Filhos do Império - Chapeuzinho Vermelho(Livro Um)

Capítulo Treze - Suzana e Christopher


Harry estava atônito, encarando a cena de olhos arregalados e chocados.
—Não repita isso em voz alta. —Mandou Suzana, sibilando.
—E por que não?
—Por que alguém pode ouvir. —Repreendeu.
—Alguém? Você está falando da Charlotte ou da Fernanda e do Harry? —Ela abriu e fechou a boca. —Achou que eu não lembrava deles dois? —Bufou e riu sarcasticamente. —Por favor, eu contava história pra eles dormirem, Suzana.
—Que seja. Mas alguém pode ouvir.
—Isso importa?
—Muito. —Disse.
—Onde ela está, Suzana? Para de enrolar.
—Você ficará sem resposta pra essa pergunta. —A mulher cruzou os braços em frente ao peito e estava com o olhar teimoso que Harry conhecia bem.
—Por que você tá fazendo isso comigo?
—É para o bem da minha filha.
Nossa filha. —Corrigiu ele bruscamente. —E bem? Seja honesta e diga que isso só fará bem a você e seu egoísmo!
—Ela acha que você está morto. —Disse por entre os dentes cerrados.
—ELA O QUE? —Ele berrou em uma voz de trovão, enquanto se erguia bruscamente da poltrona e encarava a mulher, parecendo tremer por inteiro.
—Era o melhor a fazer.
—MELHOR? MELHOR MINHA FILHA ACHAR QUE EU HAVIA MORRIDO? —Riu zombeteiro, enquanto sacudia a cabeça.
Harry se surpreendeu em notar o quanto aquele gesto lhe lembrava de Charlotte.
—Você foi embora. —Repetiu teimosamente.
—E você sabe o porquê!
—Mas ainda assim era o certo!
—CERTO? Eu vou dizer o que é certo, Suzana. —Alertou em fúria. —Certo teria sido você dizer a ela que o pai necessitou ir embora! Que eu tentei voltar, mas que você proibiu que eu chegasse perto dela! —Rosnou.
—Ela já achava que você tava morto!
—Porque você contou isso!
—Ela não tinha que saber o motivo da sua ida!
—CLARO QUE TINHA! —Ele bufava no meio da sala, tamanho sua raiava.
—Eu não sabia se você voltaria, você poderia ter...
—Mas não morri! —Cortou, a encarando, os olhos verdes faiscavam de raiva.
—PRA ELA SIM! —Gritou de volta.
Foi como um balde de água sobre o homem, que arriou os ombros e se virou, indo até a janela e a abrindo o máximo possível, respirando o ar puro que entrava. Harry viu Christopher esfregar o rosto com as mãos e respirar fundo várias vezes.
—Você não tinha esse direito, Suzana. —Falou, adotando um tom mais baixo, olhando para a noite.
—Eu tinha sim. —Disse ela, secando uma lágrima. —Eu tinha todo o direito.
—Eu preciso vê-la, saber se ela está bem.
—Você não pode.
—Por que está sendo tão egoísta? —Ele se virou e a encarou, os olhos verdes a fizeram recordar Charlotte, a menina sempre tivera muito do pai, incluindo os belos olhos verdes e a irá que sempre contiveram.
—Eu estou sendo egoísta?
—Eu só quero falar com a Charlotte, quero saber como minha filha está...
—Ela está ótima. —Cortou. —Não precisa vê-la pra saber.
—Eu tenho direito de falar com ela.
—O perdeu no dia em que foi embora.
—Eu fui para matar a coisa que matou minha outra filha! —Se defendeu.
Harry viu Suzana se encolher a menção de Katherine e as lágrimas escorrerem novamente, a fazendo secar em seguida.
—E foi por isso que eu disse que você estava morto. —Ela falava baixo, tão baixo que Harry quase não conseguia ouvir com Fernanda. —Porque eu achei que você realmente fosse morrer, então preferi dizer que você morreu na mesma noite que... Que a Katherine. —A dor ao dizer o nome da primogênita foi palpável.
Christopher se apoiou contra a parede e fechou os olhos, respirando fundo, enquanto tentava se controlar e relembrava de sua filha mais velha. O doce sorriso de Kate, o olhar divertido e curioso.
—Por que? —Ele perguntou, a voz carregada de raiva e dor.
—Porque assim ela sofreria só de uma vez. —Suzana secou mais uma lágrima. —E eu me convenci que isso realmente tinha acontecido, era mais fácil.
—Mas eu voltei. —Lembrou e fechou os olhos, parecendo sentir dor. —Voltei por ela e por você.
—Não. —Cortou e o encarou irritada. —Eu disse, na noite em que você decidiu caçar aqueles monstros, que você deveria nos esquecer.
Christopher abriu os olhos verdes e furiosos, a expressão era uma máscara de dor e ódio, o que fez Suzana se chocar ao perceber que já vira aquela mesma expressão tantas vezes no olhar de Charlotte, quase sempre que brigavam, o que foi um choque inexplicável.
Christopher tremia dos pés a cabeça, se desencostou da parede e apontou o indicar trêmulo pra ela.
—Você mandou eu esquecer tudo porque é uma pessoa egoísta e vazia, que tenta controlar tudo a sua volta. —Rosnou. —Sempre tentou controlar a todos e Katherine só estava fora de casa na merda daquela noite, porque você...
—Cala a boca! —Chorou.
—Você não a deixou sair antes, disse que somente depois do jantar e enrolou o jantar inteiro! —Acusou e Harry viu a mulher se encolher mais. —No fim discutiram, ela ficou furiosa e você a mandou ir pro quarto e foi por isso que ela saiu escondida, porque você tentou impedir. Kate não fugiu só para provoca-la, ela fugiu porque estava com raiva de você. A culpa da morte...
—Não repete isso! CALA A BOCA! CALA ESSA MALDITA BOCA, CHRISTOPHER!
—Você vai acabar sozinha, porque ninguém aguenta esse seu maldito controle. —Disse e começou a seguir para a porta.
—Você não tem o direito...
—Eu tenho todo o direito! Katherine era minha filha, assim como Charlotte. —Se deteu na porta aberta e a encarou. —E saiba que eu vou encontra-la.
—Se você chegar perto da minha filha... —Ameaçou e ele riu tamanho sua raiva.
—Não ouse me ameaçar, Suzana. —Alertou, com um sorriso sarcástico e perigoso. —Uma filha minha já morreu por causa desse controle abusivo, não vai acontecer de novo. Você não vai matar mais uma filha minha.
—EU NÃO A MATEI!
—ISSO NÃO DIMINUI SUA CULPA! —Suspirou. —E infelizmente nem a minha, por ter deixado você fazer aquilo, por ter deixado você sempre ter controlado minhas filhas do jeito que você queria.
Harry ouviu a porta fechar com um estrondo, ainda encarava o rosto chocado da tia e viu quando Suzana se deixou cair de joelhos, se curvou e agarrou os cabelos de modo desesperado.
—Harry. —Fernanda sussurrou ao seu lado.
Harry recolocou a tábua no lugar e encarou a irmã, mas a mente estava em Charlotte.
—Eu não sei o que dizer. —Disse ele.
Fernanda concordou, os olhos marejados estavam focando a parede.
—Char pensa que tio Christopher tá morto, achou isso durante todos esses anos e sofreu. —Balançou a cabeça e encarou o irmão. —E se ela souber que a Kate saiu escondida naquela noite por causa da tia Suzana...
—Ela não a perdoaria. —Concordou.
—O que a gente vai fazer? —Se desesperou. —Quando ela voltar, não podemos simplesmente fingir não saber de nada, mas...
—Não sei, não faço ideia. —Suspirou ele e focou o rosto da irmã. —Só tô pensando em como vamos agir com a tia Suzana, agora que sabemos de tudo isso.
—Ela foi cruel e completamente egoísta durante todos esses anos. —Nanda suspirou, sempre fora muito apegada a Christopher, que a tratara, assim como a Harry, como filha.
Harry e Fernanda ficaram em completo silêncio por um longo tempo, mas o rapaz sabia que Suzana ainda chorava na sala, pois sua cabeça estava encostada na parede e ele ouvia os soluços.
Harry se ergueu e devolveu a penteadeira pro lugar e depois se jogou na cama, ao lado da irmã. Ouvindo o primeiro uivo da noite e logo mais uivos se juntavam ao primeiro.

