum com o que havia acontecido ontem.

- Por que isso agora? - perguntei normal e seriamente, como se nada houvesse acontecido. Tenta ruma conversa sobre ontem era o que eu mais desejava, mas estava difícil... Até a sua próxima fala.

- Porque a idéia de Mia para a nova técnica estava... Fácil demais. Melhorá-la será a melhor opção para tornar a próxima peça... Inesquecível

Ao dizer isso, a fitei em silêncio como nunca havia feito antes. O modo como frisava algumas palavras nas suas frases, o modo de se mexer, o modo de me olhar... Tudo estava assustador e contrário ao que ela costumava ser. Parecia ter... Perdido a personalidade que tinha, ou pelo menos parte dela. As dúvidas e inquietações aumentaram tanto na minha cabeça que não agüentei ficar mais tempo calado.

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- Layla... O que foi que aconteceu ontem?

Perguntei calmamente, porém, preocupado. Pensei que ela ficaria muda, mas enganei-me mais uma vez. A resposta que recebi foi a mais rápida, grossa e inesperada. E o pior: não tinha nada a ver com o que eu havia perguntado.

- Suba, não temos tempo! - ignorou completamente a minha pergunta e subiu na base do trapézio mais próximo a ela em questão de segundos. \"Muito bem, já que quer assim, vejamos em que mais você mudou\", pensei, enquanto subi na base oposta à dela. Observei-a fazer os primeiros movimentos sem piscar. Estavam mais precisos e menos vivos que o de costume. Nem imaginava o que viria a seguir. O pior que eu podia esperar - e até o que eu não podia - aconteceu. Eu não entendi de início, mas me deu calafrios. Aquilo que estava vendo não era o que Layla costumava fazer, muito menos era algo positivo para a próxima peça no Kaleido Star. Toda a energia do palco se concentrou nela e foi exposta para mim de uma forma completamente negra enquanto a impulsionava no ar, mesmo participando da técnica com ela. Os braços abertos no ar, a pose forte e sua posição só poderia significar uma coisa: a fênix. E não era algo brilhante, não era algo revigorante, muito pelo contrário. Era macabro, negativo e só me trazia péssimas recordações, por mais que eu tentasse não acreditar que aquela ali era a Layla... A minha Layla.

Uma nova fênix surgia... Não era nada comparado à grande e maravilhosa Fênix Dourada, ganhadora do maior festival do mundo. Não cabia mais em Romeu e Julieta e, aliás, não acredito que caberia em peça alguma, nem se fosse de terror. O que estava diante dos meus olhos não era mais algo fabuloso ou digno de se amar, mas sim, um motivo de pavor e angústia que jamais pensei ter e que jamais conseguiria descrever para alguém. O pior animal que poderia ter existido em toda a face da Terra acabara de surgir diante do meu olhar: uma Fênix... Negra.

Minha mente despertou da escuridão em que eu me encontrava quando o trapézio escapou das mãos de Layla e esta caiu na rede de proteção, bem no \"grand finale\" de sua técnica. O alívio no meu rosto, pela técnica não ter sido completada a ponto de que eu não pudesse mais respirar, era claro. Mas ele não durou muito, ao que percebi que ela já havia se levantado para repetir o que tinha feito há segundos atrás. O olhar determinado e perfurante, de tanto ódio, já dizia que ela não pararia por nada, o que me assustou ainda mais, por mais que isso já fosse esperado, vindo dela. Mas o que viria a seguir? Não tinha como imaginar. Se de primeira, ela já havia tirado o meu ar, imagino quando a técnica estivesse pronta... Que surpresas mais eu teria naquele dia? Já não bastava tentar suportar observá-la naquele estado, quanto mais aquela Fênix Negra e maldita. Minha vontade de falar com ela aumentava cada vez mais, mas, ao mesmo tempo, eu tinha um medo tremendo de que algo acontecesse com ela, caso eu forçasse uma fala, e, evidentemente, acontecesse algo comigo, caso eu tentasse. Mas o amor tinha de vencer... Uma hora ele se revelaria. Mas quando...?

