Filhos do Império - Chapeuzinho Vermelho(Livro Um)

Capítulo Dezessete - A Deusa do Vento


Kyle estava irritado e inquieto, não conseguiu ficar parado desde o momento que trancara a porta de Char. Ela o enfurecia, mas atraia de forma irresistível, era como um maldito ímã, se colocado na posição correta, atraia com um magnetismo de tirar o fôlego. Kyle se jogou na mesa da cozinha, com um copo de café puro, para qual mal deu atenção, estava ocupado demais perdido em sua mente e batucando impacientemente o tampo da mesa de madeira. A Velha tomava café e o estudava meticulosamente, tentando descobrir o que o deixava daquela forma.
-O qui tu que minino? —Perguntou ela por fim e ele a encarou sem muita paciência.
-Você que veio até aqui, Velha. Eu tô na minha casa, então eu não tenho que dar satisfação nem uma. —Resmungou e a mulher riu de sua irritação.
-Madrugada animada, né? A minina parecí qui tá mexendo cum a tua cabeça. —Ele a encarou severamente. —Ela...
-Não ligo para o que tu pensa. —Bufou. —Pra falar a verdade eu já tô cansado desses jogos, Velha.
Antes que Kitty tivesse tempo pra revidar, o rapaz estava fora da cozinha e ela riu, bebericando seu café.
Kyle saiu de casa e caminhou apressadamente pelas ruas, ninguém o incomodou, geralmente o cumprimentariam, mas estava estampado na sua expressão que ele não estava minimamente interessado em conversar com ninguém. A biblioteca estava quase vazia, o que foi reconfortante enquanto seguia para os fundos do lugar e deixava o cheiro de tinta e pergaminhos antigos lhe inundar as narinas, talvez se achasse algum de seus livros preferidos conseguiria ocupar a mente e o forçar a parar de pensar em sua hóspede irritada, tanto na briga quanto em como ela o atraia, principalmente após vê-la com roupa tão imprópria pra receber convidados.
Kyle não teve sorte em tirá-la da mente, pois quando finalmente achou um livro que queria, recordou dela e respirou fundo, fechando os olhos e apertou as têmporas. Ela não desencadeava só atração, ela conseguia irrita-lo com uma facilidade absurda, ele sabia que não era a pessoa mais calma do Vale Vermelho, contudo ela parecia que, com um simples olhar ou sorriso, podia despertar ira em quem desejasse, principalmente nele.