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Charlotte mal aguentava dar mais um passo, porém tentava. O suor escorria gelado em sua pele, que parecia estar pegando fogo de tão quente, principalmente em contato com a prata gelada de seu cordão. Char achava intrigante o modo que a prata do cordão sempre estava fria e em nenhuma ocasião ficava quente, mesmo que a pele dela estivesse ardendo devido a febre, como era o caso naquele momento.
Char ouviu um uivo muito próximo de onde estava e teve um sobressalto, virando para encarar o caminho de onde tinha vindo, o Lobo estava a alguns metros de distância e os olhos dourados fixos na menina.
O Lobo rosnou e salivou de fome, enquanto Char sentia o pânico lhe açoitar. Então a menina virou e correu, correu como nunca fizera antes e sentia a diversão do Lobo a perseguindo, brincando com a caça.
Charlotte ouviu o uivo lhe atravessar e antes de conseguir imaginar qualquer coisa, virou para o Monstro e descarregou a arma, que trazia na mão firmemente, sem parar de correr. Charlotte só notou o erro quando o Lobo caiu e ganiu baixinho. O barulho dos tiros atrairia mais Lobos e ela tola, não havia se dado conta.
Charlotte sentiu o pé deslizar e quando tentou ajustar a postura, notou mais dois Lobos e antes de ter qualquer reação, percebeu o que acontecera. A menina olhou para cima a tempo de ver um Lobo negro uivar frustrado e irritado e compreender que acabara de cair de um dos muitos despenhadeiros do lugar. O vento era tão forte que a chicoteava e dificultava o ar de entrar em seus pulmões, o que a fazia sufocar e logo foi engolida pela escuridão.