August – POV

Havia se passado um dia inteiro desde que nós atravessamos o "muro" de grades afiadas. Estávamos perdidos em alguma parte do bairro Bela Cintra, pelo menos, era o que Lauren tinha nos contado. Eu não moro aqui, e nunca em minha vida inteira quis morar em São Paulo. Queria voltar para Joinville, minha cidadezinha, tomar meu chimarrão, na companhia de minha esposa, mas, aqui estou eu. Tendo de sobreviver a esse fim do mundo.

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Nós havíamos passado a noite num prédio que parecia ter sido evacuado por completo. Tinha água encanada e um pouco de comida na geladeira. Conseguimos nos manter salvos por essa noite. Mas por quanto tempo?

— Escutem... – a voz de Lauren me retirou de meus devaneios. Eu estava sentado sobre uma poltrona numa sala alheia. Isso, nas condições normais, seria chamado de invasão de propriedade privada. – Vocês perceberam que depois do primeiro dia desse apocalipse nós não vimos nenhum avião no céu?

Levantei uma sobrancelha intrigado. Lauren tinha toda razão, no primeiro dia apocalíptico o céu estava repleto de aviões e helicópteros. Isso claro, sem incluir os aviões da defesa americana.

— Eles devem ter fugido para o porto, para alguma ilha, ou quem sabe algum lugar seguro, como por exemplo o aeroporto flutuante, no Japão. – coloquei meu queixo sobre minha mão e fiquei olhando para Sarah, que estava deitada sobre o grande sofá. Lauren estava de pé no meio da sala com os cabelos louros molhados. Ela havia acabado de sair do banho.

— É uma alternativa, mas se por exemplo esses lugares também estivessem contaminados? Por que não sabemos como essa "doença" se originou e nem como ela afeta as pessoas. – Lauren estendia as mãos, num gesto que demonstrava sua indignação.

— Isso começou há cinco dias atrás, do nada, ninguém sabe como ou por quê. – Sarah se pronunciou, suas mãos passavam pelos cabelos castanhos escuros amarrando-os num rabo-de-cavalo baixo. – Você disse que é agente da CIA, não sabe de nada?

— Infelizmente não. Estou afastada há três semanas, desde minha última missão no continente europeu.

— O que você foi fazer lá? – indaguei autoritário. Lauren me lançou um olhar severo, e eu mantive o mesmo olhar.

— Segredo. – suas palavras chegaram aos meus ouvidos como uma ameaça.

— Peguem suas coisas e vamos! – Levantei da poltrona e me dirigia ao quarto, para colocar a roupa do exército.

— Querido... – a voz de Sarah chegou aos meus ouvidos. Ela estava agarrada ao meu braço e me olhava. – Não seria melhor ficarmos aqui, por mais alguns dias?

— Impossível! – sua face se tornou interrogativa, como se não entendesse o motivo. – Lembra que na zona oeste estava sem energia? Precisamos ir para algum lugar onde tenha gerador, para que com isso, possamos nos manter vivos por meses. É necessário que pessoas trabalhem na SABESP e Eletropaulo para trazer energia e água para as casas. Com o mundo na atual condição, seria difícil encontrar trabalhadores vivos para isso.

— Mas esses lugares não são protegidos?

— Talvez até sejam, mas a segurança seria de baixo nível, e qualquer pessoa pode estar contaminada. E a essa hora, já teria se transformado num desses mortos-vivos. – minha voz soava séria, o olhar de Sarah era de desilusão. Minha esposa sempre fôra uma pessoa gentil e dedicada. Ela não estava acostumada a lidar com situações extremas como essa.

— Então o que faremos agora? – Lauren perguntou cruzando os braços sobre o peito. – Seria melhor traçarmos uma estratégia antes de sair perambulando por aí.

— Vamos voltar ao foco principal, ir para a loja de armas. Depois veremos de lá para onde seguir.

