Filha de Apolo

Como enganar uma deusa?


Acordei cedo no dia seguinte, deixei Poppy ainda dormindo e fui até a cozinha. A mãe de Anthony já estava acordada preparando o café da manhã.

— Bom dia - falei ao entrar na cozinha. - Quer ajuda?

— Seria ótimo, Claire - respondeu Maia. - Ponha esses pratos na mesa. Que bom que vocês vieram aqui. Fiquei preocupada quando Quíron me avisou sobre a missão de vocês (Me ajude aqui com o café) e fico feliz em saber que ele fez amigos no acampamento. Aliás, se me permite perguntar - assenti. - Você e Anthony estão namorando?

Senti minha face corar com a pergunta.

— Bem, eu... Não.

Eu nunca consigui falar sobre isso direito, nem com Poppy, então quando a mãe de Anthony resolveu tocar nesse assunto vocês devem imaginar o que eu senti. Toda vez que eu penso em Anthony, desde a primeira vez que o vi naquela cama da enfermaria, eu sinto um frio na barriga, um embrulhado. Eu gosto dele, gosto muito. Acho que ele também gosta de mim, e talvez a gente namore se estivermos vivos no fim dessa semana.

— Tudo bem, não precisa dizer se não se sentir confortavel. Mas ele gosta de você - concluiu.

— Eu também gosto dele - falei.

— Então é só uma questão de tempo - respondeu Maia com um leve sorriso.

Ficamos em silêncio até que Anthony e Poppy viessem, não demorou muito.

Enquanto comíamos e conversávamos uma luz tremeluziu sobre a mesa. Uma caixa com o simbolo das entregas Hermes e com um bilhete em cima se materializou ali. Peguei a caixa, cortei o lacre com a adaga e abri-a enquanto Poppy leu o bilhete.

À Claire

37 Victoria st

Berlin, NH

Claire, avisei a sua mãe que está bem, ela estava um

poço de preocupação. Nesta caixa estão os documentos que pediu.

Continuem bem. Melanie.

Abrimos a caixa e pegamos os nossos vistos e passaportes.

Tomamos café rapidamente, o avião sairia em algumas horas. Poppy e eu vestimos nossas roupas, que agora estavam limpas e cheirando à lavanda. Nos despedimos da Sra Black. Antes que eu passasse pela porta ela disse, pra que apenas eu ouvisse...

— Cuida dele - e eu assenti com um sorriso.

Teríamos que ir à pé até o aeroporto, seria uma caminhada demorada, mas necessária pois não tínhamos dinheiro suficiente pra um táxi. Não tínhamos nem mais dracmas pra tentar pegar a carruagem da danação, mas de qualquer forma eu não queria morrer num acidente de carro com aquelas loucas cegas dirigindo.

Anthony sabia de cor o caminho, então não tivemos problemas com isso. Mas não significa que não tivemos nenhum problema.

Certa vez entramos numa rua comercial muito movimentada, como tínhamos algum tempo, paramos em algumas lojas que nos chamavam atenção. Estávamos distraídos em uma loja de amuletos até que ouvimos uma gritaria e várias pessoas saíram correndo pela rua.

Logo avistamos qual era o problema. Três Dracaenas com pelo menos dois metros e meio de altura armadas com lanças estavam adentrando pela multidão vindo na nossa direção conduzidas pela deusa Éris. Imaginei o que os mortais veriam quando elas nos atacassem, uma gangue de mulheres feias atacando crianças?

— Aí estão vocês, vermes! - disse a deusa com uma expressão aterrorizante.

— Ela é...? - perguntou Anthony.

— A deusa que queria acabar com a gente pessoalmente? É, e parece que ela cumpre o que diz.

Eu precisava pensar num jeito de nos livrar da deusa. Sei que deuses são imortais então lutar com ela não ia acabar em nada bom pro meu lado. Precisava engana-la, uma armadilha seria ótimo, não é impossível capturar um deus, já aconteceu várias vezes. Mas que armadilha? Estávamos numa rua comercial, podía achar alguma coisa útil naquelas lojas. Ela só precisava ficar presa enquanto a gente fugia.

— Então... O que a gente faz? Corre? - disse Poppy.

— Nem pensem nisso! - disse a deusa e gritou pra suas seguidoras - Ataquem!