Eu não queria parar de jeito nenhum. Aquela técnica, à medida que eu a aperfeiçoava, apoderava-se de mim, de tal forma que eu não conseguia me conter, tinha de fazê-la de novo e de novo. O mundo à minha volta parecia ter sumido, assim como todos os meus pensamentos. Tudo que eu sentia era apenas eu mesma e os trapézios. Minha mente só estava direcionada à acrobacia, a qual era aperfeiçoada a cada segundo. Nada mais existia além daquilo, nem mesmo Yuri, por mais que ele estivesse ali comigo, impulsionando-me no ar e me ajudando. Eu voava cada vez mais alto e, pela primeira vez, não me importava para onde. Apenas queria que sentissem aquela técnica da forma que eu desejava que a sentissem. E pela expressão de meu parceiro, estava conseguindo exatamente o que eu queria e um semblante de satisfação se formava no meu rosto.

Minha respiração e meu sangue corriam dentro de mim conforme meus pensamentos se conectavam com minhas idéias. Apenas eu existia naquele momento e os outros existiam porque eu queria que o fizessem em minha função e apenas minha. O prazer que sentia ao ver pavor no rosto de quem me assistia era claríssimo e descomunal. Não importava se eu caísse dez, quinze, mil vezes naquela rede de proteção. A cada impulso que eu dava, aqueles sentimentos impregnavam-se em mim e me concediam mais vontade para continuar aperfeiçoando a técnica e minha maior vontade era berrar para o mundo o que eu havia conseguido, para que este ouvisse a minha glória.

Aquela técnica havia me dado um poder incrível, o qual eu jamais tivera ou usufruíra anteriormente. Se eu me olhasse no espelho naquele momento, veria um brilho em meus olhos que jamais sentira antes e chamas ardendo incansavelmente à minha volta, queimando cada parte do meu ser e espalhando-se por qualquer lugar que eu passava. A vitória era minha, e ninguém a tiraria de mim novamente. Ninguém.

Um riso estranho e cruel ecoou por toda a sala de treino. O que aquela risada me fez sentir provocou minha queda do trapézio pela primeira vez no dia. O que era aquilo que estava em Layla? Não era mais ela... AQUILO não era mais ela.

Minha queda fora praticamente imperceptível, já que aquele ser medonho não precisava mais de minha ajuda para ser impulsionado, ele o fazia sozinho. Minha única opção, mesmo que tivessem visto que caí, era sair de lá o quanto antes, pelo menos por alguns segundos, para que o ar voltasse a entrar nos lugares certos do meu corpo. O clima e o ambiente daquela sala estava tão espesso e frio que eu tinha de sair de lá, caso contrário não saberia o que poderia acontecer comigo.

Afinal, o que aconteceu ontem? Enquanto caminhava pelos corredores, não parei de pensar sobre isso. Macquarie estava na mesma situação de desespero que Layla... Isso só poderia significar que ambas sofreram com a mesma coisa. E como a relação de ambas é ligada pelo passado, então só há uma explicação para o ocorrido... Sr. Hamilton. Pude imaginar o que aconteceu, mas não pude imaginar o que ele teria dito para Layla que fosse tão horrendo a ponto de mudá-la daquela forma. Apesar disso, pensar sobre o que aconteceu seria estupidez de minha parte naquele momento. Afinal, havia alguém naquela sala de treinamento que eu não conhecia mais e precisava de ajuda. Não importava o que acontecera, Layla necessitava de ajuda imediata, mesmo que se recusasse. Talvez o fato de não expor seus sentimentos e guardar mágoas dos pais tenha criado aquele monstro que, agora, possuía olhos cor de sangue, por mais que as safiras ainda estivessem nos seus lugares de origem.

Fora a minha vez de mudar o olhar. Parei de andar no mesmo segundo em que minha determinação veio à tona. Se o que ela precisava era de um ombro amigo, ninguém melhor do que eu. E não penso nem no que dizer a ela em relação aos meus sentimentos, porque eles também virão à tona no momento certo. Estava na hora de agir e não de pensar, porque afinal... Eu amo Layla. Sorri de leve e dei meia-volta, caminhando rumo à sala de treinos em que ela - ou alguém na pele dela - estava. E aquele ser não me assustaria mais. Ele conhecerá o verdadeiro Dark Yuri, enquanto Layla perceberá o verdadeiro significado de sua e de minha existência: nós.

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Apesar de minha grande confiança, o coração acelerou um pouco quando me aproximei da sala de treinamento. Ouvi vozes... Incluindo a de Layla, praticamente aos gritos. Apreensivo, apressei meu passo para saber o que estava acontecendo. \"Por favor, que as coisas não piorem mais do que já estão...\", pensei enquanto quase corria. Layla... Estou chegando.