Eu dei as costas e deixei as duas mulheres na sala. Estava na hora de enfrentar o fim do mundo mais uma vez.

~~~

Nicole – POV

Nós havíamos encontrado o irmão de Bella na tarde do dia anterior. Ele estava na companhia dos bombeiros e estavam recrutando sobreviventes. Todos fomos guiados para a faculdade Anhembi Morumbi. O exército brasileiro transformou a grande faculdade num alojamento para famílias que conseguiram escapar da "doença", como eles disseram.

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Fomos revistados um a um, para ver se não tínhamos sido mordidos. Melody foi guiada para uma grande sala, onde eles transformaram num posto médico. Vários alunos do prédio de medicina cuidavam desses pacientes. Eles nos informaram que Melody havia batido a espinha dorsal com força no capô do carro, e isso afetou um pouco sua coluna. Mas nada grave. Apenas a impedia de ficar em pé por um tempo. Miller e Ana haviam se prontificado para passar a noite com ela no quarto, mas foi negado. Disseram que ela deveria permanecer só, por algumas horas.

Bella havia ido falar com seu irmão. Os dois passaram o dia anterior e até algumas horas atrás discutindo alguma coisa. Eu agora não sabia onde ela estava.

Eu e Alan estávamos no saguão da recepção. Observávamos a nossa volta. Famílias estavam abraçadas, alguns rezando no canto, e outros iam até os soldados exigindo que fossem buscar outros parentes. Mas a saída era proibida.

— Não podemos deixar que eles matam nossos parentes lá fora! – um grito foi ouvido numa área do salão. Um pequeno grupo havia se formado dentro da faculdade, e desde o dia anterior, eles gritavam. Dizendo que as pessoas estavam infectadas por uma "doença" e que precisavam de cuidados médicos, não da morte. – Somos pessoas normais! Vivemos em uma nação pacífica!

— Eu não entendo... – Alan comentou baixo, virei meu rosto para ele, seu olhar parecia perdido. Eu soube que ele não havia dormido direito essa noite. – Parece que essa gente não viu o que está acontecendo lá fora.

— Eu entendo um pouco. – falei arrumando meus cabelos. – Muitas pessoas tendem a fechar os olhos para aquilo que não querem ver. Eles estão se negando a acreditar para se manter sãos. E acredito que você deveria compreender isso melhor do que ninguém.

Alan arregalou os olhos e desviou seu olhar de mim outra vez.

— Galera! – uma voz se dirigiu a nós, era Miller. Eu ainda não gostava dele, mas admito que graças a ele Melody ainda estava viva. Eu posso até não me dar bem com ela, mas não desejo sua morte. – A estudante que estava cuidando de Melody liberou a visita. Ana já está lá, querem vir comigo?

Eu e Alan assentimos com a cabeça e levantamos. Seguindo para o quarto onde Melody estava deitada.

~~~

Alan – POV

Subimos uma grande escadaria e fomos até o local onde os militares transformaram num posto médico improvisado. Miller e estava na dianteira e ia abrir a por...

— AAAAAAAARGH!

Era a voz de Melody. Miller abriu a porta com toda a força, eu e Nick o seguimos e vimos que ele retrocedeu alguns passos. Eu não havia compreendido, mas assim que vi a cena que se desenrolava eu senti meu rosto afoguear.

Melody estava deitada de bruços sobre uma maca branca, mas ela estava nua. Apenas uma toalha, também branca, estava sobre sua bunda, tampando a visão. Um rapaz magro estava sobre o corpo de Melody e esfregava as costas dela com algum tipo de pomada. Ana estava na frente de Melody e segurava seus braços. Mantendo-a na mesma posição. Eu podia jurar, que isso era uma cena barata de algum filme pornô.

— Ah! Que bom que vocês chegaram! – Ana se dirigiu a nós. Melody inclinou a cabeça levemente e pude ver que seu rosto estava vermelho. Ela estava nua na nossa frente. Isso já seria motivo o bastante pra deixá-la nesse estado. Ana saiu da frente de Melody e pegou três bancos de plástico que estavam num canto da sala.

Nos sentamos. Eu e Miller evitávamos de olhar para Melody. E percebi que ela também.

— Er... Ah... Onde está Bella? – após eu dizer isso a porta se abriu num estrondo, revelando Bella. Ela estava com um semblante de raiva. Ela ficou parada na frente da maca de Melody com os braços cruzados.

— Aqui está! – voz do garoto que estava sobre o corpo de Melody chegou aos meus ouvidos. Ele tinha uma cara séria, seus olhos eram castanhos num tom puxado para o avermelhado. Seus cabelos eram curtos e repicados. Ele tinha ombros largos, mas um corpo esguio. Ele entregou um pote para Ana. – Passe a pomada nela daqui há quinze minutos, e você mocinha, nada de movimentos bruscos.

— Muito obrigada! – Ana disse a ele soltando um leve sorriso.

— Obrigada mesmo, moço! Você cuidou de nossa amiga. – Nick falou também lançando um sorriso para o rapaz.

— Moço? – ele soltou uma gargalhada gostosa. – Eu sou uma garota. Me chamo Melissa! É um prazer conhecer vocês. – eu, assim como Nicole e Bella estávamos boquiabertos. Ana, Melody e Miller estavam com a expressão calma no rosto, como se já soubessem.