A deusa assistia a cena em divertimento. Sacamos nossas armas logo que as dracaenaes vieram em nossa direção. Elas eram mulheres meio verdes com a pele pegajosa e corpos duplos de cobra no lugar das pernas, como a minha antiga colega da escola que tentou me assassinar no banheiro (história trágica), Morgan. As dracaenas eram muitos boas com aquelas lanças, atacavam e recuavam quando necessário e acabaram por capiturar-nos a todos.

Cada uma das mulheres-cobra seguravam um de nós com sua lanças apontadas pro nosso pescoço. Éris se deliciava com nossa desgraça. Ela veio até mim.

— Garotinha ingênua, você realmente acreditava que podia sozinha ter êxito nessa missão?

A deusa me encarava com um brilho verde fantasmagórico no seu olhar que já era assustador mesmo sem isso.

— Eu não estava sozinha! - respondi.

— Está falando desses outros, presumo. Eles não são seus amigos, Claire. Você acha que essa garota vai ajudar os olimpianos? Ela quer vingança. Quer destruir os deuses.

Minha cabeça girava, as palavras de Éris penetravam na minha mente enquanto eu ouvia como sussurros alguém dizendo:

— Mentira!

— Não acredite nela, Claire!

Mas as palavras de Poppy e Anthony soaram cada vez mais distantes e eu entrei em transe. Tudo que agora eu ouvia era a voz de Éris dizendo "Mate-os, eles são traidores!" e a dracaena me soltou, eu não conseguia me controlar, as palavras da deusa eram como uma ordem acatada pelo meus músculos contra minha vontade.

POV POPPY

Depois das palavras da deusa Claire veio em minha direção. Ela se movimentava estranhamente, como um fantoche. E vinha em minha direção com sua adaga pronta pra atacar.

— O que fez com ela? - perguntou Anthony apavorado.

— É assim que se planta a discórdia. - disse Éris orgulhosa.

Claire agora estava com a adaga no meu pescoço apenas esperando ordens pra atacar. Porém,um olhar aterrorizado mostrava que ela não queria fazer isso.

— Chama isso de poder? Deve ser muito fácil fazer isso com uma adolescente qualquer - disse, nessa hora Anthony me olhou como se eu tivesse insultado a Claire, eu só estava tentando salvar a gente, cara!

— Ousa duvidar do meu poder? - disse Éris.

— Que mérito pode haver em controlar uma garotinha?

— Não seja tola! Posso fazer isso com qualquer pessoa, monstro ou deus.

— Duvido você controlar essas Dracaenas fortes e inteligentes a ponto de fazê-las discordarem entre si.

As dracaenas se atiçaram com o elogio.

— Eu incitei mortais a provocarem todas as guerras que já ocorreram, eu fui a causadora da grande guerra de Tróia! O quê, se não a discórdia, poderia ser tão poderoso?

— Então porque não prova? Não acha que conseguiria controla-las? - falei cética.

— Se assim quer, vou acatar a isso como seu ultimo pedido, antes que morra pelas mãos da sua amiga.

A deusa caiu direitinho no meu truque. Não ha maior defeito nos deuses que seu orgulho e vaidade, este é o seu ponto fraco; não conseguem resistir a uma demonstração de poder.

Éris mandou que as mulheres cobra soltassem-nos e estendeu sobre elas uma mão. Ela rodeava as dracaenas falando em seus ouvidos, não pude ouvir o quê mas logo as dracaenas encaravam umas as outras com desprezo.

Ela as incitou a brigarem entre si e logo uma delas foi transformada em poeira pela lança da sua semelhante. A luta continuou entre as outras duas. Elas atacavam sem escrúpulos nem precauções. Simplesmente atacavam como se fossem as piores inimigas e logo a segunda se esvaiu. Durante a concentração da deusa em controlar as dracaenas ela esqueceu-se de Claire que logo voltou a controlar-se.

POV CLAIRE

Aos poucos senti novamente meus músculos, estava agora consciente do que acontecia ao meu redor. As dracaenas lutavam uma com a outra enquanto todos assistiam-as se matar, até a deusa carrasca.

Daí então pude me controlar e estava totalmente consciente. A única dracaena ainda viva estava hipnotizada a espera das ordens de Éris. Agora, graças a Poppy, só precisávamos nos livrar de mais uma mulher-cobra e eu estava perto o suficiente pra fazê-lo.

Antes de ter qualquer atenção ataquei contra o monstro. Antes que a adaga a atingisse ela olhou em minha direção e vi a confusão em seus olhos verticais, logo poeira explodiu em todas as direções.

Depois que matei a última dracaena a deusa se deu conta do ocorrido e sua feição mais assustadora que o normal mostrava toda a sua indignação.