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Charlotte acordou no início da noite e notou a bandeja cheia sobre a mesa, entretanto ignorou tudo e seguiu para o banheiro, precisava escovar os dentes. Quando voltou para o quarto, notou o homem sentado na cadeira, a encarando, as pupilas dilatadas nos olhos cinza praticamente a despiram da roupa de dormir, que já não era muita.
Kyle a encarou da cabeça aos pés, ela usava novamente um vestido de dormir que lhe grudava ao corpo e exibia mais do que deveria, mas esse, revelava mais ainda, era branco. Charlotte cruzou os braços em frente ao peito, mas o gesto fez a roupa lhe grudar mais, se é que aquilo era possível, ela parecia ter esquecido o tipo de roupa que usava e o encarou de modo irritado.
-O que você quer aqui? —Exigiu e ele suspirou.
-Char, eu...
-Seja direto. —Mandou.
-Sinto muito por ontem.
Charlotte continuou com o olhar duro e expressão irritada, mas sentia vontade de rir, o modo como Kyle se esforçava para não fitar seu corpo, porém ainda deixando os olhos escorregarem por ele, a divertia, embora intimidasse de certo modo. Ela queria levá-lo aos extremos e sabia que agir daquele modo e seduzi-lo era uma vantagem, contudo o modo que ele arrancava suas roupas com os olhos era tão intenso que chegava quase a intimida-la.
-Já acabou? —Ele pareceu chocado com o tom de voz dela. —Se acabou, pode ir. —Indicou a porta e seguiu para a mesa, mesmo que ele não tivesse mexido um músculo e deu um gole no café, que já estava frio.
-Char...
-Vai embora. —Mandou e viu ele se erguer furiosamente e começar a sair do quarto. —Não esquece de trancar a prisioneira. —Zombou, o fazendo congelar na metade do caminho e se voltar pra ela.
Aí está! Pensou ela, se contendo para não sorrir.
-Você não é uma prisioneira! —Soltou irritado, vindo em sua direção e parando a alguns passos dela, a encarando.
-Não? —Questionou em voz alta e com um riso zombeteiro. —Tem certeza disso? Porque eu acho que sou. Se você ainda não notou, eu estou trancada em um quarto e não posso deixar meus aposentos quando quero.
-Que droga, você não é uma prisioneira! —Retrucou. —E eu já disse, se quiser sair...
-É só falar pra Kitty o que ela quer?! —Riu sem humor. —Não! Não direi nada sem ter respostas em troca!
Kyle parecia furioso e ela gostou de ver isso, era o que precisava naquele momento. Desejo e raiva juntos era uma combinação perigosa, ela sabia muito bem.
-Você teima em dificultar as coisas, sendo que tudo é simples!
-SIMPLES? —Gritou de volta. —NÃO É NADA SIMPLES! AGORA VAI EMBORA! —Caminhou durante até ele, o empurrando em direção a porta.
-Para com isso! —Mandou segurando os pulsos dela. —ME OUVE!
-Ouvir o que? —O encarou ferozmente, a voz baixa e irritada, embora pra ela fosse tudo encenação, um jogo. —Que é só eu falar tudo o que aquela velha quer saber? E depois disso? Serei mandada pra casa ou terei que viver aqui? Ou melhor... —Travou a mandíbula. —Quer saber? NÃO LIGO! —O empurrou novamente. —Agora me deixa!
Kyle notou que a respiração dela estava desregular devido a raiva, o peito descia e subia rapidamente, a mandíbula estava travada tamanho sua irritação e os olhos verdes eram selvagens, assim como o longo cabelo despenteado de quem acabara de acordar. E apesar da raiva que ele sentia, não podia negar que ela era tentadora.
Charlotte percebeu que ele havia fixado o olhar em seus lábios e passou a língua para umedecer e provoca-lo, o que o fez engolir a seco e o aperto em seus pulsos ficou mais firme, embora sem machuca-la. Ela abriu a boca e fechou novamente, como se fosse falar algo e tivesse se arrependido, ele estava entre ela e a porta fechada, os olhos escuros devido ao desejo.
Kyle notou o quão próximos estavam, os lábios de Char estavam tão perto dos seus, que ele sentia o ar que saia de sua boca entreaberta toca-lo e o cheiro do café que ela acabara de beber. Por um momento ele sabia o que aconteceria, se aproximou ao ponto dos lábios se tocarem, mas antes de beija-la realmente, escutaram passos no corredor e ela simplesmente o soltou, se afastando e voltando a olha-lo de cima, o que o fez respirar fundo e sair do quarto em seguida, tanto pra se afastar dela quanto ver quem se aproximava e interrompera o que ele tanto queria.
-Num sabia qui ia tá aqui. —Kitty disse, o encarando com um sorriso debochado, o qual fez a irritação ferver seu sangue.
-Vim ver se Char precisava de algo.
Charlotte ouviu a voz grave carregada de raiva e desejo, o que a fez sorrir. Logo respirou fundo e seguiu para o banheiro, não queria Kitty para estragar seu humor. Enrolou no banho o quanto pôde e quando saiu, usando um vestido azul-celeste, não havia ninguém no cômodo, entretanto havia um livro sobre sua cama. Charlotte caminhou até ali e olhou a capa de couro vermelho e antiga, em letras douradas e garrafais estava o título, o que a fez ofegar.

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A DEUSA DO VENTO.