Observei melhor seu corpo. Ela usava uma camiseta do capitão América, seus seios eram visíveis, mas nada que desse pra perceber de primeira, usava uma calça jeans justa ao corpo, e as mãos estavam com luvas.

— Estarei na sala ao lado. Se precisarem de algo, podem me chamar. – Melissa se retirou do quarto. E eu ainda estava confuso.

— Nunca viram uma tomboy antes? – Miller falou alto, nos tirando do transe. Sua entonação me soou ofensiva e eu não sabia o que responder.

— Ela é um amorzinho de pessoa. Quando vocês a conhecerem melhor entenderão. – Ana falou colocando o pequeno pote no chão.

— Tá, tá! Vamos deixar minha enfermeira de lado! – Melody falou arrogante. – Eu quero saber de vocês, vem comigo ou não?

— Como assim? – Nick perguntou. Sua expressão era totalmente confusa.

— Eu não pretendo ficar aqui. Vou seguir o caminho que tracei desde que saí de casa, mas agora... – ela ponderou. Parece que estava escondendo algo de nós. – Enfim! – sua voz saiu cautelosa. – Quero saber se vocês vão seguir comigo, ou ficarão aqui!

Todos nós nos entreolhamos.

— Eu já falei que vou te acompanhar! – Miller falou alto. – Tem alguém que eu preciso encontrar, e não desistirei até conseguir. – um arrepio correu minha espinha. A voz de Miller soou assustadora.

— Eu também vou. – Ana se pronunciou. – Prometi para minha mãe que iria sobreviver. Mas eu quero continuar do lado de vocês, que me ajudaram tanto. Quero sobreviver com vocês.

Eu e Nick nos entreolhamos. Desviei meu olhar para Bella, que encarava o chão. Eu ia tomar a decisão que Bella tomasse. Queria ficar ao lado dela.

— Eu... – Bella balbuciou. – Eu não sei! – ela gritou saindo do cômodo. Eu não pensei, apenas reagi. Levantei do banco fazendo o mesmo cair, e segui Bella pelos corredores.

— Bella! – gritei seu nome. – Bella!

— Pare de me chamar de Bella! – ela me encarou enfurecida. Lágrimas grossas desciam de seus olhos. – Que saco! Meu nome é Bellatrix! Não Bella! Eu detesto apelidos!

— Desculpe... – murmurei. Eu nunca a tinha visto desse jeito.

— Não... Esquece. Você eu deixo. – sua voz saiu baixa e ela limpou as lágrimas que escorriam.

— Você quer ficar com seu irmão, não é? – perguntei me aproximando de seu corpo.

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— Não é exatamente isso... – ela abraçou seu próprio corpo.

— Então é o quê? – eu estava de frente a ela. Eu podia sentir sua respiração pesada.

— Meu irmão me fez uma promessa quando nos encontramos da última vez. – ela começou. – Mas, ontem, ele me contou que não a cumpriu. Ele e o exército montaram esse posto de apoio, mas... – ela começou a soluçar. – Mas meu irmão não cumpriu a promessa.

— E qual foi?

— Ele me prometeu que iria até nossa casa. Cuidaria de minha irmã e minha mãe, mas... – ela respirou fundo e começou a se recompor. – Ele não foi até elas! Deixou elas a mercê desse caos! E se elas não estiverem vivas? – Bella gritou. As lágrimas desciam cada vez mais pelo rosto dela.

Eu puxei seu corpo para próximo de mim e a abracei com toda a força. Eu não sabia o que dizer. Mas sempre dizem que um abraço resolve tudo. Senti suas mãos indo até minhas costas e agarrando a camisa com força.

Um pigarreio nos fez soltar do abraço instantaneamente. Noah, o irmão de Bella, estava na nossa frente, seus braços estavam cruzados e seu semblante era sério.