— Heroizinhos traissoeiros, como ousam enganar a grande Éris! Vocês vão me pagar!

— E o que você pretende fazer?

— Farei com vocês o que eu fiz com minhas discípulas - respondeu a deusa sem se importar em revelar isso. - Vocês vão pro tártaro!

Tive uma idéia!

— Venham comigo! - gritei.

Corri rua abaixo procurando a loja certa. Anthony e Poppy vinham comigo e a deusa nos perseguia xingando.

— O que vai fazer? - perguntou Poppy.

Entrei numa loja de cosmético. Vi uma mulher aterrorizada escondida atrás do balcão, ela nos viu passar e se escondeu ainda mais. Perto da seção de manicure e pedicure, peguei um pacote de algodão e abri-o.

— Ela não vai conseguir nos controlar se não ouvirmos o que ela diz! - falei.

— E depois, o que faremos?

— Precisamos amarra-la enquanto vamos pro aeroporto.

— Onde vamos achar cordas? - perguntou Anthony.

Poppy olhou ao redor. Foi até outro corredor e voltou com um secador de cabelo nas mãos. Ela cortou o fio da tomada.

— Isso serve? - perguntou ela girando o fio na mão.

— Perfeito. - falei.

Nessa hora a deusa entrou na loja.

— Ratos! Vou transformar vocês em ratos!

— Ela pode fazer isso?

— Não depois que estiver com as mãos presas - respondeu Poppy tampando os ouvidos com algodão e correndo em direção a Éris. Fizemos o mesmo. Poppy tirou alguma coisa do bolso, jogou em direção a deusa e falou "Incantare: Stulti Carcer", eu não sabia o que significava mas percebi que era latim. Daí então Éris não conseguiu sair do lugar, como se seus pés estivessem colados no chão.

— O que você fez? - perguntei expantada a Poppy, mas claro ninguém ouviu.

Depois que Éris ficou presa no lugar Anthony segurou suas mãos enquanto Poppy as amarrava nas costas. Depois peguei uma blusa na mochila de Poppy e enfiei na boca dela.

Então retiramos o algodão dos ouvidos.

— O que era aquilo? - perguntei a Poppy. Ela pôs a mão no bolso novamente e tirou de lá algumas cartas com runas brilhantes pintadas de um lado e nomes em latim no verso.

— São cards de magia. - falou ela - Como eu disse, sei um pouco mais que manipular a névoa.

— Porque não fez isso antes? - perguntou Anthony.

— Eles só podem ser usados uma vez cada e eu não tenho muitos. Precisava guarda-los pros problemas maiores.

— Claro! - respondeu Anthony com ironia. - Os monstros que encontramos até agora foram moleza!

Éris se contorcia e fazia um rosnado tentando falar com a boca preenchida pela blusa colorida de Poppy.

— Que tal a gente focar no agora! O que fazemos com ela? - perguntei apontando pra deusa que nos encarava com seu olhar assassino. Acho que depois disso Éris iria nos amaldiçoar pra sempre, esses deuses gregos guardam rancor que é uma beleza!

— É melhor a gente deixar ela aí e ir embora logo, esse feitiço não vai durar muito tempo - respondeu Poppy.

— Não podemos deixar ela aqui! Vamos prende-la em algum lugar, me ajudem aqui!

Anthony, Poppy e eu levantamos a deusa e à levamos pra dentro da loja enquanto ela se debatia.

— O que ela come heim? Arf... Arf... Ta precisando de um regime. - disse Poppy, a deusa não parecia gorda, mas realmente pesava pra caramba.

— Hum... Humm! - a deusa tentava renunciar.

Carregamos Éris até o fim da loja. Eu empurrei a porta do banheiro com o pé e ela se abriu mostrando o pequenos espaço dividido entre uma privada - não muito limpa no momento - e uma pequena pia, que agora também abrigaria a nossa querida (só que não) deusa da discórdia.

Pusemos ela lá dentro, amarramos também bem seus pés e depois fechamos a porta do banheiro com a chave que estava numa estante ao lado. Enquanto saíamos da loja vi novamente a mulher escondida atrás do balcão.

— É melhor você não entrar no banheiro - disse Anthony pra ela. - Ele tá, ahn...Ocupado...

Pusemos nossas mochilas no ombro e corremos pro aeroporto deixando a deusa da discórdia - acho que ela devia ser também a deusa dos loucos e psicopatas - pra trás, trancada no banheiro.