-Meu Deus! —Ela pegou o livro com todo o cuidado e sentou na cama, colocou em suas pernas e o abriu. —Isso é incrível!
Charlotte riu sonoramente, deixando tudo de lado e fixando sua atenção no livro. Kyle havia cumprido sua palavra, estava lhe mostrando o livro que prometera, A Deusa do Vento, quem deu origem a Ventanis.
Na contracapa havia uma mulher flutuando no meio de uma tempestade e trazendo uma espada, de onde saia um relâmpago da ponta, na mão. Char ficou encantada pela imagem, nunca fora religiosa, mas havia algo deslumbrante naquela Deusa. Todos tinham conhecimento sobre alguns deuses mais antigos, incluindo A Deusa do Vento, assim como sabiam que há várias décadas os Monges baniram todo e qualquer livro, considerado por eles, de religiões pagãs, pois foram qualificados como bruxaria.
Charlotte abriu o livro e virou a primeira página, esquecendo por completo da fome que sentia e já se deixando perder entre as palavras do livro, que segurava com um cuidado especial. As letras eram, praticamente desenhadas, em uma caligrafia caprichosa e elegante, logo na primeira página do livro estava a apresentação de quem era A Deusa do Vento:

"A Deusa do Vento, além de dona das tempestades, também era uma guerreira inabalável e incansável, sempre que ia para a guerra, sua beleza fazia todos os homens pararem para observá-la passar.
Sua pele de ébano, olhos de fogo e beleza divina era motivo de desejo nos homens e inveja em algumas mulheres. Mulher de beleza única!
O temperamento selvagem com seus inimigos, os assustava e os fazia tombar diante de seus raios e trovões furiosos, porém não havia mais cuidadosa com os amigos, como uma brisa de verão ao fim da tarde."

Charlotte passou a noite lendo e agradecendo ao fato de Kyle não ter aparecido, estava completamente focada na história, parando somente durante alguns minutos para engolir a comida sobre sua mesa e logo voltando ao livro, o qual lera praticamente metade somente naquela noite, sendo que o livro era grosso e cheio de lendas e mitos sobre A Deusa.
Char guardara o livro cuidadosamente sobre uma cadeira no canto do quarto e colocou sua capa vermelha para cobri-lo, não sabia se Kyle tivera permissão a trazer até ali, não estava preocupada se ele se complicaria, sim em arriscar que levassem o livro antes que tivesse a oportunidade de acabar de ler.
Charlotte estava tão cansada ao deitar, que dormira assim que a cabeça tocou no travesseiro.