— Bellatrix, preciso conversar com você! – ela se afastou de mim e seguiu seu irmão. Eu fiquei apenas observando toda a cena. Eles entraram numa sala e ele me lançou um olhar severo.

~~~

Sarah – POV

Já fazia um tempo que saímos do prédio. Estávamos andando pelas ruas desertas. Desde a tarde do dia anterior não vimos nenhuma alma viva na rua. E isso me deixava agoniada. Para onde teriam ido todos os moradores desse bairro?

— A loja fica naquela esquina! – a voz de Lauren chegou aos meus ouvidos. August tomou a dianteira e andou a passos apressados até a esquina. Encontrando a grande loja de armas. Os vidros estavam quebrados. A faixada da loja estava destruída. Saqueada. – Merda! – praguejou Lauren.

— Mas vamos entrar mesmo assim! Quem sabe não achamos alguma coisa. – August falou autoritário. Entrando pelo vidro totalmente destruído.

August pulou o balcão e comecei a remexer nas caixas que estavam nos armários. Procurando pentes de metralhadoras e balas avulsas de pistola. Lauren foi até uma área da loja e encontrou uma grande lança, ela girou a mesma sobre as mãos e viu que poderia usar aquilo como arma. Eu fiquei parada, apenas observando eles se entreterem. Eu não gostava de usar armas, meu marido fez questão de me ensinar, eu acabei acatando por amá-lo, mas não é algo que me agrade.

Um rangido de porta foi ouvido. Vimos que atrás do balcão tinha uma grande porta de carvalho que abriu bruscamente. August, eu e Lauren apontamos nossas armas para a pessoa que se fez presente na loja.

Ele levantou as mãos assim que nos viu. Em ambas as mãos tinha uma arma. Na esquerda ele levava uma escopeta de calibre 12 e na direita um rifle 22.

— Calma! Calma! Calma! Eu venho em paz! – ele gritou. Seu rosto era branco com um tom moreno, devido ao Sol, obviamente. Seus cabelos castanhos escuros estavam bagunçados. Sua testa tinha um curativo improvisado. Ele tinha um rosto quadrado e uma barba relativamente curta. Observei sua roupa. Ele parecia ser um executivo. Mas a camisa branca estava com manchas de sangue, as calças pretas de brim mostravam rasgos e os sapatos negros sociais.

— Quem é você? – Lauren perguntou se aproximando.

— Gael! Gael Caselo! – ele falou tenso. Bom, eu também estaria tensa se tivesse três armas apontadas para mim. – Olha, eu vou abaixar minhas armas e vocês verão que eu não quero briga. – ele fez exatamente o que falou. Colocou as armas no chão, retirando de dentro de um dos bolsos um machado de concreto.

August, eu e Lauren abaixamos nossas armas.

— O que faz aqui? – meu marido perguntou se aproximando dele.

— Eu estava indo para a minha empresa, buscar minha irmã, mas houve uma grande explosão ma estrada. – a voz de Gael soava fria e cortante. – Eu acabei desviando do caminho, e topei com uma horda desses... desses mortos-vivos! Eu segui dias até uma barreira destruir meu carro. Eu pulei essa barreira e vim parar nesse bairro.

Dada a explicação, August pareceu pensar por alguns momentos.

— Está seguindo para algum lugar? – meu marido perguntou severo.

— Sim! – Gael respondeu no mesmo tom. – Quero ir até a empresa e ver se minha irmã está bem.

— Aonde fica sua empresa? – Lauren se pronunciou cruzando os braços.

— Pro centro de São Paulo. Seriam 30 minutos de carro daqui. Mas nas atuais condições...

— Levaria 4 dias para chegar ao destino! – conclui sua frase. Ele me encarou e lançou um sorriso escárnio. Senti meu corpo estremecer com aquilo.

— Topa vim com a gente? – August falou alto. – Não temos para onde seguir, e se sua empresa estiver segura poderemos ficar por lá.

Gael pensou por alguns minutos. Eu não gostava da presença do homem, eu me sentia totalmente incomodada por ele.

— Eu topo! – ele esticou a mão, esperando que August a apertasse. Meu marido fez o que lhe foi esperado.

— Em qual parte do centro fica sua empresa? – Lauren perguntou.

— Guarulhos. – ele respondeu. – É bastante longe, e sem um carro será difícil chegar.

— Nós temos um carro, podemos voltar para o jipe e seguir caminho. A essa hora aqueles zumbis já devem ter sumido. – August parecia animado, ele tinha um grande amor por aquele jipe. E eu soube que deixá-lo para trás foi difícil para ele.

— Mas eu acho melhor acharmos um lugar para ficarmos, por que daqui há duas horas escurece, e seria perigoso sairmos dos arredores. Por que aqui foi totalmente fechado para evitara chegada de zumbis. – Gael comentou alto.

Nos entreolhamos.

— Vamos voltar para o apartamento onde estávamos, ficaremos lá essa noite e partiremos de manhã. – comentei.

Todos assentiram e seguimos o caminho de volta para o apartamento. August e Gael seguiam na frente, enquanto eu e Lauren estávamos atrás.

A presença desse homem me fazia ter arrepios.

E eu não sabia decifrar o por quê.