Charlotte acordou assustada, sabia que havia sonhado, mas não recordava o que, somente conseguia lembrar de uma doce melodia e o som da água corrente que caia da cachoeira, de milhares de estrelas e uma gargalhada especial e completamente particular, assim como som de chuva. Ela sentou na cama e engoliu o grito de frustração que estava preso em sua garganta, o suor escorria gelado por seu corpo e fazia o cabelo grudar nas têmporas. Quando olhou para a mesa onde costumava fazer suas refeições, teve que engolir um segundo grito ao percebeu não estar sozinha e que Kitty a observava com olhos astutos e curiosos.
-Mas que inferno! —Soltou Char de modo furioso e se colocou de pé bruscamente, surpreendendo a mulher mais velha, que arregalou os olhos para a menina. —O que você quer?
-O qui tu tem minina? —A velha a olhava com certa curiosidade, mas havia preocupação, não pela saúde mental de Char, mas talvez pela própria segurança física.
—Animais enjaulados costumam causar sérios danos ao se enfurecer, mais até que os Lobos livres. —Recordou do pai lhe falando certa vez, quando ela lhe perguntou o porquê de as pessoas não prenderem os Lobos.
Char notou naquele momento que era exatamente como se sentia, um animal preso por correntes fortes, mas não inquebráveis e ela percebeu que precisava passar por Kyle para conseguir arrebentar suas amarras e voltar a usufruir de sua tão amada liberdade. Ela era um animal selvagem, sempre fora, mesmo que sua mãe e o povo mais velho da Vila achasse o contrário, era por isso que ela sempre conseguia o que e quem queria, não importava o grau de dificuldade, quando Charlotte desejava, nem mesmo a parede mais grossa a detinha e o Vale Vermelho com suas paredes de pedra não seria o primeiro a conseguir prende-la de verdade, poderia até demorar, todavia ela iria sair dali e pela porta da frente, fazendo Kyle ser seu guia e aquele que abriria as portas para sua liberdade.
-O que isso importa? —Esfregou o rosto com as mãos de modo cansado, voltando a encarar Kitty em seguida. —Não estou com humor pra jogos hoje, Kitty, então ou me deixa sair ou vai embora e me deixa sozinha.
A velha ergueu as sobrancelhas e viu a menina seguir para o banheiro em uma marcha perigosamente felina, não houve sorrisos e nem deboche como praxe, só um cansaço antigo demais para alguém tão jovem.
Charlotte se afundou até o queixo na tina, depois de encher de água fria, não queria falar ou ver ninguém, mas não estava conseguindo ficar sozinha com sua mente gritando pela morte de Alfred e mesmo Dante. As lágrimas começaram a vir sem autorização e logo ela se deixou soluçar e chorar tudo o que vinha prendendo desde que acordara no Vale Vermelho ou mesmo desde o dia em que a Caravana fora dizimada. Queria tanto ter seu irmão postiço por perto, queria tanto o colo de Harry naquele momento que chegava a doer, estava sentindo uma falta dolorosa dele e de Fernanda, sem contar de sua mãe, que mesmo com todas as brigas era a pessoa que ela mais amava.
Horas se passaram sem que ela se mexesse para sair da tina, não conseguia se controlar e quando por fim retomou o controle das emoções, notou que os olhos estavam inchados e o nariz vermelho, por causa de tanto choro. Porém não deu importância, somente colocou um vestido marfim e saiu do banheiro.
Kyle entrou no quarto e a viu sair do banheiro, notando imediatamente os traços de choro no rosto dela, não imaginava que um dia a veria daquela forma, tão frágil e quebradiça. O rapaz agiu antes mesmo de pensar e se aproximou dela, a puxando para seus braços e ela estremeceu levemente.
Os braços de Kyle eram tão conhecidos e desconhecidos ao mesmo tempo que chegava a enlouquecer, era como se ela o tivesse conhecido de outros tempos, mas ficara tão afastada dali que não reconhecia mais. O perfume lhe era tão familiar quanto seus braços.
Char passou um tempo parada no abraço quente dele, nenhuma palavra dita, mas a cabeça da menina havia se distanciado de toda a bagunça de antes, naquele momento seu cérebro trabalha somente para tentar descobrir quem era Kyle e uma ideia absurda lhe surgiu.
"Animais enjaulados costumam causar sérios danos ao se enfurecer, mais até que os Lobos livres." E ela estava disposta a causar sérios danos.
Char ergueu a cabeça para encará-lo e ele devolveu o olhar. Kyle notou um brilho feroz e faminto nos olhos dela, seus braços em volta do corpo dela e aqueles malditos olhos verdes o fitando tão intensamente o faziam pensar em tantas coisas e nada ao mesmo tempo, mas a gravidade os puxava para o outro e logo ele sentia o sabor da boca dela e suas mãos subindo para os cabelos. Char sentiu firmeza e certa posse no toque dele, a língua quente e lábios macios era reconfortante. Reconfortante e conhecida. Ele a prensou com seu corpo contra a parede e apertou sua cintura, a fazendo sentir um arrepio subir por sua coluna.
-QUE MERDA É ESSA? —Charlotte arfou de surpresa e Kyle deu um passo atrás, encarando o recém-chegado de olhos arregalados.
-Você... —Char o encarava em completo choque, tapando a boca com as mãos e logo as deixando cair ao lado do corpo. —QUE MERDA É QUE VOCÊ TÁ FAZENDO AQUI? —Exigiu e viu o outro homem titubear.
Kyle ainda se sentia meio perdido após o beijo, mas estava encarando o homem furioso na porta do quarto, que olhava Char com uma surpresa que ele nunca vira antes, assim como a viu encará-lo com um misto de raiva e mágoa que fizeram os olhos verdes ficarem extremamente escuros e perigosos.

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